31 julho 2021

UMA POTENCIAL XERIFA PARA SAN MARINO?

Esta senhora chama-se Alessandra Perilli, tem 33 anos (o vídeo acima já é um bocadinho antigo...), e cometeu a proeza de conquistar anteontem a primeira medalha olímpica de sempre (bronze) para o seu pequeno país, São Marino, na disciplina de tiro (fosso olímpico). Depois de ter feito história (como agora se costumam empolar todos estes pequenos acontecimentos) e ainda não satisfeita, hoje ampliou a sua proeza histórica, conquistando uma segunda medalha olímpica, só que agora de prata, naquela mesma disciplina e em pares mistos! Temos portanto ali uma atiradora de pontaria indisputável, que, com a conquista de duas medalhas olímpicas, acabou de adquirir para si uma reputação, mais a sua espingarda Beretta DT11 (promoção no vídeo abaixo). Alguém que, tratando-se do velho Oeste americano, seria a candidata ideal no seu regresso, para assumir o lugar de xerifa da sua cidade-estado de 30.000 habitantes. Porém, São Marino, país milenar, situa-se na velha Itália, e com toda essa sabedoria adquirida é pouco atreito à crença na pacificação à lei da bala, não possuísse aliás a cidade-estado a designação oficial de Sereníssima República de São Marino... Mas, não fossem esses factores históricos, e num verdadeiro impulso tardio de genuíno western-spaghetti, teríamos ali a xerifa ideal para a cidade!

UM CONFLITO SUL AMERICANO COMPLETAMENTE OFUSCADO PELA OPERAÇÃO BARBARROSSA

31 de Julho de 1941. A assinatura de um armistício suspende o conflito fronteiriço entre o Peru e o Equador que eclodira no princípio desse mês, por questões do traçado das fronteiras entre aqueles dois países sul-americanos. Do ponto de vista militar, o desfecho foi claramente favorável ao exército peruano, do qual alguns oficiais aparecem na fotografia acima, impantes, sob a sua bandeira. O conflito terminou com uma centena de mortos do lado peruano e um pouco mais de um milhar do lado equatoriano, o que, pela sua gravidade, teria merecido toda uma outra atenção do resto do mundo, não estivesse o Mundo mergulhado simultaneamente em plena Segunda Guerra Mundial, especialmente quando a Alemanha acabara de invadir a Rússia a 22 de Junho de 1941. Nessas outras paragens, o número de mortos cifrava-se pelos milhares, mas a cada dia que passava. Assim, por uma questão de prioridades jornalísticas, e tendo ainda que atender às outras frentes da guerra mundial, a atenção que o Diário de Lisboa dedicou ao conflito sul-americano ao longo do (quase um) mês que durou cingiu-se àquela notícia acima, do lado esquerdo, dedicada ao apelo que a Argentina endereçara aos dois beligerantes para a cessão das hostilidades, notícia que foi publicada no dia 25 de Julho de 1941. Os leitores do jornal nem souberam da assinatura do armistício de que hoje se cumpre o 80º aniversário.

30 julho 2021

QUANDO PARECIA QUE ATÉ O CENSOR FORA DE FÉRIAS...

30 de Julho de 1971. Duas notícias inusitadas na página internacional da edição daquele dia davam ao leitor do Diário de Lisboa a impressão que o censor se distraíra e entrara de férias. Numa primeira (a da esquerda), questionava-se a existência de um português entre a missão que a ONU enviara à fronteira do Senegal com a Guiné-Bissau para investigar as queixas daquele país quanto a intrusões de militares portugueses no seu território. Uma encenação a que a diplomacia de Lisboa costumava não dar propositadamente a mínima atenção, uma regra que era ali quebrada. A outra regra que se quebrava era a referência a Agostinho Neto, o presidente do MPLA, estivesse ele em Pequim ou noutro lado qualquer.

29 julho 2021

JÁ AGORA, E PARA ESCLARECER (AQUILO QUE O PRÓPRIO DEVIA TER FEITO)

A edição de hoje do Público contém o editorial acima, dedicado à questão da (não) declaração do luto nacional por ocasião do falecimento de Otelo Saraiva de Carvalho e da forma habilidosa como tanto presidente como primeiro-ministro contornaram politicamente a questão. Uma questão que, na opinião de Amílcar Correia que assina o editorial, já se pusera anteriormente quando das mortes de Salgueiro Maia e Melo Antunes. O critério dos capitães de Abril seleccionados foi dele (porque não Vítor Alves e Marques Júnior? Ou Jaime Neves?), mas não é disso que aqui quero falar. A páginas tantas, e depois de um pertinente esclarecimento que a decisão de decretar luto nacional compete ao governo e não ao presidente, o texto contém uma passagem crítica pelos critérios erráticos que levaram a conferir tal distinção à irmã Lúcia e a D. José Policarpo, a Hassan II de Marrocos e ao imperador Hirohito do Japão. Na minha modesta opinião, não se teria perdido nada se Amílcar Correia, mesmo que fosse em nota de rodapé, identificasse, um por um, os primeiros ministros responsáveis por tais decisões. Faço-o eu, só para esclarecer, e pela ordem cronológica que o texto não respeita. O luto nacional pelo imperador Hirohito foi decretado por um governo de Cavaco Silva (Janeiro de 1989); o pelo rei Hassan II de Marrocos foi pelo primeiro governo de António Guterres (Julho de 1999); o pela irmã Lúcia foi decretado pelo governo (já demissionário) de Pedro Santana Lopes (Fevereiro de 2005); e o pelo cardeal patriarca D, José Policarpo foi da responsabilidade do governo de Pedro Passos Coelho (Março de 2014). Os exemplos evocados têm «uma coerência sui generis» (nas palavras do próprio editorialista) talvez porque foram decretados por governos de «uma coerência sui generis», digo eu, não sei.

COMO SE CHEGAVA A CONSEGUIR «NOTICIAR» UM CASAMENTO

29 de Julho de 1981. Tinha lugar em Londres o casamento de Carlos, o príncipe herdeiro, com Diana. O verdadeiro acontecimento glamoroso por excelência, que é transmitido em directo pelas televisões de quase todo o mundo, uma audiência potencial estimada na época em 750 milhões de espectadores. Mas a efeméride que quero evocar não é propriamente o casamento, nem sequer o facto de ter sido uma das transmissões de televisão mais globalizadas até aquela altura. Onde vale a pena pôr os olhos, para recordar, é no tratamento jornalístico que o Diário de Lisboa conseguiu dar ao acontecimento... Mesmo tendo-o colocado nas página centrais, é impressionante o esforço a que eles se deram para ir recolher os detalhes mais negativos e os depoimentos mais antipáticos a respeito do casamento: «Bandeiras negras em Belfast», «Explosivos em Buckhingam?» são os subtítulos escolhidos que sintetizam a animosidade da prosa que cobria, lembremo-lo,... um casamento, por muito que lá na redacção antipatizassem com os noivos. Que desagradáveis, que abutres ideológicos! Depois do 25 de Abril, o Diário de Lisboa tornara-se num jornal progressivamente mais faccioso (comunista) mas, por esta altura (1981), quando nos deparávamos com coberturas destas, percebíamos que já se tornara numa merda de um jornal faccioso. Nem a militância podia justificar coisas destas!

