28 fevereiro 2018

CRISES DO CAPITALISMO


Uma das notícias destes dias é uma absurda corrida ao papel higiénico em Taiwan. Bastou correr o rumor de que a pasta de papel, matéria prima indispensável para a produção do papel higiénico, iria sofrer um próximo aumento estimado entre 10 a 30%, para que se registasse uma corrida dos taiwaneses aos supermercados onde, como se observa nas imagens acima, rapidamente esvaziaram as prateleiras. É uma sina do capitalismo produzir de quando em vez estes estampidos absurdos, que se comparam, com desvantagem, com as crises do socialismo, que se manifestavam de uma forma bem mais pacata, veja-se abaixo como as pessoas na Polónia aguardavam pacientemente na fila a sua oportunidade de comprar precisamente os mesmos rolos de papel higiénico... É uma coisa que nos faz muita falta, o papel higiénico. Um rabo sujo é uma imagem transversalmente repulsiva, seja qual for a perspectiva ideológica.

ENERGIA HÍDRICA

Para os convencionais, isto seria uma fotografia de uma fuga de água junto a uma tomada eléctrica, mas, para quem consiga pensar fora da caixa, trata-se de uma demonstração de energia hídrica que, como todos sabem, é uma energia limpa. Se não existissem expressões como as assinaladas o Mundo seria materialmente o mesmo, embora fosse ligeiramente mais chato e houvesse um conjunto apreciável de espertalhões que teriam de se dedicar a outras actividades.

27 fevereiro 2018

O CLÍMAX DO REFLUXO DO ESPÍRITO DA DESCOLONIZAÇÃO

27 de Fevereiro de 1978. Com as declarações proferidas pelo coronel Gaddafi na OUA, Portugal vê-se obrigado a explicar-se na ONU porque é que não descolonizou ainda mais. O dirigente líbio (que mais tarde veio a ser um grande amigo de Portugal) olhou para um Atlas, onde constatou que a Madeira se localizava em latitudes africanas, e deve ter sabido pelos seus serviços de informações que, durante o PREC, aparecera por lá um movimento independentista denominado Flama. A Flama (Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira) tinha até um braço armado, denominado Brima (Brigadas Revolucionárias da Independência da Madeira), como então estava na moda (recorde-se que, no mesmo estilo, cá no contenente havia o PRP e as BR adjacentes). Uma ou outra, a verdade é que, durante o PREC e mesmo depois, os independentistas madeirenses se tinham distinguido por andar a colocar bombas. Muitas. E nesse aspecto a Flama tinha mostrado ter uma acção revolucionária muito mais activa em prol da autodeterminação do povo madeirense do que havia sido feito, comparativamente, pelo PAIGC em Cabo Verde ou pelo MLSTP em São Tomé e Príncipe (essencialmente nada). O problema dos serviços de informação líbios é que eles não haviam captado as subtilezas da política local, o espírito brincalhão de alguns dos seus protagonistas. Tudo aquilo não era propriamente para levar a sério, e, por consequência, o que aconteceu é que eles deixaram o líder fraternal e guia da revolução líbia a fazer uma triste figura ao apoiar uma causa em plena OUA, que já não queria ser apoiada. Dali por menos de três semanas Alberto João Jardim tomaria posse como o 2º presidente do governo regional da Madeira. Há quarenta anos, o governo português sentia-se compelido a emitir uma nota de imprensa, justificando-se do que a distância temporal mostra que era injustificável: Portugal não tinha que se justificar, nem tinha lições de Democracia a receber de uma ditadura unipessoal.

26 fevereiro 2018

O COLAPSO REPUTACIONAL DE ERDOGAN

Desalojando momentaneamente Donald Trump, o presidente turco Erdogan protagoniza o escândalo do dia, ao convidar uma criança (fardada!) de seis anos para o palco de um comício, assegurando-lhe as honras militares se ela morresse em combate. Ganhou o entusiasmo dos adeptos presentes e perdeu (ainda mais!) a simpatia da opinião pública ocidental. A cena está a ser reproduzida sob uma chuva de críticas por toda a comunicação social ocidental (nos Estados Unidos, em França, no Reino Unido, na Alemanha, em Itália...) A nossa percepção do fosso entre a Turquia e os seus antigos aliados (1) (2) não cessa de aumentar.

QUANDO ATÉ A PRÓPRIA APARELHAGEM TIRITA DE FRIO...

O PRIMEIRO ATENTADO CONTRA O WORLD TRADE CENTER


26 de Fevereiro de 1993. Há precisamente vinte e cinco anos tinha lugar o primeiro ataque terrorista islâmico contra o World Trade Center. O processo foi uma bomba de 600 kg que foi transportada numa viatura que foi estacionada deliberadamente num local de um dos pisos do estacionamento subterrâneo comum às duas torres. A intenção era que a imensa detonação fizesse colapsar um dos pilares principais da Torre Um do complexo, destruindo-a, e que esta, ao tomar, fosse embater na sua torre gémea, derrubando-a por sua vez. Por essa vez os cálculos estavam mal feitos e a explosão, embora muito potente, revelou-se insuficiente para os objectivos dos terroristas, e acabou por provocar apenas 6 mortos, embora o número de feridos tivesse ultrapassado o milhar, mas devido sobretudo a estilhaços e às circunstâncias da evacuação dos milhares de pessoas que estavam então nos edifícios (ao contrário dos de 2001, este atentado teve lugar próximo da hora de almoço, pouco depois do meio dia). O valor e o significado deste atentado foram completamente reconstruidos depois de 11 de Setembro de 2001. Na época, poucos anos depois do fim da Guerra Fria, não havia uma percepção clara entre os norte-americanos de que continuaria a haver inimigos que lhes disputassem a supremacia e, a havê-los, quem seriam esses inimigos que sucederiam aos comunistas russos. Os novos inimigos podiam ser externos, como neste caso, mas também podiam ser internos: porque já se passaram 25 anos as pessoas já se esqueceram que apenas dois dias depois deste atentado, a 28 de Fevereiro de 1993, começou o cerco a Waco, um caso que começou por uma acção de resistência armada de uma seita religiosa às autoridades federais, um tiroteio que começou por causar 10 mortos e 16 feridos logo nesse dia; seguiu-se um cerco e outras 76 pessoas morreriam entre os sitiados no dia do assalto final, a 19 de Abril de 1993. É só uma coincidência curiosa que o que esteve na base do incidente foi uma questão de posse ilegal de armas pelos membros da seita... Os meios de comunicação social dos Estados Unidos têm esta propensão inaceitável para se esquecerem das acções do seu próprio terrorismo radical interno enquanto nunca se descuidam de publicitar os outros. Constate-se através da forma como (quase nunca) se evoca o atentado bombista de Oklahoma de 1995, que causou 168 mortos e cerca de 700 feridos...

