27 abril 2024

AS PRIMEIRAS ELEIÇÕES GERAIS DA HISTÓRIA DA ÁFRICA DO SUL

(Republicação)
27 de Abril de 1994. Têm lugar as primeiras eleições na África do Sul em que o direito de voto pôde ser exercido por todos os cidadãos. Contabilizaram-se 19,5 milhões de votos (nas eleições anteriores, restritas, em 1989, os eleitores haviam sido apenas 2,5 milhões...) e os resultados deram uma vitória clara ao ANC, que recebeu mais de 12 milhões de votos, o equivalente a 62,5% da votação. A data de 27 de Abril tornou-se um dia feriado na África do Sul. O video acima é apenas uma revisitação desses dias que é feita 22 anos depois pela visão de três jornalistas, cada um pertencente a uma das comunidades em que o regime do apartheid segmentara a sociedade.

26 abril 2024

ZERO DE ABRIL

(Republicação destacando o 10º aniversário de um daqueles costumeiros disparates de Vasco Pulido Valente a que as/os groupies do sujeito davam grande publicidade, numa demonstração viva que o 25 de Abril também se fez para que os aldrabões das histórias recebessem uma promoção imerecida)
Muito mais instrutivo do que o título que a entrevistadora (Ana Sá Lopes) escolheu para a entrevista que fez a Vasco Pulido Valente acerca da forma como este terá vivido o dia 25 de Abril de 1974 (e os dias que se seguiram), será o exercício de comparar as declarações que ele ali lhe prestou com a visão que Maria Filomena Mónica dá desse dia e desses mesmos acontecimentos no seu livro Bilhete de Identidade (pp. 315-319). Ambos concordam ter passado o dia com o outro (Fui acordado de manhã e depois fui com a Maria Filomena Mónica para a rua. Fomos ao Largo do Carmo, andámos por ali. – ele – A 25, pelas dez horas da manhã, (o Vasco) chegou a minha casa. Dirigimo-nos para o Largo do Carmo. – ela). Ela mais superficial e evocativa do tempo ou do que vestia (…estava uma manhã cinzenta e com nortada. Lembro-me de ter saído de casa com uma camisa branca sob um casaco verde.), ele mais chão nesse tipo de memórias avulsas (...fui almoçar a um restaurante pegado ao elevador da Glória). Mas verificam-se algumas contradições evidentes nas duas histórias: Ela queria ir à PIDE, mas eu disse que era melhor não irmos. (…) Aquilo devia ter sido um ponto estratégico se o Movimento das Forças Armadas tivesse sido conduzido por alguém com alguma inteligência.... Maria Filomena Mónica ter-se-á marimbado para a hipotética inteligência estratégica do companheiro e tê-lo-á arrastado: Ao princípio da tarde, fomos até à sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso. (…) reinava a paz dos sepulcros.

Mas o mais estranho que terá escapado a Maria Filomena Mónica foi o verdadeiro prodígio da electrónica realizado naquela tarde histórica de Abril, quando Vasco Pulido Valente voltou ...para o carro e consegui(u) ouvir – porque se ouvia nas telefonias dos carros – a banda de rádio da GNR. (…) O comandante a dizer: «É melhor acabarmos com isto senão isto ainda vai dar uma chatice.» Vasco Pulido Valente considera esta última frase inesquecível. Eu considero – para além da coincidência do Vasco ter apanhado a parte mais sumarenta do diálogo – todo o processo da escuta tecnicamente brilhante. Basta pensarmos como Garcia dos Santos teria andado no quartel da Pontinha a montar um complexo sistema de intercepção de comunicações para aquele dia, quando o Vasco Pulido Valente lhe poderia ter resolvido boa parte do problema só com o rádio do carro… Para além da verosimilhança, a versão daqueles dias escrita por Maria Filomena Mónica tem a vantagem de ser, não só mais desenvolvida, mas também intelectualmente mais modesta (Os dias que se seguiram foram passados na companhia do Vasco, tão surpreendido quanto eu com o que se estava a passar) e de ser ilustrada com uma fotografia (tirada pela Micuxa Galvão Teles) de uma honestidade simbólica: nela se vêem os dois a zero, coscuvilheiros, com Vasco Pulido Valente apropriada e simbolicamente nos bicos de pés atrás da multidão, a tentarem ainda assim perceber o que se estaria a passar.
Tomando por inspiração aquilo que Vasco Pulido Valente diz(ia) que devemos aos capitães de Abril, também aquilo que ele narra(va) sobre a forma como vive(ra) aqueles dias é de fidedignidade zero - como quase tudo o que Vasco Pulido Valente escrevia, de resto...

DA DEPUTADA BENJAMIM COM 27 ANOS PARA O EURODEPUTADO CABEÇA-DE-LISTA COM 28

Nas cerimónias de comemoração do 50º aniversário do 25 de Abril o PSD adoptou a atitude de atribuir o discurso do seu partido à jovem deputada Ana Gabriela Cabilhas, que veio apresentada com o atributo de, com 27 anos, ser a mais nova das deputadas em funções. Recorde-se que este episódio não é inédito: há seis anos, já o(utro) PSD tomara iniciativa idêntica com outra jovem deputada, Margarida Balseiro Lopes, então com 28 anos, actual ministra da Juventude. Mas, se o PSD de Luís Montenegro deu em copiar - e bem - algumas que haviam sido as iniciativas do PSD de Rui Rio, a verdade é que no tempo deste último o PSD não se tinha a haver com a incoerência de acarinhar e promover deste modo a deputada benjamim da Assembleia da República aos 27 anos, enquanto simultaneamente se acabou de anunciar e se faz promoção activa para presidir à sua lista de eurodeputados a um comentador televisivo de... 28 anos. Não faz sentido e percebe-se por episódios como este que as razões para a fragilidade deste governo vão para além da sua base parlamentar minoritária: comparando estes dois episódios, percebe-se que a mão direita não faz a mínima ideia do que é que a mão esquerda anda a fazer e reciprocamente.

