30 setembro 2011

O COLCHÃO

Esta noite houve quem tivesse dormido num colchão a que não estava habituado... Será que iremos ainda assistir à tranferência dos Paços do Concelho de Oeiras para Caxias como aqui antecipei?...

29 setembro 2011

FOTOGRAFIAS DA «OSTPOLITIK»

A fotografia que acabou por melhor simbolizar a aproximação da República Federal da Alemanha aos países de Leste protagonizada pelo chanceler Willy Brandt entre 1969 e 1974 será certamente a da ocasião em que ele, depois de depor uma coroa de flores, se ajoelhou junto ao Monumento erigido ao Levantamento do Gueto de Varsóvia de 1943. Estava-se a 7 de Dezembro de 1970.
Mas há muitas outras fotografias muito interessantes dessas iniciativas de aproximação a que depois se veio a dar o nome geral de Ostpolitik. O primeiro encontro que Willy Brandt tivera com um dirigente do Leste tivera lugar nove meses antes, em 19 de Março de 1970 e foi logo com o seu homólogo da República Democrática Alemã, Willi Stoph, numa cidade do território desta última: Erfurt.
Num episódio então discretamente abafado, formou-se uma multidão no largo junto ao Hotel onde Willy Brandt estava instalado, aclamando exuberantemente Willy, num daqueles trocadilhos deliberados e facilmente perceptíveis, dada a coincidência do primeiro nome dos dois políticos alemães. Foi muito reflectidamente que Willy Brandt lá acabou por se dispor a aparecer a uma janela…
Estava-se ainda numa fase embrionária da aproximação e o desejo sincero de Brandt seria o de evitar quaisquer incidentes que pudessem perturbar a sua manobra diplomática. Ela continuou com nova reunião dois meses depois (21 de Maio de 1970), agora na cidade de Kassel em território da Alemanha Federal. Nessa ocasião, a preocupação de Willy Brandt e do seu governo era precisamente a oposta.
Porém, as manifestações que acolheram Willi Stoph constituiam um caleidoscópio de opiniões várias, desde o cartaz que o culpava dos 365 mortos que o Muro de Berlim causara desde 1961 (à esquerda) à solidariedade inequívoca manifestada pelo cartaz do Partido Comunista (DKP) ao lado, em que se pergunta E agora? (Und nun?), pelo reconhecimento internacional da Alemanha Democrática.
Os encontros terão sido suficientemente bem sucedidos para terem servido de referência a um certo padrão estético. Quando Helmut Schmidt, o chanceler sucessor de Willy Brandt, visitou a Alemanha Democrática em Dezembro de 1981 já foi recebido por Erich Honecker, o verdadeiro líder do país, porém a estética das fotografias protocolares permanecia essencialmente a mesma (acima e abaixo).
Contudo, os alemães orientais haviam aprendido algo. Schmidt, que apreciava muito arte expressionista, manifestou o desejo de visitar Güstrow, cidade que fora a residência do escultor Ernst Balach (1870-1938). Não se lhe podia dizer que não mas, para evitar o que acontecera em Erfurt com Brandt, a cidade foi selada do exterior e formou-se o comité de recepção que a fotografia mostra…
Contribuindo certamente com a sua sensibilidade artística (mas agora da escola surrealista), os responsáveis pelas manobras que interditaram a cidade durante a presença de Helmut Schmidt deram àquelas o nome maravilhosamente dialéctico de Operação Diálogo...