25 fevereiro 2018

NOBEL


A RTP2 transmitiu recentemente Nobel, uma série televisiva norueguesa cuja acção decorre simultaneamente naquele país e no Afeganistão. Gostei da série mas particularmente do genérico. O trecho de discurso que se ouve inicialmente é o que foi proferido por Barack Obama por ocasião da cerimónia da disparatada atribuição que lhe foi feita do Prémio Nobel da Paz em 2009. A cantora - Ary - é tão desconhecida que a sua página da wikipedia só existe em norueguês.

O GOLPE DE PRAGA - UMA EXCELENTE EFEMÉRIDE PARA EXPLICAR EM QUE CONSISTE A FUTEBOLIZAÇÃO DA POLÍTICA

25 de Fevereiro de 1948. Há setenta anos os comunistas apoderavam-se da exclusividade do poder na Checoslováquia. Não interessa neste momento reevocar como o processo aconteceu, apenas recordar que os comunistas haviam ganho as eleições de Maio de 1946, onde haviam recolhido 38% dos votos e conquistado 114 dos 300 lugares do parlamento checoslovaco - uma maioria relativa, portanto. O Golpe de Estado não consistiu apenas nem sobretudo na demissão dos ministros dos outros partidos da coligação que sustentara até aí o governo no parlamento (acima), consistiu na dispensa que foi concedida a partir desta data ao governo (depois formado quase exclusivamente por comunistas e aparentados) para que continuasse a governar, mas dispensando o escrutínio parlamentar. Todo este episódio é muito engraçado de comparar com o que aconteceu entre nós no Outono de 2015, depois das eleições de 4 de Outubro daquele ano, sobretudo com os argumentos que então foram brandidos de cada um dos lados do espectro partidário. É que aqui eles funcionariam precisamente ao contrário... Os mais indefectíveis votantes da coligação de Direita (Portugal à Frente), que nessa altura achavam apenas natural que a coligação assumisse as rédeas da governação, mesmo que ela não contasse com o apoio de uma maioria parlamentar qualificada, achariam decerto neste caso checoslovaco que a mesma lógica, porque envolvia os comunistas, já não se aplicaria. E vale a pena imaginar o que diria a Esquerda, mormente os comunistas do PCP, se Pedro Passos Coelho recorresse ao apoio de Bruxelas para pressionar o presidente Cavaco Silva a mantê-lo no poder em qualquer circunstância, como o fez Klement Gottwald em 1948, recorrendo à influência de Moscovo para pressionar o presidente Beneš a fazer isso mesmo (abaixo, notícia da época). É mais que certo que se iria encontrar as mesmas pessoas a defenderem posições diametralmente opostas num caso e noutro. Eu aprecio a discussão política quando ela tem lógica, coerência e consistência. Quando a não tem, e os argumentos são aduzidos ou escamoteados conforme as circunstâncias e conveniências, então nada distingue a discussão política da futebolística. E a discussão futebolística nem é um exercício menor, é ainda menos do que um exercício gratuito, é um exercício apenas estúpido, por muito que ele se tenha ultimamente banalizado, por muita benevolência como se tem assistido a uma futebolização progressiva da discussão política.

O 75º ANIVERSÁRIO VIRTUAL DE GEORGE HARRISON

Se fosse vivo, George Harrison completaria hoje 75 anos. George era o mais novo dos quatro Beatles e, apesar da banda ter sido o expoente máximo da idolatria musical daquela geração, nenhum deles pode ser considerado, tecnicamente, um baby-boomer , que corresponde aos nascidos nos dezanove anos que vão de 1946 a 1964.

24 fevereiro 2018

O EFEITO CASCATA GELADA DA IMPLANTAÇÃO DO MARXISMO-LENINISMO

Porque a Rússia é um país intrinsecamente original, é que as consequências daquilo que lá acontece se pode revelar imprevisível. Se a torneira que o vizinho do terceiro andar deixou inadvertidamente aberta pode vir a configurar a espectacular cascata gelada da fotografia acima, imagine-se agora quando, como há cem anos, revolucionários russos se predispõem a interpretar o que fazer quanto à inevitável revolução proletária, tal qual fora profetizada pelo alemão Karl Marx...

«WE LIVE IN A FREE COUNTRY»

24 de Fevereiro de 1988. Por uma sentença unânime dos oito juízes do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, a revista satírico-pornográfica Hustler foi absolvida de ter que pagar uma indemnização de US $150.000 a que fora condenada, por causa de um pedido de compensação que contra ela fora apresentada pelo televangelista Jerry Falwell (1933-2007). Na edição de Novembro de 1983, a revista publicara um falso anúncio, parodiando uma campanha então em curso de uma marca de aperitivos italiana - acima, à esquerda e a cores, um anúncio original, e à direita a versão paródia da Hustler. A campanha, que fora bem sucedida na notoriedade alcançada, envolvia um conjunto de celebridades (o exemplo acima é com a actriz Jill St. John) a falarem da sua "primeira vez", num jogo de palavras de sugestão sexual, mas que se referia prosaicamente à primeira vez que haviam provado o aperitivo. O que tornava Jerry Falwell num alvo apetecível para a paródia era a sua imagem pública como televangelista fundamentalista e reacionário. Mas acrescente-se que o estilo de humor usado pela revista é bastante grosseiro: a hipotética "primeira vez" de Falwell era um caso de incesto... Jerry Falwell processou a revista e o seu dono Larry Flynt (n. 1942). Para nenhuma das partes era uma estreia: a Hustler já fora anteriormente processada e perdera alguns casos, assim como Jerry Falwell também já procurara processar a revista Penthouse (concorrente da Hustler) e também perdera. Num primeiro julgamento Jerry Falwell ganhou e o júri acordou-lhe os já acima referidos US $150.000 de indemnização. Mas Larry Flynt recorreu.