28 julho 2021

APONTAMENTOS SOBRE A «NEUTRALIDADE» SUECA DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

28 de Julho de 1941. A ofensiva alemã por terras russas, que começara no mês passado, prosseguia dinamicamente vitoriosa. A Wehrmacht aprestava-se a conquistar Smolensk. Estrategicamente, era ali que se estava a decidir o desfecho da Segunda Guerra Mundial. Havia outras notícias acessórias, a respeito da guerra que os britânicos travavam no Norte de África contra os italianos (e alguns alemães). E havia ainda outras notícias, que o próprio jornal classificava de «diversas», algumas delas mais interessantes do que aquela classificação deixaria supor, como esta que dá conta da prisão pelas autoridades suecas de «17 (militantes) comunistas (suecos), acusados de terem provocado a explosão de dois comboios que transportavam tropas alemãs para a Finlândia, no momento em que estavam parados numa estação sueca.» O conteúdo da notícia é bem mais interessante do que aquilo que o relato seco dos factos deixa transparecer. Torna-se evidente que, com a invasão alemã, os soviético accionaram as redes dos partidos comunistas "irmãos" - neste caso o sueco - para o desenvolvimento de acções clandestinas que sabotassem o esforço de guerra alemão. É ilegal, mas é tão ilegal quanto o facto de que a movimentação de tropas alemãs pelo seu território se tratava de uma violação consentida pelo governo sueco da sua própria neutralidade! Ou seja, e embora o jornal não o expressasse, ficavam todos muito mal na fotografia. Mas não seria o governo sueco, por muito social-democrata que fosse, que iria criar dificuldades a uns alemães que então pareciam em vias de ganhar a guerra. A história da neutralidade sueca durante a Segunda Guerra Mundial contém muitos pormenores manhosos como este. O que eles não tiveram, ao que me consta, foi um professor Fernando Rosas e uma escola de historiadores para apreciar os acontecimentos com a parcialidade política que por cá se pratica.

AS TRADICIONAIS NOTÍCIAS ESTIVAIS SOBRE A DESCOBERTA DE ÁGUAS ESPACIAIS

É uma tradição. Por ser Verão (deve ser do calor) que, para refrescar, se regista uma quase compulsão jornalística para ir descobrir a presença de água noutros corpos celestes. Durante uma década, como aqui me fartei de gozar no Herdeiro de Aécio, o local era a Lua, onde todos as anos se redescobria água. Mas o mais irritante (e cientificamente medíocre) nem era essa insistência ser repetitiva: era o facto de que o anúncio da existência da descoberta de água na Lua ser feito sem qualquer contexto, nomeadamente esclarecendo que a concentração dessa água era 100 vezes inferior à que existia no deserto do Sahara na Terra(!). Assinale-se que a moda da temporada é a de viajar para longe da nossa Lua, ultrapassando Marte (que também tem água!), até às paragens das Luas de Galileu.

27 julho 2021

A ARITMÉTICA EMPOLADA DAS CATÁSTROFES

A 24 de Junho passado, portanto há pouco mais de um mês, um condomínio de luxo em Miami, na Florida, Estados Unidos, colapsou a meio da noite. Durante dias foi um dos assuntos a dominar a actualidade noticiosa mundial. Não vale a pena tornar a detalhá-lo, apenas relembrar o que então se escreveu sobre o número de vítimas, a grande maioria das quais haviam desaparecido debaixo do entulho. Os números que se publicavam cinco dias depois da catástrofe (notícia da esquerda acima), portanto já consolidados depois da confusão inicial, apontavam para um numero parco de cadáveres encontrados até aí (12), mas também para um número muito mais substancial de desaparecidos (149). Portanto, tudo apontaria para uma expectativa de vítimas a rondar as 160, se não se registassem aqueles casos milagrosos de sobreviventes entre os destroços. Infelizmente, não os houve. Ontem, a identificação da última vítima (notícia da direita), depois de uma prolongada e cuidadosa remoção dos escombros, pareceu pôr termo ao ciclo noticioso a respeito do acidente. Todavia, a questão chocante, que é tratada como um detalhe de que a comunicação social não tem que prestar contas ao público, é que o número de vítimas se ficou por um pouco menos da centena (98)! Por muito trágico que tenha sido o número de vítimas provocadas pelo colapso do edifício, alguém se havia enganado escabrosamente ali. Empolamentos de mais de 60% são relevantes em quaisquer circunstâncias e não apenas naquelas que não questionem a (in)competência dos jornalistas. (Outra hipótese, desagradável de alvitrar sequer, é que a incompetência seja de outros e subsistam 60 cadáveres por debaixo dos destroços em consequência da negligência do trabalho dos bombeiros...)

O PLANO QUE AINDA ESTÁ POR CONCLUIR

27 de Julho de 1946. O secretário de Estado norte-americano James F. Byrnes anunciava em conferência de imprensa em Washington que estava «concluído o plano para a partilha da Palestina». A História não se mostra muito simpática para Byrnes, que, aliás, só ocupou aquele cargo por ano e meio sob a presidência de Harry Truman, mas, neste caso, há que ser indulgente para com o seu optimismo ingénuo, que se veio a mostrar prematuro em - pelo menos - 75 anos. Ou, pelo menos, reconhecer que planos houve muitos: o que se tornou difícil foi implementá-los. À data, os técnicos batalhavam com os mapas da Palestina que mostravam a propriedade da terra em 1945 (ao centro - verde para árabes e vermelha para judeus) e também avaliavam as estimativas da população residente em 1946 (à direita - mais escuro para os judeus e mais claro para os árabes). A razão para a ingenuidade de Byrnes radicará provavelmente no parágrafo da notícia que sublinhei: «...esse plano tinha o apoio unânime dos delegados britânicos e americanos à conferência de Londres e fora igualmente aprovado pelo governo britânico.» Não se mencionam os árabes nem os judeus... Talvez devesse.

26 julho 2021

SETE LUGARES...

