30 junho 2007

DA ROUPA PRETA DE VITORINO À ESCRITA ÁCIDA DE VASCO PULIDO VALENTE PASSANDO PELOS ÓCULOS ESCUROS DE PEDRO ABRUNHOSA

Terá sido já há uns valentes anos que, numa entrevista, quando lhe foi perguntada a razão porque Vitorino aparecia sempre vestido com roupa preta e bóina, o cantor confessou que isso fora uma imposição da sua editora. Não jurarei pela veracidade da história, mas foram indiscutíveis os efeitos da sua difusão na carreira de um cantor que a fizera também à custa de uma imagem revolucionária…
Em contrapartida, segundo o que corre, parece não ser a editora de Pedro Abrunhosa que lhe impõe o porte continuado dos óculos escuros (nos formatos mais variados) que estão associados à sua imagem artística: segundo o convencimento geral é uma imagem deliberadamente cultivada por si, até às últimas consequências, mesmo as mais burlescas…
Depois de redescobrir na 5ª Feira passada, no Público, num texto muito engraçado a propósito (e em defesa) do cigarro, como é agradável ler algumas coisas escritas por Vasco Pulido Valente quando tenham um pH próximo de 7, descubro-me a perguntar-me se as suas tradicionais prosas ácidas de fim de semana no mesmo jornal serão uma imposição do editor ou se se tratará mesmo uma questão de culto da sua imagem artística

29 junho 2007

GREGÓRIO

O sucesso da escola franco-belga de Banda Desenhada que fez os sonhos de uma ou duas gerações de portugueses (onde me conto) acabou por desaparecer durante a década de oitenta. Ou, pelo menos, desapareceu naquele formato de revista semanal com histórias em continuação. Já li muitas explicações para que isso tivesse acontecido, tanto mais que, na origem (a Bélgica e a França), o sucesso do fenómeno havia começado uns vinte anos antes do português e terá tido no total uma duração de uns 30 a 40 anos…
Apercebo-me agora quanto aquele fenómeno era estritamente europeu, só que naquela modalidade de Europa que o general de Gaulle mais apreciava e que alguns franceses mais distraídos (como parecia ser o caso de Jacques Chirac...) ainda pensam que perdura: a França que dirige a Europa que os outros seguem… Num levantamento não científico, mas creio que representativo, contei que entre os autores de BD de que me lembrava daquela época daquelas publicações cerca de 40 eram belgas e mais outros 20 eram franceses. Fora isso, haveria uma dezena de outras nacionalidades.
Mais curioso e significativo, mais de 90% dos autores belgas que enumerei são francófonos e oriundos de Bruxelas ou da Valónia, quando apenas cerca de 40% da população total da Bélgica o são. Ora, regressando a uma das causas da explicação para o seu desaparecimento, além de outras razões geracionais e económicas, a verdade é que escola franco-belga de BD provavelmente acabou por implodir por não se ter expandido do seu núcleo francófono para abranger culturas dos idiomas dos países limítrofes (alemão, inglês, italiano, castelhano, holandês).
Mas uma curiosa consequência indirecta de tudo isso é que os autores estrangeiros do núcleo eram quase todos de uma qualidade superior, como é o caso do renomeado Corto Maltese de Hugo Pratt, para citar apenas um nome de exemplo. Ou melhor, dois. Porque este poste é dedicado às histórias de Gregório, uma criança traquina de uma família banal, nascida da imaginação do holandês Jan Kruis, e publicada no Tintin, cujas histórias são trocistas, mas sem vinagre em excesso, e cujo passar do tempo me fez descobrir que há pranchas de BD que lhe acontecem o mesmo que ao vinho do porto: melhoram com a idade…

28 junho 2007

QUIZ SHOW

Quiz Show é o título de um filme de Robert Redford de 1994, baseado nos acontecimentos associados a um concurso de televisão chamado Twenty One¹ que passava num canal de uma televisão norte-americana (mais precisamente na NBC) quase 40 anos antes do filme. O concurso incidia sobre os conhecimentos de cultura geral dos concorrentes – na realidade, conhecimentos de cariz enciclopédico… – mas a realidade que o filme expõe é que, por detrás de tanta erudição, os resultados de cada episódio do concurso eram fixados antecipadamente, com os concorrentes protegidos a receberem de antemão as respostas. Afinal, tudo aquilo não tinha sido concebido para ser um espectáculo?
Entre os factos reais que a história do filme contorna, existem os pormenores de que foram descobertas fraudes semelhantes às do Twenty One noutros concursos que os canais da concorrência passavam na mesma altura (como o da CBS - The $64,000 Question²) e que, dada a inexistência de legislação que condenasse especificamente a prática de falsificação de resultados dos concursos televisivos, os fundamentos para as condenações dos envolvidos no escândalo foram os perjúrios que eles haviam cometido previamente nos seus depoimentos ao tribunal. Aliás, ninguém de entre eles acabou por cumprir pena de prisão efectiva. As maravilhas do You Tube dão-nos agora a oportunidade de apreciar em primeira mão o episódio original do Twenty One onde os verdadeiros concorrentes Charles Van Doren e Herb Stampel (interpretados no filme por Ralph Fiennes e John Turturro) se defrontam, terminando com a vitória (que hoje sabemos ter sido arranjada…) do primeiro, derrotando Stampel que já havia acumulado uma fortuna (para a época) de 69.500 dólares. Repartido em três partes (aqui, aqui e aqui), o que mais me deixou surpreendido foi a péssima representação de ambos, a dar a perceber como os dois concorrentes (abaixo) haviam sido evidentemente instruídos para fasear as suas respostas de forma a causar mais suspense e impacto na audiência. Refira-se que as questões eram para ser respondidas a seco, i.e., sem alíneas de escolha múltipla e, que quem saiba as respostas a algumas das perguntas ali formuladas (como, por exemplo, os nomes e destinos da 2ª,3ª, 4ª e 5ª mulheres de Henrique VIII – na 3ª parte³), sabe que, quem saiba as respostas, seria muito improvável que as soubessem no formato e com as hesitações como os concorrentes responderam… ambos acertadamente! Que tremenda coincidência!... Desde então, suponho que já muito se progrediu em concursos de televisão. Os gostos populares trouxeram outros formatos mais populares e bastante menos exigentes (como é o caso d´O Preço Certo) aos horários nobres. Quanto aos concursos do tipo do Twenty One, que fazem apelo aos conhecimentos de cultura geral, acredito que eles continuam a ser devidamente geridos, mas de uma forma mais discreta e eficaz… Assim como a roleta do Casino tem a casa Ø para além das outras 36, a defesa da produção de qualquer concurso desse tipo é que não existe ninguém que possa saber tudo sobre tudo. Assim, quando quiserem substituir um concorrente, ao desenrascado esperto, por exemplo, podem fazer-lhe perguntas sobre assuntos eruditos (literatura ou pintura) enquanto ao erudito marrão saem-lhes sucessivas questões sobre assuntos ligeiros (telenovelas ou futebol)… Claro que eu não acredito em bruxas nem fiz contas rigorosas, mas um concurso como o Quem quer ser Milionário? (acima, num momento mais infeliz...), que tem versões em variados países, costuma ter um, e só um, vencedor que ganhe o prémio máximo por cada temporada... Normalmente o vencedor é uma pessoa regular, com quem a audiência se identifique, nada de um nerd pouco sociável, com uns dentes estragados e uns óculos espessos… mas que tenha uma cultura enciclopédica!... Afinal, há que nunca esquecer que o propósito final de tudo aquilo é apenas manter a audiência entretida e fazer publicidade, não consagrar o ego de alguém que se dispõe a ir para ali com a intenção de exibir os seus conhecimentos…
¹ Vinte e Um ² A Pergunta dos 64 Mil Dólares ³ Ana Bolena, executada, Joana Seymour, morta de parto, Ana de Cléves, divorciada e Catarina Howard, também executada.