Oito anos depois da sentença do Supremo Tribunal por onde começámos esta história, foi produzido o filme «The People vs. Larry Flynt». Realizado pelo checo Miloš Forman, o filme é uma biografia de Flynt que tem por clímax a sentença de que hoje se completa o 30º aniversário. Protagonizado por Woody Harrelson como Larry Flynt, nesta cena do filme o seu advogado (Edward Norton - na mesma cena, acrescente-se a curiosidade de que o juiz é o próprio Larry Flynt) profere um veemente e eloquente discurso alertando os membros do júri para que façam a distinção entre a concordância com o conteúdo do que é proferido e a preservação da liberdade de expressão. Embora esta seja provavelmente a cena mais marcante do filme, a verdade é que o resultado real (Flynt foi condenado) demonstrou que o processo de julgamento por tribunal de júri talvez não seja o mais recomendado para tais abstracções. A celebrada vitória de Flynt, a preservação da Liberdade de Expressão, só veio a ser conseguida diante de uma Assembleia de Profissionais. E, só para rematar, diga-se que eu tenho sérias dúvidas que o actual presidente daquele país consiga perceber a ideia que Edward Norton tenta explicar no vídeo acima e que acaba vertida na sentença do Supremo Tribunal...

23 fevereiro 2018

A MITOLOGIA DAS REFORMAS ESTRUTURAIS

Assim como desde sempre os arco-íris tiveram uma presença significativa nas mitologias de quase todas as culturas, as suas correspondentes modernas tendem a criar outros mitos que muito se lhes assemelham na forma elusiva como os contemplamos, sem nunca lhe conseguirmos tocar. Veja-se o exemplo das reformas estruturais. Ao fim de tantos anos a falar-se delas e da sua necessidade, já deu para perceber que, como o arco-íris, é uma coisa que existe no céu mas que não chega a tocar cá na terra. É um assunto a que inúmeros agentes se referem: governo, partidos, autoridades de supervisão, comissão europeia, agências de rating, organismos internacionais, trata-se de um tópico (um tema!) ao qual não há cão nem gato que já não se tenha apropriado dele para mandar os seus bitaites. E no entanto, andando na boca de tanta gente (como a veneranda pasta medicinal Couto), se procurarmos em que consistirão as tais reformas estruturais em concreto, nada encontraremos a não ser o consenso que essas reformas estão sempre por realizar. Acontece cá em Portugal, assim como com outros países da Europa meridional; em contraste, nos países da Europa setentrional não parecem ser precisas essas reformas, elas já terão sido realizadas, não se sabe é quais, nem quando, nem como.
Ou então, admita-se, serão países que serão naturalmente estruturados: não precisam congenitamente de reformas estruturais. Ou então só os idiotas é que se atrevem a falar desse assunto... Mas a contradição mais gritante de toda esta história das reformas estruturais consiste em, e porque não há uma lista delas, também não aparecem check lists (ao jeito dos fact check que o Observador tanto aprecia) sobre o que já foi feito e o que falta fazer. Por exemplo, e quanto a reformas estruturais, quantas é que o governo PSD/CDS fez nos quatro anos e meio em que lá esteve, e quais é que deixou por fazer? Não se sabe bem... O que é que o governo da "Geringonça" fez (ou desfez) nestes dois anos que leva no poder? Também não se sabe bem... A avaliação objectiva do tema é fluída mas a ladainha é que se perpetua, abstracta: continua a haver necessidade de reformas estruturais - a cada semana há um qualquer órgão de comunicação social que dá visibilidade a um burocrata qualquer que também acha essa mesma coisa... É como aquela fábula que estabelecia que no sítio onde o arco-íris encontrava a terra existia um tesouro. Nunca ninguém o vira, mas constava para aí que sim, assim como consta por aí - e ninguém contesta! - que, se as reformas tiverem o epíteto de estruturais, então hão de ser boas para a nossa economia (talvez não propriamente para nós, mas essa é toda uma outra conversa...).
É engraçado que, em toda esta história mitológica, uma das poucas vítimas tenha sido Paulo Portas, desde sempre reputado por ter uma inteligência espertalhona. Foi metaforicamente puxado por uma orelha que, depois de sucessivos adiamentos, aquele que era então o vice-primeiro-ministro foi obrigado a fazer uma lista sua do que reputaria importante em termos de reformas do Estado - expressão que ele, como tantos outros, usava e abusava. A coisa, denominada Guião para a Reforma do Estado, demorou oito meses e meio a preparar e foi justamente estraçalhada nos dias seguintes ao da sua apresentação em finais de Outubro de 2013 (entre outros, abaixo, por Rui Tavares). Estranhamente, e depois de tantos enterros precoces, este evento pareceu ter sido aquele que finalmente trouxe o descrédito a Paulo Portas. Algum detonador misterioso terá feito a comunicação social finalmente aperceber-se que Paulo Portas não tem qualquer lastro pessoal. Depois de sair do governo e de quando em vez vai dizer umas coisas a um programa que a TVI transmite perante a indiferença geral, até do próprio canal. E isso apesar de prosseguir (dispensando-o) o folhetim das reformas estruturais...

125 ANOS DO MOTOR DIESEL

23 de Fevereiro de 1893. Conforme o documento acima, é concedida a primeira patente de um motor que fora concebido pelo engenheiro Rudolf Diesel (1858-1913) e que, com alguns aperfeiçoamentos posteriores, virá a ser conhecido pelo seu nome: motor Diesel. Como aconteceu com alguns dos inventores contemporâneos (ex. Edison), a biografia do inventor é menos importante, mas mais interessante do que a invenção. Realce-se um pormenor do documento acima: o pedido havia entrado em 28 de Fevereiro do ano anterior. Demorou, por isso, quase um ano o processo de apreciação. Isto porque, na época, na Alemanha ainda não se havia, decerto, procedido àquelas reformas estruturais que nós, em Portugal, andamos há tanto tempo para realizar, para pertencermos finalmente à Europa civilizada.