O MARECHAL PÉTAIN EM PARIS

(Republicação)
26 de Abril de 1944. O Marechal Pétain, o chefe do Estado Francês visitava Paris. E porquê é que a jornada era histórica para Paris e para a França, conforme o proclama o locutor do documentário acima? Porque, por muito que Paris permanecesse a capital de França, o chefe do Estado apresentava-se na cidade como convidado dos alemães, que a ocupavam. Era a primeira vez que estes o haviam permitido, desde que Pétain assumira funções quatro anos antes. O cerimonial das imagens acima apenas tenta disfarçar essa impositiva restrição de movimentos. «Em frente da catedral de Notre Dame, formou a guarda republicana com os seus antigos uniformes e, à porta da igreja, Pétain foi aguardado pelo cardeal Suhard, arcebispo de Paris, por (Pierre) Laval e por todo o governo francês. O embaixador do Reich estava representado pelo ministro von Bergen, na companhia do ministro plenipotenciário von Renthe-Vink, que, há alguns meses, está adido à chefia do Estado, junto do Marechal, como enviado especial do Reich. Também se fez representar o comandante da cidade de Paris, tenente-general von Boineburg(-Lengsfeld).» (Nota da DNB)
A missa, celebrada pelo cardeal Suhard, realizava-se por alma das vítimas dos bombardeamentos aliados sobre a região parisiense que haviam tido lugar na noite de 20 para 21 de Abril. Fora para engajar ainda mais o regime de Vichy na causa alemã que havia sido permitida a deslocação de Pétain a Paris. Mas o que mais interessava aos seus serviços de propaganda era o "banho de multidão" que acompanharia a deslocação do Marechal, episódio que foi, de resto, profusamente filmado (mais acima) e noticiado no dia seguinte (acima). Mas, sintoma de como a sorte e, com ela, a popularidade destes homens pode ser efémera junto das multidões, dali precisamente por um ano, a 26 de Abril de 1945, nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial, estava o mesmo Marechal Pétain a render-se às novas autoridades francesas, junto à fronteira com a Suíça.

O «PENETRA» DE ABRIL (2)

Já aqui expliquei há precisamente dois anos porque é que o «penetra» de Abril é um «penetra». Como se vê pela imagem, as condições para o «penetra» ali aparecer, não como «militar de Abril», mas como «penetra» de Abril mantêm-se. Ele está no perfeito direito dele de não ligar à minha opinião. E eu estou no meu de não deixar de insistir que não lhe reconheço qualquer mérito para ali figurar. Ainda sobrevivem muitos legítimos «militares de Abril» para que seja preciso recorrer a figurantes.
Momento do discurso de Pedro Nuno Santos em que este agradece aos «capitães de Abril» presentes no hemiciclo e estes últimos se levantam em retribuição. Há ali quem se levante e, porque andava ainda a estudar, nada tenha feito naquela data por que se lhe agradeça...

25 abril 2024

O QUE É QUE SE PODE ENTENDER POR «INFORMAR PREVIAMENTE» DA DEMISSÃO A PRÓPRIA PESSOA A QUEM SE DEVE APRESENTAR ESSA MESMA DEMISSÃO?...

Parece-me evidente que estas duas jornalistas do Expresso - Rita Ferreira e Vera Lúcia Arreigoso - não percebem nada das circunstâncias do assunto sobre o qual escrevem. Como é que alguém, no caso o Director Executivo do SNS, poderia informar «previamente a ministra da Saúde» da sua demissão, se a transmissão dessa informação passaria a ser automaticamente o acto (de demissão) em si? As jornalistas não percebem o paradoxo do que escreveram? Não devem ter percebido e é por isso que se pode alcunhar aqueles aplicativos - como o ChatGPT - de inteligência artificial. Quando comparados com exemplos destes de estupidez natural, tem que se aceitar que eles acabem por merecer o primeiro epíteto. Não propriamente pela inteligência do que fazem, mas por causa da estupidez das pessoas que eles substituem...
Um exemplo adicional, de hoje, daquilo que pode ser a inteligência artificial a superiorizar-se a estupidez natural. A primeira conseguirá apreender o conceito do que é «a título póstumo» e depois emprega a expressão com propriedade; enquanto um jornalista da Lusa (abaixo) desprovido de inteligência (mas da natural...), acaba de «matar» (implicitamente...) o MFA (Movimento das Forças Armadas) e depois o seu colega da TSF que se responsabiliza pelas publicações, por incompetência, negligência ou estupidez pura, confirma o «óbito» da instituição...

MAIS CRAVOS EM ARMAS ERRADAS

(Republicação a propósito do cinquentenário)
Já aqui escrevera, no 25 de Abril do ano passado, sobre cravos colocados nas armas erradas. Regresso ao tema, observando a forma displicentemente ligeira como, por vezes, o tema dos cravos do 25 de Abril é tratado. A silhueta da arma da figura acima, por exemplo, é facilmente reconhecível como uma AK-47, uma arma de origem soviética. Para além do erro factual (Portugal sempre pertenceu à NATO, seria impossível que os seus soldados usassem armas daquela proveniência em 1974), e com a ignorância mais do que provável dos autores da montagem, aquela arma pode prestar-se a interpretações maliciosas (mas quiçá pertinentes) sobre a influência que o marxismo-leninismo teve no desvio dos ideais originais do 25 de Abril, só posteriormente corrigidas a 25 de Novembro de 1975.

Aliás, desconhecido de muitos, a começar pelos portugueses, a associação entre cravos e armas individuais de infantaria, especialmente as de origem soviética, é um fenómeno bem mais antigo do que 1974. Abaixo podemos ver um cartaz polaco dos anos próximos do fim da Segunda Guerra Mundial, da época em que vigorava uma amizade fraterna entre russos e polacos. Do ponto de mira da arma (uma PPSh de origem soviética) vêm-se sair dois cravos, um vermelho outro branco, representativos das cores nacionais da Polónia. Apesar de se tratar de uma estética bem conseguida, não consta que os cravos tivessem adquirido grande significado simbólico entre os polacos... Deve ter sido porque lá na Polónia daqueles anos os cravos da Liberdade não se davam muito bem por causa do clima

O CRAVO NA ARMA ERRADA

(Republicação a propósito do cinquentenário)
A fotografia acima, pretendendo passar por uma fotografia do 25 de Abril, não pode ser considerada uma verdadeira fotografia simbólica do 25 de Abril. Mesmo que o cravo e a boa disposição manifestada pelos fotografados estejam adequados ao evento, a arma onde a rapariga deposita o cravo está errada – trata-se de uma espingarda Mauser e não de uma G-3 – e o soldado é afinal um graduado da Guarda Nacional Republicana (GNR). Recorde-se que foi entre a GNR, no quartel do Carmo, que o presidente do conselho Marcelo Caetano se refugiou antes de se vir a render. Nada impede que os seus militares tivessem depois aderido ao espírito do acontecimento mas, institucionalmente, a GNR foi um dos vencidos do dia.