27 junho 2007

OS COMETAS DA INFORMAÇÃO…

No calor das campanhas eleitorais e libertos de alguma hipocrisia inibidora que estava tradicionalmente a elas associadas, os comentários da blogosfera conjugado com o uso do You Tube trouxe novos motivos de interesse ao seu acompanhamento, nem que seja pelos aspectos pitorescos das galgas dos candidatos, como aconteceu recentemente com uma entrevista dada por Fernando Negrão, o cabeça de lista do PSD para a Câmara de Lisboa, ao Rádio Clube Português, onde se espalhou ao comprido...
Só que o resumo da entrevista (e sobretudo das galgasque se podem ouvir aqui), onde a EPUL é confundida com o IPPAR e depois com a EPAL tem de ser tão condenatório do entrevistado, Fernando Negrão, que se constata mostrar não perceber muito do que está a falar, como do entrevistador João Adelino Faria, que ouviu todos aqueles discursos absurdos (são dois...) sem que ao menos por uma vez interviesse a manifestar a sua estranheza pela falta de sentido dos conteúdos do que estava a ouvir. Eu bem sei que o alvo político a abater é Negrão, mas mesmo assim…
Já aqui manifestei pontualmente a minha estranheza sobre a fundamentação que catapultou João Adelino Faria da SIC-Notícias para cabeça de cartaz informativa do RCP. Também já li quem, aqui na blogosfera, compartilhasse do mesmo cepticismo. Isto de tornar excepcional quem de mediano não passa é o que se pode chamar (numa expressão que até há pouco esteve muito na moda) areia demais para a camioneta dele. Pela substância do que mostra saber, tratam-no como Estrela da Informação mas suspeito que não passa de Cometa

BENITO JUÁREZ

Em complemento ao já comprido poste de ontem, vale a pena mostrar duas representações do presidente Benito Juárez – de quem acabei por pouco escrever. Juárez era totalmente de ascendência índia, e os índios representavam o enorme sopé da hierarquizada pirâmide social mexicana. Contudo, como em muitas sociedades dominadas intelectualmente por sacerdotes, também no México a cooptação de jovens de origem humilde mas que se revelassem intelectualmente prometedores também era um possível meio de ascensão social.
Foi o que aconteceu com Benito Juárez, educado a expensas do patrão da irmã (que era cozinheira) quando os pais de ambos morreram e que depois prosseguiu os seus estudos no seminário, até vir a tornar-se num advogado. No entanto, como se percebe pelas diferenças entre o rigor da fotografia mais crua de cima e os retoques mais cuidados da fotografia abaixo, onde os olhos e o resto da fisionomia estão retocados por forma a tornarem-no mais caucasiano, a aparência verdadeiramente popular de Juárez era encarada de uma forma relativamente desconfortável.
A verdade é que, confessando-se conservadoras ou liberais, as elites mexicanas eram unânimes na manifestação do desprezo pelas classes camponesas pobres, mesmo que proclamassem, entre os seus princípios teóricos, a sua libertação. Paradoxalmente, a causa que os membros daquelas classes devem ter abraçado com mais entusiasmo, naqueles tempos, deve ter sido a do imperador Maximiliano. Como acontecia na Rússia czarista, por exemplo, Maximiliano chegou a ser verdadeiramente popular e objecto de devoção entre as massas e, muito possivelmente, teria derrotado Juárez numa eleição moderna, feita por sufrágio universal…

26 junho 2007

MAXIMILIANO & JUÁREZ

Há episódios da História Universal que se conseguem ler como se tratassem de histórias de um bom livro de ficção. Nem é preciso que o autor esteja inspirado para que a galeria das personagens seja preenchida com heróis trágicos, um vilão e verdadeiros momentos de tensão. O episódio que quero destacar aqui é a Intervenção Francesa no México, um episódio que durou de 1862 a 1867, contemporâneo, mas muito menos conhecido do que a Guerra Civil que se travou nos Estados Unidos (1861-1865). Uma palavra final de agradecimento é merecida para o grande produtor de todo o episódio, o imperador Napoleão III de França (1852-1870), de quem aqui já falei, personagem histórica que muito aprecio pelo seu percurso e que considero ser uma espécie de Santana-Lopes-bem-sucedido-à-escala-europeia-no-Século-XIX.
O acto preliminar da história começa em Julho de 1861, quando o governo mexicano resolve suspender os pagamentos externos dos juros dos empréstimos contraídos junto das potências europeias. A decisão afectava (por ordem decrescente de prejuízo) o Reino Unido, a Espanha e a França. Numa decisão muito pouco diplomática, mas muito corrente na época, os três países decidiram enviar contingentes militares para o México, num gesto de reforço de argumentação dos três delegados encarregados de negociar o reescalonamento da dívida com os mexicanos. É que uma das maiores fontes de receitas fiscais dos estados eram os direitos de importação das alfândegas e os europeus ocuparam o porto e a alfândega de Veracruz, cativando as receitas, precisamente no sítio por onde passava a maior parte do comércio do México com o exterior.

