31 maio 2006

DO FRANGO DE MARCELO AO ÁRBITRO DE CANOTILHO

É relativamente bastante conhecido o comentário do professor Marcelo Caetano a respeito das estatísticas, remetendo o exemplo para dois indivíduos e um frango, um rico que o come todo e um pobre que fica a ver, com o resultado estatístico de ter dado uma média de meio frango a cada um, pouco se sabia e o que se sabia era uma grosseira distorção da realidade.

Enfim, o professor Marcelo Caetano já foi e ainda está a ser julgado pela História e na coluna do seu passivo, lá estará uma entrada discreta, referente a esta sua intervenção que, apesar de poder ter sido dita com muita convicção, incidiu sobre um assunto sobre o qual ele não estava visivelmente preparado…

Mais preocupante, foi o facto de eu ter ouvido, como testemunha directa, passados mais de uns vinte anos sobre o original, as mesmas considerações, repetidas agora por um discípulo de Marcelo, actual professor na Faculdade de Direito.

Mais de vinte anos já deveriam ter dado para a pessoa em causa ter feito umas investigações e ter descoberto que, para além da média, existe um outro indicador chamado desvio padrão (ou a variância) que esclareceria a informação que apenas o uso da média não dava a Marcelo Caetano. A sua ignorância teria ficado satisfeita e a do discípulo, vinte anos depois, também.

Como se percebe, não tenho os protagonistas dos vários ramos do Direito na conta de pessoas muito vocacionadas para a investigação científica, embora lhes conferisse, por inerência à área do saber onde se especializaram, um domínio daquilo que costumamos designar por senso comum.

Depois de mais duas certidões referentes ao Apito Dourado terem sido arquivadas, o que significa que as acusações de corrupção desportiva não deverão ser levadas para diante, dei em cogitar sobre o que terá pensado o professor Gomes Canotilho, distinto constitucionalista, sobre a oportunidade do parecer que produziu sobre a inconstitucionalidade da condenação criminal da corrupção desportiva.

Confesso não ter lido o parecer. Não quero fazer juízos precipitados como o do frango do professor Marcelo. E também sei quanto é clássico que um bom debate jurídico se afaste o mais possível daquilo que parece evidente e natural. É da natureza das profissões, como também é quase impossível esperar que um médico nos descreva o nosso estado de saúde em linguagem totalmente coloquial, para que a entendamos.

Mas, por vezes, o esforço para que tal opinião jurídica seja ousadamente inovadora e não pareça natural leva-nos a artificialismos que nos fazem lembrar as pernas de Lili Caneças – excessivos. E a minha medida de comprovar esse excesso é a constatação que se trata do tipo de opinião que o professor Canotilho não consegue convencer um conjunto de velhos e ponderados espectadores de um qualquer jogo de futebol.

Se o professor Canotilho, em pleno jogo, lhes comunicar que chegou à conclusão que não se pode condenar o árbitro, mesmo que existam provas evidentes de corrupção, porque a Constituição não deixa, haverá um mais atrevido – há sempre! - que lhe responderá:
- Então é porque a Constituição está mal feita!
E esta discrepância entre o sítio por onde vogam os espectadores e o sítio onde plana o professor Canotilho explica muita coisa sobre o Portugal que existe...

UMA CONFUSÃO LIBANESA

O Líbano é um pequeno país simpático situado nas costas do Mediterrâneo Oriental e desproporcionalmente conhecido para a sua dimensão. Por razões históricas, certamente, como pátria de origem dos fenícios. Mas também por outras causas mais recentes.

Desde 1975 que o Líbano deixou de ser um país no sentido clássico do direito internacional mas um agrupamento de colectividades que se podem sentir representadas pelos mesmos símbolos (a bandeira, por exemplo) e que podem ocasionalmente operar coordenadas para um mesmo propósito.

É na quantidade de colectividades envolvidas que o exemplo libanês é verdadeiramente ímpar e criador de uma nova escola. Tradicionalmente, uma guerra civil era travada por dois lados, embora em cada um coexistissem várias facções – o exemplo clássico é o da guerra civil espanhola.

O modelo libanês é muito mais dinâmico e a guerra civil é travada directamente pelas facções numa espécie de jogo de todos contra todos, com alianças pontuais muito fluidas – a lembrar as que se fazem por cá entre dirigentes de futebol – que obrigam a uma atenção redobrada por quem se queira manter informado.

Só para dar uma ideia do ponto a que pode chegar a especificidade de cada facção, expliquemos que no Líbano há uma comunidade cristã e uma muçulmana. Esta última, por sua vez, desdobra-se entre as comunidades dos xiitas, do sunitas e dos druzos. Entre os xiitas, há uma facção apoiada pela Síria (Amal) e outra apoiada pelo Irão (Hezbollah). Se esta é a descrição só de um ramo, imagine-se a árvore toda, que não deve ter menos de uma dúzia de nomes.

Com a rejeição, por parte do major Reinado, líder da facção dos militares dispensados, das decisões do presidente Xanana de ontem, a adicionar às movimentações do ministro dos negócios estrangeiros, Ramos Horta, cujos negócios parecem ser cada vez menos no estrangeiro, rematando com as entrevistas da australiana Madame Gusmão aos jornais da sua terra, parece estar a caminhar-se a passos largos para uma completa libanização da política timorense.

Se isso acontecer, parecem ser boas notícias para a Austrália, não tão satisfatórias para Portugal e, definitivamente, muito pouco interessantes para os timorenses. A atender ao que aconteceu com o precedente libanês, ninguém tem paciência para lá manter forças de interposição por muito tempo e é a potência vizinha que fica com o encargo de manter a ordem. E recorde-se, a Síria ficou cerca de 30 anos a controlar o Líbano.

A multiplicação de facções e a indisciplina daí inerente faz prever que estes primeiros episódios da confusão em Timpor sejam apenas a antecâmara de um encadeamento de conflitos multilaterais para os quais não haja saída previsível, nem disposição de terceiras partes para os sanar.

Se não houver bom senso em todas as facções timorenses, depois de 25 anos de ocupação descarada da Indonésia, sujeitam-se a outros 30 de ocupação benigna da Austrália. É que, é garantido que, ao mesmo tempo, o apoio português vai esgotar-se à medida que os nossos remorsos acabarem…

30 maio 2006

OS PREJUÍZOS DA VODAFONE

A organização para onde trabalha o Dr. Carrapatoso, a gigantesca Vodafone, apresentou os seus piores resultados de sempre, no exercício anual que terminou no passado 31 de Março: um prejuízo que se aproxima dos 32 mil milhões de euros.

Aparentemente, teria sido tanto pior para a rentabilização dos activos que aquele dirigente da Vodafone em Portugal tanto gosta de repetir, entre muitas outras buzzwords. Nota-se mesmo alguma volúpia, mesclada de algum despeito, na forma como o jornal francês Le Monde notícia o acontecimento.

No entanto, apesar de todas as considerações do Le Monde, sobre os erros da política expansionista prosseguida pela Vodafone de há dez anos para cá que, segundo ele, a levaram à situação actual, se não estiver destreinado do meu treino em análise financeira de incarnações passadas, permito-me arriscar que afinal nada de significativo aconteceu.

O volume de negócios consolidado subiu em 2005/6 dos 39 para os 43 mil milhões de euros e os resultados operacionais (antes de amortizações) até subiram ligeiramente (6,8%) e permanecem sensivelmente acima dos 9 mil milhões de euros. A Vodafone pensa distribuir dividendos aos seus accionistas, e não me parece que o faça por bravata.

O segredo que poderá estar por detrás deste aparente prejuízo monstruoso inexplicado? A direcção da Vodafone resolveu-se finalmente a reconhecer o fiasco representado pela aquisição da operadora alemã Mannesmann, efectuada há seis anos atrás. Uma aquisição, refira-se, pela qual o governo alemão nunca mostrou grande predilecção.

Para os que defendem a total transparência e as certezas científicas da gestão de uma grande empresa cotada em bolsa, expliquem-me, se isto não for a gestão política do tempo da admissão de um fiasco, então o que é que será?...
ET - Apesar de não ter contribuido directamente para o resultado, esta bronca não deve ter trazido uma imagem positiva à organização.

PARA ANGOLA, RAPIDAMENTE E EM FORÇA

Há 45 anos o professor Salazar queria que fossemos para Angola rapidamente e em força. São poucos os que recordam hoje o episódio e ainda menos aqueles que se aperceberam que aquele foi um dos momentos significativos de grande mobilização nacional.

Depois de um arrependimento colectivo por tal mobilização e com um espírito muito mais experimentado em mobilizações, na sociedade portuguesa actual é capaz de haver quem se interrogue de que forma se pretenderá que, desta vez em 2006, vamos para Timor.

Da forma que o vetusto professor preconizava já não poderá ser. O depressa esvaiu-se depois de termos percebido que a atitude célere com que se convocaram os partidos, se falou com o presidente, se anunciou o envio da GNR, não passava disso mesmo: uma atitude, que saiu muito bem no telejornal, merece ser realçado.

Quanto à força, diz-nos a intuição de não especialistas que aquela centena e meia não poderá fazer nada de significantemente melhor do que o milhar e meio que os australianos já lá têm. E as notícias que de lá vêm é que a situação continua muito confusa, apesar da presença do contingente australiano.

Uma vantagem em relação ao tempo do professor Salazar é que hoje podemos debater em condições de liberdade o que é que é suposto a GNR ir para lá fazer, qual o âmbito da sua actuação e obter um retrato mais fiel da disputa política que se trava em Timor.

Já se percebeu que há um choque entre o governo e o presidente, que este último é o que tem a boa imprensa em Portugal – Xanana é um gajo porreiro por hipótese, até parece um jogador da selecção nacional - e que os arruaceiros que tem causado as destruições em Dili parecem filhos de pai incógnito: não são de um lado, nem doutro.