AINDA IMAGENS DO 25 de ABRIL ORIGINAL: A PRISÃO DO PIDE

(Republicação a propósito do cinquentenário)
O rebranding que fora promovido em 1969 sob Marcello Caetano nunca funcionara: a antiga Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE) mudara o seu nome para Direcção Geral de Segurança (DGS), mas a manutenção de tudo o resto, competências, estrutura, director (major Silva Pais) fizera com que, a justo título, a instituição e os seus agentes continuassem a ser designados pelo nome de sempre: a PIDE, um pide. Na fotografia é um deles que é preso por quatro soldados diante de uma assistência de outros tantos populares que parecem assistir, não da bancada mas do peão, à Revolução que se desenrola a 25 de Abril. A roupa a secar numa varanda e meio anúncio luminoso de uma loja de Gazcidla (o gás engarrafado consumido pelas classes baixas) confirmam o retoque popular da imagem.

25 DE ABRIL DE 1974

Reportagens de época da televisão francesa (acima) e britânica (abaixo). Mais do que os acontecimentos, servem ambas para recordar como éramos então vistos no resto da Europa.

24 abril 2024

O ESPIÃO QUE FOI PRESO NA VÉSPERA DO 25 DE ABRIL

(Republicação)
A história passou praticamente desapercebida em Portugal, porque ocorreu quase toda durante a fase eufórica que vai do 25 de Abril de 1974 até ao 1º de Maio, mas um dos maiores, senão mesmo o maior escândalo de espionagem ocorreu na Alemanha Federal durante esse período. Depois de uma investigação metódica dos seus serviços de contra-espionagem, o governo alemão descobriu que um dos homens de maior confiança do chefe do governo, o Chanceler Willy Brandt, havia sido, desde sempre, um espião plantado pelos serviços de informações da vizinha e rival Alemanha Democrática (abaixo).
De seu nome Günter Guillaume, o homem que conquistara a confiança de Brandt viera do Leste em 1956 no meio dos quase 2.750.000 alemães que atravessaram a fronteira no mesmo sentido entre 1949 (data da fundação das duas Repúblicas alemãs rivais) e 1961 (data da construção do Muro de Berlim). Só que Guillaume vinha com instruções específicas de Markus Wolf (abaixo) – hoje considerado uma referência entre os profissionais da espionagem – para se infiltrar no aparelho político do SPD (o Partido Social Democrata da Alemanha Federal), o que ele fez com o sucesso que agora se conhecia…
A prisão de Guillaume, quando as provas angariadas contra si já eram indesmentíveis, ocorreu precisamente a 24 de Abril de 1974 e foram, e aqui o termo pode empregar-se com propriedade, um verdadeiro terramoto político. Tanto mais que o próprio visado assumiu imediatamente a verdade, mal foi preso. Embora tenha vindo a compor o seu comportamento nas suas memórias (*), a verdade é que Willy Brandt ainda tentou minorar os estragos e verificar as suas possibilidades de sobrevivência política. Só dali a duas semanas (6 de Maio) é que se demitiu e, mesmo assim, só do cargo governamental de Chanceler.
Willy Brandt foi substituído no cargo de Chanceler por Helmut Schmidt (acima). Interditado a partir dali de ocupar quaisquer lugares de relevo, Brandt passou os anos que se seguiram a mexer os cordelinhos nos bastidores, quer com o cargo (que reteve até 1987) de presidente do SPD, quer com o de presidente da Internacional Socialista até 1992, que foi também o ano da sua morte. Quanto a Günter Guillaume, ele foi julgado e condenado a uma pena de 13 anos de prisão. Acabou por cumprir apenas metade da pena, porque em 1981 veio a ser libertado numa troca de espiões entre Leste e Oeste.
Curiosamente, nesse mesmo ano de 1981, uma operação que teria causado na Alemanha Democrática um embaraço simétrico à do Caso Guillaume, foi evitada: um quadro dos serviços de espionagem da RDA chamado Werner Teske tinha estado a preparar-se para desertar para o Ocidente (**) levando um amplo dossier com as actividades do seu serviço quando foi descoberto, julgado, condenado e executado. Tudo isso se passou no maior silêncio informativo e só se veio a descobrir depois da queda do Muro. É por comparar casos destes que sempre achei que em vez das mais amplas liberdades democráticas foi sempre preferível usufruir das outras

(*) – A versão que agora se tenta fazer correr é que Brandt já estava muito desgastado politicamente naquela altura e que se demitiu por outras causas que não o escândalo. É preciso frisar que Willy Brandt sempre desfrutou desde o princípio da sua carreira, como burgomestre de Berlim, de uma boa publicidade na imprensa, nomeadamente do maior grupo editorial alemão, o de Axel Springer.
(**) – Houvera um outro desertor, mas de menor graduação, chamado Werner Stiller, que fora bem sucedido em Janeiro de 1979.

EM DEMOCRACIA, O PASSADO NÃO SE CONSEGUE REESCREVER A GOSTO

Em vésperas do cinquentenário do 25 de Abril, surge-nos esta tentativa subtil do presidente da República de tentar recontar a narrativa do episódio das gémeas que o chamuscou. Este é um exemplo oportuno das mansardas que Abril abriu, a separação cristalina entre a Democracia e a ditadura (sejam elas de que sinal forem...). Em Democracia, o protagonista político que tenta reescrever o passado conforme lhe conviria acaba sendo ridicularizado por isso.

HISTÓRIAS PROSAICAS QUE NÃO CONTRIBUIRAM PARA A ALVORADA DE ABRIL

Quarta Feira, 24 de Abril de 1974. Na véspera do 25 de Abril, numa página interior (p. 16) do Diário de Lisboa, dava-se nota de que a UEFA varrera para debaixo do tapete uma tentativa de suborno - fracassada - a um árbitro português que fora denunciada pelo jornal britânico Sunday Times. O caso, que datava já da época anterior (1973), fora protagonizado por dirigentes da Juventus num jogo da meia-final da Taça dos Campeões Europeus contra o Derby County e a descrição das medidas tomadas pelo UEFA para investigar aquilo que acontecera evidenciava o amadorismo inepto - voluntário ou não... - das autoridades do futebol europeu. Neste caso, e para variar das tradicionais insinuações sobre as arbitragens domésticas, vale a pena elogiar Francisco Lobo, porque se assistia a um árbitro português que se mostrava demasiado honesto para os padrões europeus...