De uma gigantesca operação de cobrança coerciva (Janeiro de 1862), a conjugação de vários factores fez com que tudo se transformasse, pela inspiração de Napoleão III (abaixo), os desejos dos conservadores mexicanos e uma grande dose de ingenuidade de um arquiduque austríaco apropriadamente destinado a um fim trágico, num grande enredo romântico. Tanto os britânicos como os espanhóis (que, recorde-se, ainda eram a potência colonial na vizinha Cuba) rapidamente se aperceberam que os franceses se estavam a entusiasmar demasiado e retiraram as suas tropas três meses depois (Abril de 1862). Mas os dados pareciam estar lançados, com os franceses a acreditarem nos seus próprios mitos de que o seu exército, vitorioso da Guerra da Crimeia (1854-1856) e da Guerra da Independência Italiana (1859), era o mais eficiente do mundo.
Essa reputação dos franceses foi completamente posta em causa quando fracassaram na conquista da cidade de Puebla, fornecendo uma vitória moral aos republicanos liberais mexicanos (Maio de 1862). É que, entretanto, a presença francesa acabara por ser utilizada como um factor da disputa (tradicionalmente musculada…) entre liberais e conservadores mexicanos. Mas houve que esperar todo o resto do ano de 1862 para reforçar o corpo expedicionário francês, enquanto o arquiduque Maximiliano (irmão do imperador austríaco Francisco José e genro de Leopoldo I, rei dos belgas) vacilava quanto à aceitação do título de imperador do México que lhe vinha a ser proposto pelos conservadores mexicanos. Entretanto, 1862 havia sido o ano da Guerra Civil Americana em que o Norte obteve a primeira vitória significativa, embora as suas tropas estivessem nessa altura estrategicamente na defensiva (em Antietam, em Setembro).

Em 1863, a campanha foi relançada pelo general Bazaine com os reforços entretanto chegados e que nunca chegaram a atingir, no total, os 40.000 efectivos. As suas tropas capturaram a cidade de Puebla quase precisamente um ano depois do fracasso anterior, após um cerco de dois meses. E em 7 de Junho de 1863 o exército francês entrava triunfalmente na capital, na Cidade do México. Contudo, eloquente do estilo da guerrilha que se travava então no México, data dessa mesma altura (Abril de 1863) o episódio de Camerone, onde uma companhia da Legião Estrangeira francesa se viu cercada por três batalhões mexicanos, com os legionários a baterem-se literalmente até ao último homem como preconizava o romantismo da época (houve apenas 6 sobreviventes – 3 deles feridos – entre os 65 participantes).
É no mínimo bastante engraçado verificar como muitas das advertências naquela época dirigidas aos franceses, quer sobre a insuficiência dos seus efectivos para se defrontarem contra uma guerra de guerrilha (na altura ainda não se empregavam os termos subversão e contra-subversão) num território demasiado vasto, hostil e distante, quer sobre a própria condução política dos assuntos mexicanos, provinham de comentadores de origem britânica e norte-americana, precisamente numa situação simétrica à que veio a acontecer 140 anos depois, quando da invasão do Iraque em 2003… Uma Junta conservadora sob a supervisão francesa proclamou o Império do México em Julho de 1863, cuja coroa foi oferecida a (e aceite por) Maximiliano em Outubro de 1863. Entretanto os dignitários da República Mexicana (Benito Juárez) haviam-se refugiado no Norte do país…

Contudo, Maximiliano (abaixo) só chegou ao México sete meses depois, nos finais de Maio de 1864. Por essa altura já o general Grant (que viria a ser um decisivo opositor à presença francesa no México) já havia sido nomeado Comandante dos Exércitos da União e a vitória dos federais na Guerra Civil era tida por certa: em Setembro de 1864 as tropas do general Sherman conquistavam Atlanta na Geórgia. Do outro lado do Rio Grande, as tropas francesas, as tropas imperiais mexicanas e as unidades de voluntários europeus continuavam a expansão da autoridade do império embora a segurança das comunicações continuasse precária. Não é de estranhar que os últimos redutos republicanos se situassem no extremo norte, junto à fronteira com os Estados Unidos, nem que as nacionalidades dominantes entre os voluntários europeus fossem as de origem do imperador (austríaca) e da imperatriz (belga).
A Guerra Civil norte-Americana terminou em Abril de 1865. O presidente Abraham Lincoln morreu assassinado nesse mesmo mês e a facção moderada da sua administração, liderada pelo Secretário de Estado William Seward (que também fora alvo de um atentado planeado simultaneamente com o de Lincoln), que se responsabilizara pelas subtilezas diplomáticas vigentes durante toda a Guerra (que induzira o Reino Unido e a França a não reconhecerem a Confederação, por exemplo), perderam grande parte da influência para a abordagem dura protagonizada pelos generais vencedores. É assim que os franceses se deparam com um importante contingente militar sob o comando do general Sheridan no Texas, na fronteira com os Estados Unidos, a partir do Verão de 1865. As perspectivas de que Napoleão III mandasse os franceses retirarem-se aumentaram exponencialmente.