Entendamo-nos… Nem tudo pode e deve ser apresentado com a densidade com que são apresentados os sucessos da campanha da selecção portuguesa no próximo mundial, o Sr. Scolari e a Nossa Senhora daquele sítio que nem cheguei a fixar.

Existem órgãos de comunicação para o efeito (SIC-Notícias, RTPN, TSF – quando está para aí virada…) e existem os especialistas para nos elucidar o que arriscamos e o que pode estar em jogo quando nos estamos a envolver nos problemas de um país situado no outro lado do mundo e o que procuramos colher disso.

Estejamos esclarecidos - quem o quiser estar, obviamente. Para que não nos aconteça como aos norte-americanos, a quem tanto censuramos, que acharam maioritariamente que as suas tropas deviam intervir no Iraque e depois… olha, afinal não! Se calhar, tanto Salazar era pouco amigo de dar explicações, como deviam ser poucos os que as pediam…

29 maio 2006

OPERARIOS, CAMPONESES, SOLDADOS E MARINHEIROS!

É com um certo saudosismo onde se mistura o nostálgico e também o escarninho que se lêem estas proclamações grandiloquentes de Maio e Junho de 1974 onde, antes do PREC arrancar, todos estavam a fazer um curso intensivo de cultura e vocabulário político - revolucionário, de preferência.

Esta aqui, mais exaltada e estilizada do que o habitual, tresandava a MRPP*, e onde se nota que os redactores conheciam muito bem - possivelmente das suas leituras - as vicissitudes da revolução russa de Outubro de 1917, mas não sabiam observar a realidade social que os rodeava.

Mesmo atrasado, a força de trabalho do Portugal de 1974, já se distribuía quase na mesma proporção pelo sector primário (agricultura), secundário (indústria) e terciário (serviços). O mesmo para as Forças Armadas, onde para além do Exército e da Marinha, já havia sido criado o ramo da Força Aérea…

Enfim, nem tudo mudou… Continua a haver um Portugal político e um Portugal real, que segue o primeiro a uma distância respeitável. Que, por exemplo, está à espera da legislação regulamentadora que possa tornar concreta a aplicação das reformas à lei das rendas, anunciadas há tanto tempo, que o Portugal político já se esqueceu do assunto…

* Tenho de vos confessar a minha deficiência olfactiva: aquilo que tresandava a MRPP..., não era MRPP.Veja-se a caixa de comentários.

A OESTE NADA DE NOVO

O clássico livro de Erich Maria Remarque data de uma época em que os relatórios eram sóbrios e apenas narravam o que acontecia, não o que poderia ter acontecido ou o que especulativamente poderia vir a acontecer.

Se algum excesso houvesse era por defeito, como o do relatório do dia de Outubro de 1918 em que morreu o herói da história, quando o comunicado do Estado-Maior dos Exércitos alemães assinalou que naquele dia não havia nada de novo na frente ocidental.

Nestes últimos dias, pelos Orientes de Timor, tem havido muitas coisas novas, embora os tempos tenham mudado e a sobriedade de outrora tenha desaparecido. Depois do grandioso espectáculo - envolvendo também os partidos - à volta da decisão de enviar um contingente da GNR para Timor, ficamos a saber hoje, por António Costa, que o embarque das forças é lá mais para o fim da semana.

Terá sido só ingenuidade minha ou há quem compartilhe a minha sensação que todo aquele frenesim decisório da semana passada pressupunha uma outra celeridade na rapidez da deslocação da GNR para Timor, dada a dificuldade das condições vigentes naquele país?

Eu bem sei que estes embarques não se desencadeiam assim do pé para a mão (nem todos são tão despachados como os australianos…), mas arranjando uma semelhança com uma enrascada doméstica à nossa pequena escala, eu é que não queria estar na posição de Timor, com uma fuga de água há vários dias, uma inundação em casa, sem poder tomar banho e com os vizinhos de baixo a queixarem-se.

Bem vistas as coisas, usando esta última comparação, António Costa parece o gerente de uma daquelas empresas rascas de SOS para problemas domésticos, com uma apresentação espectacular nas páginas amarelas, um atendimento telefónico impecável e um elemento de piquete que só aparece uns cinco dias depois…

28 maio 2006

SOBRE OS CUIDADOS A TER ONDE SE PÕEM OS PÉS

Por muito que Abel Mateus tente transportar o debate sobre a concentração bancária em Portugal para o campo estrito das abstracções, é evidente que qualquer opinião que se emita agora, quando existe uma OPA do BCP sobre o BPI, é sempre considerada à luz da disputa que se trava entre os dois bancos.

Mesmo assim, sendo Mateus o responsável por um organismo que supervisiona os aspectos da concorrência em Portugal e tendo tido de antemão uma ideia conceptual sobre o modelo desejável para a forma como opera a nossa actividade bancária, quis torná-la conhecida publicamente.

Em síntese, será de considerar uma atitude de Abel Mateus que está no limiar da fronteira da pertinência embora esteja muito para lá dela no que diz respeito à oportunidade. Muito menos compreensível é a intervenção, claramente de opinião contrária, por parte do governador do Banco de Portugal (BP), Vítor Constâncio.

Parece ser o tipo de situação em que Constâncio se arrisca a perder em todos os tabuleiros em qualquer que seja o desfecho. Em primeiro lugar porque contradizer Mateus representou desde logo um abaixamento do seu estatuto. Depois porque as condicionantes apontadas para Mateus também se lhe aplicam, por maioria de razão.

Se, como vimos, a intervenção de Mateus foi inoportuna e pertinente, a resposta de Constâncio não pode ser nem uma coisa, nem outra. Com a agravante de vir cá abaixo confrontar a sua credibilidade com alguém que, estando no simpático lugar do mais fraco, pode alegar que apenas estava a fazer o seu trabalho.

Em condições normais, havia aqui uma mini disputa de credibilidades, em que Constâncio só podia ganhar (con)vencendo, mas que perderia noutro qualquer cenário. Só que Constâncio é também o governador dos 6,82% de défice, e tornou-se num alvo político depois e por causa disso.

Desacreditá-lo poderá servir para atacar Sócrates e o governo. E o inverso – um incumprimento dos objectivos do défice por parte do governo – pode funcionar também de forma inversa, lesando a imagem de Constâncio. São tempos em que o governador tem de ter cuidados redobrados onde põe os pés.

A NOTA NECROLÓGICA DE EDUARDO MICHELIN

É muito instrutiva uma desenvolvida nota necrológica, publicada no jornal francês Le Monde, sobre a vida de Eduardo Michelin, o presidente de 42 anos da maior empresa mundial de pneus, que faleceu recentemente num bizarro acidente marítimo, quando o barco onde recreava se afundou.

Uma das primeiras constatações é que, quaisquer que fossem os seus méritos (realçados, como é tradicional numa nota necrológica), fosse o seu apelido outro e teria sido impossível ter feito a carreira que fez e encontrar-se na posição em que se encontrava à data da sua morte.

Por muito que se fale da meritocracia do sector privado, versus outros critérios de ascensão menos recomendáveis no sector público, a imagem que se colhe de exemplos concretos tem muito pouco a ver com essa nitidez de preto e branco.

A verdade é que, sobretudo em grandes empresas europeias como é o caso da Michelin, se vêm repetidos exemplos claríssimos de ascensão profissional baseada em critérios familiares e de parentesco, quase que decalcados dos existentes no tempo da nobreza feudal dos tempos antigos.

Outro episódio recordado na nota que me merece destaque ocorreu em 1999, quando o mesmo Eduardo Michelin, após anunciar um aumento dos lucros da sua empresa em 20% nesse ano, se apressou a anunciar de seguida um plano para a supressão de 10% dos postos de trabalho da empresa que dirigia.

Das poucas coisas que parecem certas no comportamento imprevisível dos operadores de bolsa é que eles adoooram anúncios de supressões de postos de trabalho: as acções das empresas supressoras sofrem uma valorização súbita, só que normalmente não é sustentada e, por isso, torna-se inconsequente.

É um dos exemplos flagrantes que me servem para não acreditar de todo nos apóstolos da inteligência e clarividência do mercado. Se tanto uma como outra existissem porque é que as cotações nesses casos reagem de uma forma tão previsível, demonstrando os operadores a argúcia de um rebanho de ovelhas?

Qual o racional por detrás da evolução das cotações? Porque é que o anúncio da redução de pessoal implica silogisticamente o aumento de lucros para o futuro? Então que funções desempenhava o pessoal a despedir? Eram inúteis? Então a gestão da empresa era deficiente. Eram úteis? Então o que se sacrificará? Qualidade? Controlo? Inovação?

A grande novidade do anúncio de Eduardo Michelin, fruto talvez da sua inexperiência, foi a visibilidade da associação de um anúncio a outro, a ponto de se tornar muito desconfortável para o poder político da altura (Jospin – socialista francês), que teve mesmo de o chamar à pedra.

Eduardo Michelin poderia classificar-se por um moderno empresário, manifestando umas preocupações sociais muito mitigadas, que poderiam ter porta-vozes em pessoas como Sérgio Figueiredo, que outro dia descobriu e nos comunicou o truísmo que os mecanismos de redistribuição não eliminam a existência de pobres.

Pois não, Sérgio, mas evitam que os pobres sejam paupérrimos o que, numa sociedade abastada, além de ser moralmente condenável - se este argumento te interessar - evita que os paupérrimos venham a ser manipulados por remediados visionários (Lenin, por exemplo) para acabarem com a sociedade dos ricos que pretendes defender*.

* Este tratamento descabido, tu cá, tu lá, dedicado a Sérgio Figueiredo, pretende ironizar com a forma de tratamento, também tu cá e tu lá, e também despropositada, com que recebe alguns dos seus convidados no seu programa de televisão.