Uma coisa é garantida: se Portugal tivesse subido os mesmos sete lugares, neste ou até mesmo noutro qualquer ranking (rankings de que normalmente nunca antes ouvimos falar...), o destaque noticioso que o Público lhe daria seria completamente outro, bem diferente do do centro da primeira página. Aliás, apetece repegar os dizeres do título (Portugal cai sete lugares no ranking da inovação e inverte trajectória de subida), para pedir - hipoteticamente - aos responsáveis do jornal para irem aos arquivos mostrarem-nos com que destaque haviam noticiado no passado a trajectória de subida... Googlando o assunto (o ranking da inovação) e a publicação (o jornal Público), a impressão que recolho é que nem se pode falar em destaque, porque nem notícias sobre o tema terá havido no passado*. Ou seja, quando a classificação de Portugal sobe, o assunto nem é notícia, quando desce, vem logo para a primeira página! Até à aparição da concorrência das redes sociais, estaria estabelecido o axioma entre o jornalismo português - transmitido de veteranos para novatos - que o público adorava notícias em que se dissesse mal do próprio país e/ou das próprias instituições: Só neste país! - como no refrão da canção de Sérgio Godinho. O problema (e a ironia) é que, como aqui faço, as redes sociais se apropriaram dessa apetência para se ser auto-flagelatório, tomando agora por alvo a própria comunicação social tradicional que consagrou a prática. E desse dizer mal, desse escárnio e mal dizer, já o jornalismo português parece não gostar, por muito que, como acontece neste caso, as críticas tenham toda a razão de ser. Ou, escrito de outro modo, se as notícias tendem a destacar que o país é uma merda, a sua comunicação social está à altura do que o país é.

* Ainda no mês passado, noticiou-se que «Portugal subiu para 36º lugar num outro ranking qualquer (o da competitividade...), mas o facto não terá interessado de todo ao Público, que nem o noticiou.

25 julho 2021

COMO TRAQUES SONOROS QUE SE SOLTAM NA CASA DE BANHO

Leia-se o que escrevi abaixo sobre Espanha e perceba-se que, visto de fora, aquilo que por cá grassa enforma dos contornos de um fim de ciclo, falho de ideias e de dinâmica política na sua substância interior, mas ainda protegido pelas anteparas de um dispositivo comunicacional que marca os ritmos e os temas do que é publicado e discutido. Ninguém se atreve, no exemplo do destaque acima feito ao discurso do primeiro ministro, a perguntar a António Costa em que consiste concretamente a «libertação total da sociedade» que ele promete - sem prometer, já que só se «pode», não é garantido... - promete que se «atinja no final do Verão». De que aspectos precisos se revestirá essa «libertação»? É uma frase que, aposto, escreveram para ele dizer mas, quanto a conteúdos, António Costa não esclarece e, para além disso, não há condições - nem haverá jornalistas atrevidos... - para lhe pedir esclarecimentos a respeito do que dissera. Estas proclamações não significam nada, e só subsistem indisputadas porque costumam ser pronunciadas em ambientes mediáticos controlados. Estão, para a ciência política, como aqueles traques sonoros que se soltam na casa de banho: é verdade que provocam ressonância, mas não temos que nos preocupar com as suas repercussões... A analogia é cómica mas as consequências são graves: convencem os protagonistas políticos no poder que a ocupação do espaço mediático os perpetua naquele posto por si só.

CARTA DE ESPANHA*, ENTREGUE EM MÃO PELA UPS

Viajar pelo estrangeiro, especialmente em tempo de pandemia, é sempre enriquecedor. Depois de um pouco mais de uma semana na Andaluzia, em que me alojei em quatro estabelecimentos hoteleiros distintos, um conjunto que foi complementado por uma visita indesejada a umas urgências de um hospital, convém frisar que, quanto à importância que por ali se atribui à questão da covid, ela se pode consubstanciar no número de vezes que me solicitaram o por cá tão famoso certificado de vacinação digital: Zero. Nem sequer no hospital... Nesta era em que se tecem loas à globalização, afigura-se-me transparentemente claro que nem tudo se globaliza. O destaque das questões inerentes e decorrentes da pandemia são em Espanha uma fracção daquilo a que aqui assistimos, sobretudo se o avaliarmos pelo que é noticiado na comunicação social. Por lá, o almirante não teria sorte nenhuma em aparecer nas pantalhas, por muito que a herança do franquismo tenha lá deixado um respeito reverencial um pouco bacoco a respeito das altas patentes militares. Na comunicação social, ouvimos falar de outros assuntos, que tem a incomodativa característica de não os vermos discutidos por cá, apesar da semelhança da situação social e económica que os dois países não apenas atravessam como, sobretudo, irão atravessar no futuro. Está em curso, por exemplo, uma acesa disputa entre as comunidades espanholas quanto à repartição entre si (e com o governo central) dos fundos europeus para a recuperação depois da fase da pandemia. Eu bem sei que disputar a alocação do dinheiro não é mesma coisa que mostrar que se sabe o que se fará com ele, mas o contraste não podia ser maior com aquilo a que assistimos em Portugal onde António Costa e o seu governo passam o tempo a encher a boca com a bazuca sem que dêem mostras de fazer a mínima ideia de como a repartir e em que áreas a aplicar. Aqui a bazuca é referenciada como algo muito valioso - como se fosse um espólio sacado de Bruxelas - sem que se concretize em que consiste a valia...
Outra notícia em que descubro um Pedro Sánchez prospectivo e em busca de soluções - que contraste com a vacuidade em torno de António Costa - é numa viagem aos Estados Unidos procurando tranquilizar e captar capitais norte-americanos para o financiamento da economia espanhola. Foi uma visita semi-oficial (veja-se o cabeçalho que insiro) e Sánchez nem sequer foi à Casa Branca para se encontrar com o presidente Joe Biden e, por isso, a visita terá passado fora do radar da comunicação social norte-americana e, por arrasto, da portuguesa. Diga-se que há quem considere que a viagem foi um completo fiasco, mas o que aqui considero importante é que são estes assuntos que vejo a ser destacados na comunicação social e não as rupturas de fornecimento de vacinas ou as conclusões dos comités de sábios sobre quem vacinar. Claro que em Espanha se acompanha o ritmo de vacinação, mas não o transformaram num desígnio nacional! Suspeito que o que acontece em Portugal, nomeadamente quando ao padrão de atenções dispensada pela comunicação social, não é por acaso e não é inocente. Agora, quanto ao efeito da pandemia no quotidiano, a diferença não é grande. O uso da mascarilha (como por lá é designada) convencionou-se, com toda aquela sua ritualização acompanhada de ridículos, como as máscaras repuxadas para o pescoço e para o queixo ou o funcionarito que nos chama a atenção em voz alta para a sua falta, nuns claustros em que não estava mais ninguém e ele a uns 10 metros de nós(!). Igual. O país profundo e rural também. Parámos numa povoação de beira de estrada discreta no meio da Extremadura. Dois cafés gémeos que não devem concorrer entre si. À porta de cada um deles, destacados, autoritários, cartazes impondo a obrigatoriedade do uso de mascarilhas no estabelecimento! Lá dentro, ninguém mas mesmo ninguém as usava. O contraste com os urbanos a que estávamos acostumados, é que ali praticamente ninguém a envergava ao pescoço, ou no cotovelo ou no antebraço. Ali, ¡se cagavan en la leche, coño!
* Carta de Espanha era o título de um velho programa de televisão, com mais de cinquenta anos, quando Espanha representava algo de exótico. A referência à UPS é porque hoje praticamente ninguém envia cartas. E o filme Cast Away com Tom Hanks propiciou uma enorme publicidade à rival FedEx...