28 setembro 2011

SOBRE OS TEMAS EM NOTÍCIA, SOBRE OS TEMAS DE REFLEXÃO

Dia 18 de Setembro decorreram as eleições estaduais em Berlim. No quadro acima estão os resultados eleitorais. Sendo interessantes, são desinteressantes para os protagonistas da acção política que costumam tratar a informação como instrumento complementar da sua actividade. Para os que estão habituados noticiar que estes resultados das eleições estaduais foram mais uma derrota de Angela Merkel o resultado foi mau: a CDU, o partido de Merkel cresceu 2,1%. Mas também não foi bom para a CDU. Por outro lado, para a oposição do SPD o resultado foi mau: ganhando, a percentagem da votação baixou, mesmo assim em 2,5%. Também para as expectativas de Os Verdes (Grüne) o resultado foi mau: chegou a esperar-se que ganhassem aquelas eleições mas ficaram-se pelo terceiro lugar embora crescendo 4,5%.
Finalmente, para os saudosos do comunismo que em Berlim votam em A Esquerda (Die Linke), a herdeira do SED da defunta Alemanha Democrática, o resultado também não foi grande coisa: terão morrido mais uns camaradas em Berlim Oriental (veja-se acima) e não se reforçaram as suas (deles) posições, perderam mais 4,6% do seu eleitorado. A verdadeira novidade foi mesmo os 8,9% alcançados pelo Partido Pirata, um homólogo daquele Partido Pirata sueco já representado no Parlamento Europeu, mas esses ainda serão demasiado inexperientes para possuírem os seus infiltrados no aparelho informativo que dêem o relevo informativo devido aos resultados que alcançaram. Sendo assim, não houve ressonância noticiosa bastante nem as consequentes reflexões profundas naqueles blogues de autores portugueses mais argutos

O MAIS ESPECTACULAR JOGADOR DE RÂGUEBI DO MUNDO

Apesar de nos aparecer equipado desde sempre com as cores dos Pumas da Argentina, Obélix teria sido naturalmente um jogador gaulês…
…e fosse qual fosse a posição em que jogasse, teria sido um formidável reforço para qualquer XV francês – o desta Taça do Mundo anda muito precisado.
Mas sendo Obélix um jogador fabuloso, mas de ficção, no mundo real aquele que julgo que mais se lhe assemelharia em estilo terá sido mesmo Jonah Lomu

27 setembro 2011

A ESTREIA DO «THE TIMES» COM JAMES CALLAGHAN

Ainda no encadeamento destes postes em torno da imprensa britânica do passado, vem a propósito mencionar a data histórica em que o emblemático e centenário jornal The Times inseriu pela primeira vez uma foto no local mais nobre da sua primeira página (acima) em concorrência com os cabeçalhos. Era dia 3 de Maio de 1966, estava-se na véspera da apresentação de um novo orçamento e foi natural que fosse a figura do Ministro das Finanças¹ de então, o trabalhista James Callaghan, a escolhida para essa estreia. O eleito foi, de resto, um excelente exemplo de um político muito mediano que singrou na vida política britânica, tendo chegado a ocupar o cargo de Primeiro-Ministro (1976-79).
Quando em Portugal é cada vez mais recorrente insurgirmo-nos contra a qualidade dos nossos políticos, é interessante evocar para comparação que, certo dia numa Cimeira, Callaghan se virou para Ramalho Eanes e o tratou por Presidente do... Brasil. Não ajuda nada à gaffe de Callaghan saber-se que a Cimeira era europeia (e que o Brasil é um país sul-americano…) e muito menos o facto de Callaghan ter sido o Ministro dos Negócios Estrangeiros² por dois anos (1974-76) antes de se ter tornado Primeiro-Ministro. O tal dia 3 de Maio, acima considerado um dia marcante para a sua carreira ascensional, foi também o dia da sua derrota terminal nas eleições de 1979 contra Margaret Thatcher(abaixo, Callaghan abandona o nº 10 de Downing Street no dia seguinte).
¹ Chanceler do Tesouro na terminologia britânica.
² Secretário de Estado dos Assuntos Externos e da Commonwealth na terminologia britânica.

NÃO APAGUEM A MEMÓRIA - O PELMANISMO

O poste anterior termina com a fotografia de um anúncio de jornal de 1922 – o ano da Crise de Çanakkale – promovendo o pelmanismo. A ironia implícita à minha decisão de recorrer àquele anúncio é que, tratando o poste do completo esquecimento de uma questão que fizera sucessivos cabeçalhos de jornal, o Sistema Pelman era um processo de memorização(!) ensinado via correspondência destinado a (sic) expandir os poderes mentais dos interessados. Como se pode ler no anúncio acima, em 1922 o Sistema podia gabar-se de ter então meio milhão de seguidores. Hoje, quase noventa anos passados e apesar de estar vocacionado indiscutivelmente para criar pessoas com memórias prodigiosas, quando quero parodiar as memórias que se esvaneceram recorrendo a ele, torna-se necessário que se faça uma adenda explicando o que o pelmanismo foi...