27 maio 2006

A ANABELA CHALANA DE TIMOR

Há momentos em que o jornalismo desportivo – leia-se futebol - tem destas coisas: aparece na ribalta alguém que ainda tem menos a ver com o assunto do que a tradicional catrefada de dirigentes, empresários, agentes e aparentados que asseguram a sobrevivência noticiosa do ramo durante o período do defeso.
Faz bem mais de vinte anos, um dos maiores expoentes desses OVNIS deu pelo nome de Anabela Chalana, que chegou a dar entrevistas à Bola e aos outros jornais desportivos porque… era a mulher do jogador Fernando Chalana. Assim, simplesmente.
A Bola e os outros órgãos de informação não mostraram grande interesse nas opiniões do pai de Fernando Chalana, nem da mãe de Fernando Chalana, nem do próprio Fernando Chalana, um excelente jogador mas nada dado para a oratória, dos irmãos, se os houvesse, mas quanto à senhora Chalana era outra coisa.
Tanto foi outra coisa que acabou a denegrir a imagem do marido, o que não devia ser, de todo, a sua intenção, passando a imagem para o público que o jogador parecia ser alguém incapaz de zelar pelos seus próprios interesses sem a assistência da patroa por perto. Uns pés de ouro, mas sem miolos.
Foi na analogia com Fernando Chalana que me lembrei ao me deparar com o protagonismo da mulher de Xanana Gusmão, na disputa que se trava pelo poder em Timor. O presidente foi eleito pelo voto popular e Mari Alkatiri é o dirigente recentemente reconfirmado da Fretilin, o partido maioritário no parlamento. Cada um tem a sua legitimidade.
Por muito bem intencionadas que sejam as intenções da senhora Gusmão, a envolver-se na disputa como parece estar a fazê-lo, sem qualquer legitimidade e sendo australiana, é mais do que evidente que apenas está a enfraquecer a posição do marido e a reforçar a de Alkatiri.

Adenda de Agosto de 2022: Este poste está a ser particularmente revisitado por ocasião da morte de Fernando Chalana em Agosto de 2022, mais de 16 anos depois de ter sido publicado. Para os mais incautos esclareça-se que, entretanto, Anabela Chalana também já faleceu em Maio de 2017, precedendo o ex-marido. Tinha também 63 anos à data do óbito, que foi noticiado nalguma imprensa porque Anabela Chalana... fora Anabela Chalana. Quanto à «Anabela Chalana de Timor», mais o seu protagonismo na política timorense, esses divorciaram-se em 2015.

A QUEM POSSA INTERESSAR

Não fosse a circunstância de ter sido Manuel Maria Carrilho a pegar na caveira e a tecer considerações sobre a podridão do reino da Dinamarca e até nos convenceríamos que há mesmo algo de podre no reino da Dinamarca…

Vejamos. Aqui há um par de semanas houve um semanário que puxou para a sua primeira página as declarações de um ministro (Freitas do Amaral) declarando-se cansado. Interessante. Esse Sábado informativo – e não só nos órgãos de informação pertencentes ao mesmo grupo do semanário – tornou-se num frenesim sobre as condições físicas e a sua incapacidade para o exercício do cargo por parte do dito ministro.

Recapitulemos. Ontem, outro semanário escarrapacha na sua primeira página a fotografia (em cima) de um procurador envolvido descaradamente numa acção de campanha do PS, partido que viu alguns dos seus dirigentes – que também apareciam na fotografia – ilibados por um recente despacho polémico do mesmo procurador. Este Sábado informativo, contudo, tem sido duma placidez tremenda: quase se ouvem os grilos ao luar, tal é a calma. O Público dedica-lhe uma notícia de uma coluna na página 11 e o DN nem isso.

Mesmo não sendo um profissional, há algo de incompreensível nos critérios de relevância jornalística destes dois exemplos que descrevi. Entre os estados de alma de um ministro dos negócios estrangeiros e indícios fortes da existência de um clã, agregando membros do poder político e do poder judicial, que se podem estar a proteger reciprocamente, eu sempre pensei que o segundo pudesse ser muito mais interessante.

Se calhar, não. Se calhar, estou enganado. Antigamente, havia um título na página dos anúncios pessoais que ultimamente deixou de ser usado. Mas pode ser que o título A QUEM POSSA INTERESSAR seja o que consiga explicar melhor a lógica do relevo que actualmente é dado às notícias.

E dependendo de quem se interesse, assim será a notoriedade da notícia… Ou talvez não, que é tudo malta séria e competente, já viram os disparates das acusações do Carrilho?

PS - Agradeço ao Surumbático a fotografia. Nela se vêm, além do procurador em causa (Varela Martins), alguns amigos do mesmo (José Lamego, Jorge Coelho,...). A ocasião é a candidatura de Lamego à Câmara de Cascais pelo PS.

A NOITE

Fingindo uma daquelas afirmações grandiloquentes e bem sonantes de tertúlia de mesa de café, uma canção ideal da música brasileira seria de Chico Buarque mas interpretada por Milton Nascimento. Para não se ficar atrás, alguém teria de acrescentar: mas os arranjos musicais seriam os da dupla Ivan Lins/Vítor Martins.

É essa dupla a responsável pela canção hoje evocada, A Noite, bonita, um prodígio de orquestração, cuja letra descobri ser da autoria de André Velloso. Não sei inserir ligações para que a música se ouça aqui no blogue mas procurem-na na net, porque vale a pena.

A noite tem guardado nas toalhas dos bares
Corações arpoados, corações torturados
Corações de ressaca, corações desabrigados
Demais

A noite tem falado nas cadeiras dos bares
De paixões afogadas, de paixões recusadas
De paixões descabidas, de paixões envelhecidas
Demais

A noite traz no rosto sinais
De quem tem chorado demais
A noite traz no rosto sinais
De quem tem chorado demais

A noite tem deixado seus rancores gravados
A faca e canivete, a lápis e gilete
Por dentro das pessoas, por dentro dos toaletes
E mais

A noite tem deixado seus rancores gravados
A faca e canivete, a lápis e gilete
Por dentro das pessoas, por dentro dos toaletes
E mais

Por dentro de mim…

26 maio 2006

BOBONANDO…

A propósito de especialistas, de cortesia e boas maneiras e da forma como elas se têm de adaptar às novas tecnologias, deixem-me bobonar* um bocadinho – eu também consultei imeeensa bibliografia! - e fazer duas observações sobre a utilização de telefones e telemóveis.

A primeira tem a ver com a precedência de alguém que se apresenta pessoalmente sobre aqueles que telefonam. Ainda recentemente, estando diante dela, tive de pedir o número de telefone de bancada de uma recepcionista, propondo-me utilizá-lo para que ligando-lhe do meu telemóvel, ela me prestasse a atenção devida. Percebeu a ironia e deixou a próxima chamada em espera…

A segunda vem a propósito de quem utiliza a opção do telemóvel em que o destinatário não vê a origem do telefonema. Sendo uma opção comum aos telemóveis, é conveniente que quem isso faz esteja disposto a não ser atendido, pois considero que quem se dispõe a telefonar-me pessoalmente fazendo expressamente por não se identificar, não está a ser cortês, gesto a que posso responder no mesmo plano, recusando-me a atender um desconhecido…

*bobonar – preconizar normas de conduta como faz Paula Bobone.

PS- Eu li o Código da Vinci mas não li os livros de Paula Bobone, por isso, queiram-me desculpar se aqui e ali sou um pouco mais grosseiro.

OS ESPECIALISTAS

Uma das limitações da nossa dimensão de paróquia é que nos contentamos com um especialista por assunto. A ausência de rivalidade é uma frustração para aqueles que, de entre nós, são mais competitivos, como se queixa Maria Filomena Mónica, mas esses casos são minoritários, porque o estatuto de especialista único é algo muito cobiçado.

Tomemos o exemplo de Paula Bobone, que um belo dia descobrimos especializada em etiqueta e boas maneiras, por obra e graça de nem sei bem quem. Ainda me lembro da jornalista de TV que cobria o lançamento do seu primeiro livro (e sucesso) lhe perguntar – bem! – pela bibliografia que a autora havia consultado para aquele livro.

A expressão fisionómica da autora quando respondeu – mais do que a resposta: imensa, imensa… – foi emblemática da pertinência que a autora atribuiu à pergunta e sobre o que verdadeiramente pensa da consulta de bibliografia para escrever sobre o assunto em que hoje está aceite que domina o panorama português: a etiqueta e boas maneiras.

Há raras ocasiões de felicidade em que coexistem simultaneamente dois especialistas. A paróquia rejubila com a competição entre os dois e até os acicata se necessário for. Ter um Carlos Lopes e um Fernando Mamede não tem piada nenhuma se não houver uma rivalidade evidente entre os dois. O nosso interesse na competição entre os dois heróis da paróquia sobrepõe-se à deles versus os restantes especialistas mundiais.

E depois há as categorias em que todos somos especialistas. Quase se tornou sinónimo de falta de consciência cívica não ter opinião sobre os escolhidos da convocatória de Scolari, por exemplo. E não há como um nativo da paróquia para se flagelar sobre as fraquezas portuguesas. Por isso, não se percebe de todo a necessidade de um título como este,

publicado no Diário Económico de hoje (26/05/06). Qual a necessidade de ir arranjar um consultor estrangeiro para dizer coisas deprimentes acerca de nós mesmo? Só mesmo no jornal do Martim é que se iam lembrar disto…

25 maio 2006

A PONTUAÇÃO ELO

É um facto relativamente pouco conhecido, para além do universo dos seus praticantes, que existe um sistema de pontuação que classifica todos os jogadores de xadrez designado pelo nome do seu criador (ELO).

Simplificadamente, cada jogador começa com um certo nível de pontos que depois, ao longo dos jogos que vai disputando, vai variando por aquisição de pontos dos jogadores que vence ou por cedência de pontos aos jogadores com quem perde. É uma classificação que serve de indicação da categoria do jogador.