22 fevereiro 2018

OS LIMIARES DO PASQUINISMO

Houvesse Observador em Fevereiro de 1986 e talvez José Manuel Fernandes se arriscasse a noticiar a vitória de Mário Soares nessas eleições presidenciais, destacando na sua primeira página - o jornal ainda não seria digital - que o presidente acabado de eleger «não tem o apoio de 49% do eleitores». Repare-se, e em comparação com essa notícia virtual, na relativa contenção como a notícia foi dada à época pelo Diário de Lisboa, um jornal comunista que se assemelhava em engajamento (embora ideologicamente simétrico) ao Observador de agora: era melhor que o seus leitores não pulassem também demasiado de contentamento; ainda lhes vinha algum arroto à boca e este saber-lhes-ia a sapo... Mas embora os comunistas já então tivessem uma prática secular de distorcer a informação, a verdade é que a chegada ao século XXI e ao jornalismo on-line (com o engajamento descarado tal qual é praticado pelo Observador) é que tem levado o pasquinismo a novos limiares da manipulação.

21 fevereiro 2018

NA CAUDA DA EUROPA... MAS MUITO LIMPINHA! (a cauda e não a Europa)

Podemos estar na cauda da Europa mas havemo-nos com ela com uns cuidados com a higiene que outros lá da frente mostram não ter. Vocês já imaginaram que há uma possibilidade em duas* de que Jeroen Dijsselbloem ande a limpar o rabo sem sequer lavar depois as mãos com sabão? Diga-se o que se disser, só essa probabilidade confere todo um nojo adicional à recordação de que ele, nos últimos anos, se esteve a cagar para nós...
* Segundo o mapa mais acima, a taxa de holandeses que lavam as mãos apropriadamente depois de usarem os sanitários é de apenas 50%. 

«CHAPÉUS HÁ MUITOS, SEU PALERMA!»

Uma fotografia tomada de cima de uma avenida de Nova Iorque por volta de 1930. Não se descortina uma única cabeça descoberta. Eram tempos em que não usar chapéu era algo de impensável, mesmo de anómalo, qualquer coisa de equivalente ao sair à rua descalço. É preciso entender esses tempos e essa pressão social para compreender melhor o desconforto de Vasco Santana quando perdeu o seu chapéu na cena abaixo d'A Canção de Lisboa (1933), assim como os seus esforços desesperados a que se dispõe para encontrar substituto para o exemplar engolido pelo elefante.
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Voltando à fotografia inicial, da autoria de uma então jovem Margaret Bourke-White (1904-1971), e à perspectiva peculiar como ela capta a paisagem, acrescente-se o quanto há vários artistas que a apreciam e ao tema dos chapéus, e se socorrem dessa composição para as suas obras. Um deles é o desenhador Morris (Maurice de Bevere, 1923-2001), cujas aventuras de Lucky Luke costumam mostrar cenas em que a cultura do Oeste é realçada pela profusão de chapéus numa perspectiva que nem deixa ver as caras dos utilizadores.

A «NOVA» ACÇÃO NACIONAL POPULAR

21 de Fevereiro de 1970. Há 48 anos a União Nacional mudava de nome. E os nomes sonantes que acompanhavam o presidente Marcello Caetano como vogais da Comissão Central da «nova» organização, eram (por ordem alfabética): Afonso Queiró, António Gonçalves Rapazote, Baltasar Rebello de Sousa (assim mesmo, com a consoante dobrada...), Camilo de Mendonça, César Moreira Baptista, Carlos Monteiro do Amaral Netto, Fernando Santos e Castro, Hermes Augusto dos Santos, João Ruiz de Almeida Garrett, Joaquim Silva Pinto, Joaquim Moreira da Silva Cunha, José Coelho de Almeida Cotta, José Guilherme de Mello e Castro, Manuel de Andrade e Sousa, Manuel Cotta Dias e, pelas províncias ultramarinas, Netto de Miranda (Angola) e Ribeiro Veloso (Moçambique). O primeiro congresso da formação rebaptizada só terá lugar dali por três anos, em Maio de 1973. Já era tarde demais: o novo nome não se viera a concretizar naquilo que seriam as expectativas de abertura política.

20 fevereiro 2018

O REI E O PEDINTE

Mesmo constatando a existência desde há muito da liberdade de imprensa no Reino Unido, é forçoso constatar a coexistência dela com um consenso entre a opinião publicada para que fotografias como o instantâneo que acima se exibe não apareçam publicadas com frequência nos jornais, mesmo entre aquela imprensa tabloide, mais iconoclasta. Neste caso, a cena passa-se algures perto de Epsom, no princípio do mês de Junho de um dos primeiros anos da década de 1920, quase há cem anos. Na traseira do landau, que se dirige para o tradicional Derby equestre, reconhece-se o rei George V e, à sua esquerda, um dos seus filhos, Henry, o Duque de Gloucester. Mas o que torna a fotografia muito pouco british é a presença de um pedinte que, correndo, acompanha a carruagem estendendo o boné, num gesto universal de quem lhes pede uma esmola. Uma observação mais cuidadosa ao pedinte leva a identificar-lhe uma condecoração batendo-lhe no peito o que indicia que se estará na presença de um veterano da Grande Guerra (1914-18) que há bem pouco tempo terminara. O episódio não deixa de ser notável quando nos lembramos que essa Grande Guerra começara precisamente porque um monarca (no caso, um herdeiro) morrera assassinado a tiro em circunstâncias muito semelhantes às da fotografia. Eu bem sei, por um caso já aqui publicado com Olavo V da Noruega, que não é raro os monarcas andarem por aí sem porta moedas, e talvez isso justifique as expressões constrangidas da realeza naquelas circunstâncias. Mas o momento fotográfico está lá, sem atenuantes, e diz muito, e o que ele diz não é propriamente abonatório, nem para a monarquia britânica, nem para a sua solidariedade social, uma sociedade em que os ricos estão muito distantes dos pobres, um assunto que nem mesmo os famosos jornais sensacionalistas locais gostam de abordar.