Em mais um gesto trágico e romântico que embeleza toda a história, foi para o evitar que a imperatriz Carlota partiu para a Europa, apelando às cabeças coroadas do velho continente – nomeadamente a Napoleão III – que sustentassem o trono do marido. Ao fazê-lo, a imperatriz começou a manifestar sintomas de paranóia, nomeadamente numa audiência em Roma com o papa Pio IX. Sem solução política à vista, e apesar de inúmeros adiamentos e pretextos (como os que agora George W. Bush anda a fazer), em Maio de 1866 Napoleão III anunciou uma retirada faseada do corpo expedicionário francês a ter lugar em três fases: Outubro desse ano, Março e Outubro de 1867. Como é normal e compreensível, esses anúncios afectam significativamente a disposição das tropas combatentes no terreno e foi isso mesmo o que aconteceu no México.
Napoleão III nem chegou a cumprir o calendário que anunciara e, moralmente destroçados e diante de soldados devidamente abastecidos pelos norte-americanos em armamento, os símbolos de autoridade do Império do México (cuja bandeira se vê acima) desagregaram-se a um ritmo progressivamente mais acelerado. Ao contrário dos conselhos realistas de Napoleão III, Maximiliano, de uma consciência romântica dos seus deveres até ao fim, ficou no México e foi cercado em Querétaro (Fevereiro), capturado (Maio), julgado, condenado à morte e executado (19 de Junho de 1867), com as suas últimas palavras a destinarem-se a sua mulher Carlota. Tradicionalmente, as últimas linhas de toda esta grande história romântica e, ao mesmo tempo, trágica ficam sempre guardadas para o destino da ex-imperatriz Carlota, que sobreviveu 60 anos ao marido sem jamais recuperar a razão...

25 junho 2007

OS MICRO-ESTADOS EUROPEUS – MÓNACO

O Mónaco nem chega a ser um estado muito pequeno, é literalmente o micro-estado: com os seus 3,18 Km de largura máxima, se sairmos para passear e mesmo que andemos na maior das calmas, ao fim de uma hora e se não voltarmos para trás, estamos em França… A área total do país não chega a 2 Km.² (1,97) e mesmo assim, cerca de 20% dela resultam de aterros ganhos ao mar. De um lado fica uma fronteira terrestre de 4,4 Km com a França e de outro a costa mediterrânica, que se prolonga por 4,1 Km.
Entre uma população extremamente cosmopolita (estava cifrada em 32.000 habitantes no recenseamento de 2000), contavam-se 6.100 nacionais (19%), 10.200 franceses (32%), 6.400 italianos (20%), 1.700 britânicos (5%), 900 suíços (3%), 800 alemães (2,5%), 800 belgas (2,5%)… O Mónaco é, desde há muito, reputado por ser um país muito benevolente com o regime fiscal que aplica àqueles que residem (ou assim se registam*) no seu território. É um país rico porque é habitado por pessoas ricas.

A História medieval do Mónaco é desinteressante, parecida com a de muitos pequenos feudos que existiam por toda a Itália. Durante bastante tempo esteve dependente da importante cidade de Génova, célebre pela rivalidade comercial no Mediterrâneo com a de Veneza. A outra potência que servia aos senhores locais de equilíbrio contra a influência genovesa era a França: no Século XVII, Luís XIV, o famoso Rei-Sol de França, era o padrinho do príncipe Luís I do Mónaco (1662-1701).

O Mónaco nunca foi importante, mas começou a adquirir notoriedade em meados do Século XIX, quando se começou a divulgar a actividade do turismo entre os extractos mais elevados da sociedade e a explorar as condições de autonomia legislativa que o Mónaco possuía. Fazer lóbi para que se abrisse um Casino tinha muito mais possibilidades de sucesso no Mónaco do que em Paris e foi isso veio mesmo a acontecer em 1856, com a concessão dos jogos a dois franceses, Langlois e Aubert.
Em 1861, com a unificação italiana e a alteração das fronteiras franco-italianas com os contornos que hoje têm (a cedência da Sabóia e da região de Nice à França), o Mónaco caiu definitivamente sob a influência francesa. E em 1863 a Societé des Bains de Mer** procedia à inauguração do hoje famosíssimo Casino de Monte Carlo (acima). Economicamente, as receitas fiscais do jogo permitiram que viesse a existir no principado uma carga fiscal muito ligeira sobre os habitantes, precursora da situação actual descrita acima.

Em 1918, houve uma crise de sucessão dinástica, cujos detalhes teriam feito as delícias dos tablóides contemporâneos. Em poucas palavras, o príncipe reinante estava velho (Alberto I tinha 70 anos) e o príncipe herdeiro, então com 48 anos, e que viria a ser o príncipe Luís II (1922-49), não tinha descendentes legítimos o que, de direito, tornaria no herdeiro do trono futuro um dos seus primos, de uma casa ducal alemã, coisa que a França nunca estaria disposta a tolerar – recorde-se que se estava em plena Primeira Guerra Mundial…

Para contornar o problema, que faria com que a França anexasse o Mónaco se a isso tivesse de chegar, houve que legitimar e colocar na ordem de sucessão ao trono uma filha – Carlota – que o herdeiro Luís tivera com uma cantora, enquanto cumpria o serviço militar no exército francês e estivera colocado na Argélia... Feito isso, a princesa foi casada com um conde de Polignac, de uma família da velha nobreza francesa, de quem teve dois filhos, um dos quais veio a ser o príncipe Rainier III (1949-2005).
O Mónaco mantivera-se sempre na crista da onda quanto a estar na moda e à criação dos eventos que se tornaram indispensáveis para a sua notoriedade e prosperidade. No automobilismo, por exemplo, 1911 foi o ano da realização do primeiro Rally de Monte Carlo e o inconfundível e popularíssimo Grande Prémio do Mónaco (que se disputa num circuito urbano, traçado nas ruas do principado - acima) começou-se a disputar a partir de 1929. O AS Mónaco FC, hoje um dos maiores clubes franceses, data de 1924.