Esta lógica também poderia ser aplicada à prestação dos estadistas e ao seu estatuto internacional, só que, neste caso, a pontuação de base corresponderia à do seu país natal, embora as evoluções posteriores fossem claramente mais subjectivas do que as regras matemáticas estabelecidas para a pontuação ELO

Um dos casos em que parece ser quase unânime que a pontuação do estadista supera em muito a do seu país de origem é o caso do retratado Jan Christian Smuts (1870-1950), que foi, entre outras coisas, duas vezes primeiro-ministro da África do Sul (1919-24) (1939-48) e uma voz escutada com imensa atenção em Londres, tanto na Primeira como na Segunda Guerra Mundial. Trata-se de um feito tanto mais notável porque Smuts era um nacionalista bóer e começou até por combater os britânicos antes de vir a ser respeitado por eles.

Quanto aos casos opostos, os de estadistas cuja pontuação seria provavelmente considerada muito, mas mesmo muito abaixo da dos países que dirigem é só pensarmos em casos da actualidade, dois deles recentemente abordados neste blogueVocês sabem muito bem de quem estou a falar!

À PESCA

As regras de funcionamento da União Europeia têm, por vezes, consequências que se tornam risíveis. O ministro encarregado de dirigir e coordenar as negociações para um entendimento sobre os futuros programas de financiamento à actividade pesqueira, chama-se Jozef Pröll, e vem desse país de lendários marinheiros e pescadores chamado… Áustria*.

O problema é que não se chegou a um entendimento, tendo-se constituído dois blocos e um joker. Os blocos são designados pelos amigos do peixe, composto pelo Reino Unido, Alemanha e Bélgica, e pelos amigos da pesca, os restantes países à excepção da Polónia, que é o joker por querer mais fundos para a renovação da sua frota pesqueira.

A grande questão de fundo, causadora das divergências decorre, evidentemente, do volume de capturas de pescado autorizadas para o futuro próximo. O bloco dos amigos do peixe tem, evidentemente, uma posição mais restritiva a esse respeito e coincide, evidentemente, com os países onde a relevância económica e cultural da actividade piscatória e do consumo de peixe é menor.

Enfim, é tudo muito subjectivo, porque eu também posso ser da opinião que se devem preservar as espécies, especialmente se elas se destinarem a vir a ser comidas como acompanhamento de batata frita, como é a terrível prática no Reino Unido**… No meio de tudo isso, há que saudar, apesar do fracasso, o empenho e a imparcialidade do ministro Pröll, que deve estar mais familiarizado com trutas, carpas, lúcios e outros peixes de água doce. Outrora ser-se um almirante de água doce era considerado um insulto. Mistérios da máquina burocrática e informativa de Bruxelas, um ministro de água doce pode passar por uma virtude.

* A Áustria é um país interior...

** Também observável em restaurantes algarvios mais dedicados a clientela britânica.

DUAS BREVES NOTAS SOBRE TIMOR

Com o assunto Timor a regressar às primeiras páginas, pouco tenho a comentar, há aqui na blogosfera quem tenha vindo a escrever contínua e consistentemente sobre o tema. Gostaria apenas de adicionar duas notas, em tom ligeiramente jocoso, baseadas na notícia da derrota no concurso de atribuição dos direitos de exploração petrolífera, perdidos pelo consórcio onde figurava a GALP para outro liderado pela ENI italiana.

A serem verdadeiras as informações – como li na blogosfera - que a proposta vencedora era 4,5 vezes superior à derrotada, então alguém se enganou e nem devia ter entrado no concurso. Porque, com uma diferença de 350% entre propostas, não há razão qualquer material que justifique outra decisão que não a adoptada.

Se as razões fossem outras, então era melhor nem ter havido concurso. Teria sido conveniente que a nossa diplomacia se houvesse explicado atempadamente, como os timorenses poderiam pagar a sua enorme dívida de gratidão, e deixarmo-nos desta atitude de alfaiate de outrora, envergonhado de cobrar a conta ao senhor conde.

Aprendamos com Pinto da Costa que, quando manda alguém mandar as meninas ao quarto do árbitro na véspera do jogo, este último já sabe o que se espera dele para o dia seguinte... Dito isto, remeto para alguém com opiniões com que globalmente concordo.

24 maio 2006

A ANDORINHA

A Administração norte-americana não funciona da mesma maneira que um governo europeu que normalmente toma posse em cerimónia conjunta, sofre poucas remodelações enquanto em exercício, normalmente envolvendo um número reduzido de titulares, e depois abandona funções simultaneamente.

Estando os titulares norte-americanos dependentes do Presidente, que é quem detém formalmente o poder executivo, a saída e entrada dos titulares é tradicionalmente mais fluida, sem a preocupação europeia de concentrar os acontecimentos para reduzir qualquer especulação mediática.

E o enorme campo potencial de recrutamento à disposição de qualquer presidente norte-americano também lhes permite fazerem escolhas e substituições que normalmente não estão ao alcance dos seus homólogos europeus. Por exemplo, o hoje famosíssimo Henry Kissinger não foi uma escolha de primeira hora nem de primeira água de Richard Nixon.

Mas a verdade é que parece estar a assistir-se a um descomunal render da guarda entre os colaboradores da Administração Bush. Em que parece que os que lá estão querem sair, muitos sem explicar, para além das declarações circunstanciais, por que o querem fazer. O último a quem parece que isso parece que irá acontecer é Robert Zoellick, o Subsecretário de Estado da equipa de Condoleezza Rice que, pelos vistos, anda à procura de emprego.

Seria mais uma banalidade, não fosse a curiosidade dele ter tomado posse há pouco mais de um ano, depois de ter liderado com destaque a equipa norte-americana nas negociações da Organização Mundial de Comércio (OMC), e de ser considerado alguém que viria reforçar a abordagem multilateralista no Departamento de Estado, na filosofia de reparação dos estragos depois do episódio das ADM (armas de destruição maciça) do Iraque.

A saída de Zoellick, sozinho, tem pouco significado, é um pouco como a história da andorinha que não faz a primavera. Mas a história das andorinhas é com elas a chegar, não com elas a irem-se embora…

VENHA O DIABO E ESCOLHA

Se necessário fosse demonstrar que os pretextos – o debate sobre a manipulação exercida na e pela comunicação social – que se invocaram para as aparições consecutivas de Manuel Maria Carrilho na dita comunicação social não têm qualquer cabimento, mais uma prova poderia ser empregue, com o título principal de hoje (24/05/06) do jornal Público: Procurador do Apito Dourado Alvo de Processo Disciplinar Após Queixa de Pinto da Costa.

Assim mesmo, e a vermelho, cor que reputadamente os touros detestam e que, por isso mesmo, ornamenta as capas dos toureiros. Eu não tenho qualquer ideia – e comigo seguramente uns 95% dos leitores do jornal – da frequência com que se verificam incidentes deste tipo, em que o investigado, artolas, tenta inverter sob quem incide a pressão da investigação. E também sei reconhecer instintivamente, como 95% dos mesmos leitores, uma boa história, onde há os que são bons e os maus.

É evidente que aquele título está assim redigido para nos indignar. Ou seja, a comunicação social (escrita, neste caso) continua tão manipuladora como sempre o foi, e a palhaçada à volta da tese do livro de Carrilho não passou rigorosamente disso: uma palhaçada. Fosse eu mais amigo de conspirações e diria que a relevância desmesurada dada a alguém que estava tão desacreditado como Carrilho se destinava a retirar credibilidade à própria tese, por associação ao seu autor.

Mas também estão bem uns para os outros: sobre a matéria de facto julgo que não há nada de substantivamente novo a dizer. Julgo que, de toda a multidão que já insultou Pinto da Costa no passado, não houve registo de ninguém que tenha escolhido as palavras estúpido ou parvo. Todo o aparelho do negócio do futebol está domado por ele até ao topo, e é por isso que tudo o que acontece se continua a passar na maior impunidade.

Por exemplo, a esmagadora maioria das pessoas que conhecem o caso Alves dos Reis dos anos 20 nunca perceberam o que lhe falhou: ele foi apanhado a meio caminho. Tinha as famosas notas mas estava a usá-las para comprar uma posição maioritária no Banco de Portugal. Logo que ali chegasse procederia à recolha das suas próprias notas e perder-se-ia o rasto da sua trafulhice e conseguiria o que Pinto da Costa tem: a impunidade.

Pinto da Costa é assim, sem lhe ser reconhecido o mérito, alguém que triunfou onde Alves dos Reis foi apanhado – e é este último (vejam como são as injustiças...) que vem no Livro Guinness de Recordes… Por isso, não há episódio que se torne público que envolva o suborno oculto ou descarado de qualquer árbitro que não resvale na couraça da sua indiferença… Embora também já tenha apercebido recentemente que não pode fazer bluff com todos os políticos...

Para mais, Pinto da Costa recebeu ainda mais recentemente o apoio de um constitucionalista (Gomes Canotilho) que disse umas coisas sobre a inconstitucionalidade de punir as fraudes desportivas que fazem parecer ao leigo, no contexto em que é dada a notícia, que a nossa Constituição tem por detrás dela um racional idêntico ao de alguém que acabou de tomar uma pastilha de LSD.

Assim, pelos vistos, se bem compreendi, na interpretação do distinto constitucionalista não se pode penalizar quem faça aldrabice com os resultados desportivos. O que, no fundo, até nem me surpreende. Somos um país que tem um historial de 70 anos de campeonatos de futebol. Venceram-nos o Belenenses (1 vez), o Boavista (1 vez) e todos os outros campeonatos foram vencidos pelos três clubes do costume e pretende-se que isso seja natural… Tanto como mandar uma moeda ao ar 20 vezes e cair 16 vezes do mesmo lado…

Entre os interesses de uns e os de outros, tenho alguma simpatia pelo procurador de Gondomar que, no meio de tanto emperro (de colegas, também...), se deve ter passado e começado a cometer asneiras que os outros depois aproveitaram… Quanto aos restantes, leia-se o título.