26 setembro 2011

A DISTÂNCIA ENTRE A RELEVÂNCIA JORNALÍSTICA E A RELEVÂNCIA HISTÓRICA DE UMA CRISE. O CASO DA CRISE DE ÇANAKKALE (1922).

Çanakkale é uma cidade turca no litoral asiático do Estreito dos Dardanelos. Em 1915, durante a Primeira Guerra Mundial, era ali que estava sedeado o Quartel-General do 15º Corpo do Exército turco, quando dos desembarques franco-britânicos que vieram a ser conhecidos pela campanha de Galípoli ou dos Dardanelos. Contudo, por causa daquela localização, os turcos deram à campanha um outro nome ainda, o de Çanakkale (acima). Seja qual for o nome que se queira dar à campanha, ela veio a saldar-se por um fiasco dos aliados e assim não valerá a pena explicar porque, sete anos passados e a Primeira Guerra terminada com a derrota turca, esses mesmos aliados houvessem escolhido Çanakkale para instalar simbolicamente uma guarnição das suas tropas de ocupação…
A Crise a que Çanakkale veio a associar o seu nome desencadeou-se depois da vitória turca na Guerra que este país vinha a travar com a Grécia no encadeamento da Primeira Guerra Mundial (1919-1922). Subitamente animados e robustecidos por essa vitória, os turcos cresceram para os dois ocupantes ocidentais pressionando-os para que retirassem os seus contingentes militares ali destacados. O Governo britânico, dirigido desde 1916 por David Lloyd George (acima) adoptou não apenas uma posição de resistência, mas subiu até a parada, ameaçando os turcos com uma declaração de Guerra em forma da parte do Reino Unido e dos seus Domínios. E… correu mal em vários aspectos. De imediato, porque a posição de força assumida veio pôr em causa a coesão do governo britânico.
A posição de força fora decidida sem a participação do responsável pelos Estrangeiros, Lorde Curzon (acima), que a criticou veemente porque, na sua opinião, ela não seria acompanhada pelos franceses deixando o Reino Unido isolado. Os factos vieram a dar-lhe razão: o Primeiro-Ministro Raymond Poincaré deu ordens para que o destacamento francês em Çanakkale fosse evacuado. Mas o isolamento dos britânicos revelou-se num outro aspecto mais inesperado: o Primeiro-Ministro canadiano Mackenzie King (abaixo) insistiu em tornar claro que o Canadá apenas endossaria aquele género de decisões por parte da Metrópole se elas viessem a ter a aprovação expressa do Parlamento canadiano, o que era algo que se afigurava muito improvável dadas as circunstâncias…
Todo o episódio veio a revelar-se uma humilhação profunda para o prestígio britânico. Lorde Curzon teve que negociar uma posição concertada com Poincaré (que acusava os britânicos de duplicidade) que não podia deixar de ser uma cedência aos turcos, ausente a vontade dos dois países em se engajarem numa nova guerra de média dimensão. E as manobras de Lloyd George a definir a política externa nas costas de Curzon foram a espoleta para um acerto de contas tanto político como sociológico entre os dois. Nem se passara um mês quando foi convocada para o Carlton Club (abaixo) uma reunião dos deputados conservadores que até aí apoiavam a coligação governamental. Dela saiu a decisão de retirar esse apoio. E no mês seguinte os conservadores ganhavam as eleições gerais.
Era o fim do ciclo de poder de Lloyd George, que chegara ao poder também através de uma intrigalhada política parecida em plena Primeira Guerra Mundial (1916). Fora (e continuará a ser até hoje) o único galês a alcançar o cargo de Primeiro-Ministro. Para além da política havia uma natural animosidade sociológica entre pessoas como ele e pessoas como Lorde Curzon, Marquês, Conde e antigo Vice-Rei da Índia (1899-1905). Não é preciso ser-se jornalista para nos apercebermos da qualidade do filão jornalístico que os vários aspectos da Crise de Çanakkale terão constituído, páginas de intriga política no seu melhor. Contudo, serve-nos de ensinamento que hoje ninguém se lembre dela, porque o jornalismo se dedica ao que as pessoas gostam de ler, não àquilo que é importante.