Depois da Segunda Guerra Mundial o turismo tendeu a banalizar-se cada vez mais e tornou-se importante para o Mónaco a captação do turismo de luxo norte-americano numa Europa então empobrecida. É nesse quadro que se compreende a organizaçõas do grande evento que foi o casamento do príncipe reinante (Rainier III) com uma estrela de cinema norte-americana, Grace Kelly. Foi uma forma simples, mas eficaz, de concentrar as atenções das revistas de mexericos (tipo ¡Hola!) no principado.
Para comprovar o sucesso da contínua campanha publicitária do Mónaco experimente-se fazer uma sondagem nas frequentadoras dos cabeleireiros sobre a identidade dos monarcas e a composição das casas reais das monarquias e ver-se-á como, depois da britânica e talvez da espanhola, a do Mónaco precede todas as outras europeias em notoriedade - Suécia, Noruega, Dinamarca, Bélgica, Holanda, para não mencionar as não europeias como as do Japão, Tailândia, Marrocos ou Jordânia…
Curiosamente, a especialidade que costuma manter a casa real monegasca nos cabeçalhos das revistas de mexericos – vida sentimental atribulada – é uma actividade em que a família Grimaldi de há muito se especializou: tem-se descoberto ao príncipe actual, Alberto II (acima), uma colecção de filhos ilegítimos e a sua irmã mais nova (Estefânia) tem uma interessantíssima vida sentimental, mas já a avó deles, Carlota (a tal que fora legitimada), tivera por amante (entre outros) o ladrão de jóias (reformado) René la Canne, para não contar as interessantes histórias da tia e da trisavó

* É o caso de algumas vedetas de várias modalidades do desporto profissional, que estando a competir à volta do Mundo, apenas ali têm o seu domicílio fiscal e raramente lá se encontram.
** Sociedade dos Banhos de Mar

24 junho 2007

A TERCEIRA GUERRA MUNDIAL, GANHA POR BLAKE & MORTIMER

As histórias de Banda Desenhada de Blake & Mortimer podem ser vistas como a versão adulta das aventuras de Tintin. O seu criador Edgar Pierre Jacobs, belga e nascido em Bruxelas como Hergé, o criador de Tintin, e que fora cantor de ópera (!) até aos 36 anos, vira-se forçado pelas circunstâncias da vida, a arranjar outra ocupação por causa da Segunda Guerra Mundial (1940) e acabou por se virar para a ilustração.
Entre os seus primeiros trabalhos contaram-se os de terminar as histórias de Flash Gordon que estavam a ser publicadas nos suplementos jornais belgas, depois dos envios dos originais terem sido suspensos devido à entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial (a Bélgica, ocupada pelos alemães, estava do outro lado). Durante esses anos, Jacobs também foi assistente de Hergé.
Mas o carisma adquirido pelas suas aventuras de Blake & Mortimer (como se vê acima), aparecidas logo a seguir ao fim da Guerra, em 1946, parece ser consequência de as mesmas serem dirigidas a um público mais crescido e mais sofisticado do que aquele a quem eram tradicionalmente dirigidas as produções de BD da época. Uma das imagens de marca das aventuras dos dois heróis é o rigor das especulações científicas.
Só essa reputação justificaria a presença de Blake & Mortimer na capa de uma revista de divulgação científica séria como a Science & Vie (acima)… Confesso que, sendo A Marca Amarela (1953) considerada como a aventura mais emblemática do autor (como se percebe pelas duas fotografias acima), o meu favoritismo aponta para a história inaugural da dupla O Segredo do Espadão, publicada em dois álbuns a partir de 1946.

Ao contrário das carreiras tradicionais dos autores, onde as obras se sucedem num crescendo até uma obra épica, na de Edgar P. Jacobs sucede precisamente o contrário, a aventura inicial é a mais épica de todas, onde a história é uma reencenação descarada da Guerra Mundial que acabara de terminar, com os alemães substituídos por um império amarelo, cuja capital se situa em Lhassa no Tibete.
Nesta Terceira Guerra Mundial, os amarelos* acabam por conquistar todo o Mundo, transformando a ocupação que Jacobs vivera em Bruxelas num fenómeno mundial. Há a resistência, de que Blake & Mortimer são dois dos expoentes maiores e também há o colaboracionismo, de que o Coronel Olrik (um europeu de origem indeterminada ao serviço dos amarelos**) é um dos fantasmas…
No fim, tudo acaba em bem, com a prodigiosa prestação do Espadão, a espantosa máquina concebida pelo professor Mortimer para a redenção da humanidade. Nunca mais Jacobs poria os seus dois heróis a realizarem feitos tão grandiosos! Mas também há que não esquecer que a última imagem da aventura é a dos dois heróis a falar de reconstrução tendo como fundo uma Londres devastada pelas bombas…

* As manifestações de racismo e de correcção política em 1946 ainda tinham muito que progredir…
** Destinado a ser o vilão de serviço em quase todas as aventuras futuras.

23 junho 2007

O PERIGO DE QUE OS RICOS NÃO SEJAM SUFICIENTEMENTE RICOS


Reconhecidamente, somos um povo geneticamente invejoso para com aqueles que se distinguem. Mais do que isso, entre nós admitimo-nos como tal, embora possamos complementar essa observação com a constatação de que não seremos o único povo do mundo onde esses maus instintos se verificam. Além disso, também é verdade que os comportamentos da nossa e de todas as sociedades, quando colectivos, não são fenómenos que primem pela moral e pelo racional.

O que poderia ser mais racional é o artigo de um jornal de economia, onde se explora esse aspecto geral da nossa inveja colectiva pelo sucesso e se o transpõe para o caso particular dos lucros elevados das empresas que tendem, segundo o autor, a ser vistos – segundo muitas opiniões publicadas – como moralmente condenáveis, o que é um entendimento perigoso. O título do artigo é Lucros Malditos, vem publicado no Diário Económico, e o seu autor e das palavras citadas acima é Vítor Bento.

Uma das características destes textos é que eles parecem pretender tratar das grandes causas da economia (não é possível aceitar a economia de mercado e pretender usufruir das suas virtudes sem aceitar as suas regras e a sua moral) mas a verdade é que, à proximidade, se revelam, substancialmente, textos ideológicos e da ideologia ultra-liberal mais pura e sem gelo. O que me aborrece sobremaneira, por se camuflarem naquilo que não são e parecerem tentar iludir quem não conheça o assunto.