«OS OUTROS SÃO O DEMÓNIO»

As pessoas como Isabel Moreira são assustadoras. Não por causa do entusiasmo como abraçam a «limpidez» das revelações de homossexuais que se assumem, mas por causa da forma como definem aqueles que consideram que não abraçam essa sua atitude, que são remetidas, sem apelo nem agravo, para o «obscurantismo». O mundo assim desenhado fica a gosto delas, mas tão a preto e branco que a Verdade de alguns factos acaba por sair completamente cilindrada. Não tivesse sido assim, tivesse Isabel Moreira alguma ponta por onde se agarrar nas suas (destrambelhadas) acusações a Ribeiro e Castro, e onde já iria a polémica que se desenrola no Expresso.

IDEIA A RETER ATÉ Á ECLOSÃO DA PRÓXIMA INDIGNAÇÃO QUE DEIXE AS REDES SOCIAIS AO RUBRO...

O gag pode até ser banal mas é, ao mesmo tempo, uma grande lição de sociologia. Quantos episódios da moda, ainda que da efémera, não terão resultado de gestos tão banais quanto uma necessidade prosaica de empinar o nariz para que o desobstructor nasal escorresse mais facilmente?...

O GAJO DA QUERCUS É UM CHATO MAS O QUE ESTE QUER É FACTURAR À CUSTA DOS LEITORES...

Se, como outrora se dizia, quando um pobre come galinha é sinal que um dos dois está doente, então, na actualidade, quando um rico a sente necessidade de exprimir publicamente as suas preocupações com ambiente, é porque se prepara para nos propor um negócio à nossa custa. José Roquette nem sequer é o primeiro que nos vem com este género de conversas, há o precedente de Patrick Monteiro de Barros, de que muito poucos haviam ouvido falar, até que um dia se descobriu que ele era um entendido em energia e especialista em recomendar-nos a energia nuclear. Esse lóbi pela construção de centrais nucleares em Portugal, que arrancou há uma dúzia de anos, e que terá sido definitivamente enterrado com o desastre de Fukushima em 2011, usou precisamente o mesmo género de argumentos que acima se podem ler a José Roquette, a começar pelas acusações ao poder político. No caso das centrais nucleares o problema era o assunto ser tabu, neste caso das de dessalinização são «os partidos que estão em estado de negação». É uma curiosidade recorrente como estes grandes próceres da iniciativa privada precisam sempre de usar a opinião publicada para concretizar negócios que só o acordo dos poderes públicos consegue concretizar. E que quem os vai bancar vamos ser nós. Ver José Roquette, esse visionário preocupado, a vir falar de dessalinização para as páginas de um jornal merece uma atitude equivalente à reacção a alguém de aspecto duvidoso que entrou na carruagem de metro em hora de ponta: mão dentro do bolso onde está a carteira...

19 fevereiro 2018

ENTRETENIMENTOS SUCEDÂNEOS DOS TEMPOS DE GUERRA: DO CICLOCROSSE AO BILHAR


19 de Fevereiro de 1943. Para entreter a população de uma Paris ocupada pelos alemães, tinha lugar uma disputada competição de ciclocrosse que 150 corredores iriam disputar na famosa colina de Montmartre, num percurso propositadamente acidentado, nove quilómetros de subidas, oito quilómetros a descer, mais de mil e quatrocentos degraus a galgar e mesmo 400 metros em que se atravessavam parques. A corrida foi seguida por uma entusiasmada multidão superior a 100.000 pessoas. Na meta, instalada na Place du Tertre, a uns metros da simbólica basílica do Sacré-Coeur, o vencedor foi um corredor de 30 anos chamado Robert Oubron, mas isso é que menos aqui interessará para a história destas modalidades que as circunstâncias da Segunda Guerra Mundial popularizaram. Nesse mesmo dia, mas em Lisboa, disputava-se um interessantíssimo Portugal - Espanha em bilhar...

O «ENTEBBE» FALHADO DOS COMANDOS EGÍPCIOS


19 de Fevereiro de 1978. O preâmbulo desta história começa por uma daquelas situações de crise tão típicas dos anos da década de 1970: um comando terrorista árabe de dois homens procedera a uma tomada de reféns numa convenção que estava a ter lugar num grande hotel de Nicósia, Chipre. Um dos presentes fora assassinado no assalto, mas outros 16 delegados (árabes) haviam sido feitos reféns. Nas negociações que se haviam seguido com as autoridades cipriotas, os terroristas haviam obtido um avião (o DC-8 das linhas aéreas de Chipre das imagens acima) para os transportar com os reféns para um destino à sua escolha. O problema é que nenhum país vizinho os quis acolher. As imagens acima apanham o DC-8 já de retorno a Nicósia, depois da aterragem lhes ter sido negada em vários destinos. Os terroristas viam-se perante um impasse. Simultaneamente, havia a perspectiva egípcia da questão: se apenas um dos dezasseis reféns era egípcio, o refém que fora assassinado também o era e, para mais, tratava-se de alguém considerado muito próximo do presidente Anwar Sadat. O Egipto estava a assumir um interesse muito especial no assunto, Sadat telefonara ao seu homólogo Spyros Kyprianou que lhe assegurara que iria supervisionar pessoalmente a gestão da crise dos reféns. Ao mesmo tempo, os egípcios enviaram um comando especial a bordo de um avião militar C-130 para Chipre, para a eventualidade de um assalto ao aparelho usado pelos terroristas. Recorde-se que o resgate de aviões sequestrados estava então na moda, uma moda que fora criada em 1976 pelos israelitas, com a operação no aeroporto de Entebbe, no Uganda, a que se seguiu em 1977 uma operação semelhante protagonizada pelos alemães em Mogadishu, na Somália. Apresentava-se uma excelente ocasião para os egípcios emularem os seus rivais israelitas. Só que, quiçá para beneficiarem mais completamente do efeito surpresa, os membros do comando egípcio não se coordenaram minimamente com o dispositivo militar que os cipriotas tinham disposto ao redor do DC-8. Por outro lado, os militares de Chipre tinham os seus próprios problemas de amor próprio depois de em 1974 terem visto a sua ilha a ser invadida pelas tropas turcas (que ocupavam - e ainda ocupam - o norte de Chipre). Só cá faltava aparecer uma outra grande potência muçulmana a operar em Chipre discricionariamente. A reacção dos cipriotas à tentativa de assalto não autorizada dos egípcios foi feroz, com uma potência de fogo com que os egípcios não estavam a contar. Os combates terão demorado cerca de uma hora, neles terão morrido quinze membros do comando, assim como a tripulação do C-130 que os havia transportado (destruído com um míssil anti-tanque!) e pelo menos uma dúzia adicional de comandos terão ficado feridos, assim como um número não divulgado de cipriotas. O Egipto assumiu o papel de parte ofendida, rompeu as relações diplomáticas com Chipre, mas o desenrolar dos acontecimentos veio dar toda a razão aos cipriotas, é um daqueles casos de política internacional em que as culpas nem se conseguem repartir. Os dois terroristas palestinianos da FPLP, sentindo-se encurralados, já então estavam em vias de se render: ainda naquele dia foram presos e posteriormente extraditados - apesar de tudo - para o Egipto, que manifestou interesse em os julgar, onde foram condenados a prisão perpétua. As relações egipto-cipriotas demoraram mais de três anos e meio a serem reatadas. Mas, como assinalavam logo os jornais da época (abaixo), era impossível não perceber o que teria motivado (desastradamente) os egípcios: a vaidade de também terem a sua operação de EntebbeVanitas vanitatum et omnia vanitas»)