25 setembro 2011

A CONCORRÊNCIA CAPITALISTA ENTRE OS AMOLADORES DE FACAS

A placidez desta manhã de Domingo foi perturbada pela concorrência dos apitos de dois amoladores de fim-de-semana que se rivalizavam em trinados. Este apelo sonoro a uma outra era – a que eu também já fui sensível e vítima depois de comparar o preço a que nos fica uma faca amolada quando comparado com uma nova… – não é a preservação dessa antiga actividade de recuperação de instrumentos que essa já havia morrido algures nos últimos cinquenta anos. Parece-me mais um gancho de fim-de-semana com apelos à nossa nostalgia e alguns laivos de folclore incorporados.

24 setembro 2011

TV NOSTALGIA – 59


Uma referência casual recente à qualidade do bom acolhimento cá em casa motivou-me que colocasse aqui esta evocação à série Fawlty Towers, acompanhada de uma indesmentível simpatia cúmplice por Basil Fawlty, a personagem desempenhada por John Cleese.

A NOIVA DA CIDADE



Não está escrito em lado nenhum mas quando atendo à sonoridade dessa canção só a imagino adequada para ser cantada numa noite límpida de luar…

Tutu-Marambá não venha mais cá
Que a mãe da criança te manda matá'
Tutu-Marambá não venha mais cá
Que a mãe da criança te manda matá'

Ai como essa moça é descuidada
Com a janela escancarada
Quer dormir impunemente
Ou será que a moça lá no alto
Não escuta o sobressalto
Do coração da gente

Ai, quanto descuido o dessa moça
Que papai 'tá lá na roça
E mamãe foi passear
E todo marmanjo da cidade
Quer entrar
Nos versos da cantiga de ninar
P'ra ser um
Tutu-Marambá

Ai, como essa moça é distraída
Sabe lá se está vestida
Ou se dorme transparente
Ela sabe muito bem que quando adormece
Está roubando
O sono de outra gente

Ai, quanta maldade a dessa moça
E, que aqui ninguém nos ouça
Ela sabe enfeitiçar
Pois todo marmanjo da cidade
Quer entrar
Nos sonhos que ela gosta de sonhar
E ser um Tutu-Marambá

Boi, boi, boi, boi da cara preta
Pega essa menina que tem medo de careta

A SUPERIORIDADE MORAL DA AMÉRICA

Esta fotografia de Albert Einstein não é apenas mais uma das inúmeras fotografias dele, tem um significado simbólico: foi tirada em 1940 durante a cerimónia em que Einstein se tornou cidadão norte-americano. Os Estados Unidos eram então não apenas a terra da Liberdade mas também a da Segurança e do Conforto. Uma apreciável percentagem dos cientistas europeus que se mudou para lá para prosseguir os seus trabalhos – como foi o caso do dinamarquês Niels Bohr – não terão visto, apesar da mudança, quaisquer razões nem para mudar de nacionalidade, nem para não retornar ao seu país natal depois do fim da Guerra. Assim não aconteceu com Einstein ou com, por exemplo, o originariamente italiano Enrico Fermi. Mais do que científicos, as atitudes daqueles dois grandes vultos da Física foram ideológicos. A propaganda fez o resto...

