04 maio 2006

JESSE JAMES E A EUROPA

Numa das histórias de Lucky Luke, o argumentista René Goscinny, põe na boca de um dos personagens, o bandido Jesse James, reputado por ser uma espécie de moderno Robin dos Bosques do Oeste, uma das frases mais castiças que recordo terem saído da imaginação de Goscinny:

- Gosto muito de assaltar comboios! Há muita gente nos comboios, ricos e pobres… e vários pobres, quando se quotizam equivalem a um rico…

É um raciocínio aparentado com este o produzido por Timothy Garton Ash, um historiador que muito prezo e que se encontra de visita a Portugal, no artigo da sua autoria hoje publicado no jornal inglês Guardian.

Intitulado “O que uma Europa maior precisa é de países pequenos capazes de pensar em grande *”, um tema a que julgo não ter sido indiferente a sua visita a Portugal, como se vem a notar, aliás, com a leitura do referido artigo, evocando, como seria de esperar, o glorioso passado do Portugal dos Séculos XV e XVI e todo o potencial da lusofonia.

Um aspecto curioso a que Garton Ash dá destaque e elogia é a adaptabilidade demonstrada pelo presidente da comissão europeia, Durão Barroso, que, segundo ele, pensa como um inglês quando fala em inglês e como um francês quando usa essa outra língua em constraste com a inflexibilidade dos seus antecessores.

O que, seguindo o mesmo raciocínio, não dará grande prestígio à expressão “pensar como um português” quando ele fala no seu idioma nativo. É que, saberá o Timothy, nós por cá temos uma certa dificuldade em considerar as capacidades camaleónicas de Durão Barroso como uma qualidade.

Imagine que nós até nos convencemos que ele tinha sido eleito por nós para primeiro ministro do governo português e que estava genuinamente empenhado em governar Portugal e resolver os nossos problema, conforme ele dizia...

Sinceramente, acaba-se o artigo de Ash e fica-se com a sensação de uma volta redonda em que não se percebe onde o autor quer chegar. Há realidades que são incontornáveis, como os interesses nacionais – e o autor sabe-o bem e já o demonstrou em inúmeros outros artigos que publicou anteriormente.

Como historiador, Ash deve saber muito melhor que eu que os pequenos países europeus só se comportaram como grandes quando tinham um país grande por trás a apoiá-lo ou quando possuíam um império comercial de além-mar que lhes multiplicava o potencial estratégico.

Nos bolsos de Jesse James, depois do saque, a junção dos haveres saqueados a vários pobres podiam valer o mesmo do que as posses roubadas a um só rico; mas na União Europeia, as confederações de interesses de vários estados pequenos não se podem equivaler aos interesses de um estado grande.

* What a larger Europe needs is small countries able to think big.

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