31 janeiro 2024

UM EXERCÍCIO RIDÍCULO DE «NAME DROPPING» PARA OS PROBLEMAS DA SAÚDE, POR PARTE DOS SOCIALISTAS

Desengane-se quem esperar uma discussão séria sobre os problemas da Saúde no quadro da campanha eleitoral que aí vem. Da parte dos socialistas, de quem se poderia pedir alguma seriedade na discussão do tema, tendo em atenção que ocuparam a pasta durante estes últimos oito anos, aquilo a que se pode ter direito é a um exercício imbecil daquilo que, em inglês, se denomina por «name dropping», um debitar de nomes de pessoas consideradas conhecedoras do tema (acima). Detenhamo-nos então em comentar cada um dos sete nomes brandidos acima... e nos outros, que lá deviam estar e não estão. Às duas primeiras personalidades, Daniel Sampaio e Eduardo Barroso, não me lembro de lhes ter ouvido reflexões de fundo sobre questões de Saúde, creio que a sua projecção mediática não se consegue dissociar muito dos seus laços de parentesco, o facto de serem o irmão de Jorge Sampaio e o sobrinho de Mário Soares. Sobre este último, serão muito mais conhecidas as suas opiniões sobre o Sporting... Em contraste, não lhe conheço a família e a Álvaro Beleza ouvi-lhe reflexões (e também ambições) sobre a Saúde... mas também sobre imensas outras coisas, lembremo-no, num desses momentos em que se dedicou ao tema da Saúde, a contracenar com Miguel Guimarães a destacar-se por uma afirmação bombástica: «Num hospital há mais administradores do que no grupo Sonae. Não faz sentido». Não é verdade e aquela comparação é que não faz sentido, porque, se fizesse, valer-lhe-ia a pena ter rematado que num hospital não costuma ser o filho do presidente do conselho de administração a suceder ao pai... Contudo, quanto às últimas quatro personalidades participantes, Graça Freitas, Francisco George, Correia de Campos e Constantino Sakellarides, não vejo quaisquer dúvidas quanto à relevância das suas opiniões e ao valor dos seus contributos sobre o tema. O problema é que o seu tempo já terá passado: a média de idades dos quatro é de 76 anos, muito para lá da aposentadoria. Acredito que tivessem opiniões mas terão deixado passar o tempo de as pôr em prática, ou então, se as puseram, os resultados não serão concludentes, tomando em consideração a opinião geral sobre o estado da Saúde em Portugal. Em contraste, o que é estranho naquele elenco acima são as ausências dos anteriores ministros e secretários de Estado da pasta nos últimos anos de governação socialista: como serão os casos de Adalberto Campos Fernandes (65 anos e que adora dizer coisas!), de Marta Temido (49 anos e que agora parece ter outras ambições), de Manuel Pizarro (59 anos, o actual titular da pasta) e ousaria mesmo invocar outros nomes ausentes, como será o caso do antigo secretário de Estado António Lacerda Sales (61 anos), não se desse o detalhe de ele ter caído em desgraça por ter andado a ajudar o filho do presidente Marcelo a tratar das gémeas. Em suma, por acção e por omissão, aquilo que o PS tem publicitado para a área da Saúde é muito pouco e é muito oco. Não se sente isso porque o que é apresentado pelos partidos da oposição ainda é pior. Mas, quando se vêem chamadas de atenção para um problema que parece compartilhado pelos vários Serviços Nacionais de Saúde dos países da Europa ocidental (abaixo), deduz-se que aquilo que as verdadeiras «personalidades» terão para nos dizer sobre a Saúde não será propriamente popular entre os eleitores, a evitar tratar com seriedade na campanha que se aproxima. Por muito que a questão das deficiências dos SNSs pareça ser estrutural e comum aos vários países com que nos costumamos comparar - normalmente para nos rebaixarmos...

A CONQUISTA DE BEIJING

(Republicação)
31 de Janeiro de 1949. Culminando a campanha Pingjin, as tropas do exército popular de libertação (ELP) comunista entram em Beijing, cidade que fora a capital histórica da China desde os princípios do século XV até à proclamação da República em 1911. Apesar da sua importância simbólica, os cerca de 250.000 homens das forças nacionalistas que se lhes opunham não se dispuseram a defender a cidade, prenunciando um colapso cada vez mais acelerado do regime nacionalista e a vitória cada vez mais próxima dos comunistas na Guerra Civil. Neste cartaz contemporâneo celebrando a tomada da cidade, pode reconhecer-se uma (hoje famosa) praça Tiananmen estilizada, em que os retratos do muro são vários (e não apenas o de Mao), as massas populares vestem roupas garridas e variadas (e não apenas um macacão igual para todos), e os braços esticados apenas celebram (e não servem para brandir um livrinho vermelho). Todas os pormenores entre parenteses iriam ser uma outra moda dali por uns 20 anos. Os comunistas sempre foram muito mais simpáticos antes de tomarem o poder...

30 janeiro 2024

A REVELAÇÃO DE UM PUTO REGUILA CHAMADO RUTGER BREGMAN

30 de Janeiro de 2019. No Forum Económico Mundial que, como de costume e todos os anos, estava a decorrer na cidade suíça de Davos perante o interesse estruturado da comunicação social mundial, ocorre algo de verdadeiramente interessante. As sessões haviam decorrido entre 22 e 25 de Janeiro, mas tiveram que se passar mais alguns dias até que alguém tivesse encontrado algo de verdadeiramente interessante na sessão sobre desigualdade. No painel de comentadores encontrava-se um jovem historiador holandês de 30 anos chamado Rutger Bregman, (relativamente) pouco conhecido por ter publicado um livro chamado «Utopia para Realistas». A intervenção de Bregman não é extensa (veja-se acima) mas é arrasadora para a audiência, desde a hipocrisia de se invocar a questão ambiental mas que (pelo menos) 1.500 participantes se tinham deslocado para o evento em jactos privados, até à questão mais substancial de se estar ali a falar de desigualdade mas que ninguém se atrevera, até então, a aflorar sequer a questão da evasão fiscal dos mais ricos. Ninguém se atrevera sequer a mencionar o tópico impostos, algo que Bregman comparou a um congresso de bombeiros onde, para o combate aos fogos, fosse proibido mencionar a palavra "água". A ressonância do momento tornou-se viral. O holandês sintetizara em algumas frases concisas (mortíferas) o grande vazio constituído pelas reuniões de Davos. Tornou-se imensamente popular, embora as reuniões de Davos não tivessem mudado substancialmente de figurino - agora há alguma vergonha em viajar para lá de jacto privado e o Bono já não se dispõe a lá ir dizer truísmos bem intencionados...   