23 abril 2024

«MY BOY LOLLIPOP»

Há canções que que sabemos que sabemos, sem saber porque é, ou como é, que as sabemos. Mas estão cá dentro do ouvido. É o caso desta «My boy lollipop», um sucesso na Europa em ritmo cafrializado (mais tarde classificá-lo-ão de ska) e que já tem sessenta anos.

SEBASTIÃO É JORNALISTA, NA OPINIÃO DO JOÃO MIGUEL TAVARES

O artigo de opinião de hoje de João Miguel Tavares no Público aplica-se em desancar em Sebastião Bugalho por causa da notícia que o dá - a Bugalho - como próximo cabeça de lista do PSD às eleições europeias. Mas aquilo que eu mais gostei aparece na caixa de comentários do referido artigo. Ao comentário de um - pelo menos para mim - incógnito Paulo Batista, que recusa o atributo de jornalista a(o) Sebastião (uma forma de tratamento que, para mim, indicia proximidade com o visado), o autor apressa-se a responder - dez minutos depois - qualificando-o como jornalista: É jornalista, sim.

Retiro pelo menos duas conclusões interessantes do episódio. A primeira é que João Miguel Tavares se levanta bastante cedo: o seu comentário data das 06:25 da manhã. A segunda é que estaremos perante uma divergência de opinião intransponível: não vale a pena discutir este assunto com João Miguel Tavares, assim como não valeria a pena discutir com Donald Trump as eleições presidenciais que ele, Trump, perdeu em 2020. É ridícula esta elasticidade que, tornaria possível classificar Sebastião Bugalho como jornalista, e que tornaria por sua vez possível que José Miguel Júdice ou Luís Marques Mendes fossem classificados como jornalistas, estes talvez só jornalistas em part-time, mas mesmo assim...
(Outro jornalista...)

A GOLPADA

Terça-Feira, 23 de Abril de 1974, 21h45. Estreia do filme A Golpada, enquanto O Golpe estava previsto para dali a dois dias...
E precisamente por causa d'O Golpe (e da torrente noticiosa que ele veio a desencadear), a crítica ao filme A Golpada só veio a ser publicada mais de três semanas depois da estreia...

SE ISTO É UMA «RENOVAÇÃO A 100%», VOU ALI E JÁ NEM VOLTO...

Se a renovação, conforme o PS a pretende impingir, é uma renovação total da lista socialista, então esta fotografia acima de Maio de 2014, exibindo Francisco Assis como o cabeça de lista do PS àquelas eleições arrisca-se a ser uma fraude. Ou então não é. E o que aconteceu é que esta renovação é uma renovação em relação à anterior renovação (de 2019), mas que envolve elementos como Assis, que tinham sido a renovação anterior (de 2014) a essa última renovação. Como se pode apreciar pela foto, a renovação de 2014 chamava-se mudança, mas a ideia parece assemelhar-se. Embora com muito menos impacto, esta confusão da mensagem da renovação a 100% com elementos de anteriores renovações, convenhamos, colocará as renovações das listas europeias do PS assim como as anunciadas reduções do IRS que foram propostas pelo PSD... De qualquer maneira, considero muito judiciosa esta despromoção de Francisco Assis em relação a 2014, aparecendo agora em segundo lugar atrás de Marta Temido, porque de 2014 para cá tem dado entrevistas - a inclusa na imagem acima é do Verão de 2020, em plena pandemia - em que se tem mostrado assaz imaginativo, nomeadamente no respeito histórico que devemos manifestar por Pedro Passos Coelho, tópico inoportuno de discutir nos tempos que correm.

22 abril 2024

SE HÁ PREDICADO QUE NÃO PODEMOS ATRIBUIR AO CABEÇA DE LISTA DA "AD" ÀS EUROPEIAS É O DE MODESTO...

Um entusiasmo arrogante que só é compreensível por causa dos seus 28 anos... em que se tem fartado de aparecer na televisão.
A sério e numa certa perspectiva acaba por ser uma excelente decisão de quem escolheu: o nome do cabeça de lista consegue, só por si, fazer com que eu me desinteresse saber quem são os outros 20 nomes da lista do PSD!... A lista é do PSD, o CDS está reduzido a uma espécie de clube do bolinha do Nuno Melo e foi tratado no congresso deste fim de semana de forma correspondente, precisamente pelo Sebastião Bugalho e por outros quejandos como ele.

Para que tudo fique ainda mais caricato nesta promiscuidade entre comentadores políticos e políticos comentadores, um colega de canal do novel cabeça de lista do PSD anunciara, no canal de televisão que os alberga aos dois e que é, aliás, o que acima dá esta notícia, anunciara um outro cabeça de lista, adicionando mais um à lista de gloriosos fiascos televisivos da SIC Notícias!

AS OFENSIVAS DIPLOMÁTICAS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

(Republicação)
22 de Abril de 1944. Um par de notícias de conteúdo aparentemente anódino numa das páginas centrais da edição do jornal desse dia, dá conta daquilo que era uma discreta, mas violenta, ofensiva diplomática por parte dos Aliados para que alguns países neutrais cortassem o fornecimento de alguns itens considerados vitais para a indústria de armamentos do III Reich. Numa das notícias, originária de Ancara, dava-se conta da reacção da Turquia a essas pressões, suspendendo as exportações de minério de crómio para a Alemanha, invocando a sua própria condição de aliada da Inglaterra. Noutra, oriunda de Londres, era a Suécia que ainda não respondera à nota dos Aliados, em que se lhe era pedido que suspendesse as exportações de esferas de rolamentos para a Alemanha. Havia uma campanha de bombardeamento em curso para destruir a capacidade de as produzir no próprio território alemão, e a indústria de armamentos alemã havia recorrido ao reforço das importações da Suécia para suprir as carências. A resposta sueca irá ser tão evasiva que a importância e as consequências dessa decisão ainda hoje são objecto de discussão académica: a Suécia colaborou ou não com a Alemanha? Contudo, a Turquia e a Suécia não eram os únicos países neutrais a serem pressionados naquela altura pelos Aliados: dali por mês e meio, na edição de 7 de Junho, era ocasião para ser notícia o anúncio pelo governo português da suspensão das exportações de volfrâmio para os países beligerantes. Fazia-o a pedido da Grã-Bretanha. Repare-se como os Estados Unidos pareciam nunca aparecer nestas iniciativas...