FORA DE ESTILO

Não faz muito o meu estilo usar o blogue para fazer recomendações de leitura, tipo polícia sinaleiro (para os que ainda se lembram dos cabeças-de-giz) de quem tem pouco tempo para seleccionar leituras.

Muito menos que proceda à recomendação de textos que não estejam escritos em português – aqui deve ler-se por prazer e nem todos lêem inglês e menos são ainda os que o lêem ludicamente. Mas este artigo de Niall Ferguson publicado no LA Times merece a excepção, apesar de se apresentar redigido num estilo hermético.

Apesar da sua formação de historiador e de, na minha opinião, andar demasiado preocupado em chegar a conclusões originais para vincar a sua carreira académica, este seu The Cash Nexus, publicado em 2001, demonstra-me que uma reflexão sua sobre os últimos comportamentos das bolsas valem muito mais do que os últimos relatórios sobre a evolução dos mercados das entidades do costume.

Como se percebe pela leitura do artigo, se estas últimas oscilações bolsistas forem o prenúncio de uma coisa grande, pode bem ser que, devido à interdependência que as economias atingiram com a globalização, a coisa grande se torne numa coisa mesmo em grande.

23 maio 2006

A ENTENTE CORDIALE E OS EGOS NACIONAIS

A este livro, onde a fotografia da capa é eloquente e o equivalente a vários capítulos sobre a sobranceria e o desdém com que os britânicos vêm os seus amigos do outro lado do canal, só lhe falta adicionar a palavra frog* escrita em algum lado.

Depois, mesmo com tanta petulância e superioridade, mesmo os ingleses precisam de comer (duas vezes ao dia, pelo menos), e aí é a vez dos franceses se desforrarem nos comentários aquela combinação de ingredientes que recebe o nome simpático (mas enganador) de culinária britânica...
Este poste até parece surgir a despropósito mas pareceu-me útil para recordar que há por aí muitos egos desmesurados para além do do Carrilho... E que se saúdam regularmente.

Esclarecimento: A capa retrata o Rainbow Warrior afundado, um navio da organização Greenpeace, onde foi colocada uma bomba numa operação secreta dos serviços franceses. Foi tudo descoberto e os espiões franceses foram presos e tratados como criminosos - o caso passou-se na Nova Zelândia.
* Sapo. Tratamento depreciativo dado pelos ingleses aos franceses por estes comerem coxas de rã.

PEQUENO TRATADO DE VOCABULÁRIO COLEGIAL

Não sei a origem das duas palavras mas sei que as aprendi, assim como os conceitos em que se devem empregar, quando estive no Colégio Militar. Trata-se dos verbos abardinar e avacalhar. O meu corrector automático do processador de texto, por exemplo, reconhece o segundo mas parece não fazer ideia do que seja o primeiro.

São termos próximos, o primeiro refere-se à mudança do teor de uma conversa pela utilização abusiva de palavrões ou grosserias (abardinar a conversa), enquanto o segundo tem uma conotação mais abrangente, de algo que, pelo seu comportamento geral, se torna impróprio. Mas as duas expressões podem ser empregues encadeadas: pode-se avacalhar uma cerimónia, abardinando o discurso, por exemplo.

Se o programa Prós e Contras de ontem na RTP1 teve vários momentos em que a conversa esteve para abardinar, o programa em si, na sua totalidade, foi um grande avacalhanço. Mesmo José Pacheco Pereira, que entrou em cena a fazer a cara do cow-boy que não quer participar na pancadaria geral do saloon, acabou por sucumbir ao ambiente geral e acabou a arriar porrada na vaidade infindável de Manuel Maria Carrilho.

Se as participações de Carrilho, Rangel e, por reacção, de Ricardo Costa não precisaram de um qualquer estímulo adicional, no caso de Pacheco Pereira e de alguns intervenientes da assistência, foi patente a necessidade de ver Fátima Campos Ferreira, revelando-se num insuspeito papel provocador à João Kléber*, a procurar estimular o discurso dos convidados e fazê-los dizer aquilo que eles precisamente queriam evitar dizer.

Foi penoso e cómico ao mesmo tempo. Terminou no mesmo ambiente de farsa em que decorreu, com Fátima Campos Ferreira a justificar, na sua derradeira intervenção, toda aquela peixeirada pelo propósito do esclarecimento dos portugueses. Fez tanto sentido, como se um programa de wrestling da SIC Radical contribuísse para a promoção da prática desportiva em Portugal…

Não havia necessidade, Fátima, não havia necessidade de que a própria moderadora avacalhasse assim tanto o seu próprio programa…

* João Kléber, estrela da TVI de origem brasileira, de um programa chamado Fiel ou Infiel, onde passa o tempo a provocar a indignação dos seus convidados.

22 maio 2006

CONSIDERAÇÕES SOBRE PLACAS INFORMATIVAS EM URINÓIS PÚBLICOS

(Um post com muitas fotografias mas com texto às mijinhas)
Esta é uma situação clássica, perfeitamente explicada, mas desnecessariamente humilhante para o utilizador macho que gosta de mijar de pé!
Esta já é destinada a acautelar intenções de utentes mais imaginativos, embora me surjam dúvidas sobre as duas últimas proibições: trata-se de uma proibição de beber água ou de vomitar? E o que é que se está à espera que exista naquelas águas para ser pescado?
Esta, é uma variação da anterior, muito provavelmente asiática, outras culturas com a curiosidade de proibir outros tipos de travessuras, de que vale destacar a mijadela do karateka.
Finalmente, embora compreenda a necessidade de um manual de instruções este é um dos casos em que isso se torna excessivo...
Imagens do site: www.placasridiculas.com.br

JOGOS COM FRONTEIRAS

Sempre guardei para mim a teoria que o ciclismo, apesar de ser um desporto popular, é uma modalidade com poucos adeptos genuínos em Portugal. As provas de ciclismo beneficiavam da circunstância de se disputarem em época de defeso de futebol, no pino do verão, o que lhes granjeava a atenção de todos as secções desportivas dos órgãos de comunicação social, que não tinham mais nada para fazer.

Por arrastamento, sempre considerei como sintoma de aproximação de época do defeso quando os assuntos a tratar na comunicação social, seja qual for a área, começam a sofrer abaixamentos de qualidade inexplicáveis e bruscos. Inexplicável é o tema do programa Prós e Contras de hoje que, depois da Grande Entrevista de outro dia, põe, mais uma vez em grande destaque na RTP aquele-senhor-que-escreveu-um-livro-a-dizer-que-a-culpa-não-foi-dele.

Eu bem sei que me estou a repetir. Quero frisar que a minha opinião crítica sobre os critérios de Judite Sousa se transfere inteirinha para Fátima Campos Ferreira. Também quero mostrar muito pouca tolerância para quem se anda a mostrar mais ingénuo do que aquilo que devia: bastava a José Pacheco Pereira ter recusado o convite que lhe fizeram e já não se sentiria nenhum gladiador.

Mas também quero confessar que eu faço tenção de ver o debate mas, sem quaisquer ilusões, pelas razões mais inconfessavelmente chineleiras possíveis. A mesma disposição que me levava a gostar dos Jogos sem Fronteiras da Eurovisão com os juízes internacionais, Gennaro Olivieri e Guido Pancaldi. Um outro sucesso do defeso!

Mas, não esquecendo o tema original, parece que, com debates deste tipo, esgotado o período dos congressos partidários, estamos chegados a um período de defeso da actividade política. Durante o próximo mês e tal aparentemente o que só vai dar mesmo é Campeonato do Mundo de Futebol.

NAS MÃOS DE QUEM?

Visto da perspectiva britânica, aquele período das guerras napoleónicas que medeia entre os finais de 1805 e de 1806 é um dos mais angustiantes na luta de morte de décadas travada entre o Reino Unido e a França Imperial.

Apesar de vencer em Trafalgar em Outubro de 1805, Lorde Nelson, o almirante britânico morreu na batalha e Napoleão alcançava em Dezembro de 1805 na Batalha de Austerlitz a mais célebre e celebrada de todas as suas vitórias.

Em Janeiro de 1806 morria o primeiro-ministro William Pitt (acima). Entretanto Napoleão começara a alterar o mapa da Europa conforme as suas conveniências. Em Setembro de 1806 era a vez de morrer Charles James Fox, o ministro dos negócios estrangeiros e líder dos whigs no parlamento.

É sob esta impressão de que nada está a correr bem para o seu lado que um anónimo britânico produz uma frase destinada a tornar-se célebre: A raça dos gigantes extinguiu-se; eis-nos nas mãos dos pigmeus.

Bem vistas as coisas, sabemos o resultado da história e que, da mesma perspectiva britânica, os pigmeus afinal conseguiram dar conta do recado e derrotar Napoleão. Mas a questão actual que se nos põe é diferente e mais perturbadora.

Dando de avanço que a raça de gigantes já está extinta há muito tempo, quando se pensa em personalidades como George W. Bush ou como Jacques Chirac, eis-nos nas mãos de quem?

PAROLES, PAROLES *

Devia correr para aí o ano de 1973 quando apareceu um hit musical, oriundo de França, um dueto cantado por Dalida ao mesmo tempo que Alain Delon declamava juras de amor eterno. As características mais peculiares da música eram a repetição até quase à exaustão do refrão (o título deste poste) e o sotaque carregadíssimo da cantora, de que mesmo os estrangeiros se apercebiam.