Podemos encontrar rastos desse momento de há cinco anos nas páginas da BBC ou do The Guardian. Em contraste, aquilo que podemos encontrar na mesma data em Portugal em publicações como o Público ou o Observador é... nada. (um nada mais expectável no Observador, conhecida que é a sua agenda política) É perante exemplos destes que se levanta a questão se os congressos de jornalistas, sempre tão lamurientos a apontar causas externas para o desprestígio da sua profissão, não precisariam que um Rutger Bregman aparecesse também por lá a dizer umas quantas verdades evidentes...

OS ASSUNTOS, TAL QUAL ELES SÃO, EM CONTRASTE COM A MANEIRA COMO NOS QUEREM CONTAR

30 de Janeiro de 1984. O Diário de Lisboa publica, via AFP, um artigo de opinião de um jovem (27 anos) sociólogo francês chamado Didier Lapeyronnie sobre a questão do sigilo bancário suíço (note-se que os dados que aqui forneço sobre a identidade do autor do artigo não eram então facultados ao leitor do jornal). Sobre o conteúdo do artigo, mesmo uma leitura menos atenta mostra quanto ele é inequívoco na condenação das práticas da banca suíça. Mas o próprio artigo acaba dando uma esperança contra tais práticas condenáveis, porque quase quatro meses depois, a 20 de Maio, «os eleitores helvéticos (iriam) ser chamados às urnas para se pronunciarem, por via de referendo sobre uma iniciativa socialista "contra o abuso do segredo bancário"». A impressão geral que se extraía do artigo - pelo menos, foi o que aconteceu comigo - é que os suíços teriam então uma oportunidade de se exprimir contra uma prática duvidosa, senão mesmo condenável, de proteger a identidade de depositantes que ali escondiam fortunas de origens inconfessáveis. Esta era a opinião de Didier Lapeyronnie com este seu artigo de há 40 anos, avalizado pela France Press. E depois... houve quem não se tivesse esquecido do assunto, e tivesse ficado atento aos resultados do referendo (abaixo). Numa proporção de quase 3 para 1, os suíços que se pronunciaram manifestaram-se a favor da manutenção do sigilo bancário. E foi assim que eu descobri que monsieur Lapeyronnie não estava afinal nada sintonizado com a opinião generalizada dos próprios suíços... Achava coisas. Era aquele tempo em que eu dava muita valia à opinião que vinha do estrangeiro, por vir do estrangeiro.

29 janeiro 2024

A MORTE EM DIRECTO TELEVISIVO

29 de Janeiro de 1994. A esquiadora austríaca Ulrike Maier, de 26 anos, morre em consequência de um acidente quando disputava uma prova de na estância alemã de Garmisch-Partenkirchen. A prova estava a ser transmitida em directo pela televisão quando a esquiadora se desequilibrou a 105 km/hora e as imagens da sua queda que acabavam com a imobilização do seu corpo inerte no meio da pista são impressionantes. Esta evocação destina-se, por um lado, a lembrar que o esqui é uma actividade onde se registam com alguma regularidade acidentes graves, mesmo mortais; por outro lado, destina-se a frisar como a notoriedade destes acidentes mortais depende das circunstâncias e da popularidade da modalidade onde ocorrem, compare-se este acidente com aquele que virá a vitimar, dali por pouco mais de três meses, o piloto brasileiro Ayrton Senna, em Imola, a 1 de Maio, durante o grande prémio de San Marino de Fórmula 1. Ao contrário desta, mesmo trinta anos depois, essa outra morte em directo televisivo é recordada com regularidade.

QUANDO O CHAT GPT ME FAZ LEMBRAR UMA ESPÉCIE DE «RESSURREIÇÃO» DE JOSÉ HERMANO SARAIVA

Mas o mais interessante resultado do «novo hobby de WC» de Nuno Markl (provavelmente porque terá sido o desafio mais desvairado proposto ao Chat GPT), são os prodígios de imaginação a que aquele dispositivo nos pretende levar para conferir consistência histórica a uma «expressão popular» como «avaliar as nalgas ao Sidónio». Vale a leitura atenta, que se sustenta numa primeira parte assente em factos históricos indesmentíveis a respeito de Sidónio Pais para depois fazer uma inflexão especulativa a respeito do formato das suas nádegas, alicercada numa autópsia que não existiu e que contorna o detalhe que, para a «revelação» da «deformação das nádegas», essa autópsia teria sido dispensável, já que uma tal hipotética deformação corporal teria sido conhecida em vida (Sidónio Pais tinha 46 anos quando foi assassinado).
Admito a minha surpresa com a inventividade do Chat GPT nestas circunstâncias, e admito o quanto ela me fez lembrar um verdadeiro vulto da inventividade histórica, apenas absolvido porque era também um excelente comunicador televisivo, José Hermano Saraiva, que, não raro, conseguia contar uns episódios que «não era impossível»(sic) que pudessem ter ocorrido precisamente como ele os contava... Os auditórios televisivos apreciavam-no sobremaneira, porque as histórias que contava eram muito vivas. Em contrapartida, os meios académicos não o apreciavam, porque muitas vezes o enredo dessas histórias era mais imaginado do que comprovado. Por aquela sua capacidade de inventar «o que não era impossível ter acontecido», tenho que confessar que a explicação acima me fez pensar numa espécie de «ressurreição» de José Hermano Saraiva... É um elogio. Mas o Chat GPT parece-me mais apropriado para escrever argumentos de histórias, não episódios da História.

28 janeiro 2024

QUE É ARTIFICIAL, DE ACORDO, MAS AGORA QUE SEJA "INTELIGÊNCIA", AÍ JÁ DUVIDO MUITO...