A CHEGADA DO «PRÍNCIPE PERFEITO»

22 de Abril de 1964. Confesso que foi com muita satisfação que acabei por descobrir estes registos antigos do movimento do porto de Lisboa para conseguir precisar que foi há 60 anos que o paquete «Príncipe Perfeito» acostou e desembarcou os passageiros. Eu era um dos passageiros e, como já aqui escrevera, a minha primeira passagem do Equador foi no sentido Sul-Norte.

21 abril 2024

A ELEIÇÃO DE VOLODYMYR ZELENSKY

21 de Abril de 2019. Na segunda volta das eleições presidenciais ucranianas, o candidato Volodymyr Oleksandrovych Zelensky, de 41 anos, vence-as com 73% dos votos. Na primeira volta, que fora disputada por nada menos do que 39 candidatos (!), Zelensky, já fora o candidato mais votado, com 30% dos votos. Uma vitória de tal amplitude reflecte-se no mapa eleitoral (abaixo): Zelensky foi o candidato mais votado em quase todo o país, com excepção da região mais ocidental do país. Note-se também, no mesmo mapa, as regiões que já estavam então ocupadas pela Rússia e onde não pôde haver eleições, que aparecem assinaladas a cinzento.

20 abril 2024

NUNO MELO, A "HELOÍSA APOLÓNIA" DO PSD

Segundo o que a Lusa pôs a circular, o CDS realiza o seu 31º Congresso este fim de semana em Viseu. Não havendo sequer simulacro de disputa pela liderança, o evento parece que irá decorrer perante o desinteresse geral, mesmo dos aficionados deste género de disputas políticas. O António José Teixeira ou o Sebastião Bugalho, por exemplo, não parecem dispostos a estragarem este fim de semana para irem para Viseu dizerem coisas ao fundo do pavilhão onde decorrem os trabalhos. - como acontecia no passado. Quem os viu e quem os vê... aos do CDS, já que aos outros - Teixeira, Bugalho e os outros da mesma laia - ninguém dará nada por eles se não se fizerem ser vistos, só que tem de ser nas ocasiões em que haja mesmo quem os esteja a ver, mesmo que estejam a dizer baboseiras como neste segundo caso imediatamente abaixo... Com estas significativas ausências (note-se que a imagem abaixo de António José Teixeira é do 27º congresso do CDS...), o CDS tem todo o aspecto de se ter transformado num has been para o comentadorismo político doméstico.
Noutros tempos e do outro lado do espectro, quando os comunistas ainda tinham força democrática para eleger ao menos uma dezena/dúzia de deputados, costumavam arregimentar uma organização satélite denominada partido ecologista "Os Verdes", a quem os comunistas cediam um ou dois assentos parlamentares, fingindo-se passar por uma coligação. Claro que "os (ditos) Verdes" tinham uma história de completa ausência de autonomia: contavam-se pelos dedos das mãos o número de vezes em que, durante toda uma legislatura de quatro anos, os seus dois deputados haviam votado de forma diferente dos seus patrocinadores comunistas. E as divergências nunca eram frontais: se uns haviam votado contra, os outros haviam-se abstido... A paródia de autonomia era tal que "os Verdes" eram designados em surdina e para paródia como "as melancias": eram verdes no nome e na denominação, mas vermelhos por dentro e substantivamente. As melancias eram encabeçadas - creio que ainda o são - por uma senhora simpática - e boa parlamentar - chamada Heloísa Apolónia. E foram uma organização que nunca existiu para além da coreografia parlamentar.
O que nos trás de volta à fotografia inicial, ao CDS, a Nuno Melo que o dirige (embora seja bem menos simpático do que Heloísa Apolónia), à fotografia que o exibe orgulhoso a mostrar a placa do gabinete atribuído à parelha de deputados que elegeu nas listas do PSD e ao facto de estarem condenados os dois - líder e partido - a tornarem-se também em coisas que não têm qualquer existência autónoma para além da coreografia parlamentar. Neste caso não haverá frutas correspondentes para as identificar, mas uma caneca azul forrada a cor-de-laranja transmite a ideia daquilo a que estou convencido a que o CDS está reduzido...

O MASSACRE DE COLUMBINE

(Republicação de um poste original de 20 de Abril de 2017, quando o Massacre de Columbine cumpria o seu 18º aniversário)
20 de Abril de 1999. Ao 18º aniversário do Massacre de Columbine pode associar-se o simbolismo de 18 anos ter sido a idade, não apenas dos dois autores do massacre, mas também de uma apreciável percentagem das vítimas (13 mortos e 21 feridos). Terão sido as elevadas consequências desta tragédia que terão provocado uma atenção mediática redobrada para o assunto dos tiroteios nas escolas norte-americanas. Foi aliás na sequência de Columbine que os serviços secretos foram encarregues de redigir um relatório sobre a questão, um relatório que se tornou público em 2002 e que compilava e procurava sintetizar um retrato padrão a partir das experiências recolhidas em 37 episódios semelhantes... Ora 37 é, para estas circunstâncias, um número assustador. Mas reconheça-se que os factos continuarão a interessar mais o público do que propriamente aquilo que os causou, pelo menos se atendermos à lição directa e concreta que se pode extrair da página da Wikipedia dedicada ao massacre de Columbine, onde os 27.000 caracteres dedicados à descrição metódica e detalhada de como ocorreu o massacre representam o triplo dos 9.000 onde se procura inventariar e especular posteriormente sobre quais terão sido as motivações e as causas para ele ter ocorrido.

19 abril 2024

ELE HÁ INQUÉRITOS ONDE INSEREM QUESTÕES MUITO ESTÚPIDAS!...