23 julho 2021

¡TRANQUILOS!

Cena da Espanha andaluza: um grupo de três clientes com sacos de compras sai de uma loja da Springfield (precisamente a acima fotografada) e a sua passagem desencadeia uma polvorosa do alarme. Continuam pela rua conversando entre si como nada se tivesse passado, os passantes não reagem, nem sequer em olhares, e também ninguém sai da loja procurando inquirir o que desencadeara o disparo do alarme. Nunca assistira a uma cena que me transmitisse de forma tão abrangente e imediata o conceito andaluz de ¡tranquilidad!

UMA INUSITADA «CONVERSA EM FAMÍLIA» NO ESTIO DE 1971

23 de Julho de 1971. Ao serão de há 50 anos tinha lugar na RTP uma singular, talvez a mais atípica, conversa em família de Marcello Caetano. Como se percebe escutando-a, o processo de revisão constitucional atrasara-se, obrigara a uma sessão extraordinária da Assembleia Nacional que se iniciara a partir de meados de Junho de 1971 entrando pelo mês seguinte, o que tornara o Verão de 1971 anormalmente tépido para o que era costume num regime já muito habituado a certos rituais, a suscitar a presença do presidente do Conselho nos ecrãs quase a meio de um Estio tradicionalmente plácido. Recomenda-se a quem não o conheça, a assistir a um pouco da conversa em família para lhe apreciar o estilo, de uma outra época, de um outro século. Com a duração de uma meia hora e preenchida completamente por um monólogo de Marcello Caetano a fazer valer os seus dotes didáticos de professor académico, o conteúdo da conversa que se pretendia íntima com o espectador, a complexidade de algumas passagens do que é explicado, ao nível de uma aula de faculdade de Direito, justificaria muito mais as explicações ulteriores dos Paulos Baldaia ou dos Ricardos Costa da actualidade. Mas nesse tempo não havia tais explicações mesmo quando pertinentes, já que não se pressupunha que a audiência fosse estúpida por defeito, muito menos havia estrelas do comentário televisivo. Mas, mais do que proceder a uma análise comparativa sumária dos procedimentos regimentais entre alguns parlamentos da Europa ocidental, o que terá tornado memorável esta conversa em família em particular, para além da altura do ano em que foi emitida, foi o seu alvo político: a denominada ala liberal. É que, para além do projecto canónico com o patrocínio governamental, houvera mais dois outros projectos de revisão da Constituição em discussão, de origens das franjas reformistas do regime. E, por essa vez, um parlamento que era conhecido pelo seu monolitismo e pelo carácter rígido da coreografia das suas sessões ter-se-á animado com os underdogs a granjearem as simpatias decorrentes do capital de queixa de quem joga as regras do jogo e o perde porque elas estavam viciadas desde o começo. A condescendência e menorização de que Marcello Caetano dá mostras nesta conversa em família em relação àquilo que seria a oposição possível no quadro da abertura do regime (a denominada a Primavera Marcelista), acabou por lhe assentar muito mal. Marcello Caetano não estava a ser gracioso na forma como vencera um desafio que as elites de uma outra geração (hoje octogenários) não concebera para ser assumido pessoalmente pelo chefe do governo. Para muitos daqueles que acompanharam e perceberam aquela pequena meia hora de conversa do presidente do Conselho, a Primavera terminara naquela noite quente de Verão...

22 julho 2021

A BATALHA DE ANNUAL

22 de Julho de 1921. O exército espanhol sofre uma catastrófica derrota militar no Norte de Marrocos. Foi uma derrota tão sangrenta (deixou muitos milhares de mortos), quanto politicamente humilhante, tanto mais que sofrida diante de combatentes irregulares e sem estatuto na ordem internacional. Contudo, ao contrário do que acontecera 343 anos por aquelas mesmas paragens aos portugueses em Alcácer Quibir, e apesar da severidade das perdas, os espanhóis ainda dispunham de reservas militares para mobilizar e reequilibrar tacticamente a situação militar, mas sem meios para atingir o objectivo estratégico da submissão dos marroquinos.

20 julho 2021

PARCIALMENTE PERDIDO NA TRADUÇÃO

Seguia eu por la calle, quando escorreguei e protagonizei um !porretazo¡ Isto de ir ao serviço de urgência de um hospital no estrangeiro, pode não se revestir das incompreensões radicais que acontecem no famoso filme de Sofia Coppola (acima), numa situação vagamente semelhante (raio X e tudo...), mas, mesmo não se tratando do Japão, tenho que reconhecer que ao longo do processo alguma coisa se perdeu na tradução. Felizmente, também dispus de alguém que mostrou a mesma disponibilidade de Bill Murray, e mesmo ainda mais (menos o oferecimento final do boneco...), só que ela não se terá prestado àquelas cenas na sala de espera, enquanto esperava por mim... (reparem nas duas senhoras lá atrás)