Diga-se de passagem que, numa confusão que acontece mais frequentemente do que se pensa, procurava-se conferir ao sotaque de Dalida um conteúdo erótico que, na minha opinião, nunca teve: erótico não tem o mesmo significado de exótico. E quanto a francês com sotaque carregado, nem nós sabíamos, em 1973, para o que estávamos guardados com um futuro primeiro-ministro e presidente português…

Mas falando de palavras, palavras, queria mencionar a que Marques Mendes insiste em afixar, congresso atrás de congresso na tribuna dos oradores: Credibilidade. Manda destacar aquilo e depois convida Alberto João Jardim para a estrutura dirigente do partido… Venha a Dalida!

* Palavras, palavras – no sentido de estás a dar música…

AS MULHERES AO PODER!

Há circunstâncias em que nos apercebemos de como a Europa é um continente permeável às modas. O que acontece num país tende a ser transposto para outro e esses dois servem de referência para um terceiro que os imita. Os alemães têm a sua Ângela Merkel no comando e os franceses deram em suspirar pela sua Ségolène Royal, a nova coqueluche socialista para as próximas presidenciais.

Por seu turno, nós portugueses, que já Eça descrevia como considerando que tudo o que viesse de Paris era chique a valer, passámos a encarar com outra seriedade as eventuais ambições políticas das raras mulheres em posições de destaque nesse campo. Basta ver a atenção com que se seguiu o comportamento de Manuela Ferreira Leite durante o congresso do PSD deste fim-de-semana.

Mas não é de Manuela Ferreira Leite, e sim de uma outra eminência feminina do PSD que quero falar: Paula Teixeira da Cruz, que, como vice-presidente, pareceu passar todo o congresso ao lado de Luís Marques Mendes como uma sombra, observando, analisando e aconselhando-o.

Pelo que se vê à distância de um ecrã, é de respeitar a determinação continuamente demonstrada por Paula Teixeira da Cruz. Posso falar mesmo em coragem, quando, por exemplo, aceitou fazer o contraditório de Miguel Sousa Tavares num programa de televisão da TVI.

Ora, para o auditório típico da TVI, ter razão não se associa a assuntos mas sim a pessoas: há pessoas que têm sempre razão e outras que estão sempre enganadas. E naquele programa, a estrela de televisão era evidentemente Miguel Sousa Tavares. E, contudo, Paula Teixeira da Cruz fê-lo, embora fosse a da telenovela.

Apesar de tudo, na minha opinião mesmo quando não fala na TVI, o handicap de Paula Teixeira da Cruz é a sua prestação televisiva. Há pessoas que têm um discurso muito assertivo, o dela é pior, é quase abrasivo, do tipo a palavra hesitação nem faz parte do meu vocabulário. Há pessoas que gostam, mas as que detestam, detestam-no visceralmente. Será que por ter consciência disso – hoje dir-se-ia Síndrome de Dick Cheney *– se esconde por detrás de Luís Marques Mendes?

Sejam quais for as ambições políticas de Paula Teixeira da Cruz, confesso haver uma única razão, completa e descaradamente subjectiva, para que não me agrade a sua ascensão aos lugares de topo da hierarquia do estado. Embora também não a possa culpar. Essa razão chama-se Paulo Teixeira Pinto e é marido dela. E acessoriamente, ocupa o lugar do topo da hierarquia do BCP.

É por causa dessa circunstância que, neste caso concreto, o slogan que dá título a este post podia sofrer um acrescento irónico: As mulheres ao poder… que os maridos já lá estão!

* Síndrome de Dick Cheney: manobra pela qual, reconhecendo-se a si mesmo uma fraca imagem mediático-televisiva, se selecciona alguém tendencialmente acéfalo mas com boas capacidades histriónicas para concorrer eleitoralmente como cabeça de lista. Nota: nunca a palavra “cabeça” se empregou num sentido mais irónico como neste caso.

21 maio 2006

MAIGRET ENCORE*

Um dos aspectos subversivos menos divulgados nos inquéritos do Comissário Maigret era a forma como ele não apreciava e procurava contornar as interferências dos juízes a quem competia dirigir formalmente os inquéritos que considerava ter a seu cargo.

A esse propósito, a imaginação de Georges Simenon criou a figura antipática do juiz Coméliau, alguém que sabia escolher muito bem as pessoas com quem se dava, que prestava uma atenção extrema aos aspectos exteriores da autoridade mas que era uma nódoa a compreender as subtilezas da alma humana, actividade em que Maigret se procurava exceder para a compreensão dos seus inquéritos.

Recorde-se que, devido às suas origens comuns, nestes aspectos formais, as justiças francesa e portuguesa são muito parecidas. E percebe-se, nas entrelinhas do que vem escrito nos jornais, quando não mesmo muitas vezes de forma explícita, que esta disputa entre polícias e magistrados é internacional e se prolongou, desde os tempos de Maigret, até aos nossos dias.

Um artigo do Público de hoje (21/05/06), na página 17, assinado por Tânia Laranjo, concentra-se num despacho de 46 páginas do procurador de Cascais. Do teor do referido artigo parece ser inequívoco que o despacho do procurador tem um conteúdo fortemente condenatório das iniciativas tomadas pela Policia Judiciária (PJ) no âmbito da investigação desenvolvida.

As investigações incidiram sobre as actividades desenvolvidas por um empresário da construção civil, Américo Santo de seu nome, e segundo se depreende da peça, o procurador está em completo desacordo com (sic) as conclusões dos inspectores da PJ, da Inspecção Geral da Administração do Território (IGAT) e até das Finanças.

Não fossem as maçudas 46 páginas e eu gostaria de ter acesso ao referido despacho, para extrair as minhas próprias conclusões. Há algo em toda a redacção da notícia que não lhe confere a credibilidade que deveria ter, a começar pela troca de nomes que o procurador sofre ao longo da notícia (Varela Martins ou Varela Santos?), continuando pela fotografia que a acompanha, um José Luís Judas que não tem nada a ver com aquela história, sendo o político envolvido (e ilibado no despacho) Jorge Coelho.

Mas, se for verdade aquele trecho em que o procurador é descrito como estando em desacordo aberto com os outros órgãos de investigação (PJ e IGAT) e acaba por tornar improcedentes os seus esforços, então temos (mais) um potencial caso judicial a merecer reflexão.

Na verdade, nem todos os investigadores são Maigrets e o procurador em questão tem toda a legitimidade para decidir como decidiu. Mas, repetindo-nos, a ser verdade, é de relevar a circunstância de ter sido a sua opinião exclusiva a vingar para que as actividades investigadas do empresário Américo Santo não contenham nada de relevante em termos de eventual procedimento criminal.

E, nos tempos que correm, a partir dos exemplos mais expostos mediaticamente (Souto Moura, António Cluny), não parecem estar a vigorar relações de grande confiança e respeito entre a sociedade civil e a classe profissional dos senhores procuradores…

* Ainda Maigret

O FESTIVAL DA EUROVISÃO

Nem de propósito, ontem, enquanto postava sobre France Gall e o Festival da Eurovisão de 1965, decorreu o de 2006 que, descobri depois, veio a ser ganho por uns senhores da Finlândia, com um aspecto grunho, muito pouco recomendável: A Bela e os Monstros, apartados por 41 anos. Mesmo de longe, tem sido engraçado acompanhar a evolução que o Festival tem vindo a sofrer ao longo dos anos. Desde o de 1965, que pode servir de exemplo perfeito de como era a cultura dominante do início. A frequência era a das boas famílias europeias dos bairros chiques (uma espécie de bairros do Restelo ou da Foz da Europa – os países da CEE original) e onde países como Portugal (e a Espanha) participavam quase a fazer figura de penetra. Actualmente, até já há eliminatórias porque o certame se democratizou e não comporta a inclusão simultânea de todos os países concorrentes e os países suburbanos (Lituânia, Turquia, Chipre, Israel) participam e, ousadamente, atrevem-se mesmo a vencê-lo! Claro que, entre a assistência dos países veteranos, é dominante a opinião que o Festival já não tem o glamour de outrora! É sabido que, na ausência de razões objectivas, a adopção de uma atitude snob assume uma importância determinante! Bem fazia Groucho Marx, que afirmava, sem receio do paradoxo, que não lhe interessava fazer parte de um clube selecto, que baixasse tanto os critérios de exigência nas admissões, que o aceitassem a ele como sócio…

20 maio 2006

POUPÉE DE CIRE, POUPÉE DE SON

As tecnologias têm permitido sofisticar as nostalgias. Há agora um site onde é possível encontrar toda a espécie de videoclips, alguns que nem sequer foram guardados dessa forma ou com esse propósito, como interpretações em Festivais da Eurovisão dos anos 60 e 70.

Foi lá que fui encontrar algumas canções do Festival de 1965, disputado em Nápoles, incluindo Simone de Oliveira cantando Sol de Inverno e uma moçoila espanhola cantando uma outra coisa do mesmo estilo. Mas a vencedora foi a canção do Luxemburgo, intitulada Poupée de cire, poupée de son interpretada por uma cantora bonitinha de 17 anos chamada France Gall.

É interessante comparar os videoclips da concorrente espanhola e de Simone de Oliveira com o da canção vencedora, e a forma como a própria realização dá realce à frescura, à beleza e à inocência (que não à voz, coitadinha, que a não tem) de France Gall. Não é muito arriscado dizer que esta canção só ganhou o Festival porque este era televisionado.

Rever estes episódios também é nostálgico por nos levar à época em que também nós éramos inocentes, não nos apercebíamos das manipulações a que éramos sujeitos e acreditávamos que o jogo era limpo e que uma boa canção portuguesa poderia um dia vir a ganhar o Festival.

OS ESPÁRTACOS* DE SÃO PAULO

A conhecida revolta dos gladiadores e dos escravos dirigida por Espártaco (na pessoa do actor Kirk Douglas) foi apenas o terceiro episódio (e o mais sangrento) de um conjunto de insurreições de escravos conhecidas pelas Guerras Servis.