É que frases como A procura do lucro estimula a empresa a servir melhor os clientes, porque quanto melhor os servir, mais clientes espera ter e quantos mais tiver, mais lucros espera obter parecem ser daquelas platitudes muito simétricas às pretensões que se deve pôr fim à exploração do homem pelo homem que são típicas do espectro político oposto. Em doutrina, é evidente que as empresas desejam captar-me como cliente e servir-me bem, como suponho que ninguém aprecia ver gente explorada…

O azar é que os exemplos retirados dos mercado de concorrência perfeita, modelares, bacteriologicamente puros, raramente são problema: não são excessivamente regulamentados e o acesso (e a saída) da actividade não têm obstáculos. Quando uma actividade regista lucros elevados essa actividade tende a ter mais concorrentes, conforme postula a teoria. Alguém se lembra da profusão de Croissanteries que houve em Portugal na década de 80? Já repararam como agora pululam por aí Ópticas e Mediadoras Imobiliárias?

Mas os exemplos mencionados no artigo por Vítor Bento não são de actividades deste género: foi a bancária (claro está) ou a das telecomunicações (TLP). Ora, não se funda (ou fecha) um banco ou um operador de telecomunicações com a simplicidade com que se faz isso com o café (ou a Croissanterie) da esquina… Nos dois casos mencionados, trata-se de negócios em que as suas próprias características conduzem a que haja apenas um punhado de empresas que dominam a actividade - um oligopólio.

É muito antiga, não é portuguesa, nem tem pretensões a ser doutrina económica, mas Vítor Bento conhecerá, com certeza, a anedota em que se pergunta qual o negócio mais rentável do mundo? É uma companhia petrolífera bem gerida. E o segundo negócio mais rentável? Uma companhia petrolífera mal gerida… Cínica, há muito de verdadeira na conclusão que dela se extrai que a rentabilidade e os lucros que se obtêm de uma empresa dependem fundamentalmente do ramo de actividade em que opera.

Vigorassem verdadeiramente naquelas duas actividades as condições de mercado de concorrência perfeita que Vítor Bento evoca, sem explicar que ali não se aplicam, e tenho a certeza que ele não teria que se preocupar com as muitas opiniões publicadas, que lhe parecem miserabilistas quanto às dimensões dos lucros… Porque os perigos actuais, a havê-los, parecem-me não ser aqueles que menciona, mas sim casos como o do defunto Édouard Michelin que depois de anunciar lucros recordes nas suas empresas, anunciava em Setembro de 1999 a supressão nelas de 7.500 postos de trabalho…

Uma nota final, mas importante, referindo que tratando o artigo dos lucros elevados, de que um dos exemplos mais relevantes tem sido o caso da banca, teria sido curial que Vítor Bento também se tivesse identificado no final do mesmo, para além do seu cargo de Vice-Presidente do Fórum para a Competitividade, como o Presidente da Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS). É que a competitividade é factor muito importante para a geração de lucros, mas este seu segundo cargo teria sido talvez muito mais importante para percebermos a fundamentação de toda a sua opinião…

22 junho 2007

75% DE CARNE MAGRA

Declarei aberto o período de perguntas (...).
– Que quer dizer com isso,
ilegal?
Atenuei a resposta.
– Ilegal na prática – respondi – As salsichas de porco deverão conter 75% de carne de porco magra e o mesmo acontecerá com as salsichas de vaca.
Um tipo do
The Sun perguntou se as salsichas de vaca deverão também conter 75% de carne de porco magra. É o típico correspondente de antecâmara. Se fosse o único inscrito num concurso de inteligência, ficaria em terceiro lugar (…)
Relato de James Hacker, candidato a primeiro-ministro (Yes, Prime Minister, p. 59)
O Público teve anteontem um verdadeiro momento The Sun. A história é breve de se contar. A Nova Democracia, o partido de Manuel Monteiro, teve um daqueles momentos de demagogia ignorante, infelizmente tão frequentes na actividade política partidária portuguesa e vai de criticar a nomeação de um embaixador para as Seychelles enquanto se fecham consulados nos países europeus. E o Público publicou a notícia indignada e inteirinha, com isco e anzol...
Deve ter sido um fartote de riso no Ministério dos Negócios Estrangeiros, com os dirigentes da Nova Democracia e os jornalistas do Público a demonstrarem que percebiam tanto do assunto da nossa rede de embaixadas e consulados no Mundo como o correspondente do The Sun percebia da composição das salsichas com o inconveniente adicional de que os segundos nem sequer terem feito as perguntas que deviam: o embaixador das Seychelles reside no Quénia e acumula funções com uma porção de representações noutros países da África Oriental.
Não tendo a ousadia de Hacker de os classificar a uns e outros em concursos de inteligência virtuais, reconheço todavia que o Público tem momentos ímpares que são só seus: foram os do dia seguinte (ontem), na patética tentativa de transferir a responsabilidade da galga para a Nova Democracia, autora do comunicado original. Interiormente, o jornal reconhece o erro, utilizando a palavra erradamente no cantinho inferior da 27ª linha das 30 de uma notícia estreitinha da página 12. Exteriormente, as censuras, na última página, vão todas para Manuel Monteiro (que até aparece em fotografia na rubrica dos que estão em baixa) e para o seu partido, terminando-as assim: O PND, esse, devia fazer melhor política

Isto é o que se chama ter superioridade moral para fazer recomendações…

Nota: Enviei o poste para o Provedor do leitor do Público, não se dê o caso de ele estar desprovido ou de lhe faltar provisão de assuntos que tratar. A ver se a inspiração provê Rui Araújo de algum comentário sobre um incidente em que, pela aparência, no Público não há quem queira assumir as responsabilidades pela publicação de uma notícia ridícula, nem as saiba distinguir de publicidade ou de tempos de antena – os casos em que a responsabilidade dos conteúdos não é do jornal.