A CRISE DE BIZERTA

20 de Julho de 1961: a crise de Bizerta, entre a França e a Tunísia, atinge o seu apogeu. A Tunísia fora um protectorado francês desde 1881 até 1956. Quando a França lhe concedeu a independência, a 20 de Março de 1956, reservou para si o usufruto da base naval de Bizerta. A cidade de Bizerta era um daqueles portos naturais de fundação fenícia que ganharam depois relevância comercial durante o apogeu dos cartagineses e cuja localização se pode apreciar no mapa acima, dispensando as explicações sobre a sua importância no Mediterrâneo central.
Essa concessão da independência à Tunísia por parte da França também deve ser relacionada com a Argélia vizinha e com a guerra subversiva que lá se começara a travar para a sua independência desde há ano e meio. A França aliviara-se das suas duas outras possessões no Magrebe, Marrocos e Tunísia (acima), para se concentrar na Argélia, onde existia uma comunidade de um milhão de europeus que coabitava com uma maioria muçulmana de oito milhões.
Porém, a causa da solidariedade árabe depressa povoou as regiões fronteiriças da Tunísia com locais de treino e refúgio dos insurrectos argelinos da FLN (os triângulos do mapa acima) com a base naval à ilharga a incomodar a sua logística. Mas em 1961, quando se desencadeou a crise de Bizerta, quase tudo mudara. A França, agora dirigida por de Gaulle, desistira de se manter na Argélia e ela parecia enfraquecida, houvera até um pronunciamento militar em Argel para derrubar o governo.
Pelo menos fora esta a leitura do presidente tunisino, Habib Bourguiba, aos acontecimentos de Abril de 1961 em Argel, quando agora pretendia forçar a nota em proveito do seu país através de um pretexto: os franceses haviam procedido a obras de ampliação da pista de aviação sem o participar. A escalada que se seguiu atingiu o seu clímax a 20 de Julho de 1961 com três dias de violentos combates entre os militares franceses e a mistura político-militar tunisina¹ que se lhes opunha.
O desfecho – a captura da cidade propriamente dita pelos franceses – pode ser constatada no vídeo acima. Mas, como já acontecera em 1956 no Egipto com a Crise do Suez e estava em vias de acontecer com a Argélia vizinha, a superioridade táctica francesa não se conseguia concretizar numa superioridade política equivalente. O que ali se conseguiu foi o privilégio de determinar a data de abandono da base, em 15 de Outubro de 1963, só depois da independência da Argélia.
¹ No final desses combates os franceses tinham aprisionado 780 tunisinos, dos quais apenas 419 eram militares, 361 eram civis capturados com armas.

17 julho 2021

O 25º ANIVERSÁRIO DA CPLP

17 de Julho de 1996. Data da fundação da CPLP, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Hoje tem 9 países membros: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Assim, à primeira vista, parecia uma ideia engraçada. À segunda vista e com 25 anos de existência, não tenho ideias, porque não tenho noção da actividade desenvolvida. Nem da identidade ou sequer da nacionalidade de quem a dirige, que descubro ser português. Mas descubro que deve ser giro pertencer-lhe como membro associado, atentando à profusão e disparidade de países que se mostram «oficialmente interessados» nesse estatuto, uma lista que começa alfabeticamente pela Albânia(!) e acaba em Taiwan, do outro lado do Mundo.

15 julho 2021

A ALEMANHA, ESSE PAÍS ONDE OS DESASTRES NATURAIS SE TORNAM «EUROPEUS»

Hoje, no barbeiro, fui confrontado várias vezes - por causa do sistema de repetição... - com esta notícia da Euronews que me despertou a atenção pelo formato peculiar como está redigida, a começar pelo título: Tempestades assolam parte da Europa.

« - É um Verão atípico numa parte da Europa, com tempestades a causarem graves inundações nas partes ocidental e central do velho continente. Em Schuld, na Alemanha, estão desaparecidas mais de 50 pessoas devido ao colapso de 6 casas e às inundações. Um bombeiro morreu afogado noutra cidade durante operações de salvamento de condutores presos por baixo de um viaduto inundado. Há outro desaparecido, levado pelas águas de uma ribeira. Chuvas torrenciais contínuas atingiram a região das Ardenas na Bélgica. A lama inundou casas nesta e noutras regiões contíguas. Prevê-se que a chuva se mantenha até Sexta-Feira, o que poderá levar vários rios a transbordarem. Países Baixos, França, Chéquia e Suíça estão também a braços com fortes chuvadas que provocam enchentes. Por terras helvéticas, as autoridades elevaram o aviso de cheias para o lago Lucerna ao nível mais alto e proibiram o transporte marítimo. Já as terras gaulesas têm assistido a um Verão invulgarmente fresco e húmido

Na realidade, como se percebe facilmente quando se esmiúça o teor da notícia, as consequências graves das inundações concentraram-se quase todas na Alemanha, onde se registaram as dezenas de mortos e de desaparecidos (como se pode ler, de resto, em outros órgãos de comunicação social). Pergunte-se então o porquê desta preocupação em disseminar as consequências do mau tempo, convocando o maior número possível de países para o tornar europeu? Será que a Alemanha pretende projectar-se como um país tão excelentemente governado que, neste canal de notícias, não admite sofrer (praticamente) sozinho as consequências do mau tempo veranil?

A CURIOSA COINCIDÊNCIA DAS NOTÍCIAS ENVOLVENDO 22 MÁRTIRES NO AFEGANISTÃO

Depois da concretização da retirada americana do Afeganistão, a concretizar-se até 11 de Setembro, ainda se trava uma última batalha mediática em solo americano, procurando reverter a decisão. Não vale a pena aduzir razões. Não as desenvolvo aqui porque as opiniões estão formadas e ninguém está interessado em ler opiniões contrárias. Eu também não: eu não leio argumentos de quem ainda defende a manutenção da presença dos Estados Unidos por aquelas paragens depois de vinte anos. Mas agora, parece que entrámos numa fase de argumentação instintiva... Em que, por uma coincidência oportuna, a CNN e as restantes cadeias de informação publicam um vídeo em que se vê que os talibans terão executado 22 comandos governamentais que se tentavam render...
O problema é que havia uns dois ou três detalhes nesta notícia recente que me despertam a sensação de dejá vu... O local onde acontecera - Afeganistão - as circunstâncias - a execução pelos talibans - e o número de vítimas - 22. Afinal, após uma rápida consulta, apercebi-me que circulava por aí uma história (veja-se abaixo um desmentido da France Press) que, em 2019, já era considerada uma «velha aldrabice» (an old hoax), contando a execução de 22 missionários cristãos. Como prometi no parágrafo mais acima, nem argumento. Limito-me a registar a(s) coincidência(s) e o facto dos talibans cometerem aquilo que os jornalistas da CNN descrevem como «estes verdadeiros desastres de relações públicas» precisamente nas ocasiões mais convenientes para quem se lhes opõe...

14 julho 2021

GRANADEIRO, «CIDADÃO DE BEM»

Henrique Granadeiro depõe como testemunha, depois de ter sido ilibado de corrupção e peculato. Assume ter recebido oito milhões de euros em francos suíços de Ricardo Salgado, que haviam sido sacados de um saco azul e sem qualquer documentação contabilística correspondente, mas será aquilo que, na Porta dos Fundos, designaram, a gozar, por Cidadão de Bem. Como o cidadão Fabio Porchat abaixo, Henrique Granadeiro é apresentado como alguém tão impoluto, que só suscita desconfianças...
Numa outra perspectiva, a pragmática, estes julgamentos começam a assemelhar-se aos dos dirigentes da Alemanha aquando da desnazificação. É melhor concentrarmo-nos apenas nos SS (criminosos e criminalizáveis, como Salgado, Berardo ou Vieira) porque, se nos pusermos com moralidades, não sobra quase ninguém entre banqueiros e CEOs daquele tempo...