Comecemos pelo princípio, Nuno Markl anunciou numa rede social que criara para si um «novo hobby de WC»: inventava «expressões e provérbios» e a ideia era desafiar «o Chat GPT a arranjar explicações e significados credíveis para eles», como se eles tivessem raízes culturais e históricas. E depois publica os resultados, um dos quais se pode apreciar abaixo, a respeito de um provérbio acabadinho de inventar, «cagas em fontes, figos aos montes». Como se vê, a resposta do Chat é, para além de completamente inventada, de uma ousada desfaçatez nesse exercício: até lhe atribui uma região onde é «típico»: Trás-os-Montes e Alto Douro! E claro, nada de identificar quem serão os «alguns autores que sugerem»... coisas para as quais «não há evidências concretas»!
Porque tenho boa memória, estes episódios da invenção de novos provérbios, fizeram-me lembrar um que ocorreu vai para mais de dez anos (finais de Setembro de 2013) em pleno concurso «Quem quer ser Milionário?», numa época em que o concurso foi apresentado pela sempre imaginativa Manuela Moura Guedes. Por sinal, e ao contrário dos de Markl, o provérbio não era completamente todo inventado - existe um provérbio «Dezembro frio, calor no estio». O problema - como se pode verificar abaixo - é que essa não era nenhuma das hipóteses colocada à concorrente. E a cena acaba com Manuela Moura Guedes a argumentar convictamente pela existência de um provérbio alternativo: «Dezembro frio, calor no estilo» (nem rima!). O episódio acabou gozado em jornal, um gozo que foi potenciado pela teimosia arrogante (e ignorante!) de Manuela Moura Guedes, que invocava «dez fontes» a «sustentar» a sua aleivosia. Quais eram?... Deviam ser os mesmos «alguns autores» do provérbio dos figos do Chat GPT lá de cima... Mas o que eu quero realçar no caso é que, em momento algum, eu considerei o comportamento de Manuela Moura Guedes como «naturalmente inteligente»: não vejo ali quaisquer mostras de inteligência. E é por isso mesmo também que, em coerência, tenho grande relutância em classificar estas habilidades do Chat GPT por inteligência artificial. Artificial sim, inteligência nem por isso.

A VAGA DE FRIO QUE ASSOLAVA A EUROPA NO INVERNO DE 1954

Notícias vindas de variadíssimas capitais europeias (Paris, Londres, Madrid, Bona, Atenas e Ancara) davam conta do rigor do Inverno que assolava a Europa.

27 janeiro 2024

O AIATOLÁ, OS GENERAIS E OS MÍSSEIS LÁ ATRÁS

Esta fotografia foi tirada há dois meses, em 19 de Novembro de 2023, por ocasião da visita do Líder Supremo da Revolução Islâmica, o Aiatolá Ali Khamenei, ao Comando Aeroespacial dos Guardiões da Revolução Islâmica (o corpo de elite das forças armadas iranianas). Foi visivelmente posada e a intenção dessa pose é transparente: pretende reconfortar a opinião pública doméstica e transmitir uma imagem ameaçadora para as opiniões públicas internacionais, nomeadamente a dos Estados Unidos e as europeias. O destaque vai naturalmente para o Aiatolá, ao centro e parecendo estar a usar da palavra, na primeira fila imediatamente por detrás dele aparece um sortido de generais (só na fila seguinte aparecem os civis...), mas a imagem é dominada por um outro sortido, o de misseis, que, em fundo e em cores distintas, sugerindo funcionalidades diferentes, aparecem dispostos a apontar ameaçadoramente para cima, como prontos a ser utilizados. A imagem que estas potências muçulmanas pretendem promover no exterior passou a ser uma de tecnologia sofisticada e já não a de grandes multidões eivadas de fé religiosa. Uma nota irónica final: apesar de bem encenadas, estas coreografias do Irão parecem não impressionar os dirigentes de outras potências muçulmanas rivais, como se percebeu pelos incidentes de há pouco mais de uma semana com o Paquistão (abaixo).

A ESTREIA DE «FELIZ NATAL MR. LAWRENCE»

27 de Janeiro de 1984. Estreia de «Feliz Natal Mr. Lawrence». Que, por um acaso, assisti nessa noite no cinema Castil. Filme que, correndo o risco de me repetir, termina com uma cena memorável de interpretação (abaixo) por parte de dois actores - um britânico, outro japonês. Actores esse que, por sinal, nem sequer são os protagonistas do filme.

26 janeiro 2024

COMO UMA CHICLETE QUE SE PROVA, MASTIGA E DEITA FORA SEM DEMORA

O remate dado por André Ventura a esta história da passagem ribombante mas meteórica do antigo PSD Maló de Abreu pelas listas do Chega, fez-me lembrar uma passagem de uma velhinha música rock de um conjunto que se chamava Taxi: Maló de Abreu foi «como uma chiclete que se prova, mastiga, e deita fora sem demora»... De uma certa maneira, como eu sugerira neste mesmo blogue há uns dias e embora de outra forma, Maló acabou mesmo por ser metaforicamente cuspido...

E DEPOIS QUEM É QUE QUER QUE SE TENHA SIMPATIA POR ESTES TRASTES?...(2)

A próxima vez que me quiser condoer de José Sócrates por ele andar há mais de nove anos para ser julgado, tenho que me recordar que uma apreciável parte desses nove anos de atraso se deverão ao próprio e aos expedientes judiciais dos seus advogados. O homem é daqueles que não só quer sol na eira e chuva no nabal, como, ainda por cima, tem uma comunicação social lhe dá palco para ele se mostrar indignado por não haver uma meteorologia especial só para si. A diferença para um traste como Peter Navarro é que este já deu com os costados numa cela... Não serve de correctivo aos trastes, mas consola-nos a alma...

UMA RUPTURA EM FALSO

(Republicação)
26 de Janeiro de 1944. Com a solenidade grave que a capa do jornal local acima deixa adivinhar, o presidente da Argentina, o general Pedro Pablo Ramirez (1884-1962) anuncia a ruptura das relações diplomáticas entre o seu país e os dois países do Eixo que ainda subsistiam (Alemanha e Japão). O pretexto invocado fora a "descoberta" de redes de espionagem daqueles países a operar na Argentina - algo que as autoridades argentinas decerto conheciam de há muito; e sobre as redes de espionagem dos aliados nem uma palavra. O pretexto era ridículo mas, do ponto de vista geopolítico, o gesto parecia representar uma vitória dos esforços dos Estados Unidos em conseguir arrastar atrás de si todos os países daquele que considerava ser o "seu" hemisfério. Como acontecera anteriormente com o Brasil, o México ou a Colômbia (para citar apenas casos referenciados aqui no Herdeiro de Aécio), passava a aguardar-se a breve prazo a declaração formal de guerra por parte da Argentina aos dois países do Eixo, mesmo que fosse para não fazer nada. Mas não foi assim: as figuras proeminentes do regime militar que tomara o poder em Junho de 1943 encararam esta atitude de Ramirez com tal relutância que, apenas um mês depois, a 25 de Fevereiro de 1944, deram um golpe palaciano substituindo Ramirez por um novo presidente, o general Edelmiro Julián Farrell (1887-1980). Com uma disposição bem menos entusiasmada, a Argentina só veio a declarar guerra à Alemanha mais de um ano depois, em 27 de Março de 1945. O objectivo de tornar aquela declaração inócua fora conseguido: a Alemanha rendeu-se umas escassas seis semanas depois (a 8 de Maio de 1945).