21 junho 2007

A PLANIFICAÇÃO DA OPERAÇÃO OVERLORD (6 DE JUNHO DE 1944)

Durante a Segunda Guerra Mundial, a preparação técnica da invasão aliada à Europa continental foi inicialmente confiada em Dezembro de 1942 a um órgão que veio a ser baptizado com o nome de COSSAC (Chief of Staff Supreme Allied Command). Durante o ano de 1943, os quadros do COSSAC, chefiado por um general britânico, Frederick Morgan (abaixo) como Chefe de Estado Maior, mas à espera de Comandante-Chefe, esteve a desenvolver um importante e gigantesco trabalho (que é pouco conhecido) de preparação sobre o desembarque que viria a ter lugar.
É verdade que uma esmagadora maioria dos meios que viriam a ser necessários ou ainda não existiam (os navios de desembarque, os aviões de bombardeio, etc.) ou estavam em processo de formação (os soldados das divisões que viriam a participar na invasão ainda estavam a cumprir as suas recrutas). Mais: havia pormenores, como o dos portos artificiais Mulberry, que apoiariam logisticamente a invasão, que ainda não haviam saído da prancheta dos desenhadores. Mas muitos outros aspectos podiam ser discutidos – como o local do desembarque, por exemplo.

No debate entre as equipas constituídas para defender cada zona de desembarque, a Holanda foi eliminada por causa das inundações que os alemães poderiam causar e que facilmente isolariam o corpo expedicionário aliado e as praias belgas também foram excluídas por causa da violência das correntes costeiras. Em França, a região do Pas-de-Calais, a mais próxima da Grã-Bretanha era excelente, mas era também a mais bem defendida pelos alemães precisamente por causa disso, enquanto na península da Bretanha, tendo as características opostas, as comunicações com o interior de França eram escassas.
Restava a hipótese das costas da Normandia, mesmo assim desdobradas em dois cenários: a Alta Normandia e a Baixa Normandia. As equipas originais foram redistribuídas em dois grupos argumentando em prol de cada uma das hipóteses. No primeiro caso, os britânicos (canadianos) já tinham tentado desembarcar em Dieppe em Agosto de 1942, numa das operações mais desastradas (em termos tácticos), inconsequentes (em termos estratégicos) e incompreensíveis (em termos gerais) de toda a Segunda Guerra Mundial. Mas o episódio só deve ter tido importância marginal na escolha da outra opção.

Um primeiro Plano de desembarque foi concluído nos inícios de 1944 (quando o general Eisenhower se instalou em Londres e assume o lugar à frente do SHAEF (Supreme Headquarters Allied Expeditionary Forces), absorvendo o COSSAC e o trabalho que este desenvolvera. O desembarque anfíbio era para ser realizado na Baixa Normandia por três divisões e complementado por uma divisão aerotransportada. Segui-las-iam 16 divisões britânicas e 20 divisões norte-americanas, das quais metade viriam directamente transportadas dos Estados Unidos.
O trabalho do COSSAC limitara-se a dar emprego aos meios que superiormente lhes indicaram estar disponíveis. No entanto, as combinações políticas e militares entre britânicos e norte-americanos haviam sido feitas de forma que fosse um general britânico (Montgomery) a assumir o comando das forças terrestres durante e imediatamente após o desembarque. Visto da perspectiva americana era uma boa combinação que, além de encher o ego aos seus aliados, facilitaria a defesa de Eisenhower de acusações na eventualidade de um fracasso…

É atribuída a Montgomery a responsabilidade de ter forçado a alteração dos planos (mudem o vosso plano, ou mudem-me a mim…), aumentando os meios inicialmente envolvidos no desembarque. As divisões aerotransportadas que protegeriam os flancos da área dos desembarques passaram de uma para três (6ª britânica, 82ª e 101ª norte-americanas) e este último processar-se-ia simultaneamente em cinco praias (codificadas como Utah, Omaha, Gold, Juno e Sword) envolvendo cinco divisões (e não as três originais): 1ª e 4ª norte-americanas, 3ª e 50ª britânicas e 3ª canadiana.
Era esta a ordem de batalha aliada a 6 de Junho de 1944 e seria este o fim do poste, não me tivesse lembrado de associar esta pequena história de guerra à confusão que por aí grassa em relação à questão do novo aeroporto. Quase sempre, é completamente incompreensível o que se está a discutir: se é o objectivo, a localização ou os meios. Umas vezes, invoca-se o objectivo para extrair conclusões quanto à localização. Noutras, são os meios que condicionam a dita localização. Em geral, nem dentro do governo, nem na oposição parecem surgir vozes autorizadas que, pelo menos, pareçam saber do que estão falar.

É atribuída a um político francês – Georges Clemenceau (1841-1929) – a autoria de uma famosa frase depreciativa dos militares, que é frequentemente citada*: que a guerra é um assunto demasiado sério para ser da responsabilidade dos generais. No enquadramento do que escrevi neste poste e atendendo à questão do aeroporto, não é despropositado refrasear a máxima de Clemenceau e, em jeito de desforra, considerar que a planificação de grandes empreendimentos parece ser um assunto demasiado sério para ser da responsabilidade dos políticos.
* Um dos exemplos mais notórios recentes em Portugal foi proferido por aquele senhor muito emotivo que ocupou por dez anos a presidência da República fazendo apelos.

20 junho 2007

GUERRAS ESQUECIDAS (5): A GUERRA IRÃO-IRAQUE (1980-88)

Uma das coisas aborrecidas da Primeira Guerra Mundial, para quem gosta de seguir as guerras por mapas, é que os mapas das posições daquela guerra são aborrecidamente pouco variados apesar dos quatro anos (1914-18) de duração da guerra. Pois a Guerra entre o Irão e o Iraque durou sensivelmente o dobro desse tempo (1980-88) e a guerra de posições que os dois países travaram sintetiza-se em mapas ainda piores (abaixo)! Semelhantes como guerras de posições, para piorar ainda mais isso, para os apreciadores de fotografias de guerra, à riqueza informativa e artística das do primeiro conflito global, as desta guerra do médio oriente são normalmente uma decepção de poses e eventos infantilmente mal encenados…
Um dos aspectos mais esquecidos é o da proximidade em que este conflito teve lugar em relação às fronteiras da União Soviética e da importância dele para esta última: o extremo norte da fronteira entre Irão e Iraque está a uns meros 200 km, em linha recta, do Azerbeijão, uma das repúblicas da antiga URSS. O que não invalida que esta tenha sido uma das guerras mais difíceis de interpretar pela política de blocos definida pela Guerra-Fria: para a comunicação social ocidental, nomeadamente a norte-americana, habituada a explicar os contendores à audiência numa lógica de maus e bons, à faroeste, aqui viu-se em palpos de aranha porque esta era uma história onde havia maus… e péssimos, ambos cheios de petróleo.