Ontem o jornal Público apresentou o resultado de um estudo «realizado pelo ISCSP/CAPP», estudo esse do qual conseguiu extrair um título jornalisticamente pujante, o qual podemos apreciar acima. Em síntese, aquilo que os jornalistas preferiram destacar é que, mesmo que se tenha apurado uma «maioria (a considerar) que (a) democracia é "preferível"», se - e aqui o destaque vai para a existência de uma palavra a funcionar como conjunção subordinativa condicional - não houvesse eleições, «47% apoiariam "um líder forte"». O que se poderá deduzir é que quase metade das pessoas inquiridas não verá razões para terçar armas pela existência de uma Democracia. É uma conclusão interessante sobre a nossa sociedade, cinquenta anos depois do 25 de Abril. Mas também é notório que quem seleccionou o título se esqueceu de mencionar em título que «a maioria» que refere é «esmagadora»: «87%». Talvez esse número fosse pertinente, conjuntamente com o 47%, embora o título saísse menos apelativo... e provavelmente chamasse menos leitores.

Mas o tema que me levou a postar é outro. Relaciona-se com aqueles gráficos que os artigos deste teor normalmente publicam em ilustração, para lhes conferir uma certa densidade. Como acontece neste caso concreto, frequentemente aquilo que os gráficos mostram consta das explicações do próprio texto: portanto, os gráficos são redundantes. Mas serem redundantes não constitui problema. Serem estúpidos - como acontece com o exemplo que seleccionei acima - isso é que é um problema. O gráfico em causa apresenta três cenários que só na aparência são alternativos:
a) Ter um sistema de governo democrático
b) Ter um governo de um líder forte
c) Ter um governo de especialistas

Ter um sistema de governo democrático percebe-se em que consiste. Ter um governo de líder forte já não, porque não está explícito qual é a legitimidade do líder forte. É que, se não tiver sido a legitimidade democrática que o tornou líder, a palavra forte naquele contexto será apenas um eufemismo para evitar empregar o adjectivo autocrático: líder autocrático. Mas, ainda assim, e apesar da manipulação do vocabulário, reconheço que um sistema de governo em ditadura (b) é uma alternativa a um sistema de governo democrático (a).

O que eu não percebo é de onde aparece a hipótese (c): que raio é ter um governo de especialistas em alternativa às duas opções anteriores? Tudo dependerá da legitimidade democrática de quem tiver formado esse tal governo de especialistas. Se a tiver - legitimidade democrática - então aí, tudo bem, alínea a); se não tiver, tudo mal, alínea b). E, já agora, para além de não ser uma terceira alternativa e voltando mais uma vez às questões do vocabulário: em que é que consiste um governo de especialistas? Querem ver que os investigadores do «ISCSP/CAPP» são daqueles otários que estarão convencidos que o âmbito das intervenções de um governo se pode circunscrever apenas aos aspectos técnicos das respectivas pastas? Se fizerem apenas isso, os ministros não estão a desempenhar o papel de ministros... Os ministros fazem opções políticas.

Por muito estúpidas que sejam algumas das questões colocadas, como é costume, segue-se a publicação da ficha técnica do inquérito...

É VOCÊ QUE SÓ TEM UMA «VAGA IDEIA» DE ONDE FICA O LAOS?...

Não faz mal que só tenha essa «vaga ideia» da localização do Laos. A 19 de Abril de 1964, há precisamente sessenta anos, havia lá ocorrido um golpe de Estado e, porque o leitor de então teria precisamente o mesmo problema de não saber onde é que aquilo ficava, o jornal recorrera ao expediente de publicar discretamente um mapa que ajudasse o leitor a perceber de que país se tratara. Não é que o Laos fosse muito importante em si. Não era em 1964 e continua a não ser em 2024. A ignorância do leitor era desculpável. A questão colateral é que o Laos fazia fronteira com o Vietname e, aí sim, havia um embrião de guerra em que os Estados Unidos se preparavam para se envolver, que seria o que tornava o assunto noticiosamente interessante. Agora, tanto o país como o resto da Indochina quase desapareceram do noticiário internacional, e desde que lhe façam a pergunta à queima-roupa, suponho que nem o Nuno Rogeiro sabe quem manda no Laos (uma ditadura comunista).

18 abril 2024

A DECISÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO SOBRE A OPERAÇÃO «INFLUENCER» E UM PORMENOR A RESPEITO DA MESMO QUE SÓ NÃO TERÁ TIDO IMPORTÂNCIA PORQUE A DECISÃO FOI COMO FOI

Ontem o dia noticioso foi enriquecido pela publicitação de uma notícia respeitante a uma decisão tomada por um colectivo de juízes do Tribunal da Relação a respeito da denominada operação «Influencer» (1). O conteúdo da decisão é condenatório de qualquer das partes, mas é-o sobretudo da conduta do Ministério Público, como certas passagens do texto aparecidas em publicações conotadas com os socialistas não deixavam de acentuar (2). Robustecendo a manobra política, apareceram os tradicionais peões de brega do Partido Socialista exigindo as explicações que nem a própria Ana Catarina Mendes estará à espera de ver satisfeitas (3). São os papéis de parva a que algumas pessoas se prestam... Há um pormenor que, apesar de publicado (4), parece ter escapado à própria comunicação social que se prestou a colaborar na cena: a identidade dos três juízes responsáveis pela decisão. Que a votaram por unanimidade. As outras duas, incluindo a juíza relatora, serão desconhecidas do grande público, mas o «1º Adjunto» é o juiz-desembargador Rui Miguel Teixeira, um "inimigo de estimação" do PS desde os tempos da prisão de Paulo Pedroso (5), episódio já aqui evocado.

Este é um daqueles casos em (não) aconteceu o que (não) aconteceu, porque a decisão judicial se ajusta aos desejos e expectativas dos actores políticos (socialistas). Não tivesse sido assim, ou talvez mesmo, tivesse o juiz Rui Teixeira votado noutro sentido, e fica-me aquela certeza - a 99% - que a identidade do desembargador (e a sua posição discordante) teriam sido um dos elementos em destaque do circo informativo de ontem. É por isso, que vale a pena ter sempre presente que, por muito que procuremos estar informados, há certas informações que só sabemos se for importante para uma das partes que as saibamos. Esta, até dei por ela...