25 janeiro 2024

E DEPOIS QUEM É QUE QUER QUE SE TENHA SIMPATIA POR ESTES TRASTES?...(1)

A história que levou este senhor hoje a tribunal conta-se em algumas frases. Chama-se Peter Navarro. Foi um dos conselheiros mais vociferantes da administração Trump. Um dos defensores mais apaixonados dos seus gestos. Dos seus gestos mais disparatados. Foi convocado para depor pela comissão do Congresso que investigava o assalto de 6 de Janeiro de 2021. Cagou ostensivamente de alto, alegando publicamente que não tinha nada que lá ir, porque era conselheiro de Trump. Foi levado a tribunal por desobediência à Justiça. Foi condenado. Hoje era dia da leitura da sentença e, à entrada (acima), ainda o ouvimos a ter o descaramento de usar os microfones para tentar cravar mais umas massas que lhe financiem as despesas com os advogados. Apanhou quatro meses de prisão. Espero que sejam efectivamente cumpridos. E já. Espero que a este (ao contrário do que aconteceu com outro caso semelhante, o de Steve Bannon) não lhe suspendam a execução da sentença enquanto decorre o apelo. Estes gajos são tão bons a explorar a leniência da Justiça como qualquer mafioso.

ESTE GAJO - MIGUEL ALBUQUERQUE - É ABSOLUTAMENTE PARVO. SÓ PODE.

Nada obriga estas figuras satélites da política portuguesa, como Miguel Albuquerque, a dizerem coisas sobre política nacional. Mas a verdade é que, quase todas elas, quando instadas a fazê-lo, raramente resistem. Como se lê acima, a propósito da crise política e da queda do governo em Novembro passado, e ultrapassando uma sobriedade prudente, o presidente do governo regional madeirense alongou-se em considerações sobre o que acontecera em Lisboa e as suas consequências: «é muito mau» para a «credibilidade das instituições democráticas». Agora, quando a cena se repete com a sua pessoa e o seu governo regional, tudo aquilo que lhe ouvimos dizer parece assentar-lhe pela cabeça abaixo como uma daquelas tradicionais carapuças madeirenses. Depois do episódio eleitoral de Setembro passado, em que Miguel Albuquerque havia prometido demitir-se se não tivesse maioria absoluta, para depois se desdizer quando não a alcançou, este novo episódio, com a sua reviravolta de 180º conforme as buscas são no gabinete de António Costa ou no seu, parece constituir um derradeiro prego no caixão da credibilidade e da seriedade política do sucessor de Alberto João Jardim. Não sei - e desconfio que ninguém sabe -  o que isso poderá custar ao PSD em termos de votos. Tenho a impressão é que, em termos comunicacionais e de campanha, não parece haver nas cúpulas do PSD quem tenha coragem de se descartar de figuras que criam (e criaram) reputações de completa falta de credibilidade como neste caso: não foi ainda no fim de semana passado que apareceu no púlpito da cerimónia da AD um palerma desacreditado como Pedro Santana Lopes?

OS ANÚNCIOS DO CAPITALISMO MAIS DESCARADO

25 de Janeiro de 1974. A General Motors (GM), que era então o maior construtor mundial de automóveis, anunciava na imprensa norte-americana a sua intenção de despedir 75.000 trabalhadores pertencentes a 14 fábricas localizadas nos Estados Unidos. Uma semana depois, a 1 de Fevereiro, a mesma General Motors anunciava que obtivera os seus maiores lucros de sempre - 2.400 milhões de dólares - no exercício de 1973, acabado de encerrar. Cada acção da GM seria remunerada a USD 8,34, um valor record em relação aos USD 7,51 (também ele um valor record), que havia sido pago em 1972. A relação entre factores - Capital e Trabalho - não oferecia dúvidas na América. O primado ia para o dividendo da acção, mesmo à custa de 75.000 despedimentos. A ironia embaraçosa para aquilo que hoje somos, é que todos os indicadores nos demonstram que, apesar desta brutalidade, esta sociedade norte-americana de 1973 era muito mais igualitária do que a actual.

24 janeiro 2024

UMA ESTRANHA PARECENÇA COM OUTROS TEMPOS, OUTROS LUGARES... E OUTRAS BEBIDAS

Lendo esta notícia acabada de publicar pela Reuters, é difícil não fazer a associação que nos faz regressar a cinquenta anos para trás (foto) e a recordar a chegada da Pepsi-Cola à União Soviética (1972). E admitamos aquilo que há cinquenta anos o condicionamento ideológico e social nos impedia de fazer: tanto a União Soviética de então, como a Arábia Saudita da actualidade, são uns países um bocado esquisitos, não é verdade?...

UMA PÁGINA INTEIRA DE M....

A edição do Público de 24 de Janeiro de 2014 dedicava uma página inteira às «buscas» que se estavam a realizar à casa de «José Manuel Canavarro, antigo membro do governo de Santana Lopes, actual deputado do PSD e antigo consultor do grupo de educação GPS» que estava «a ser investigado por alegada corrupção». Quem se der ao trabalho de ler o artigo compreende que se trata de um texto redigido com «alegada» prudência jornalística. «Contactado pelo Público, José Manuel Canavarro afirmou que não "queria comentar nada sobre esse assunto". O assunto eram «as suspeitas do crime de corrupção». O desfecho daquelas «suspeitas» podêmo-lo apreciar seis anos e dez meses depois num título de um artigo da revista Visão: arquivamento. Este suspeito era do PSD, mas este é apenas mais um exemplo das palhaçadas espalhafatosas lançadas pelos jornais com o contributo dos procuradores do MP e cujo desfecho se perde depois num esquecimento conveniente. (adenda: nem de propósito, hoje eclodiu mais um caso com Miguel Albuquerque, presidente do governo regional madeirense; a carreira política dele passou à história mas é desejável, para credibilidade de todo o nosso sistema social, político e judicial, que o episódio de hoje não se venha a revelar uma reedição das acusações de há dez anos contra José Manuel Canavarro...)

Precisamente sobre este tema da manipulação da comunicação social pelo ministério público permitam-me recordar um excelente filme de 1981 intitulado no original «Absence of Malice» (A Calúnia). Apesar de estrelado por Paul Newman e Sally Field e realizado por Sidney Pollack e de possuir uma grande cena cena de representação protagonizada pelo secundário Wilford Brimley, este filme é, muito provavelmente, o mais subestimado de toda a filmografia de Pollack. Porque jornalistas e procuradores saem ambos muito maltratados dele, não custa perceber o porquê da colocação deste excelente filme no fundo da gaveta
.