13 julho 2021

O HOTEL EVA É DOS TRABALHADORES! OS CLIENTES SÓ LÁ VÃO ATRAPALHAR!

13 de Julho de 1981. A situação do Hotel EVA, no centro de Faro, era um dos anacronismos mais visíveis do processo das nacionalizações de 1975. Embora os governos revolucionários de Vasco Gonçalves não quisessem interferir de forma alguma na actividade hoteleira, o hotel acabara na posse do Estado porque fazia parte de uma empresa rodoviária (EVA - Empresa de Viação do Algarve, Lda.) que, essa sim, fora nacionalizada em 1975 conjuntamente com todas as grandes empresas de transporte rodoviário de passageiros. E fora assim que a Rodoviária Nacional EP, que resultara do amalgamento de todas essas transportadoras distribuídas por todo o país, recebera de bónus, um hotel para gerir, conjuntamente com empresas de táxis e de automóveis de aluguer e até uma famosa florista(!) na Rua da Prata em Lisboa... Meia dúzia de anos depois, como se pode ler pela notícia, procurava-se rectificar essas aberrações, no caso cedendo a exploração do hotel EVA a uma empresa privada vocacionada para o fazer. A questão é que os «trabalhadores (estavam) dispostos a lutar contra o desmembramento da empresa». A verdade é que a empresa não estava a ser «desmembrada». Pelo contrário, o hotel é que representava uma excrescência numa estrutura gigante vocacionada exclusivamente para a gestão do transporte rodoviário. Mas a comissão de trabalhadores, completamente dominada pelos comunistas, não queria saber dessa evidência para nada. A iniciativa era para ser bloqueada e começava por ser bom pretexto para os sindicalistas convocar dois plenários de trabalhadores, um em Faro (naturalmente...) e o outro... em Lisboa (que a questão do hotel de Faro poderia preocupar os motoristas, cobradores, mecânicos e restante pessoal sediado na capital...). Quando se lê esta notícia do Diário de Lisboa, que descreve o bloqueio dos sindicatos em termos medonhamente benignos, até parece que a razão da existência do hotel era possuir trabalhadores, e que os eventuais clientes só lá iam para atrapalhar os direitos dos trabalhadores! Ai do hóspede que reclamasse porque o bife estava mal passado!... Aliás, por alguma razão, se forjara a reputação que toda a hotelaria para lá da Cortina de Ferro possuía os empregados mais ineficientes e antipáticos de todo o Mundo! Uma daquelas conquistas de Abril que, felizmente, Portugal não chegou a conquistar...

ESCUSAVA DE SER ASSIM TÃO OSTENSIVO...

Não que eu atribua grande importância ao assunto, mas agradecia-se algum recato no lavar de roupa suja lá pelas bandas do CDS. Ainda anteontem, quando do anúncio das suas jornadas parlamentares, Telmo Correia (que supostamente dirige o grupo parlamentar), descartava a possibilidade de que se debatessem questões internas do partido. Citando-o: «o debate é sobre oposição no país, é isso que preocupa o grupo parlamentar do CDS». Mais adiante, explicava que convidara pessoalmente o eurodeputado Nuno Melo «numa lógica de integração e de colaboração entre os vários representantes políticos do CDS». Hoje a notícia que se pode ler (do lado direito) a respeito da prestação desse mesmo convidado Nuno Melo é que ele aproveitara o discurso que proferira no primeiro dia das jornadas (ontem) para atacar a liderança do CDS e criticar os cristãos novos do partido. Pelos vistos, o convidado partiu logo a loiça toda... e o aspecto é que não há pai para toda aquela malta. Nem os veteranos como Telmo Correia e muito menos o Chicão.

12 julho 2021

«...IR AO ESPAÇO NÃO É UMA PRIORIDADE. (...) A MINHA PRIORIDADE É IR LIVREMENTE A UM RESTAURANTE»

A notícia da viagem espacial de Richard Branson encheu os cabeçalhos da comunicação social como se fosse um meteorito vindo do espaço, sem pré-aviso e sem explicações quanto ao seu verdadeiro significado. Cumprissem os jornalistas a sua função e os seus leitores aperceber-se-iam que a viagem não foi «histórica» (como a classifica abaixo o Público) e que não «despontou» nenhuma «nova era espacial» (como se escreve no Observador). A organização de Branson anda nisto para ganhar dinheiro - levar turistas endinheirados para o espaço, como se lê naquela notícia de 2017 - e o que os palhaços dos jornalistas andam a fazer-lhes é a conceder publicidade gratuita por eles terem realizado uma banalidade técnica*. Publicidade que, por ser de borla, pode ser desperdiçada na esmagadora maioria de destinatários, que não tem e nunca virá a ter os 250 mil dólares necessários para pagar uma passagem. Agora, aquilo que preocupará essa esmagadora maioria é, em vez das idas ao espaço e no caso português presente, é o problema das idas ao restaurante. Não sei quem é a Sandra Cachide que twittou as verdadeiras palavras históricas de uma nova era impaciental, mas reconheço que ela mostra ali um verdadeiro faro jornalístico para denunciar e fazer-se eco das verdadeiras preocupações sociais, e não aquilo que se percebe ter sido plantado por agências de comunicação. A prioridade das pessoas comuns não é o espaço, a prioridade das pessoas comuns é ir livremente a um restaurante.
*O primeiro voo suborbital tripulado realizou-se em 5 de Maio de 1961

O FIM DAS HOSTILIDADES NA CAMPANHA SÍRIO-LIBANESA

12 de Julho de 1941. Os franceses aceitavam pôr fim às hostilidades provocadas pela invasão britânica dos seus dois mandatos da Síria e do Líbano. A campanha durara um pouco mais de um mês - de 8 de Junho a 12 de Julho de 1941 - e, porque colocara forças britânicas e francesas a combaterem-se frontalmente, é um daqueles episódios propositadamente esquecidos do conflito magno que constituiu a Segunda Guerra Mundial. Já aqui me referi a ele neste blogue numa série dedicada precisamente a esses sideshows mais ou menos desconhecidos da Segunda Guerra Mundial.

11 julho 2021

«...que inquieta a Europa?» A EUROPA NÃO FAZ A MÍNIMA IDEIA DE QUEM SE TRATA!