23 setembro 2011

O PAI DA BOMBA NUCLEAR JAPONESA

Sendo do conhecimento corrente a forma como os Estados Unidos forçaram a rendição do Japão no final da Segunda Guerra Mundial, este título pode ser até tomado como uma provocação. Porém, há que reconhecer que nada obsta a que, tendo o Japão sido o primeiro (e até agora o único) país vítima dos efeitos do armamento nuclear, também tivesse estado interessado em desenvolver aquele mesmo tipo de armamento durante o conflito. Na realidade, o pai da (hipotética) bomba nuclear japonesa existiu, tem um nome e um rosto (simpático): Yoshio Nishina (abaixo).

Yoshio Nishina (1890-1951) foi alguém que é hoje praticamente desconhecido fora do círculo académico da física teórica. Mas nesse campo é uma figura importante: Yoshio Nishina é o co-autor, conjuntamente com o sueco Oskar Klein (1894-1977), da dedução de uma fórmula teórica da física quântica que recebeu o nome dos dois (1928). Nishima havia trabalhado na Europa durante quase toda a década de 1920 e a sua colaboração com a Escola germânica e nórdica daquela disciplina (de que o expoente máximo seria então Niels Bohr) manteve-se sempre próxima.

Após o seu regresso ao Japão em 1929, Nishima prosseguiu as suas pesquisas obtendo financiamentos para a construção de ciclotrões (acima) progressivamente mais potentes. Em 1940, estava em construção um de 150 cm com um magneto de 250 toneladas e a equipa de investigadores dirigidos pelo Professor Nishima já rondava a centena. Por seu lado, o General Takeo Yasuda e o Exército Imperial começavam a mostrar o seu interesse nas possibilidades da construção de uma arma nuclear, sendo Yoshio Nishima e a sua equipa a hipótese mais óbvia de a conseguirem construir.

Mas o erro principal do Professor Nishina foi de julgamento e não de execução. O relatório do Comité a que presidia¹ concluía ainda em 1943 que, se em princípio era possível construir uma arma nuclear, seria provavelmente muito difícil, mesmo para os Estados Unidos, que essa arma fosse construída a tempo de afectar o desfecho da guerra em curso. Os cientistas japoneses subestimaram quer a variedade de métodos possíveis para o enriquecimento do urânio, quer a concentração de recursos humanos e materiais que os Estados Unidos atribuíriam ao Projecto Manhattan.
Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, as pesquisas japonesas sobre o nuclear estavam ainda a anos de alcançar resultados tangíveis e é verdade que os julgamentos da História se devem guardar para os actos e não para as intenções. Mas também é verdade – uma verdade muito menos conhecida – que, quando o Conselho Supremo (presidido pelo próprio Imperador) se reuniu em Agosto de 1945 e pediu um relatório ao Comité do Professor Nishina sobre o que acabara de acontecer em Hiroxima, os seus membros tinham uma ideia muito precisa sobre o que responder…

¹ O nome do comité era eloquente: Comité de Pesquisa sobre as Aplicações da Física Nuclear. A sua presidência formal fora entregue ao Príncipe Takamatsu, irmão do Imperador.

Nota: O vídeo inicial é o da detonação da bomba atómica em Hiroxima e o final a de Nagasáqui. Já aqui me referi a ambas.

22 setembro 2011

O «RECORD» OLÍMPICO DOS 10.000 METROS

Por me ter referido à participação de Carlos Lopes nos 10.000 metros dos Jogos Olímpicos de Montreal, lembrei-me de um episódio bizarro que ocorreu durante a eliminatória em que o atleta português se qualificou. Disputadas três dias antes da final de dia 26, Carlos Lopes venceu-a na pista com um tempo rondando os 28 minutos, mas o vencedor da atenção mediática foi o atleta haitiano Olmeus Charles que terminou em último lugar com o tempo de… 42 minutos – ou seja, mais 14 minutos do que Carlos Lopes. Durante esse (quase) quarto de hora, especialmente nas suas 6 últimas voltas, quando esteve sozinho em pista, o atleta haitiano congregou a atenção indisputada da assistência de todo o estádio olímpico que ali presenciou o estabelecimento de um novo record olímpico da modalidade! Ainda hoje perdura – nunca mais houve alguém que tivesse demorado tanto ou mais tempo a completar aquela prova...