23 janeiro 2024

OS PROBLEMAS COMPLEXOS DAS NOVAS NAÇÕES AFRICANAS

23 de Janeiro de 1964. Cerca de 700 membros do 1º Batalhão dos Tanganyika Rifles amotinaram-se contra os seus oficiais britânicos e assumiram brevemente o controle da capital de Tanganica, Dar es Salaam. As reivindicações dos amotinados era por salários mais elevados e para que oficiais africanos substituíssem os seus comandantes britânicos; a revolta começara em Lugalo e depois estendeu-se aos quartéis de Tabora e Nachingwea. Os rebeldes prenderam 30 dos seus oficiais britânicos, construíram barreiras para impedir a entrada e saída de Dar es Salaam, assumiram o controlo do aeroporto, da estação de rádio, da estação ferroviária e das esquadras de polícia, bem como do palácio do governo, embora o presidente, Julius Nyerere estivesse ausente na altura. Esta já é a noticia da acalmação da revolta, depois de o ministro da Defesa, Oscar Kambona, ter acedido às exigências dos militares amotinados enquanto - embora isso não apareça mencionado na notícia - tropas britânicas estacionadas no vizinho Quénia foram rapidamente transportadas para Tanganica para debelar a revolta. De toda a maneira, os oficiais superiores britânicos encarregues de enquadrar o exército local - não havia até então qualquer oficial tanzaniano com patente superior a capitão - foram expulsos do país. Assinale-se que estas centenas de amotinados representavam uma assustadora (elevadíssima) proporção dos parcos efectivos militares das novas nações africanas. Mas que o problema radicava em questões estruturais e não circunstanciais comprova-se pelo facto que, no dia seguinte ao desta notícia, iria ocorrer um motim completamente idêntico no 11º Batalhão dos Kenya Rifles que estava aquartelado em Nakuru, que é a terceira maior cidade do Quénia. Também aqui as reivindicações dos amotinados incidiam nas suas condições e na exigência da substituição dos oficiais de origem britânica. E também aqui foram as tropas britânicas que procederam à contenção do motim. O batalhão foi dissolvido e 43 amotinados foram levados a tribunal marcial pelo governo de Jomo Kenyatta. Para além de noticiados em Lisboa com desvelo, estes acontecimentos eram acolhidos pelo regime com uma indisfarçável dose de malícia: o caminho para as independências africanas preconizado por Londres não era desprovido de problemas muito sérios.

22 janeiro 2024

É POR TODAS ESTAS COISAS QUE EU ACHO QUE SE DEVE INSISTIR EM PERGUNTAR A RUI RIO A SUA OPINIÃO SOBRE O QUE ACONTECEU COM MALÓ DE ABREU

18 de Janeiro de 2020. Discurso de vitória de Rui Rio por ocasião da segunda volta das eleições internas do PSD, vencendo com 53,2% dos votos contra Luís Montenegro. Nesse seu discurso e por volta dos quatro minutos no vídeo acima, Rui Rio agradece aquela vitória nominativamente a quatro pessoas, sendo a quarta delas o agora conhecidíssimo transumante Maló de Abreu (cerca dos 4:25s), o antigo militante e deputado do PSD que deu muitas entrevistas a dizer que não ia para o Chega e afinal foi. Vale a pena acrescentar que as redes sociais possuem mais exemplos da apreciação de Rui Rio pelo seu antigo companheiro de partido: abaixo, vemos Rui Rio a manifestar no antigo Twitter o seu apreço pela elevação de uma das intervenções parlamentares do mesmo Maló de Abreu. Ora é tudo isto que não torna indiferente saber qual será a opinião - necessariamente pessoal - de Rui Rio sobre estas últimas inflexões políticas de quem lhe mereceu todos estes encómios noutros tempos. É que, parafraseando o próprio Rio na mensagem abaixo: há muitos anos que eu já não ouvia uma mentira tão descarada e tão repetida diante de tantos órgãos de informação. Fantástico!*
* Talvez só mesmo quando Carlos Cruz conseguiu ir de enfiada aos três canais de televisão clamar pela sua inocência. No percurso, conseguiu chorar - autonomamente - em todos eles.

«FRANCE AT WAR, 1939-1942»

Trata-se de um excelente estudo sobre o exército francês, composição, desempenho e o papel social que desempenhou, a começar pela fase inicial da Segunda Guerra Mundial, até à derrocada frente à Alemanha na Primavera de 1940. Seguem-se os dois anos e meio seguintes, cobrindo simetricamente a evolução tanto da França de Vichy e de Pétain, como a da França de Londres e de de Gaulle, cuja importância para o francês médio, e ao contrário do que a propaganda de guerra e do fim da guerra nos querem sugerir, é completamente díspar: os exilados e a França Livre eram, por esta altura, uma insignificância. O livro acaba com as repercussões da invasão anglo-americana dos três países da África do Norte sob tutela francesa (Argélia, Marrocos e Tunísia), a Operação Torch, que ocorreu em Novembro de 1942. Este é um bom livro, diria mesmo um excelente livro, mas apenas para aqueles que já têm uma ideia sobre o que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial e que se interessem pelos aspectos mais colaterais do conflito que normalmente não costumam ser focados nos livros mais convencionais e abrangentes sobre o tema.

A CEGUEIRA IDEOLÓGICA DA IMPRENSA LIBERAL BRITÂNICA

Ao ler este artigo desta semana da revista The Economist lembrei-me de um outro, de teor rigorosamente igual, publicado vai para dezassete anos e meio no Financial Times. Tem sido uma obsessão da imprensa liberal britânica preocupar-se com as consequências negativas do «iliberalismo» como os sucessivos governos indianos têm conduzido a sua política económica. A única coisa que parece mudar é o alvo da crítica, já que o primeiro-ministro muda: era Manmohan Singh em 2006, agora é Narendra Modi. O pior, para publicações que se arrogam de uma objectividade económica indestrutível nas opiniões que escrevem, é que aquela atitude tem sido consistentemente desmentida pelos factos: consultando os números oficiais, a economia indiana passou de um índice 100 em 2006 (data da publicação do artigo do Financial Times) para 270 em 2022 (último ano de que há dados disponíveis). É um resultado que corresponde a um ritmo médio de crescimento anual (já incluindo os anos da pandemia) de 6,4%/ano(!). Assistir aos articulistas da The Economist regressarem, pela enésima vez, às críticas quanto aos danos para o «progresso económico» do modelo económico vigente (que é proteccionista, concentrado em proteger os interesses dos agentes económicos locais), mas fazê-lo numa economia que tem crescido a tal ritmo, desafia qualquer objectividade, é a expressão da maior cegueira ideológica possível. Uma cegueira que se recusa a ver o óbvio.

