Um dos aspectos subversivos menos divulgados nos inquéritos do Comissário Maigret era a forma como ele não apreciava e procurava contornar as interferências dos juízes a quem competia dirigir formalmente os inquéritos que considerava ter a seu cargo.
A esse propósito, a imaginação de Georges Simenon criou a figura antipática do juiz Coméliau, alguém que sabia escolher muito bem as pessoas com quem se dava, que prestava uma atenção extrema aos aspectos exteriores da autoridade mas que era uma nódoa a compreender as subtilezas da alma humana, actividade em que Maigret se procurava exceder para a compreensão dos seus inquéritos.
Recorde-se que, devido às suas origens comuns, nestes aspectos formais, as justiças francesa e portuguesa são muito parecidas. E percebe-se, nas entrelinhas do que vem escrito nos jornais, quando não mesmo muitas vezes de forma explícita, que esta disputa entre polícias e magistrados é internacional e se prolongou, desde os tempos de Maigret, até aos nossos dias.
Um artigo do Público de hoje (21/05/06), na página 17, assinado por Tânia Laranjo, concentra-se num despacho de 46 páginas do procurador de Cascais. Do teor do referido artigo parece ser inequívoco que o despacho do procurador tem um conteúdo fortemente condenatório das iniciativas tomadas pela Policia Judiciária (PJ) no âmbito da investigação desenvolvida.
As investigações incidiram sobre as actividades desenvolvidas por um empresário da construção civil, Américo Santo de seu nome, e segundo se depreende da peça, o procurador está em completo desacordo com (sic) as conclusões dos inspectores da PJ, da Inspecção Geral da Administração do Território (IGAT) e até das Finanças.
Não fossem as maçudas 46 páginas e eu gostaria de ter acesso ao referido despacho, para extrair as minhas próprias conclusões. Há algo em toda a redacção da notícia que não lhe confere a credibilidade que deveria ter, a começar pela troca de nomes que o procurador sofre ao longo da notícia (Varela Martins ou Varela Santos?), continuando pela fotografia que a acompanha, um José Luís Judas que não tem nada a ver com aquela história, sendo o político envolvido (e ilibado no despacho) Jorge Coelho.
Mas, se for verdade aquele trecho em que o procurador é descrito como estando em desacordo aberto com os outros órgãos de investigação (PJ e IGAT) e acaba por tornar improcedentes os seus esforços, então temos (mais) um potencial caso judicial a merecer reflexão.
Na verdade, nem todos os investigadores são Maigrets e o procurador em questão tem toda a legitimidade para decidir como decidiu. Mas, repetindo-nos, a ser verdade, é de relevar a circunstância de ter sido a sua opinião exclusiva a vingar para que as actividades investigadas do empresário Américo Santo não contenham nada de relevante em termos de eventual procedimento criminal.
E, nos tempos que correm, a partir dos exemplos mais expostos mediaticamente (Souto Moura, António Cluny), não parecem estar a vigorar relações de grande confiança e respeito entre a sociedade civil e a classe profissional dos senhores procuradores…
A esse propósito, a imaginação de Georges Simenon criou a figura antipática do juiz Coméliau, alguém que sabia escolher muito bem as pessoas com quem se dava, que prestava uma atenção extrema aos aspectos exteriores da autoridade mas que era uma nódoa a compreender as subtilezas da alma humana, actividade em que Maigret se procurava exceder para a compreensão dos seus inquéritos.
Recorde-se que, devido às suas origens comuns, nestes aspectos formais, as justiças francesa e portuguesa são muito parecidas. E percebe-se, nas entrelinhas do que vem escrito nos jornais, quando não mesmo muitas vezes de forma explícita, que esta disputa entre polícias e magistrados é internacional e se prolongou, desde os tempos de Maigret, até aos nossos dias.
Um artigo do Público de hoje (21/05/06), na página 17, assinado por Tânia Laranjo, concentra-se num despacho de 46 páginas do procurador de Cascais. Do teor do referido artigo parece ser inequívoco que o despacho do procurador tem um conteúdo fortemente condenatório das iniciativas tomadas pela Policia Judiciária (PJ) no âmbito da investigação desenvolvida.
As investigações incidiram sobre as actividades desenvolvidas por um empresário da construção civil, Américo Santo de seu nome, e segundo se depreende da peça, o procurador está em completo desacordo com (sic) as conclusões dos inspectores da PJ, da Inspecção Geral da Administração do Território (IGAT) e até das Finanças.
Não fossem as maçudas 46 páginas e eu gostaria de ter acesso ao referido despacho, para extrair as minhas próprias conclusões. Há algo em toda a redacção da notícia que não lhe confere a credibilidade que deveria ter, a começar pela troca de nomes que o procurador sofre ao longo da notícia (Varela Martins ou Varela Santos?), continuando pela fotografia que a acompanha, um José Luís Judas que não tem nada a ver com aquela história, sendo o político envolvido (e ilibado no despacho) Jorge Coelho.
Mas, se for verdade aquele trecho em que o procurador é descrito como estando em desacordo aberto com os outros órgãos de investigação (PJ e IGAT) e acaba por tornar improcedentes os seus esforços, então temos (mais) um potencial caso judicial a merecer reflexão.
Na verdade, nem todos os investigadores são Maigrets e o procurador em questão tem toda a legitimidade para decidir como decidiu. Mas, repetindo-nos, a ser verdade, é de relevar a circunstância de ter sido a sua opinião exclusiva a vingar para que as actividades investigadas do empresário Américo Santo não contenham nada de relevante em termos de eventual procedimento criminal.
E, nos tempos que correm, a partir dos exemplos mais expostos mediaticamente (Souto Moura, António Cluny), não parecem estar a vigorar relações de grande confiança e respeito entre a sociedade civil e a classe profissional dos senhores procuradores…
* Ainda Maigret
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