18 fevereiro 2018

O ELOGIO IMPLÍCITO DO KIMILSUNGUISMO

No mesmo fim de semana e num mesmo jornal, veja-se o contraste como jornalistas analisam resultados de duas votações magnas de duas organizações prestigiadas, como são o Partido Social Democrata e o Sporting Clube de Portugal. Comparando as duas notícias, a anomalia (e sintoma de fraqueza) parece ser a existência de 35% de congressistas que não apoiaram a actual direcção do PSD e Rui Rio; em contraste, parece considerarem-se naturais (e substantivamente significativos) os quase 90% de sócios que apoiaram as teses da actual direcção do Sporting e Bruno de Carvalho.
Porque as manadas unanimistas nunca significaram historicamente grande coisa, imaginem lá que eu, na minha ingenuidade, quando lia notícias publicadas no Observador, falando de participações e resultados mirabolantes em actos eleitorais (de que o exemplo clássico extremo costumam ser os 99,97% da Coreia do Norte...), supunha que os jornalistas estavam a ser irónicos. Afinal não. Quase 90% não são um sintoma de primarismo dos eleitores e do acto eleitoral: pelo contrário, são um reforço, como se lê acima. E se Rui Rio se mostra ser um líder frágil, Kim Jong-un é afinal um líder reforçadíssimo...

17 fevereiro 2018

PODE SER SEM CUSTOS PARA OS CONTRIBUINTES, MAS É CADA VEZ MAIS SEM CUSTOS PARA OS CONTRIBUINTES...

A notícia é de hoje mas o colapso do BES já foi há três anos e meio. A cada ano que passou depois disso foi preciso enterrar mais dinheiro, mas, claro, perpetua-se a ficção, que foi lançada desde o início, de que aquele colapso não iria ter custos para os contribuintes... Um grande legado da obra de Pedro Passos Coelho que ontem se despediu - não a falência, mas a mentira.

SOCIALISMO BOTIJEIRO

Estes dias frios tornam-se apelativos a fotografias como esta de Thomas Hoepker, da montra do que parece ser um estabelecimento comercial especializado em botijas de água quente, apropriadas à estação. Há as duas senhoras que, do lado de fora, parecem cobiçar o produto, apesar do aspecto negligente como se encontra exposto, mas a atenção do observador atento concentrar-se-á no aviso que se destaca, colado ao vidro, em que se assinalam os dez anos da DDR, a Alemanha Oriental, dita Democrática. O pormenor permite datar a fotografia do Outono de 1959 (7 de Outubro de 1959 é a data desse décimo aniversário), mas explica também tudo o resto: é preciso ser-se, não só alemão, mas também ter-se sido comunista para conseguir obter todo este cinzentismo na paisagem...

UMAS ELEIÇÕES NÃO MUITO DISPUTADAS... E NÃO MUITO APRESSADAS

Domingo, 17 de Fevereiro de 1935. Nesse dia houve eleições cá em Portugal mas não se pode dizer que tenha havido disputa eleitoral. Lendo a primeira página da edição desse dia do Diário de Lisboa até se pode deduzir que, sob a «Nova Ordem Constitucional», os eleitores concorriam às urnas para cumprir uma formalidade: a de «reeleger o sr. general Carmona para a Presidência da República». Era assim como uma formalidade que se cumpria e o que havia a noticiar era o civismo de como o acto eleitoral havia decorrido.
Mas também, admita-se que há oitenta e três anos os ritmos eram outros. O escrutínio dos votos, por exemplo, processava-se a ritmo tal que, nas edições dos dias seguintes do mesmo jornal, ainda não se computava qual o total do número de votos que haviam sido recebidos pelo candidato único. Candidato esse que, talvez por ter sido indisputado mas também por ter sido acometido de uma inoportuna gripe, só tomou posse dali por mais de dois meses (abaixo), numa cerimónia aonde compareceu viajando significativamente de caleche.
Se calhar, ainda estamos a dar uma ideia a Marcelo para a sua reeleição...