21 janeiro 2024

AQUILO QUE ME PARECE UM RECADO PÚBLICO A JOÃO GALAMBA: «NEM TE ATREVAS...»

Por muito que respeite e acolha com bondade e mesmo bonomia a decisão acima de Duarte Cordeiro, o que é incontornável é que estas decisões não costumam ser publicitadas com esta ressonância mediática que aqui vemos. Saem as listas de candidatos a deputados, há quem confira os nomes que lá constam e há os mais argutos que, comparando-as, detectam as omissões. E, em condições normais de pressão e temperatura (como nas experiências de física...), Duarte Cordeiro seria descoberto por ser uma dessas omissões. Mas só então. No caso, esta sua decisão pessoal está a ser transformada em mais do que um predicado, parece-me desmesuradamente bradada aos sete ventos, que ultrapassará em muito, os elogios que se quisessem fazer ao ainda ministro do Ambiente e da Acção Climática. A circunstância que descrevi parece-me só fazer sentido se ela tiver por objectivo condicionar uma norma de conduta para com outros envolvidos na conhecida Operação Influencer, para que a conduta publicitada seja o padrão para todos os envolvidos. Não sei se será verdade mas, como dizem os italianos, se non è vero, è ben trovato e aí a campanha teria um destinatário óbvio: João Galamba que, recorde-se, quando se demitiu, garantiu que mantinha as «condições políticas» para o exercício das suas funções... Assim à primeira vista parece haver lá pelo PS quem não subscreva e manobre a comunicação social de maneira conforme.

A MORTE DE LENINE

21 de Janeiro de 1924. A morte de Lenine só veio a ser noticiada em Lisboa dois dias depois. Mas a notoriedade do revolucionário russo já era tal que a notícia da sua morte era de primeira página. Por detrás das aparências e como aqui temos vindo a dar conta - em Maio de 2022 ou em Março de 2023 - a debilidade do dirigente bolchevique era notória nos círculos próximos do poder e a disputa pela sua sucessão já começara há vários anos. 

CONFRONTAR O JORNALISMO COM O QUE ELE É, ACTUALMENTE

Os jornalistas bem podem organizar os seus congressos, lamuriarem-se e iludirem-se. Uma realidade é que, quando descubro um artigo num jornal com um título que vejo deliberadamente bombástico (acima, à esquerda), e depois encontro numa rede social uma refutação sustentada e redigida em tom ponderado ao mesmo artigo (acima, à direita), não tenho quaisquer dúvidas em atribuir uma credibilidade equivalente às duas informações, senão mesmo mais à segunda, por ser reactiva. Nunca me posso esquecer que por detrás da primeira está sempre a intenção de nos chamar a atenção para ela, empolando-a mesmo quando tal não seria necessário. Eu não sei quem é a Margarete L. Rodrigues, mas também não faço a mínima ideia quem sejam a Clara Viana e a Cristiana Faria Moreira. É curioso como os jornalistas têm todo o tempo de antena do mundo e nunca os vi (pelo menos aqueles que dissertam com pretensões mais filosóficas) a discorrer sobre a sobriedade das suas notícias, fazer claras distinções entre o que é dar notícias e o que é promover a publicidade de temas noticiáveis, como parece ser o caso acima, sobre as (in)competências dos alunos do 5º ano.

O LANÇAMENTO À ÁGUA DO PRIMEIRO SUBMARINO NUCLEAR, O USS NAUTILUS

21 de Janeiro de 1954. Os Estados Unidos lançam à água o seu primeiro submarino nuclear. Mais do que aquela arma furtiva secreta que faz a reputação da arma submarina, trata-se de um momento de propaganda, a atender à cobertura dada ao acontecimento, seja no noticiário filmado que passava nos cinemas do Reino Unido (acima), seja nos jornais portugueses (abaixo). Foi escolhida como madrinha da embarcação a esposa do presidente Eisenhower. Mas não quero deixar passar uma nota crítica à ignorância de quem redigia as notícias da Movietone britânica que, ao comentar o nome escolhido para o submarino, USS Nautilus, se ficou pela referência ao animal marinho, o náutilo, como inspirador, na ignorância total que o novo submarino compartilhava o seu nome com o famoso submarino do Capitão Nemo da obra de ficção Vinte Mil Léguas Submarinas do escritor francês Júlio Verne. Não são só os jornalistas de hoje que são muito ignorantes...

A RENÚNCIA FINGIDA DE CHIANG KAI CHEK

(Republicação)
21 de Janeiro de 1949. Em mais uma das inúmeras manobras retorcidas que rechearam toda a sua carreira política, o generalíssimo Chiang Kai Chek (1887-1975), que era então o chefe de estado nominal de uma China dilacerada pela guerra civil, anuncia ostensivamente que «entrega o poder» ao seu vice «para deixar o caminho livre às negociações de paz». Os seus exércitos nacionalistas haviam sofrido um encadeado de derrotas severas às mãos das forças comunistas de Mao Zedong (1893-1976) e a intenção de Chiang era passar a "batata quente" para o seu vice-presidente Li Zongren (1890-1969), que era também seu rival político. Como se pode ler num subtítulo da notícia acima, tratava-se «de uma interrupção de funções e não da resignação». Se as negociações de paz que se seguissem fossem frutuosas, tal facto dever-se-ia ao seu gesto magnânimo; se não e os comunistas reiniciassem a ofensiva militar (que foi o que de facto veio a acontecer), a responsabilidade pelo fracasso recairia totalmente em Li Zongren, e Chiang teria derrotado pelo menos o seu principal rival no campo nacionalista, enquanto havia ganho tempo e preparado a retirada dos últimos recursos do seu regime para a Formosa. O pensamento político retorcido de Chiang não ficava nada a dever ao de Mao...

20 janeiro 2024

O EX-DEPUTADO QUE MERECE QUE LHE CUSPAM

No meu mundo ideal, esta pessoa merecia que as pessoas com quem ele se cruzasse a partir de agora lhe cuspissem ou fingissem cuspir para os pés. Não por ter mudado de partido. Por o ter feito como o fez. Ele nunca foi obrigado a dar qualquer satisfação pública quanto às suas intenções. Se nos mentiu a todos com uma semi-verdade foi porque quis. E é isso que lhe confere o estatuto de escroque e o direito à escarreta. E, já agora, e como os jornalistas têm a pretensão de fazerem as perguntas que as pessoas gostariam de fazer, eu gostaria de saber o que é que Rui Rio tem a dizer do comportamento recente deste seu vice-presidente. Gostaria de saber o que Rui Rio tem a dizer, mesmo que não tenha nada a dizer. Caramba: com o mesmo fundo moral, gestos destes - mentiras descaradas! - beatificam retrospectivamente um Miguel Relvas! Ou, de tanto detestado, o Maló ainda acabará comentador de televisão como o Pedro Guerra.