AO ESTILO DE FRANCISCO SOUSA TAVARES

Imaginemo-nos em Julho de 1976, onde o primeiro governo constitucional (Só!... Só!... Só PS!) toma posse (acima, no dia 23), num Verão que quase todos pretendem que seja muito mais ameno do que o do ano anterior, rubro pelas paixões do PREC. Contribuindo para esse objectivo, um entretenimento bem-vindo são as transmissões televisivas ao serão dos Jogos Olímpicos de Montreal nessa época de defeso futebolístico.

Dia 26 há toda uma vasta audiência desportiva que se dispõe a assistir à final dos 10.000 metros onde Carlos Lopes vem a alcançar o segundo lugar, sendo ultrapassado apenas na última volta pelo finlandês Lasse Viren (acima). Mas há algo na realização da RTP que falha redondamente, pois no preciso momento em que decorria a cerimónia de entrega das medalhas em Montreal (abaixo), a RTP transmitia um bloco publicitário…
No dia seguinte, Francisco Sousa Tavares assinava um daqueles seus editoriais arrasadores no jornal A Capital: em vez de se assistir à cerimónia da bandeira portuguesa a subir no mastro tivera-se direito ao lençol impecavelmente limpo com o detergente do costume e em vez da medalha ficara-nos a lata de atum de conserva… Terá sido do editoriais mais ferozes - provocado pela causa mais pueril - que alguma vez li…
Mas reconheça-se que a acutilância e a forma de expressar o ultraje de Francisco Sousa Tavares tornaram-se muito precisos nestes dias que correm. Quem sou eu para o emular mas, tentando copiar-lhe o estilo, poderia escrever qualquer coisa como: Em vez de se pronunciar sobre a conduta passada do presidente do governo madeirense, Cavaco Silva preferiu fazê-lo sobre as expectativas para o futuro de um ruminante açoriano

21 setembro 2011

LOSING THEIR RELIGION


Pelos vistos, os membros dos R.E.M. terão reconhecido ao fim de 31 anos que o seu projecto chegara ao fim e anunciaram publicamente o fim do seu grupo, um anúncio e reconhecimento com um certo travo de ironia quando vindo dos autores de um sucesso musical intitulado Losing My Religion (acima). Porque costumo associar aquela canção ao facto de ter havido outros projectos mais antigos, fundamentados aparentemente em argumentos mais racionais (há quem os chegue a designar por científicos!), a que os aderentes se recusam agora a reconhecer o fim, numa atitude nada racional nem muito menos científica de devoção religiosa