O NASCIMENTO DA REPÚBLICA DA IRLANDA

18 de Abril de 1949. À meia noite do Domingo de Páscoa (que calhou a 17 de Abril), mas com a pompa e a circunstância que as imagens acima e abaixo exibem, a Irlanda torna-se uma república e, ao fazê-lo, corta os últimos laços que ainda a ligavam à Commonwealth. Os estatutos de então atribuíam ao monarca britânico - então Jorge VI - as funções de chefe de Estado de todos os países membros da comunidade e esse mostrara-se um aspecto nevrálgico para o nacionalismo irlandês, que sempre se mostrara relutante em o aceitar desde Dezembro de 1921. Quis a ironia da História que o Reino Unido tivesse que, posteriormente, vir a abrir mão da cláusula e aceitasse repúblicas na Commonwealth. Elas agora são uma ampla maioria (36) entre os 56 membros actuais da Commonwealth. Mas a Irlanda não voltou a reingressar na organização.

17 abril 2024

TINHA QUE SER MESMO O PAULO NÚNCIO?...(2)

O desacerto dos critérios de quem deve sair em defesa de quem neste governo parece-me tal, que, se daqui para amanhã se colocar alguma questão a algum governante sobre a seriedade das suas qualificações académicas, não afasto a hipótese que o melhor que o PSD arranjará é escolher Miguel Relvas para sair em defesa do visado... Não regressou já ele absolvido ao circuito do comentário televisivo?

TINHA QUE SER MESMO O PAULO NÚNCIO?...

Dá para ver que a forma como o governo está a reagir politicamente à questão - magna - do IRS está a ser profusamente criticada, as últimas críticas incidem sobre a ausência do ministro das Finanças no debate de urgência no parlamento solicitado pelo PS. Pragmaticamente, poder-se-ia dizer que, se Miranda Sarmento não estiver, ao menos não estraga. Mas, pelos vistos, há pelo parlamento quem consiga estragar por ele, ao mandar avançar Paulo Núncio para «sair em defesa de Montenegro». Núncio foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais dos governos de Pedro Passos Coelho (2011/15). E, porque estas coisas muitas vezes se esquecem, vale a pena recordar a opinião do actual inquilino do Palácio de Belém, opinião essa emitida já em Março de 2015, portanto no final do seu desempenho: Vale zero em termos de autoridade política. É apenas a opinião do presidente da República - que até nem vale grande coisa nos dias que correm - mas eu acho que Luís Montenegro é que devia ter lá estado no parlamento, para sair em defesa de Paulo Núncio... Isto assim parece a anedota do cego a puxar o coxo para fugirem os dois dali a correr...

NENHUMAS, MAS EM AMARELO...

Quando nos questionamos sobre as hipóteses de sobrevivência do actual executivo, a resposta mais adequada de que me recordo vou buscá-la a um imaginativo cartaz de que me lembro, exibido em 2016 por altura do referendo sobre o Brexit, e que exibia um gráfico sobre as chances de que o Brexit tivesse um bom desfecho. Como a política moderna parece ser feita tendo em conta a coreografia e não a essência das questões, a paródia do autor do cartaz terá sido desenhar um gráfico colorido em que todo ele representava o mesmo desfecho, mas em que havia uma fatia do gráfico que aparecia pintada de amarelo. Não havia quaisquer hipóteses que o Brexit tivesse um bom desfecho, como se veio a comprovar, mas, ao menos, o gráfico do cartaz não tinha uma aparência deprimente... Quando ouvi Luís Montenegro anunciar no princípio deste mês que o seu governo viera «para governar quatro anos e meio» instintivamente pensei na foto acima e ocorreu-me como o orador resolvera pintar aquela parte do seu discurso de posse de amarelo...

UM DOS RIVAIS DE SALAZAR NAS CONTAS EQUILIBRADAS...

17 de Abril de 1934. Neville Chamberlain, que era na época o chanceler do Tesouro (ministro das Finanças) britânico, apresenta o seu orçamento para 1934 - representado simbolicamente pela mala que o vemos a empunhar na fotografia acima. Quanto ao conteúdo daquele orçamento, há o desapontamento dos norte-americanos (à direita) por nada ter sido providenciado em termos da amortização das dívidas de guerra que os britânicos haviam contraído em 1914-18. Contudo, e como se pode comprovar abaixo, o chanceler mostrava-se particularmente orgulhoso pelo facto do seu orçamento prever um superavit de 796 mil libras. Aquela foi uma época em que, não apenas em Portugal com Salazar, esteve na moda aparecerem políticos que se exibiam apresentando contas públicas equilibradas. Neste caso do Reino Unido foi uma infelicidade para eles, pois Chamberlain acabou sendo promovido, em Maio de 1937 ao seu nível de incompetência de Peter, o de primeiro-ministro.
Entretanto por cá e na mesma altura, predominava a impressão (ignorante e provinciana) que Salazar era figura única e sem rival, era o mago das finanças. Ora, como se percebe, houve vários outros magos: Chamberlain também endireitou as finanças do Reino Unido. Aquilo em que, paradoxalmente, Salazar o supera é em política externa: foi um campo em que, ao contrário do seu colega britânico e tendo tido a sorte do seu lado, o português nunca se mostrou ingénuo.

