04 fevereiro 2018

UMA QUESTÃO DE SER (OU NÃO SER) UMA DENOMINAÇÃO COLONIAL

4 de Fevereiro de 1976. As autoridades da nova República Popular de Moçambique (então com um pouco mais de sete meses), mudam o nome da capital do seu país de Lourenço Marques para Maputo. Com a descolonização africana, a questão da toponímia urbana herdada pelos novos países tornara-se um assunto importante quando da assunção das heranças coloniais. O hábito de baptizar com nomes de figuras importantes dos colonizadores tornara-se uma prática comum, que se revelara transversal aos espectros políticos dos regimes coloniais: houvera Léopoldville como capital do Congo, que fora colonizado pelos belgas, mas também houvera Stalinabad como capital do Tajiquistão, colonizado pelos russos. Esses eram casos nítidos do porquê de as novas autoridades mudarem as designações das cidades: Kinshasa no primeiro caso, Duchambé no segundo. Mas a questão da toponímia urbana em África pode revelar-se mais complexa: a chegada dos primeiros navegadores portugueses às costas africanas provocou, ela própria e devido ao comércio, a formação de núcleos urbanos que vieram a prosperar e receberam designações de inequívoca inspiração portuguesa: vejam-se os exemplos de Lagos, a maior cidade da Nigéria ou então de Porto Novo, a segunda maior cidade do Benim. Se os nomes das cidades vingaram, a presença dos portugueses, pelo contrário, foi sendo substituída pelos seus rivais europeus e quando da repartição colonial de África no século XIX, a Nigéria ficou pertencendo aos britânicos, o Benim (então conhecido por Daomé) aos franceses. Talvez por isso, ou talvez porque as designações fossem despretensiosas e não invocassem ninguém importante, os nomes daquelas duas cidades (e de outras) mantiveram-se. Aquilo que se sabe sobre o Lourenço Marques que deu o nome à cidade que veio a ser a capital de Moçambique assemelhava-se muito na sua simplicidade e despretensão aos incógnitos fundadores de Lagos e Porto Novo. Apenas essa fundação terá tido lugar quase um século depois, por volta de 1550. A denominação Lourenço Marques não se assemelharia em nada ao cunho ideológico colonial de António Enes ou João Belo, ou a uma homenagem a um figurão metropolitano como Salazar ou a rainha D. Amélia. Lourenço Marques estaria mais na linha de um percursor de um avançado como o anónimo cantineiro Dias que, com o seu faro para os negócios, fundou a sua cantina (Cantina Dias) no mais recôndito da província do Niassa em meados do século XX. Nesse aspecto, Lourenço Marques poderia ter sido um exemplo de um moçambicano de ascendência portuguesa, cuja referência valeria a pena preservar, mas isso não era nada popular em 1976. Eram momentos atípicos e de grande confusão ideológica: mesmo um jornal comunista como o Diário de Lisboa de há quarenta e dois anos (abaixo) celebra em primeira página a mudança de nome, num rasgo de solidariedade anti-colonialista que mostra ser, ao mesmo tempo, obtusa quanto aos exemplos dos Leninegrados e Stalingrados dos seus regimes favoritos que haviam mudado e que virão a mudar de nome. A Frelimo não foi pragmática? Poderia ter corrido de outra maneira? Dando uma vista de olhos pelos países da vizinhança, é verdade que o Zimbabwe demorou dois anos (1982) a mudar o nome da sua capital de Salisbury para Harare, mas também é verdade que o antigo primeiro-ministro britânico nunca pusera os pés na cidade com o seu nome. No Malawi, a capital económica chamava-se Blantyre (como a localidade escocesa onde nasceu David Livingstone) e assim permaneceu depois da independência. Quanto à capital económica da Tanzânia essa possui e manteve o nome reconhecidamente árabe de Dar es Salaam (à letra: casa da paz). Tantos anos depois o mal está feito, mas assim visto à distância e comparando com o que fez a vizinhança fica a parecer que Lourenço Marques, aquele que emprestou o seu nome à cidade de Lourenço Marques foi descriminado por causa da sua ascendência...

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