Embora a expressão tenha sido gozada e usada como trocadilho por René Goscinny no seu Astérix: O domínio dos deuses **, as histórias das três grandes revoltas de escravos do período da República Romana (135-132 AC, 104-103 AC e 73-71 AC) nada tiveram de cómico. Muito pelo contrário. Mas a severidade da repressão não impediu o reaparecimento do mesmo fenómeno na geração seguinte.

São objecto de especulação da historiografia moderna sobre quais seriam as razões fundiárias, económicas e sociológicas que estariam por detrás da erupção a intervalos quase regulares (uns 30 anos), em regiões próximas (Sicília e sul de Itália) de revoltas de características tão similares.

Embora as explicações apontadas sejam variadas, e as sociedades da Antiguidade, no geral, não sejam conhecidas pela sua solidariedade para os que ocupavam as bases da pirâmide social, as razões parecem ter desaparecido porque não há registo de mais revoltas com as mesmas características durante o período imperial que se seguiu.

Para voltar a assistir a organizações estruturadas e numericamente numerosas de marginais é preciso chegar ao século III, quando, para além das muito mais famosas invasões dos bárbaros, os registos começam a evidenciar um progressivo decréscimo do volume de comércio, atribuído pelos contemporâneos à insegurança das vias de comunicação.

Há até quem considere que comece aí o processo de feudalização, porque se criam condições para que só o vizinho latifundiário, mais rico, consiga assegurar ao agricultor isolado a segurança que o estado central já não consegue estabelecer.

Esta pequena dissertação sobre o sucesso ou o fracasso do estado central da Antiguidade clássica e a sua capacidade de poder derrotar outros poderes que surjam dentro das suas fronteiras para o desafiar, surgiu-me a propósito do expressivo significado dos acontecimentos recentes em São Paulo.

É evidente que, os estados modernos, o estado brasileiro em concreto, dispõem das condições materiais para reagir a situações de desafio como as que foram colocadas pela liderança dos reclusos e vencê-las. O problema põe-se na pergunta seguinte, quando se quer saber se dispõem das condições políticas para o fazer.

Por um lado, não deixa de ser paradoxal que o fenómeno apareça agora, anos depois do fracasso de uma teoria política que postulava que as lutas se travavam ao longo das fracturas horizontais que criam nas pirâmides sociais das próprias sociedades. Parece ser isso mesmo o que está a acontecer agora no Brasil, só que, aparentemente, os revoltosos dispensam-se de grandes elaborações teóricas para justificar a sua conduta.

Nesse particular aspecto, fazem lembrar a simplicidade do fascismo de Mussolini que, à falta de um elaborado programa político, queria “governar a Itália”, o que, de facto, veio a acontecer. Só que em vez dos bairros das classes médias, os seus santuários ficam hoje nas favelas.

Só que, do outro lado e precisamente naquela região do Mundo, as chefias militares costumam indignar-se com muita frequência sempre que há “sinais de desrespeito” pela ordem estabelecida. E os tais bairros das classes médias gostam de segurança e o verde – ou o camuflado – são cores muito reconfortantes nesse aspecto.

No meio, anda um regime que, não jurando pela sua democraticidade, costuma escolher alguns dos seus representantes mais significativos recorrendo a actos populares de colocação de votos em urnas eleitorais. Mas parece que continua a haver algo de substantivo que precisa de mudar dentro da sociedade brasileira.

* O recurso à figura de Espártaco não se destina a demonstrar simpatia pelos revoltosos paulistas. Espártaco é uma personagem histórica, tornada simpática por Hollywood.

** - Toquem a Alerta! Isto é uma Guerra Servil! – diz o Centurião
- Pois sim, mas eles não são nada servis! – responde o legionário. (p.21)

19 maio 2006

A IMORALIDADE DE MICHAEL MOORE

Encarado de uma determinada perspectiva Michael Moore é uma espécie de Vasco Pulido Valente dos americanos: tudo o que produz destina-se a arrasar com a imagem dos compatriotas e, entre eles, há quem goste. É uma das raras perspectivas em que eu teria gostado de ser norte-americano: Moore tem montes de piada e Pulido Valente não, a não ser involuntariamente.

Uma das experiências que considero mais provocatórias de Moore foi a de ter ido para a rua fazer um inquérito de opinião, questionando os entrevistados sobre a resposta que os Estados Unidos deviam adoptar à atitude ameaçadora da Suécia. Segundo me recordo, 21% dos interrogados eram de opinião que o que se devia fazer era declarar mesmo guerra à Suécia!

Em função deste resultado, fiquei com a sensação que o prioridade máxima de qualquer país ocidental em termos de documentação, não será a obrigatoriedade da posse de um bilhete de identificação, ou mesmo de um título de porte de arma, mas antes a emissão para breve de um certificado de posse de cérebro que qualifique o titular a responder a sondagens de opinião.

Do ponto de vista estatístico, também foi importante detectar na opinião pública norte-americana um plafond mínimo, rondando os 20%, em que as pessoas interrogadas respondem não-interessa-o-quê desde que seja na linha John Wayne, a uma pergunta que desconfio nem tenham compreendido na totalidade.

Sem me querer imiscuir no pelouro do Margens de Erro, cuja participação aqui na blogosfera nunca é demais realçar, penso que será possível reinterpretar as últimas taxas de aprovação de George W. Bush, rondando os 30%, como uma aprovação de 10% dos 80% que perceberam o alcance da pergunta que lhes foi colocada…

DÓ SUSTENIDO

Este governo não é uma soma de ministros. É como uma orquestra. E há o maestro. Um grande maestro!, declarou Mário Lino à Visão.

A metáfora é poderosa! O que não evitou que o seu autor tenha dado cá uma fífia... – acrescentaria eu.

CONSTITUCIONALMENTE INCONSISTENTE

Sabe, quem tenha acompanhado, ainda que por alto, o blogue de Vital Moreira, que, quando se trata de verde (militares), ele tem a reacção irreprimível de ver tudo vermelho.

Aconteceu mais uma vez, a propósito da anunciada intenção de fundir os diversos hospitais militares num único estabelecimento que seja comum aos três ramos (exército, marinha e força aérea). O que me parece, de resto, tratar-se de uma medida equilibrada, lógica e defensável, tendo em conta as circunstâncias presentes.

Mas não os termos em que Vital Moreira a comentou no post, perguntando: "para que é que são necessários hospitais militares?" (Estivesse eu convencido que ele estava verdadeiramente interessado numa resposta e dar-lha-ia*) E remata: “A Constituição fala num único sistema nacional de saúde, sem discriminações nem privilégios” **.

Teria sido mais um poste típico de Vital Moreira (do tipo mencionado no primeiro parágrafo), não fora um seu leitor, Valter do Carmo Duarte, que lhe pegou na palavra, e que, numa carta que lhe endereça, querer levar a extinção dos privilégios à sua consequência final lógica: a extinção também da ADSE.

Aos alhos, Vital responde com bugalhos, recorrendo à questão do financiamento do SNS, que não tem nada a ver com o assunto original: os utentes que beneficiam da ADSE dispõem de melhores condições que a população em geral, isso é um privilégio e, como tal, para extinguir, usando as próprias palavras de Vital Moreira.

Interrogo-me se a resposta de Vital Moreira é intencional ou ingenuamente desonesta. Inclino-me decididamente para a segunda hipótese: não fosse assim, a carta de Valter Duarte nem teria aparecido no blogue. Mas nem isso me livra da espécie de arrepio que me percorre o corpo.

É uma sensação semelhante à de descobrir que o médico que nos anda a tratar tem três processos na Ordem dos Médicos ou que o comandante do avião onde estamos a viajar tem averbado três incidentes de voo recentes.

Vital Moreira era reputado como um constitucionalista… Ora isto é um exemplo claro de erro de análise causado por um facciosismo extremado para além do razoável. Pobre Constituição, que deve ter sido tão maltratada e bendita blogosfera, que nos permite ver e julgar, por nós mesmos, o que valem de facto os ícones da comunicação social.

* Uma visita aos hospitais militares norte-americanos onde, actualmente, estão internados os feridos da guerra do Iraque poderia mostrar a Vital Moreira a especificidade dos ferimentos e dos traumas adquiridos em combate. E o seu tratamento, bem entendido.

** Os realces a bold são do original.

18 maio 2006

POR ACASO NÃO HÁ AÍ ALGUÉM…?

O filme Airplane! (Aeroplano!) de 1980, tornou-se um ícone dos filme-catástrofe, mas no estilo cómico, a gozar como os filmes-catástrofe (Terramoto, A Torre do Inferno, Aeroporto, etc.) tão em voga naquela época. O trio por detrás da sua concepção, Jim Abrahams e os dois irmãos Zucker, era conhecido pelo engraçado acrónimo de ZAZ, as iniciais dos seus apelidos.

A história do filme é a de uma viagem de avião em que tudo corre divertidamente mal. Para o que me interessa chegamos até uma cena em que os dois pilotos desmaiam, por causa de uma intoxicação alimentar, e uma das hospedeiras (desempenhada por Julie Hagerty, uma actriz com uma voz dulcíssima) se vê forçada a tomar, discretamente, o lugar dos pilotos e a acalmar os passageiros:

- Queremos informar os senhores passageiros que estes últimos pequenos incidentes já se encontram resolvidos. Não há qualquer razão para alarme e esperamos que aprecie tranquilamente o resto do seu voo. – depois, adoçando a voz até ao insuportável – A propósito, há alguém a bordo que saiba pilotar um avião?
É esta mesma voz maviosa que se tem vindo a ouvir, discretamente, na pergunta que se tem vindo a pôr nos Estados Unidos e no resto do Mundo, como é que a potência dirigente pode vir a conduzir política e economicamente os destinos do Mundo durante os próximos dois anos e meio com aquela equipa que está instalada na Casa Branca?