Esta notícia é um disparate. A verdadeira Europa não faz a mínima ideia quem é o primeiro ministro da Eslovénia. Para o explicar ao pequeno número de portugueses que se interessam por assuntos europeus, a melhor maneira é ir recuperar e recordar aquele famoso vídeo de Outubro de 2007, em que José Sócrates começa por deixar Luís Amado, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, de mão no ar, para depois ir cumprimentar efusivamente algumas das grandes figuras mediáticas europeias da época, como Javier Solana, Angela Merkel ou Nicolas Sarkozy (abaixo). Pois bem, este Janez Jansa é o senhor que cumprimenta Sócrates aos 0:35 segundos de vídeo, que ninguém então sabia de quem se tratava e de que país era, e que Sócrates trata até condescendentemente com alguns calduços no pescoço (ele que experimentasse fazer o mesmo a Sarkozy que até é baixinho e tem o perscoço muito mais a jeito...). Duas conclusões se extraem das imagens: em primeiro lugar que Janez Jansa já anda nestas coisas há muitos, muitos anos: todos os que aparecem nas imagens já se reformaram com excepção de Angela Merkel; e em segundo lugar, e confiando no instinto político demonstrado pela efusividade como aceitava os parabéns alheios, José Sócrates não tomava Janez Jansa em grande conta. E nesses assuntos europeus, José Sócrates sempre foi um bimbo, seguindo as opiniões prevalecentes e preocupado em impressionar o directório. Vir agora plantar uma notícia destas, com a intenção de tentar transformar o esloveno numa segunda edição do húngaro Viktor Orbán só pode ser um exagero disparatado...
Recorde-se que até os calduços que se pregam ao Viktor Orbán são de outro género!...

COMO SE NOTICIAVAM OS RESULTADOS DAS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS HÁ CEM ANOS

A 10 de Julho de 1921 houvera eleições legislativas em Portugal. Elegiam-se os 163 deputados e os 74 senadores que compunham o parlamento bicameral. Os jornais do dia seguinte - de há precisamente 100 anos - publicavam uma primeira panorâmica do que teria sido o desfecho. Em contraste com o que hoje acontece, as notícias do escrutínio atribuem o ênfase à identidade dos eleitos, descartando os números de votos, que eram irrisórios por sinal, considerando o que acontece na actualidade. Exemplo: Afonso Costa recebera no círculo de Lisboa Oriental 4089 votos, menos 336 dos que recebera nas eleições de 1919; por seu lado e ainda nesse mesmo círculo, Tomé de Barros Queiroz, o então primeiro ministro em exercício, recebera 2186 votos, uma subida de 1643 votos. Mas na maioria dos círculos eleitorais, a informação prestada era a identificação dos eleitos. Exemplo: em Guimarães haviam sido eleitos António de Carvalho Mourão, liberal; dr. Domingos Soares, liberal; Miguel Ferreira, dissidente; e Oliveira Salazar, católico (...). O que faria um beirão, a leccionar na universidade de Coimbra, a apresentar-se por um círculo minhoto? Mais do que uma pergunta pertinente, é uma pista sobre a falta de consistência dos candidatos em relação aos locais pelos quais se apresentavam. No computo global, o jornal já antecipava qual teria sido o desfecho das eleições: uma maioria «muito débil» dos governamentais (liberais). Mesmo assim, havia a expectativa que a direita republicana poderia ocupar o poder alternando com o partido democrático, pondo assim fim à hegemonia deste. Uma expectativa que não se iria concretizar.

10 julho 2021

RECORDANDO CRIMES DE ABUSO DA LIBERDADE DE IMPRENSA DE HÁ CINQUENTA ANOS

Entre algumas coisas importantes que a difusão da internet veio estabelecer nas sociedades do século XXI, conta-se o convívio com a pornografia. Como se pode ler acima, para além de a palavra sexo ser a mais pesquisada, existem 4,2 milhões de sites com pornografia, a cada segundo que passa gasta-se €75 em pornografia on-line. Contudo, transportada para dentro de casa, o tópico parece ter perdido o cunho de clandestinidade que anteriormente o caracterizava. E, apreciada pelos padrões actuais, a repressão que incidiu sobre a pornografia reveste-se agora de um cunho absurdo.
Como acontece com esta notícia de 10 de Julho de 1971 - há 50 anos, quando supostamente vigorava a «primavera marcelista» - que dá conta do «julgamento de um caso de execução e venda de impressos pornográficos». Lendo-a, percebe-se que o caso era mais sofisticado do que «impressos»: julgado em Tribunal Plenário Criminal (apresentados pela PIDE) tratava-se antes de uma editora clandestina de livros de literatura pornográfica (aprecie-se o exemplar abaixo), o que, perante o quadro penal então vigente, configurava «um crime de abuso de liberdade de imprensa».
Tem piada ler a expressão «Abuso de liberdade de imprensa» quando hoje as pessoas, exercendo a sua liberdade de consumir pornografia, dedicam-lhe 25% das suas pesquisas.... Porém, apreciada a situação de uma certa maneira estrita, formal e irónica, pode considerar-se que, para o Estado Novo e a repressão que este então exercia sobre a vida pública, os pénis e as vaginas andariam de par em par com as foices e os martelos... É uma associação tanto mais engraçada, quando os nostálgicos de qualquer dos dois lados totalitários da política não devem, ainda hoje, achar piada nenhuma à analogia.

UMA PITORESCA TENTATIVA DE ASSASSINATO/GOLPE DE ESTADO EM MARROCOS

10 de Julho de 1971. A propósito do recente assassinato do presidente do Haiti, vem mesmo a propósito evocar uma tentativa de golpe de estado que teve lugar há precisamente 50 anos em Marrocos e que envolvia também o assassinato do monarca daquele país, o rei Hassan II (1929-1999, acima).
O cabecilha da intentona, vir-se-ia depois a descobrir, era o general Medbouh (1927-1971), um ajudante de campo do rei, que contava com várias cumplicidades do exterior, nomeadamente os comandos e cerca de 1.000 cadetes de uma escola de formação de sargentos do exército marroquino.
O local e a ocasião foram, verdadeiramente, das Arábias: o palácio real de Skhirat, por ocasião das celebrações do 42º aniversário do rei, quando o palácio se encontrava cheio de centenas de convidados ilustres. Os rebeldes irromperam pelo palácio aos tiros, conforme se percebe pelo desenho supra.
O assalto durou umas duas horas, mas o rei conseguiu esconder-se, fugir e depois retomar o controlo da situação, com a convocação de tropas leais. As notícias do dia seguinte ainda não haviam conseguido explicar o que acontecera. Alegando «apoio estrangeiro» aos rebeldes, eram apenas peças de propaganda do regime ameaçado. 

Como acontece, de resto, agora, no caso haitiano, com a invocação da condição de estrangeiros dos assassinos do presidente. Como se o interesse pela liquidação do presidente haitiano fosse uma questão colombiana... Adenda: Nem de propósito, a versão colombiana começa a ser posta em causa...