PREVISÕES 2070 À PROFESSOR CHIBANGA - QUANDO CHEGARMOS A 2028 JÁ NINGUÉM SE LEMBRA DE QUEM PROMETEU E O QUE É QUE FOI PROMETIDO

Mais a sério, recorde-se, por exemplo, esta promessa abaixo do mesmo PSD, que foi feita um par de meses antes das eleições de 2011, e que quando foi cumprida sete anos depois, já o PSD deixara de ser governo e já toda a gente se esquecera que quem a prometera fora... Carlos Moedas.

O XVII PORTO-LISBOA EM FUTEBOL

60 anos antes da chegada de Jorge Nuno Pinto da Costa à presidência do Futebol Clube do Porto, já se disputavam anualmente encontros entre as selecções das duas cidades. O historial dos resultados era claramente favorável à capital. Como se lê no apanhado que consta do artigo da esquerda acima, o melhor que a selecção do Porto conseguira fora um empate a 1-1 na época 1920-21. O resto só derrotas, incluindo uns abissais 11-1 na época de 1916-17. Há precisamente cem anos, um Domingo, pelas 15H30 no campo da Palhavã, as duas selecções voltaram a encontrar-se pela 17ª vez. E o resultado foi um histórico - como classificariam os jornalistas de hoje... - empate a 0-0. De notar que, ao jornalista que escreve a notícia, não lhe agradou a arbitragem, a do senhor Rosmaninho, que «não foi feliz». Eu bem sei tratar-se de um anacronismo mas é-me impossível ler aquela passagem sem me lembrar do fenómeno da «fruta para dormir» que tão bem dispõe os árbitros.

A TOMADA DE POSSE DE HARRY S. TRUMAN

(Republicação)

20 de Janeiro de 1949. É o dia da tomada de posse de Harry Truman. Era e não era uma reeleição. Truman fora o vice-presidente escolhido por Franklin D. Roosevelt para as eleições presidenciais de 1944. Mas ocupou o cargo por menos de três meses, tendo ascendido à presidência por morte de Roosevelt a 12 de Abril de 1945. A sua reeleição esteve por um fio. Mas é ele que acima vemos a tomar posse na cerimónia alterada para esta nova data, que é hoje uma efeméride colectiva - tornou-se o dia da tomada de posse de todos os presidentes norte-americanos desde aí, de Truman a Trump. Por falar neste último e de acordo com a locução do vídeo acima, a cerimónia de há 69 anos terá sido presenciada por umas 130.000 pessoas e havia 1.250.000 espectadores a assistir ao enorme desfile que se lhe seguiu e que se estendia por mais de dez quilómetros, durando mais de três horas. Por curiosidade, refira-se no vídeo acima a recolha de imagens que parecem ter sido feitas a partir de um helicóptero (aos 0:30 e aos 0:55), o que era uma novidade naquela época.

19 janeiro 2024

HÁ MAIS DE QUARENTA ANOS QUE EU NÃO ACREDITO NAS HISTÓRIAS «PURAS» DE AGRESSÕES A JORNALISTAS, CASO NÃO HAJA OUTRAS TESTEMUNHAS IMPARCIAIS A CORROBORAR

Esta história que aqui vou contar já tem mais de 45 anos, ocorreu por ocasião das cerimónias do 175º aniversário do Colégio Militar, cerimónias que foram presididas pelo então presidente da República, general Ramalho Eanes. Antes das cerimónias se iniciarem, e diante da guarda de honra que o aguardava, houve uma cena que ainda hoje recordo. Formou-se inicialmente uma poule de foto-jornalistas postados no sítio mais propício para fazer a melhor fotografia ao presidente, quando ele chegasse. Infelizmente, o sítio era também o mesmo por onde forçosamente o mesmo presidente, o seu ajudante, e o comandante da guarda de honra haveriam de passar quando o primeiro passasse revista aos membros que - como eu - constituíam a guarda de honra. Não podia ser. Um alferes da PE (Polícia do Exército) explicou pacientemente isso aos foto-jornalistas e estes dispersaram. Passado alguns instantes formava-se novo grupo, mais pequeno (dois ou três), no mesmo local, e o mesmo alferes voltou a explicar-lhes, aos fotógrafos insistentes, precisamente a mesma coisa. Enquanto isso, nós, na guarda de honra, apreciávamos este jogo do gato e do rato impávidos, mas nem por isso desatentos e, por isso, divertidos. Chega o presidente, começam os procedimentos, saudações, hino, e não é que há um fotógrafo mais coriáceo que, apesar do que acontecera, volta para o lugar do crime?... Aí, o alferes da PE, que era de compleição avantajada, esgotara a paciência, e, pegando sem cerimónia no fotógrafo pela gola e pelos fundilhos, despejou-o para uma distância de uns dois metros longe do local onde presidente e acompanhantes passariam, onde o fotógrafo aterrou para um lado e a sua máquina para outro. A cena foi violenta mas é minha convicção profunda que a assistência só não irrompeu em aplausos porque: a) era uma tropa disciplinada; b) tínhamos as mãos ocupadas a segurar as armas. O fim da história é um anti-clímax, o fotógrafo afastando-se dorido com a máquina de onde se partira qualquer coisa, rogando pragas e ameaçando represálias, que não dei por que se concretizasse. Mesmo sem as fotos mais especiais daquele parvalhão, a ocasião ficou registada para a posterioridade, como o comprovam as duas fotos mais acima.
Regressemos ao presente e ao recente episódio em que o Expresso se vitímiza porque um dos seus jornalistas foi expulso de um «evento universitário». Da própria notícia que o jornal publica percebe-se que os convites haviam sido feitos extemporaneamente por membro do staff do Chega (quando estes não eram sequer os anfitriões do evento), que o jornalista terá sido previamente instado por três vezes para o abandonar e quanto à expressão «agredido» que é usada pelo jornal, essa parece excessiva quando se lê que ele terá sido «agarrado pelos pés e pelos braços» e posto fora do recinto onde decorria o evento. Removido sem qualquer cortesia sim, mas essa falta de cortesia começara quando ele se recusara a abandonar o local, recusando razões que preferiu não reconhecer como válidas. Recordando aquilo que aconteceu diante de mim há 45 anos, o que faltará a esta história é recolher o depoimento de alguém que a possa descrever de maneira imparcial. Não se dê o caso do jornalista se ter comportado como um parvalhão, como aconteceu com o foto-jornalista do parágrafo mais acima. Porém e em vez disso, quanto mais o tempo passa, mais se percebe que, em vez de o esclarecer, o exercício dos colegas deste jornalista tem sido o de tentar conspurcar o incidente com o maior número de entidades possíveis: Chega, UCP, Iniciativa Liberal... Como sempre, parece ser tempo perdido pedir-lhes, aos jornalistas, objectividade em acontecimentos em que estão em jogo os seus interesses de classe. O que, não nos esclarecendo nada quanto ao que terá acontecido, elucida-nos, ao menos, porque é que quiseram transformar aquilo que aconteceu em notícia.