É que a resposta mais óbvia – substituir George W. Bush – é também a irreflectida: o substituto seria o vice-presidente Dick Cheney! E nesse caso, seria preferível que a hospedeira - Condoleezza Rice – tomasse conta do avião! Com dois anos e meio de interregno pela frente é uma catástrofe, mas não é um filme, nem é cómico!

EU LI O CÓDIGO DA VINCI...

Deve haver alguma contradição enorme por detrás da enorme publicidade dada a uma notícia recente que anunciava que o filme do Código da Vinci tinha sido recebido em silêncio, com gargalhadas e com apupos no final da sua projecção no Festival de Cannes.

Num país indiscutivelmente republicano e democrático, que destaca e inclui no lema do seu regime a igualdade (para além da liberdade e da fraternidade), este desproporcionado significado atribuído à reacção de um escasso milhar de espectadores – se a sala isso comportar – só pode ser visto como uma deriva aristocrática.

Pelos vistos, é mais frequente do que parece que, entre a sociedade francesa, lhe fuja o pezinho para o chinelo, e todas as apregoadas virtudes republicanas se diluam num ambiente de intriga de corte, como as de Luís XIV ou Napoleão, onde pululam os gestos motivados pelos menos nobres dos motivos.

Só vejo razões menores, daquele tipo, para a desproporcionada importância atribuída pela média à opinião de uma escassa meia dúzia de gatos-pingados quando comparados com os milhões que se prevêem que o irão ver. E uma boa medida do sucesso ou do insucesso ver-se-á, depois, nos resultados de bilheteira.

Deixem-me confessar-vos que li e não apreciei o Código da Vinci. Naquele estilo, considero-o inferior aos livros de Frederick Forsyth, à maioria dos de Michael Crichton e a alguns de Tom Clancy. Quanto ao filme, não faço tenção de ir ao cinema para o ver. Mas reconheço que a adição do aspecto religioso à intriga trouxe à história uma notoriedade ímpar à escala mundial.

Atendendo ao ambiente que adivinho que se viva em Cannes, nem é surpreendente que a maioria dos espectadores não tenha gostado do filme. O que é ridículo é a facilidade com que os média se prestam a servir de caixa de ressonância aos cochichos de uma espécie de corte, petulante, dominada pelo despeito do predomínio mundial da indústria cinematográfica norte-americana.

Enfim, nestes eventos culturais, os média tornam-se uma espécie de ¡Hola! onde as fotografias – do mesmo estilo - são substituídas por críticas de cinema – de estilo igual. Há muitos jornalistas que parecem esquecer-se, nestas alturas, que o deslumbramento acrítico não é uma questão de substância (a duquesa chiquérrima...) mas sobretudo de atitude.

17 maio 2006

A CONTRIBUIÇÃO (INVOLUNTÁRIA) DE MAE WEST

A Mae West (1893-1980), a actriz norte-americana que ficou com o nome guardado para a eternidade nos coletes salva-vidas insufláveis da marinha (desnecessário será dizer porquê…), são atribuídas algumas frases emblemáticas, feitas de construções ambíguas. Algumas tornam-se evidentemente grosseiras*, mas não o pequeno trecho de conversa que pretendo citar:

- Meu Deus, como é bonito esse colar de pérolas que te deram!
- Acredita-me, Deus não teve nada a ver com isso…

West não devia estar a pensar nas fontes da legitimidade do poder, mas tanto a Revolução francesa como a americana, ocorridas sensivelmente um século antes do seu nascimento, haviam erradicado a ideia das suas origens divinas personalizadas no monarca.

Já estamos no século XXI, mas a atitude arrogante demonstrada por alguns dos nossos magistrados portugueses atinge contornos tais, que se torna pertinente perguntar se julgam que a expressão abreviada D.G. (Deo Gratia – pela graça de Deus) faz parte integrante do título das funções que ocupam…

Acreditem-me, Deus não teve nada a ver com isso…

* - Isso que tens aí no bolso das calças é uma pistola, ou estás só contente de me ver?

O MINISTRO QUE QUERIA SABER A MINHA OPINIÃO

Já passaram alguns anos e, antes que alguém largue mais algum apelo lancinante ao retorno de José Magalhães, deixem-me confessar-lhes que, durante uns meses, concordei em fazer parte de um painel cuja opinião era auscultada pelo Dr. Jorge Coelho, então ministro.

Com uma rotina semanal ou quinzenal (já não posso precisar), lá recebia o telefonema da praxe onde me eram colocadas um conjunto de perguntas da actualidade política, quer geral, quer mais directamente ligadas ao ministério de Jorge Coelho.

O que as perguntas tinham de peculiar era serem precedidas de considerandos. Não sei se eram elaboradas pelo próprio Jorge Coelho ou se apenas sofriam a sua supervisão, mas, na maioria das vezes, o considerando era redigido com uma tal orientação que responder ao contrário do que era esperado far-nos-ia passar por imbecis.

E a menina do centro de sondagens lá as trauteava. Concretamente, num assunto como o da falência da Swissair, a companhia de aviação suíça que havia sido eleita como parceira estratégica da TAP, a pergunta apresentar-se-ia mais ou menos assim “considerando que a falência da Swissair não era previsível, como julga o comportamento do governo no processo de redução dos prejuízos daí decorrentes para a TAP?

O governo, neste caso, era o ministro e o ministro era Jorge Coelho, autor, a propósito desse acontecimento, de uma das três intervenções mais imbecis produzidas por governantes depois do 25 de Abril de 74. Por ordem cronológica, mas não de imbecilidade, temos:

1)“As definições de fascismo”, um discurso de Pereira de Moura, logo em Maio de 74, onde se ficou a saber que fascismo era um conceito muito abrangente, incluindo a incompetência, a má educação ou a corrupção: "quando alguém vai a uma repartição pública e é mal atendido, isso é fascismo".

2)“As vantagens do colapso”, um discurso produzido por um secretário de estado, a propósito do colapso da ponte da Figueira da Foz escassos dias depois da sua inauguração, quando antecipou as vantagens dos postos de trabalho que teriam de ser criados para reparar a ponte.

3)“As liberdades contratuais”, uma análise de Jorge Coelho a propósito da referida falência da Swissair, quando a ausência de um montante indemnizatório no contrato foi considerado por ele como um factor muito positivo: assim a TAP ficaria com a liberdade de pedir a indemnização que muito bem entendesse.

Regressando às perguntas de (e para) Jorge Coelho colocadas ao tal painel de que eu fazia parte, apercebi-me que, com as perguntas formuladas daquele modo, o objectivo nunca podia ser o de colher uma imagem honesta (embora confidencial) da forma como a sua actuação era vista pela opinião pública.

Entre os que fazem batota, há aqueles que até fazem batota sozinhos, quando jogam uma paciência, por exemplo. Mas, destes, há ainda os mais refinados, os que a fazem, pretendendo para si mesmos que não a fizeram. Pelo exemplo, é o caso de Jorge Coelho.

Só assim se compreendem as intervenções de Jorge Coelho, na Quadraturadocírculo da SIC Notícias, quando os seus colegas manifestam preocupação por questões objectivas e ele responde constantemente com a imagem governamental que se tem mantido positiva nas sondagens. É como se fosse tudo um jogo, para ele as sondagens são mais do que um meio, são mesmo um fim.

Segundo sei, Paulo Gorjão, o programa foi pré-gravado, portanto conforme-se, o mal já está feito.

FELICIDADE!

Se querem fazer alguém tremendamente feliz então rebaptize-se o cargo desempenhado por Pedro Silva Pereira para Segundo-Ministro. Assim mesmo: Segundo. A coisa mais parecida com primeiro, mas que não fere susceptibilidades nem se presta a confusões hierárquicas.

16 maio 2006

SÃO PAULO

As imagens de violência que nos chegam de São Paulo têm muitas semelhanças com aquelas que nos chegam de Bagdade e seriam porventura muito parecidas com as que nos chegariam de Mogadishu, na Somália, houvesse algum interesse mediático em cobrir a guerra de guerrilha urbana que ali se está a travar.

A grande novidade dos acontecimentos de São Paulo, por oposição aos de Bagdade, ambos razoavelmente cobertos pelos média, é que os revoltosos não precisaram de fundamentar politicamente, ou de outra forma elevada, as razões da sua revolta. Os líderes de uma organização mafiosa foram transferidos de prisão, não queriam, opuseram-se e lançaram uma insurreição armada pela cidade.

Pudessem as organizações nacionalistas clandestinas dos anos 50 e 60 (como a FLN argelina ou o MPLA angolano) lançar uma insurreição destas na capital no seu tempo e teriam a guerra de subversão semi-ganha em menos de uma semana. O problema é que estes guerrilheiros modernos parecem não querer nada. Ou melhor, querem: que o poder de estado não os chateie e que os seus líderes continuem aprisionados, mas nos sítios onde eles gostam de estar. Um verdadeiro manifesto conservador, portanto.

O que nos leva a outro passo do nosso raciocínio: a de que existe um país – Brasil – maioritariamente administrado por uma entidade designada por República Federativa do Brasil que exerce a autoridade sobre a maioria dos brasileiros e onde há uma minoria que aceita essa autoridade ou não conforme as suas conveniências. Não está mal de todo, há países em África que já se deixaram dessas bagatelas dos estados centrais como é o caso da Somália.

Acontecimentos deste género atraem discursos catastróficos e apocalípticos assim como aquele produto começado por M atrai varejeiras. Mas é preciso reconhecer que há algo de profundamente desconfortável quando se está à beira de ter de recorrer ao exército – e este é um dos raros casos (contra subversão) em que a intervenção de um exército tem vantagens sobre a da polícia num problema de ordem interna – para a imposição da autoridade do estado.
Há muito tempo, o governo português fez isso e, naquela altura, aquilo era colonialismo. Há colonialismo brasileiro nas favelas de São Paulo?