17 março 2007

A DIALÉCTICA MARXISTA APLICADA À CONTABILIDADE E OUTRAS OCASIÕES ONDE O BALANCETE SAIU DESACERTADO POR CAUSA DA PROPAGANDA

No tempo em que os animais falavam e as noites eleitorais eram emotivas, as primeiras duas horas de emissão televisiva depois do encerramento das urnas serviam para encher chouriços. Normalmente fazia-se uma ronda pelos partidos onde o jornalista de serviço tentava arranjar um qualquer pretexto de reportagem, normalmente constituído por um quadro partidário, caçado à traição ou devidamente sacrificado, que lá ia repetir a tradicional saudação ao civismo demonstrado mais uma vez nestas eleições pelo povo português… e outras platitudes*.

Muito possivelmente, apercebendo-se do vazio informativo que grassava durante aquele preâmbulo e suspeitando como a audiência devia estar sedenta de resultados, por muito parcos que fossem, nas eleições legislativas de 1980, o PCP resolveu abastecer o jornalista da RTP destacado para a sua sede com resultados muito parcelares – e provavelmente escolhidos, como se perceberá adiante – de algumas mesas e assembleias de voto localizadas em sítios remotos do Alentejo e que haviam sido transmitidas para a sede por funcionários do partido para lá destacados.

Comparados com as eleições anteriores (1979 – e esse trabalho já estava devidamente preparado para que o jornalista o transmitisse), aqueles resultados mostravam indícios de um claro reforço das posições do PCP e da APU – era essa a forma consagrada para exprimir um crescimento eleitoral. O resto da noite desmentiu por completo aqueles indícios: no cômputo global, o PCP e a sua coligação haviam perdido 110.000 votos, correspondentes a 2,0% da votação e ainda 6 lugares de deputados no parlamento. No Alentejo registavam-se significativas transferências directas de votos para a AD, coligação da direita vencedora…

A explicação dada pelo PCP para esta relativa derrota, englobando a presença de muitos emigrantes alentejanos na Suíça naquela altura (Outubro) foi a primeira de outros episódios de justificações imaginativas (uma nota sempre refrescante, num partido não muito dado à imaginação argumentativa e doutrinária) como complemento a resultados eleitorais que não mostravam nenhum reforço das suas posições, antes pelo contrário. Mas o que pretendo aqui destacar foi a ousadia na manobra que, submersa pela avalanche informativa que se seguiu, acabou por passar desapercebida.

A dialéctica marxista tem destas coisas de se apropriar e de dar uma aparência de contabilidade rigorosa a elementos que, num contexto global, acabam por se revelar muito pouco relevantes. As narrativas soviéticas da Grande Guerra Patriótica (Segunda Guerra Mundial) nunca se esquecem de mencionar as operações de resistência na retaguarda das linhas alemãs, chegando ao pormenor de especificar, por exemplo, que no âmbito da grande batalha do Kursk (Julho e Agosto de 1943), nos dias 2 e 3 de Agosto, coincidindo com o ofensiva soviética, houve 8.422 cortes de vias-férreas e 1.478 emboscadas…

Não é preciso ser-se especialista para nos apercebermos da grandeza e do preciosismo suspeitos dos números evocados, para mais quando se trataram de acções de forças irregulares, que estavam, na prática, fora do controlo das cadeias de comando do Exército Vermelho… Mas é compreensível que, para efeitos de propaganda, se transmitisse uma imagem de grande resistência ao invasor por parte dos cidadãos soviéticos que ainda habitavam em zonas controladas pelos alemães e como essa resistência era pró-soviética. Sabe-se hoje que isso não era bem assim, e que havia quem quisesse seguir terceiras vias nacionalistas entre soviéticos e nazis.

Mas o que talvez seja um dos mais esclarecedores exageros de contabilidade e propaganda a propósito da Segunda Guerra Mundial, envolve todos os Aliados e tem a ver com o número de aviões alemães que reclamam ter destruído ao longo do conflito: o Reino Unido apresenta o número de 8.000, a União Soviética 55.000 e os Estados Unidos um pouco mais de 50.000, num total estimado de 113.000. Ora comparando estes registos com os alemães fica-se a saber que estes últimos tinham ou construíram um total de 93.000 aviões durante a Guerra…

Mesmo esquecendo aqueles que foram destruídos em acidentes, sem qualquer intervenção do inimigo, falta explicar onde pararão as carcaças destruídas desses 20.000 aviões que os alemães nunca tiveram…

* É uma palavra agora na moda como sinónimo de banalidade, trivialidade ou truísmo, conforme se pode verificar, empregue neste blogue de referência.

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