O CRIADOR DA TRIAGEM MÉDICA

Entre o fim das Guerras Napoleónicas (1815) e o fim da Primeira Guerra Mundial (1918) decorreu um século em que houve um acelerado desenvolvimento tecnológico que tornou o armamento mais letal por um factor de grandeza da ordem das dezenas (10x) senão mesmo das centenas (100x). Uma consequência directa disso foi a multiplicação, não apenas do seu número, mas também da gravidade das baixas militares. Sensivelmente a meio desse Século, havia-se atingido um apogeu de distanciamento entre a capacidade dos exércitos em liquidar ou aleijar os seus inimigos e a capacidade de cuidar convenientemente dos amigos que haviam sofrido por sua vez essa mesma sorte.
Datam dessa época os Heróis que se tornaram precursores de uma outra preocupação humanitária (e da medicina militar moderna) como a britânica Florence Nightingale (A Dama da Lâmpada, ilustração inicial), que foi a chefe das equipas de enfermagem daquele exército durante a Guerra da Crimeia (1853-56) ou então o suíço Henri Dunant, testemunha presencial das sequelas da Batalha de Solferino (1859 - acima), que o levou a tornar-se num dos promotores da redacção da primeira Convenção de Genebra e posteriormente um dos fundadores da Cruz Vermelha internacional (1863 - abaixo). Contudo, se qualquer daqueles dois nomes nos é familiar, é muito mais duvidoso quem já tenha ouvido falar de Nikolai Pirogov…
Nikolai Pirogov (1810-1881) foi um médico cirurgião militar russo. Foi um precursor quanto ao emprego de anestésicos durante as cirurgias e também quanto a técnicas cirúrgicas (nomeadamente um novo procedimento de amputação do pé pelo tornozelo preservando o osso do calcanhar para melhorar a recuperação do amputado), investigações que o fizeram ganhar por três vezes o Prémio Demidov (um antecessor em russo do Prémio Nobel). Mas foi a presença de Nikolai Pirogov à frente dos serviços médicos do exército russo em Sebastopol durante a acima mencionada Guerra da Crimeia que o tornaram num marco da história da medicina militar, ao criar o processo da triagem médica…
Pirogov, já então um cirurgião militar experimentado, apercebeu-se que o momento crucial para a melhoria das hipóteses de recuperação dos feridos que chegavam aos magotes durante e depois de uma batalha era a fase de admissão: era aí que era preciso separar os feridos ligeiros (que podiam esperar), dos moribundos (para os quais não havia nada a fazer…) e daqueles que era possível salvar se tratados imediatamente – o que à época significava normalmente a amputação de um membro. Depois dessa triagem, a organização de uma equipa de cirurgia rodando por três mesas de operação simultaneamente permitia que no fim de um turno de sete horas, essa equipa tivesse completado mais de uma centena de intervenções…
Embora atribuísse a causa das infecções à contaminação por vapores(…), Pirogov tinha o cuidado de segregar os pós-operados entre aqueles que tivessem feridas limpas dos que as apresentassem com aspecto pulurento e infectado. O resultado encadeado dos seus métodos era a obtenção de taxas de sucesso de recuperação de feridos e de pós-operatórios de fazer corar de vergonha os inimigos franco-britânicos: 65% de sobreviventes entre os amputados a um braço e mesmo 25% para as complicadas amputações pela coxa, procedimento onde os hospitais militares franceses e britânicos registavam uns míseros 10% de sucesso... Por tudo isso, Nikolai Pirogov tornou-se um herói nacional consensual, celebrado no seu 200º aniversário tanto pela Rússia (acima) como pela Ucrânia (abaixo).

20 setembro 2011

MEDINA CARREIRA MUDA-SE PARA A TVI24

Para que conste, eu não inventei o título deste poste. Suponho que todos já terão percebido que aquilo que parecia ser originalmente a salvação da pátria através do apelo televisivo ter-se-á tornado a menor das preocupações na vagueante carreira televisiva protagonizada por Medina Carreira, que não passará hoje de um colega de Fátima Lopes ou de Teresa Guilherme no campo do recreio televisivo. No caso no papel daquele entertainer resmungão, como protagonista de uma espécie de concurso onde ninguém o consegue bater em adjectivos depreciativos para descrever a realidade nacional: esta palhaçada, trafulhice, disparate ou choldra...

CONTINUANDO A AMAR A LAURA...

Recentemente, num encontro em Ancona com cerca de 500 casais de namorados, Bento XVI aconselhou-os a não queimar etapas no seu amor: Queimar etapas acaba por queimar o amor, que (…) tem necessidade de respeitar o tempo e a evolução dos sentimentos. Reconheça-se que parece haver uma certa persistência da instituição nas recomendações quanto à forma como se deve amar a Laura…

19 setembro 2011

JORNALISMO EM MANADA

Almerindo Marques (acima) pode não usar os penteados com a brilhantina de António Mexia, nem exprimir-se no português anglicizado de Zeinal Bava mas é um dos valores seguros entre os gestores de topo portugueses, com provas dadas, nomeadamente à frente da RTP, um paradoxo para quem se sai tão mal nas aparições televisivas. Em Março deste ano Almerindo Marques foi notícia quando se demitiu da presidência das Estradas de Portugal. Lendo as entrelinhas das notícias então publicadas percebia-se que havia um problema financeiro de fundo na empresa que o ministério da tutela se mostrava impotente e o das finanças indisponível para resolver. Problema esse ao qual Almerindo Marques não se disporia a dar cobertura...

