10 setembro 2011

AS GUERRAS DO BACALHAU

No outro dia, ao comprar bacalhau, escolhi uma variedade da Islândia, decisão que me fez recordar as Guerras do Bacalhau, episódio antigo e discreto que merece a distinção de ser recuperado para os episódios bizarros da História deste blogue. Como as Guerras Púnicas da Antiguidade, também as do Bacalhau foram três, no final das quais uma das grandes potências mundiais – o Reino Unido – teve de se dar, como acontecera outrora com Cartago, por completamente vencida. Mas terminam aí as analogias entre as duas guerras: romanos e cartagineses disputaram a supremacia no Mediterrâneo Ocidental; islandeses e britânicos, apenas o direito de pescar bacalhau nas águas da Islândia…
Os fundamentos para o conflito estão sintetizados no mapa acima, embora ele precise de ser devidamente explicado. A vermelho estão assinalados os contornos da Islândia. Em diferentes tons de azul, progressivamente mais escuros, estão assinalados os limites das suas regiões marítimas, respectivamente os das 4 (7,4 km), 12 (22,2 km), 50 (92,6 km) e 200 (370,4 km) milhas náuticas. A partir da segunda metade do Século XX a Islândia foi ampliando gradualmente esses limites, adoptando uma prática seguida por quase todos os países ribeirinhos do Mundo. Porém, de cada vez que isso aconteceu, o Reino Unido opôs-se à decisão islandesa por causa dos seus interesses pesqueiros.
A primeira Guerra iniciou-se em Setembro de 1958 como consequência da decisão islandesa de alargar as suas águas territoriais das 4 para as 12 milhas náuticas. A segunda aconteceu catorze anos depois (Setembro de 1972), quando a mesma Islândia criou uma Zona Exclusiva de Pescas de 50 milhas náuticas em redor da ilha. Finalmente, a última Guerra iniciou-se três anos depois, em Novembro de 1975, em consequência do prolongamento dessa Zona como Zona Económica Exclusiva (ZEE) para as 200 milhas náuticas, uma figura jurídica que se veio a tornar consensualmente aceite no Direito internacional – tanto que, ironicamente, até o próprio Reino Unido a veio a adoptar
Em qualquer das três Guerras, o cenário assemelhou-se: numa primeira fase, navios-patrulha da Guarda Costeira islandesa tentaram deter e expulsar os pesqueiros britânicos das águas em disputa. Depois, o conflito agudiza-se com a chegada de unidades navais mais imponentes e intimidatórias da Royal Navy para protecção dos pesqueiros. Surgem a seguir alguns incidentes envolvendo o corte das redes dos pesqueiros (acima) e abalroamentos entre navios onde os britânicos aparecem consistentemente na posição ingrata de um Golias que ataca um David que apenas pretende defender os arredores de sua casa… A terminar, a diplomacia entra em acção e acaba por estabelecer um acordo entre as partes.
A última Guerra (1975-76) distinguiu-se pela amplitude da escalada diplomática. Tanto a Islândia como o Reino Unido eram (ainda são) membros da NATO, mas a benigna e continuada neutralidade da organização tanto irritou o governo do Primeiro-Ministro Geir Hallgrímsson que este resolveu-se a usar a carta diplomática do abandono islandês da NATO e a consequente desactivação da importantíssima Base Aeronaval de Keflavik, controlo da saída dos submarinos nucleares soviéticos da Esquadra do Mar do Norte. Joseph Luns, o secretário-geral da NATO de então, tornou-se o mediador de uma solução que fundamentalmente satisfez as pretensões dos islandeses em detrimento dos britânicos...
Posto o problema naqueles termos, a quem mandava (Estados Unidos), interessava-lhes muito mais a sua segurança colectiva contra ameaças de ataque nuclear do que o eventual destino dos empregos de alguns milhares de marinheiros escoceses… Ironicamente, a Base de Klefavik acabou por perder importância com o fim da Guerra-Fria e os norte-americanos evacuaram-na em 2006.

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