O INÍCIO DAS CONVERSAÇÕES PARA PÔR FIM À GUERRA DA COREIA

10 de Julho de 1951. Começavam, numa área neutralizada adjacente a Kaesong, no centro da Coreia, as negociações que o Diário de Lisboa descrevia como «uma conferência» que estabelecesse o cessar-fogo na guerra que começara naquela península no ano anterior. Mais do que o exagero, já que o âmbito das negociações seria apenas militar e protagonizado por militares, perpassa pela notícia um certo tom de optimismo que o futuro se iria rapidamente encarregar de desmentir. Quatro meses depois ainda as negociações se arrastavam por minudências entravadas de incidentes como o demonstram as imagens abaixo. No computo global, esta nova fase estática da guerra da Coreia, entremeada de negociações, iria durar dois anos, o dobro do tempo que tomara a guerra de movimento inicial.

09 julho 2021

O QUE PODE REVELAR UM MICROFONE LIGADO

Normalmente estas apresentações não interessam nem ao menino jesus... Para que esta do Mourinho no Roma se tornasse interessante recorreu-se ao expediente de acenar à coscuvilhice do leitor para descobrir o que Mourinho dissera «depois de sair», quando «o microfone ainda estava ligado». São estas habilidades que me fazem reconhecer mérito a quem trabalha a imagem mediática do treinador, habilidades essas que nunca acontecem por acaso e que complementam espectacularmente as eventuais qualidades - no terreno de jogo mas também fora dele - do próprio José Mourinho. Aqui, é à conta da exploração dessa coscuvilhice congénita que o leitor (do Record, no caso acima) é engodado a estar uma hora(!) a ouvir uma conferência de imprensa (em italiano, legendada em inglês) repleta de lugares comuns, para, no fim da mesma e em alguns segundos, ouvir Mourinho a largar um - Caralho! - porque o microfone tinha caído ao chão... O expediente, apesar de concitar a atenção dos leitores, acaba por se revelar uma fraude, tanto mais quanto ele há outros espectaculares exemplos cinematográficos de microfones inconvenientemente ligados, como é o caso do do tenente Frank Drebin do filme «Aonde pára a Polícia?», que aqui abaixo recordo...

«YOU'RE THE FIRST, THE LAST, MY EVERYTHING»

Para mim esta canção só se me tornou familiar muitos anos depois de lançada, porque era dançada recorrentemente na casa de banho (unisexo!) do escritório de advogados onde trabalhava Ally McBeal na série homónima (acima). A letra é um contínuo superlativo e a voz de Barry White dá um cunho quase único à canção. Esta evocação é dedicada.
(Abaixo, uma versão bem mais completa para aqueles que quiserem matar saudades das cenas de casa de banho de Ally McBeal...)

08 julho 2021

RESISTÊNCIA DE APÓS-GUERRA

Retiradas de uma edição de um jornal lisboeta de 8 de Julho de 1946, estas duas notícias parecem ter perdido a importância que então se lhes conferia, pois a versão histórica prevalecente é de que não se registaram episódios sérios de resistência, nem na Alemanha nem no Japão, durante a ocupação a que os dois estiveram sujeitos. Vai-se à Wikipedia e não se encontra nada. Ora os episódios foram sérios: tanto num caso como noutro registaram-se cinco mortes e as notícias têm a chancela da United Press. Restam duas hipóteses: ou trataram-se de episódios de resistência a quem ninguém interessou e ainda hoje não interessa dar qualquer relevância; ou trataram-se de crimes de gangues do crime organizado (no Japão são famosos os yakuzas mas na Alemanha não há "crime organizado") a quem os serviços de informação das autoridades de ocupação pretenderam dar uma conotação política que eles não teriam.

07 julho 2021

PORQUE É QUE ESTA CONTRADIÇÃO FLAGRANTE NÃO PARECE INCOMODAR NINGUÉM?...

Recapitulemos, começando por usar duas notícias do mesmo jornal publicadas com quase precisamente dois anos de diferença - 5 e 6 de Julho de 2019 e 2021, respectivamente. Na mais antiga, é-nos dado conta que o antigo ministro da Defesa, Azeredo Lopes, fora constituído arguido no quadro das investigações que estavam a decorrer por causa do caso do roubo das armas em Tancos. Como escrevia no momento o novel arguido, num comunicado que tornou público: «Não escondo que esta situação me desgosta e constrange, pois a condição de arguido, sendo juridicamente garantística dos meus direitos, é socialmente destruidora.» Foi socialmente destruidora, e talvez um pouco mais do que isso, já que, quase um ano depois (26 de Junho de 2020) era notícia (abaixo e ainda no mesmo jornal) que o «juiz de instrução Carlos Alexandre» decidira «levar a julgamento todos os 23 arguidos do processo de Tancos, incluindo o ex-ministro da Defesa José Azeredo Lopes (...) pronunciá-los nos mesmos exactos termos em que foram - haviam sido - acusados» (...pelo Ministério Público). Na minha modesta opinião, tratava-se de uma decisão judicial que já não se poderia camuflar por detrás do garantismo jurídico propiciado pela condição de arguido, como Azeredo Lopes fizera no seu comunicado do ano anterior.
A situação aparentava ser cada vez mais delicada para o antigo ministro da Defesa quando - para voltar às duas notícias iniciais - o Ministério Público dá agora uma colossal pirueta no seu caso e aparece a pedir a sua absolvição das acusações que ele próprio (MP) anteriormente fizera, acusações essas que depois o juiz de instrução Carlos Alexandre avalizara! Eu não sei se isto é frequente em processos judiciais, este gesto do acusador - o Ministério Público - se contradizer frontalmente em duas fases distintas do mesmo processo. O que eu sei é que, se acontece e quando acontece, cada episódio precisaria de ser cuidadosamente explicado e escalpelizado. E sobretudo, quando a disparidade é deste calibre e desta visibilidade, saber quem se enganou, e o que é que se pretende fazer para que incidentes do género não se repitam. «O procurador Manuel Nunes Ferrão não seguiu, assim, numa parte central, a acusação proferida pelo Ministério Público (de que ele faz parte...), e apoiada em toda a linha pelo juiz de instrução criminal, Carlos Alexandre.» Na continuação o artigo embrulha-se em detalhes técnicos mas sem dar resposta à pergunta principal: que procurador é que se enganou? O que deduzira as acusações iniciais, ou este, que as ignorou?É que tenho que reconhecer que, se eu estivesse no lugar de Azeredo Lopes, em função do que aconteceu nestes dois anos e deste desfecho, estaria fodido como o caralho!!!