Com uma pista tão evidente é demonstrativo da mediocridade do nosso jornalismo que se tenham passado seis meses sem que tenha havido um ás da investigação jornalística como um Cerejo ou uma Laranjo que ousasse dedicar-se à situação financeira das Estradas de Portugal, considerados os indícios que haviam sido fornecidos pela demissão de Almerindo Marques. Até hoje, quando, por questões de oportunidade que desconheço, houve alguém da área governamental que, a pretexto de um relatório da Inspecção-Geral de Finanças, libertou a informação que a manada da informação obedientemente retransmitiu: Estradas de Portugal em risco de insustentabilidade financeira. Qual era mesmo a novidade?

FOTOGRAFIAS APROPRIADAS PARA OS DIAS QUE CORREM – 3

Esta fotografia foi tirada em Nápoles em 1944 mas o instantâneo é representativo de uma outra época em que a Europa ainda não era esta Europa Social que atrai vagas de imigrantes africanos para esta mesma Nápoles. Pelo contrário, era o Sul da Itália que os exportava em vagas para outros continentes. Era uma época onde os conceitos de comportamento eram outros, grosseiros, desleixados, porcos, tipificados pela criança descalça que fuma enquanto urina contra uma parede de um edifício mal cuidado, arrepanhando para cima uma das pernas dos calções que braguilha e cuecas eram luxos desconhecidos… É uma fotografia a não esquecer face à facilidade e à superficialidade com que se ouvem referências às consequências da falência deste modelo de Estado Social europeu.

18 setembro 2011

QUANDO A FICÇÃO ANTECIPA A REALIDADE

Foi nos princípios dos anos 70 que a revista Tintin começou a publicar as aventuras de Tanguy e Laverdure. A primeira intitulava-se O Alferes Bang-Bang (Lieutenant Double Bang no original) e contava-nos a história de um misterioso instruendo de origem árabe que os dois famosos pilotos franceses haviam recebido na sua base de Dijon. O Alferes Azraf, por alcunha Bang-Bang (que se assemelhava muito em fisionomia e compleição ao Rei Hussein da Jordânia), tornava-se súbita e inesperadamente o soberano de um Emirato na Península Arábica, rico em petróleo, um país imaginário chamado Sarrakat. Entretanto, uma empresa petrolífera rival chamada Middle East Petroleum aproveitara-se da situação para financiar um golpe de estado no país, fazendo com que os seus aliados se apossassem do poder.
A viagem de regresso de Azraf ao seu país natal acompanhado de Tanguy e Laverdure mostrou-se recheada de peripécias. Na aventura que se segue, intitulada Luta no Deserto (Baroud sur le Desert no original), o Príncipe Azraf, que parece gozar do apoio indefectível das populações, tem de lutar, usando o apoio dos dois Mirage III dos seus antigos instrutores, contra a enorme superioridade tecnológica das forças militares regulares do regime rival armadas com os fundos da sinistra Middle East Petroleum. Sendo muito sofisticada para a época, no final o argumentista Jean-Michel Charlier tem de respeitar os cânones das aventuras daquele género e Azraf acaba por triunfar com as suas forças tradicionalistas invadindo o último reduto do regime usurpador – naturalmente, tratava-se de uma base aérea…
Onde o argumento de Jean-Michel Charlier se mostra inovador é na sequela a estas duas aventuras que é também composta de dois álbuns – Mission «Derniére Chance» e Un DC-8 a Disparu (Missão «Última Oportunidade» e Desapareceu um DC-8¹). O Emir Azraf vencera a guerra civil mas isso não fora o fim dos problemas de Sarrakat. Os antigos opositores, por muito mercenários que tivessem sido sob as ordens da malévola Middle East Petroleum, passaram agora a rebeldes, desenvolvendo uma actividade de guerrilha contra a monarquia, estando em certa fase, quase à beira de reconquistar o poder... Não consigo evitar estabelecer o paralelo entre esta sequela e aquilo a que temos assistido na Líbia, onde as forças pró-Gaddafi mesmo formadas por mercenários parecem manter a vontade de resistir
¹ Segundo sei, nenhum dos álbuns foi editado em português.