16 fevereiro 2018

PEDRO FERRAZ DA COSTA: SÃO TRINTA E DOIS ANOS A DIZER BABOSEIRAS QUE FAZEM GRANDES TÍTULOS DE JORNAL

Há 32 anos a separar estas duas entrevistas de Pedro Ferraz da Costa. Na de baixo, dada em 1986, já Cavaco Silva estava no poder mas ainda se estava antes do cavaquismo: Cavaco Silva e as duas maiorias absolutas alcançadas pelo PSD (1987 e 1991). Naquela altura, eu ainda o levava a sério. Mas se ele - Pedro Ferraz da Costa - valesse alguma coisa que se visse, hoje seria uma referência de um Portugal mudado pelas circunstâncias de duas maiorias absolutas, em vez de se ver remetido a continuar a produzir baboseiras como esta acima, apenas para não ser esquecido. «Poderíamos crescer acima de 4%, se quiséssemos.» Importa-se de ser mais explícito? Como? É que eu, para o peditório das assertividades abstractas, já dei... Em conjunto com figurões como Pinto da Costa ou Mário Nogueira, Ferraz da Costa faz parte daquelas múmias vindas dos mais variados quadrantes da sociedade portuguesa, que já andam por cá desde a década de oitenta do século passado e que, não por mérito próprio, mas por demérito de quem lhes dá corda, insistem em não sair de cena. Não é a qualidade que os perpetua, é a inércia - e a incompetência estúpida de quem os promove.
Adenda:
Este artigo, aparecido três dias depois e da autoria da professora Susana Peralta parece ser uma excelente continuação do tema. Nem sequer valerá a pena debater a tese de Pedro Ferraz da Costa: a autora refuta-a, pura e simplesmente. Tanto quanto é possível afirmá-lo, a partir dos indicadores disponíveis e quando em comparação com os nossos parceiros da União Europeia, aquilo que Ferraz da Costa diz é mentira. Para ele já serão anos demais a passar-se por pensador teórico junto dos executivos das empresas e por gestor de empresas junto dos académicos das áreas económicas. Ferraz da Costa é apenas um malandro sofisticado a disfarçar-se entre os interstícios desses dois mundos que ele, sagazmente, já há muitos anos descobriu que raramente cooperam entre si.

...E TANTAS VEZES NEM SEQUER É UMA QUESTÃO DE MOSTRAR CORAGEM, É TER «ESTILO» A EXIBI-LA...

O título e as fotografias vêm a propósito deste próximo congresso do PSD...

PROMOÇÃO DE SÃO VALENTIM

Vem um bocadinho atrasada, mas ainda a tempo, esta inspirada promoção de São Valentim: para quem vier ao bar com a namorada o desconto é de 20%; para quem vier com a esposa esse desconto é de 45%, e para quem se atrever a trazer as duas - presume-se que ao mesmo tempo... - as bebidas são gratuitas e ainda se recebe de brinde o transporte até ao hospital mais próximo...

A INSTITUIÇÃO DO SERVIÇO DO TRABALHO OBRIGATÓRIO (STO)

16 de Fevereiro de 1943. Na França ocupada, o governo de Vichy presidido por Pierre Laval (na fotografia acima), institui o Serviço do Trabalho Obrigatório, que ficará tristemente conhecido pela sigla de STO. É uma medida que irá substituir outros processos anteriores usados pelos ocupantes para captivar trabalhadores franceses para irem trabalhar para a Alemanha. Com milhões de homens incorporados na Wehrmacht, a economia alemã acusava uma carência acentuada de mão de obra, mas da qualificada, daquela que apenas os trabalhadores dos países da Europa ocidental podiam fornecer. Os primeiros processos para engajar trabalhadores franceses haviam sido (cartazes abaixo) recorrendo ao aliciamento por melhores salários, seguido de um outro processo conhecido por «Revezamento» (La Relève), em que três trabalhadores voluntários franceses idos para a Alemanha eram compensados pela libertação de um prisioneiro de guerra francês detido pelos alemães. Mas era um «mau negócio» : enquanto para a contabilização das «idas» só contassem os operários especializados, na das «vindas» os prisioneiros eram normalmente de origem camponesa ou então homens idosos ou adoentados, logo improdutivos, que as leis do tratamento de prisioneiros obrigaria a libertar, mais tarde ou mais cedo. Como, ainda por cima, o processo de Revezamento nem sequer podia ser personalizado, escolhendo o prisioneiro a libertar, também este expediente se revelou um fiasco.
O Serviço do Trabalho Obrigatório que foi promulgado há 75 anos aparece assim, ao fim de 32 meses de Ocupação, como a única forma de suprir as exigências crescentes de mão-de-obra feitas pela Alemanha, depois de esgotadas todas as soluções benignas. Trata-se de uma mobilização em regra. Os cartazes apelativos a cores dos primeiros anos vão agora ser substituídos por soturnos editais a preto e branco (abaixo). O STO abrange as classes de 40, 41 e 42, o que corresponde aos franceses nascidos entre 1920 e 1922, que deverão ir trabalhar para a Alemanha em substituição do cumprimento do serviço militar, ora suspenso por causa da Guerra. As dispensas, inicialmente prometidas a agricultores e estudantes, vão desaparecer logo em Junho de 1943. Se a introdução do STO vai permitir a Vichy dar finalmente uma resposta satisfatória às exigências de mão-de-obra do III Reich, ela também se vai repercutir muito negativamente na popularidade do regime : centenas de milhares de jovens franceses que, até aí, haviam escolhido distanciar-se do conflito militar mundial e do conflito político interno, vão ver-se confrontados com as suas responsabilidades. Dezenas de milhares deles vão preferir passar à clandestinidade para não serem mobilizados para trabalhar na Alemanha, e uma fracção desses vão constituir mesmo acampamentos clandestinos na França rural, conhecidos por maquis. Estes agrupamentos (mal) armados de refractários, que a História de França vai adicionar ao quadro dos Resistentes, nunca terão qualquer importância militar, foram clamorosa e regularmente derrotados nas raras vezes que entraram em combate com unidades militares alemãs ou mesmo com a milícia francesa, mas, como o braço armado de um movimento político, terão tido a importância de terem existido.

15 fevereiro 2018

...E QUANDO NÃO FOREM CIGANOS?...