16 abril 2024

O HOMEM A QUEM SEMPRE PARECEU QUE ACONTECERA NÃO SE SABE BEM O QUÊ

Republicação a propósito do anúncio que António Lobo Xavier irá abandonar o programa de comentário O Princípio da Incerteza na CNN. Foram 30 anos a emitir opiniões que nunca se sabiam lá muito bem quais eram... Este episódio, mais descarado do que os demais, é de Novembro de 2021, onde António Lobo Xavier dispende oito minutos para não indicar qualquer data ou um período sequer para a marcação das próximas eleições legislativas conforme lhe fora perguntado por Carlos Andrade. Não se pode dizer que seja um estilo que me deixe muitas saudades...
Dispenso-me de apresentar aquele que é um dos momentos mais emblemáticos dos Gato Fedorento - o gag «O homem a quem parece que aconteceu não sei o quê»: um monólogo protagonizado por Ricardo Araújo Pereira durante quase um minuto e meio em que ele consegue encadear palavras e lugares comuns conhecidos de todos, mas em que acaba por não dizer nada de concreto. No princípio do programa Circulatura do Quadrado (TVI) desta semana tivemos a oportunidade de assistir a uma reedição daquela paródia, só que protagonizada por António Lobo Xavier, com uma duração muito superior (oito minutos!) e num programa que seria para ser supostamente sério(?). Abaixo, dei-me ao trabalho de transcrever toda essa intervenção de António Lobo Xavier para mostrar o «nada sonoro» que é proferido. Mas em síntese, Carlos Andrade pergunta a Lobo Xavier «qual era para ele a melhor data para» a marcação das próximas eleições e este passa os oito minutos seguintes sem adiantar uma, ou duas ou mesmo três datas possíveis. É obra falar tanto tempo sem responder a uma pergunta tão concreta. Mas que isso seja uma lição também para José Pacheco Pereira (abaixo, a sorrir-se da "não sei o quê" que está a acontecer ao seu companheiro de programa...) para ele entender porque é que os programas em que ele participa se confundem tão facilmente com aquilo que ele denomina, com desprezo, por «engraçadismo».
- Pergunto-lhe, António, qual é para si a melhor data para que o país escolha novos deputados?
- Oooh, Carlos, em primeiro lugar quando o Carlos anuncia que eu vim do conselho de Estado, no conselho de Estado não se discutiu datas. O assunto não estava em cima da mesa. Referências a calendários, com certeza, mas o assunto não estava em cima da mesa. A data das eleições é uma prerrogativa do presidente da República. Não tem que consultar o conselho de Estado sobre a data e portanto é um assunto que ele tratará na sua solidão depois de ponderadas todas as circunstâncias, e portanto...
- Mas o António tem opinião sobre a data...
- Eu tenho e até já a disse. Eu já disse que há uma série de aspectos a ter em conta. Os aspectos a ter em conta são... têm a ver com uma série de circunstâncias. Em primeiro lugar, obviamente, um presidente da República ponderado que quer uma participação no acto eleitoral e que quer pluralismo e discussão e debate tem de ter em atenção que os períodos de Natal e de Ano Novo não são períodos favoráveis, por exemplo, à realização de debates. De debates televisivos. Agora em Portugal normalmente as eleições são precedidas de debates. Uma série de debates televisivos, que são até sorteados. Esses debates saem fora da campanha eleitoral, são antes da campanha eleitoral, e é preciso ponderar que, de facto, para o estilo de vida dos portugueses, não há propriamente uma vontade de participação e de atenção no período que vai entre o Natal, ou a proximidade do Natal, e o Ano Novo, não há uma predisposição para a política. E isso é importante, mesmo numa democracia adulta. É importante porque as democracias (e em Portugal também) combatem o indiferentismo, a abstenção e portanto é importante que os responsáveis combatam isso. É o primeiro aspecto, é um aspecto de calendário civil. Depois, é preciso, enfim, há um mínimo de ponderações, os prazos são..., são..., no meu ponto de vista é um prazo muito grande, prazo para apresentação para listas, ahm, de candidatos a deputados tem uma antecedência em relação às eleições muito grande, não seria precisa tanto, quarenta dias, parece-me um exagero, mas portanto há certas datas, quando começamos a construir a partir de datas possíveis para trás, percebemos que o risco das coisas... calharem no Natal ou na época do Natal... é uma coisa desnecessária, sobretudo se se puder evitar. Há também discussões internas nos partidos com diferentes incidências e diferentes regras e diferente premência...
- Esse deve ser um critério?
- Não é um critério. Não estou a dizer que deve haver um critério, estou a dizer que deve haver indicadores para que é forçoso olhar. Os partidos políticos são fundamentais à democracia, e o funcionamento dos partidos e os próprios partidos em si têm dignidade constitucional. Portanto, todos nós conhecemos da história das dissoluções a preocupação dos presidentes com a solução possível pós-eleitoral e, portanto, os partidos é que têm de se adaptar ao calendário do presidente da República que obviamente é o calendário político-constitucional mas, alguma coisa é preciso perceber de reuniões ou de congressos ou de processos de decisão que estejam em curso e que portanto tudo isso é preciso ter em conta. Depois é preciso ter em conta talvez o aspecto mais importante que é... o fundamento concreto do presidente da República. Nós... (às vezes esquecemo-nos, mas estas coisas têm significado) é a primeira vez que uma proposta de orçamento é chumbada (como se diz na linguagem corrente) na generalidade, é a primeira vez que isso acontece, nenhum governo viu no..., no..., na democracia portuguesa isso acontecer... primeiro lugar..., e em segundo lugar também nunca aconteceu (o que é uma decorrência da primeira) ver uma dissolução da assembleia da República por causa de uma reprovação de um orçamento. E a justificação do presidente da República, em geral..., portanto já se conhece pelo que leio nos jornais o resultado final do pronunciamento dos conselheiros..., o conselho de Estado também alinhou maioritariamente nesse ponto de vista... o ponto de vista do presidente da República é que neste caso concreto, embora em geral não se aponte para a derrota da proposta de orçamento como levando necessariamente à dissolução da assembleia, o ponto de vista do presidente, como ele tem mostrado, é que este especial momento e este especial orçamento é que justificam a sua intervenção e o aviso prévio que fez à navegação. Para terminar, Carlos, este momento para o presidente é este momento da saída da pandemia e do começo da recuperação económica e de uma série de projectos ligados a isso. Este orçamento é um orçamento que obviamente devia estar disponível para a realização desses projectos e o apoio a essa retoma económica. E portanto são todas estas coisas que têm de ser ponderadas que levam a que as eleições não possam ser amanhã, não façam sentido que sejam daqui a quinze dias...
- Tudo isso somado... apontaria o António para que data?
- Não apontaria, não faço isso ao presidente da República.
- Ele não tem que seguir a sua indicação...
- A minha indicação é uma indicação mais favorável a mais tempo... do que o pouco tempo que vejo alguns quererem... mas não tão generosa...
- Consegue balizar?
- Consigo. Acho que isso é possível. Não vou agora fingir-me de anjo. Boa parte dos partidos, com os seus interesses legítimos, apontam para meados de Janeiro. Do meu ponto de vista, e são factos, isso implica que acaba a fazer campanha, ou pelo menos debates televisivos, durante a missa do galo. Portanto isso é negativo. E portanto acho que deve haver mais tempo do que isso. E portanto qualquer data que se chegue mais a Fevereiro seria sempre uma data mais razoável, mas, como digo, os partidos é que têm de se adaptar à situação política. O presidente deve ter em conta estes indicadores que referi. Percebo a lógica do tempo. Em vários tempos de dissolução os presidentes da República deram até muito tempo (muito mais) mas as razões desta dissolução apontam para uma maior contenção. Tem que haver aí um certo equilíbrio. Equilíbrio é no meio. Portanto é isso que eu lhe posso dizer, Carlos.