AS CONDECORAÇÕES DE ÁLVARO CUNHAL, O CAMARADA QUE «FAZIA CERIMÓNIA» SÓ COM OS ESTRANGEIROS

Álvaro Cunhal (1913-2005), o mais destacado dirigente comunista português do século XX, sempre se mostrou extremamente avesso a receber condecorações. Pelo menos em Portugal. Sempre que foi sondado com tal propósito, a sua resposta foi invariavelmente negativa. Tão conhecida se tornou essa sua aversão que, quando Cunhal faleceu em 2005, nem se equacionou sequer a hipótese de que o então presidente, Jorge Sampaio, o condecorasse a título póstumo, como muitas vezes acontece nestes casos. Este preâmbulo torna-se indispensável para que o leitor perceba melhor o anacronismo irónico em que consiste a notícia acima, publicada a 19 de Janeiro de 1984, em que o Diário de Lisboa dá notícia da alta condecoração que o líder cubano Fidel Castro impusera a Álvaro Cunhal que visitava Cuba. A Ordem «Playa Girón» é a mais elevada da hierarquia das ordens honoríficas cubanas, concedida apenas excepcionalmente. E é assim que se pode perceber como teria sido, provavelmente, um Álvaro Cunhal extremamente contrariado a participar naquela cerimónia, sem que o próprio tivesse para com Fidel a coragem que mostrava para com os seus compatriotas. Coisas do internacionalismo proletário... Aliás, mais de uma década antes, ainda antes do 25 de Abril e do retorno de Cunhal a Portugal, os soviéticos haviam-lhe pregado uma partida semelhante, concedendo-lhe a Ordem da Revolução de Outubro, que fora instituída em 1967 (abaixo, à direita). Ainda depois desta condecoração cubana, recebida com um imaginável sorriso amarelo, Álvaro Cunhal virá ainda a receber a ainda mais prestigiada Ordem de Lenine (abaixo, à esquerda) dos mesmos soviéticos, já em 1989. Conhecidas as diferenças ideológicas da época entre Cunhal e Gorbachev e também a aversão do primeiro por condecorações, o que se dizia em surdina é que aquela iniciativa de Gorbachev fora mesmo para chatear Cunhal de forma cortêz e diplomática... E, mais uma vez, Cunhal não teve a franqueza de dizer que não. Foi pena...

18 janeiro 2024

...E O TRIBUNAL DE CONTAS SABE EM QUE ANO ESTAMOS?

Há coisa de uns dias foi piada das redes sociais estes votos de Feliz Natal enviados três semanas depois da data por uma CP que sabemos circular permanentemente em atraso. Infelizmente não será a única organização consistentemente atrasada do nosso panorama nacional. Reconheça-se que os atrasos do Tribunal de Contas não perturbam o quotidiano das pessoas como os da CP, mas o ritmo a que por lá se apresenta as suas conclusões apenas as ridiculariza - porque parecem ficar sempre impunes.      
Por lá ainda se está a analisar aquilo que se andou a fazer por aí durante a pandemia. E concluído que se terá «desperdiçado» 50 milhões em vacinas e se terá gasto 150 milhões de mais em testes. A pergunta é: o que se faz agora, quando se completam quase quatro anos sobre o início da pandemia? De uma forma imaginativa, também aqui se pode dizer que se anda sempre atrás do comboio... Será que vale a pena mandarmos um telegrama ao Tribunal de Contas a informá-los que a Rússia invadiu a Ucrânia?...
Muito sinceramente: este exercício repetido de bradar que as coisas foram retrospectivamente mal feitas, sem possibilidade de as rectificar e sem que se vejam sanções para quem as fez, é um exercício de masoquismo inútil e estúpido.

A TENTATIVA DE GREVE GERAL DE 18 DE JANEIRO DE 1934

18 de Janeiro de 1934. Tem lugar um amplo movimento de greve geral em reacção à legislação corporativa do Estado Novo que retirava a autonomia aos sindicatos clássicos. Ao bom estilo da época, as paralisações foram acompanhadas de acções de protesto e sabotagem, que eram os focos das notícias dos jornais da época (que eram censurados). Simbólico da importância dos acontecimentos, o Diário de Lisboa, que então continha oito páginas, dedicava quase metade delas (acima) ao noticiário (permitido) do que acontecera. Para o movimento operário, terá sido uma gloriosa derrota, mas uma derrota, ainda assim.

17 janeiro 2024

A BATALHA DE MONTE CASSINO

(Republicação)
17 de Janeiro de 1944. Começa a Batalha de Monte Cassino. Virá a constituir a batalha de referência da campanha que os Aliados travarão pela conquista de Itália durante a Segunda Guerra Mundial. O Monte, com um pouco mais de 500 metros de altitude e situado a uns 130 km a sudeste de Roma e a uns 80 km a norte de Nápoles, é encimado pela Abadia desse nome (acima, depois de destruída pelos bombardeamentos aliados), o mosteiro de origem daquela ordem, fundada em 529. Por outro lado, Monte Cassino é também um ponto táctico notável, cujo controlo permite o estabelecimento de uma linha defensiva dominando as alturas, criando uma barreira no centro da península italiana. A sua posse é decisiva para que essa barreira se possa conservar e, assim, Monte Cassino pode ser considerado como o ferrolho de tal dispositivo. Em princípios de 1944 os alemães detinham-no, e os Aliados queriam-nos desalojar. Nos quatro meses que se vão seguir a 17 de Janeiro de 1944 haverá quatro batalhas para desalojar os alemães daquela posição. A multinacionalidade das tropas atacantes caracterizará os combates: envolverá britânicos e americanos, mas também neozelandeses, indianos, magrebinos franceses, canadianos e polacos. A posição só virá a cair em meados de Maio após ter causado 55.000 baixas entre as forças aliadas. A condução dos combates ainda hoje é um assunto controverso, como se pode deduzir pelo subtítulo do livro abaixo, fortemente crítico do general (norte-americano) Mark Wayne Clarke. Controvérsias essas que, como é costume, são depuradas na página a ele dedicada na wikipedia.