São nove notícias de outros tantos órgãos de comunicação social mas em nenhuma delas aparece a menção de que os autores da «selvática agressão», os protagonistas do «episódio de violência», os responsáveis pelos «desacatos» e «agressões» eram ciganos. Sabe-se, mas não está escrito. Está assumida a existência de uma «omertà» mediática quando o assunto envolve minorias étnicas, especialmente esta. E mesmo aqueles cronistas que a denunciam, como é o exemplo de Helena Matos, que a costuma atribuir à correcção política, esquecem-se entretanto de criticar os jornais para onde escrevem, que cumprem precisamente a mesma lei da «omertà», como todos os outros: porque não foi o Observador que se atreveu a chamar ciganos aos ciganos neste episódio do Hospital de São João no Porto... Mas, como tudo aquilo que não pode ser dito, criou-se um código, do mesmo estilo como há cinquenta anos havia (noutras circunstâncias), para contornar as censuras. Como todos esses códigos que se destinavam a um público diversificado, também este não pode ser muito sofisticado. E o que acontece nos relatos destes casos é que os jornais acentuam o comportamento associal dos prevaricadores: deslocam-se em magotes, agridem fisicamente os funcionários dos serviços, recorrem às armas sem qualquer inibição, não manifestam qualquer respeito pela autoridade. Não está lá escrito que são ciganos, mas acaba por estar, quem lê a notícia não fica com dúvidas. Assim como outrora, ao ouvir uma qualquer piada de teatro de revista que envolvesse um António, o espectador já sabia que se tratava de uma alusão a Salazar. Até se percebe a intenção bem fundada desta «omertà» - a verdade é que nem todos os ciganos adoptarão comportamentos tão extremamente associais como os que são descritos nestas notícias. Mas, também me interessa colocar a questão da perspectiva inversa - é que os ciganos não têm o exclusivo nestes comportamentos. E, se isso acontecer, como é que se notícia o acontecimento para que os ciganos não se vejam injustamente implicados? Para que não haja confusões nem falsos implicados, os jornalistas obrigar-se-ão a escrever artigos assim, codificados também: A dona Adosinda, fora de si e perdendo a razão, foi chamar o marido para arriarem um enxerto de porrada na professora do filho, ou então, o José Manuel, contrariando o bom senso, rapou de uma caçadeira para resolver a questão...

14 fevereiro 2018

EU, CÁ POR MIM, RECOMENDAVA QUE SE DISPENSASSEM OS APLAUSOS...

O recurso à metáfora dos aplausos tem uma péssima reputação quando a notícia se refere a operações de colocação de dívida. Foi já há mais de sete anos (Novembro de 2010) que apareceu Zeinal Bava a socorrer-se dela para comentar uma outra operação que correra desapontadoramente mal, porque as taxas de juro contratadas haviam sido substancialmente mais elevadas do que as previsões. Foi preciso ser-se Zeinal Bava para fazer aquele frete de vir prestar umas declarações públicas de conteúdo propositadamente vago, mas que podiam ser tomadas por optimistas pelos leigos. De então para cá a reputação de Zeinal Bava também se ajustou à sua verdadeira cotação de mercado, aí também com o aplauso de quem assistiu a uma sua célebre prestação na comissão parlamentar. Depois disso, ainda o descobrimos envolvido no saco azul do BES. Mas chega de denegrir (ainda mais) o homem e concentremo-nos numa das vários expressões públicas que o celebrizaram (de onde se destaca o «Eu não tenho de memória»). O que é incontestável é que o recurso ao aplauso por ocasião de uma qualquer operação de colocação de dívida pública - para os que têm memória - tornou-se profundamente negativo. Por causa do mau uso que Bava lhe deu, aplauso tornou-se um sinónimo de conversa da treta. Nesta notícia de hoje, teria sido desejável que os dois jornalistas do Jornal de Negócios se tivessem socorrido de uma outra metáfora qualquer.

HÁ CEM ANOS, A RÚSSIA ACERTAVA O CALENDÁRIO

Há precisamente cem anos e por decreto do Sovnarkom (acima), a Rússia adoptava o calendário gregoriano. A seguir ao dia 1 de Fevereiro de 1918 (do calendário juliano) sucedia-se o dia 14 de Fevereiro de 1918, saltando treze dias e adoptando a mesma data de praticamente todos os restantes países europeus. Só para efeitos litúrgicos - o cálculo do dia de Páscoa, por exemplo - as igrejas ortodoxas continuaram a manter o seu calendário tradicional.

OS JURAMENTOS DE ESTRASBURGO

14 de Fevereiro de 842. Dois dos pretendentes à herança dos territórios que haviam pertencido ao império de Carlos Magno, assinam um pacto que ficará conhecido pelo nome de Juramentos de Estrasburgo. O documento revestir-se-á de uma importância maior do que as circunstâncias políticas que haviam conduzido à sua elaboração. Por uma primeira vez (que se conheça) os juramentos que obriga as duas partes é bilingue, sendo uma das línguas um protofrancês que seria o idioma corrente entre os apoiantes de Carlos II, o Calvo (823-877, veja-se o mapa abaixo) e a outra um germânico renano que se depreende fosse o idioma de comunicação entre os apoiantes do meio-irmão, Luís I, o Germânico (806-876). O alvo da aliança era um terceiro irmão, o mais velho dos netos de Carlos Magno, Lotário I (795-855). Repare-se que Carlos o Calvo, então apenas com 19 anos e muito mais novo do que qualquer dos meios-irmãos (36 e 47 anos), não poderia ser mais do que o joguete de outros interesses do Ocidente mais latinizado da Europa, que, mesmo assim, conseguiram vingar. Com o Tratado de Verdun, assinado pelos três irmãos rivais um ano e meio depois (em Agosto de 843), as respectivas possessões foram definidas conforme aparecem no mapa abaixo. Mesmo numa época em que a questão das identidades nacionais, consubstanciadas em idiomas identificativos, estava muito longe de se colocar em cima das mesas de negociações, não deixa de se apontar a coincidência do traçado alcançado em Verdun repartir aquele que fora o império de Carlos Magno nas fracções que ainda agora constituem os núcleos das identidades francesa (Carlos), alemã (Luís) e italiana (Lotário). Mas também é evidente a fragilidade das possessões alcançadas por Lotário, num território que depois se veio a designar por Lotaríngia: trata-se de uma faixa de território que vai do Mar do Norte ao Mediterrâneo associando italianos com holandeses. Mas regressando a 1.176 anos atrás, percebe-se porque os Juramentos de Estrasburgo (por sinal, bem explicados na wikipedia em português), sendo um dos documentos fundadores da Europa, não é uma das etapas favoritas da construção europeia que a burocracia bruxelense goste de promover.