No quadro simplificado dos bons e maus da Guerra-Fria, os maus haviam sido, desde o golpe militar de 1958, os iraquianos, que sendo contra Israel, eram abastecidos em material militar pela União Soviética. E isso fazia todo o sentido porque, desde quase sempre, entre os bons se contavam os seus vizinhos iranianos, que eram, depois de 1953 e sob o regime do Xá, os aliados preferenciais dos Estados Unidos para a região. Até 1979, quando o Xá foi derrubado, o Irão mudou de regime e se tornou ferozmente anti-americano (o que não quer dizer necessariamente pró-soviético…), tendo feito os Estados Unidos passar um muito mau bocado em termos de projecção da sua imagem internacional com o sequestro do pessoal da sua embaixada em Teerão. Por causa disso, compreensivelmente, os iranianos passaram a ser os péssimos.
Com um regime teocrático, dirigido por clérigos, o Irão viu-se numa posição fragilizada em termos de alianças internacionais (não as tinha…) a complementar com uma situação interna também muito fluida quanto às sedes da autoridade, típica de uma situação pós-revolucionária. Era uma excelente oportunidade que Saddam Hussein, o presidente iraquiano, devia aproveitar para negociar em situação de vantagem com os seus vizinhos iranianos. A ocasião estava certa, o calendário era oportuno, o problema era o que ele queria dos iranianos e os limites a que estava disposto a ir para o alcançar… E os incentivos que estava a receber para o fazer… dos tradicionais aliados soviéticos e dos despeitados norte-americanos.

A ofensiva militar iraquiana foi desencadeada em Setembro de 1980 e, aproveitando-se da mais completa desorganização das forças armadas iranianas tanto em falta de enquadramento (a maioria dos oficiais haviam sido afastados devido à revolução islâmica), como em falta de material (o material iraniano era todo de origem norte-americana e estes haviam feito um boicote ao envio de munições e de peças de substituição), o exército iraquiano havia conseguido atingir os seus objectivos um mês depois. Só que as proclamações de cessar-fogo iraquianas foram sendo sucessivamente rejeitadas pelos iranianos. E o Iraque, ainda em vantagem, foi-se apossando de outros objectivos para reforçar a sua posição negocial.
A verdade é que foi o alto clero xiita iraniano que se apoderou firmemente do poder em Teerão (o presidente Bani-Sadr foi afastado em Junho de 1981) e as forças armadas iranianas iniciaram um pouco conhecido (e pouco elogiado, mas muito eficaz) processo de reorganização, lançado em bases muito mais ideológicas, com a formação de uma guarda revolucionária (cujos membros são conhecidos por pasdarans) em paralelo aos ramos tradicionais, a fazer lembrar o que foram as Waffen SS alemãs da Segunda Guerra Mundial, mas numa escala muito maior: no final da guerra (1988), estima-se que os pasdarans totalizavam 300 mil dos 650 mil efectivos que se contavam nas forças iranianas.

Desde 1982, e depois do Irão ter encontrado as fontes de abastecimento alternativas para poder alimentar a sua máquina de guerra (o financiamento vinha-lhe das exportações de petróleo), foi ao Irão que pertenceu regularmente a iniciativa da guerra, recusando as sucessivas propostas de tréguas entretanto surgidas do lado iraquiano. Mas tratava-se de uma guerra de posições e de pequenas progressões, ganhas a custo, por atrito, onde as operações se repetiam praticamente nos mesmos locais, levando a que elas fossem designadas com o mesmo nome seguido de um cardinal, Karbala-1,2,3, …, 8 ou Nasr-1,2,3,4 – mais uma vez, copiando o que acontecera na Primeira Guerra Mundial, onde houve 11 batalhas do Isonzo, ou Ypres, onde houve outras 3…

Global e objectivamente, a superioridade militar passara para os iranianos, e o seu objectivo visível passou a ser o de aproveitar o pretexto da invasão iraquiana para derrubar o regime de Saddam Hussein, rejeitando consecutivamente as propostas de paz baseadas no status quo anterior à guerra que lhes eram propostas pelos iraquianos. Foi a época em que se assistiu a uma improvável coligação americano-soviética de apoio militar ao regime iraquiano de oposição à constituição de um outro regime xiita no Iraque, que pusesse em causa os equilíbrios estabelecidos na região. É dessa época a fotografia (abaixo) em que aparece Donald Rumsfeld cumprimentando Saddam Hussein (1983), tornada famosa 20 anos depois.
A exploração recíproca das minorias étnicas de cada um dos oponentes para a abertura de frentes de combate na retaguarda da frente inimiga acabou por se revelar um fiasco enorme porque a crueldade dos dois regimes levava-os a ser implacáveis com os seus opositores internos. Posteriormente, veio a ser dada muita publicidade às imagens das vítimas das aldeias curdas sujeitas a ataques com armas químicas iraquianas, mas também há relatos e outras imagens, menos publicitadas, do tratamento que as autoridades iranianas deram aos opositores do regime islâmico - fossem os comunistas do partido Tudeh, fossem os curdos do Curdistão iraniano que, tal como os seus irmãos do Iraque, pretendem constituir um grande estado curdo.

Já sem qualquer esperança de obter uma vitória nas regiões terrestres por onde começara originalmente a invasão, as opções abertas ao Iraque eram as de diversificar as frentes de combate, passando a atacar a actividade de exportação petrolífera do seu inimigo (nomeadamente os meios de transporte – navios petroleiros – que usavam o Golfo Pérsico), o que provocou a resposta simétrica dos iranianos. Uma outra opção iraquiana foi o bombardeio das principais cidades inimigas, quer pela aviação convencional, quer pelo lançamento de mísseis de alcance médio, como o soviético SS-1 Scud e seus derivados, carregados de explosivos convencionais. Desnecessário será dizer que esta iniciativa recebeu também a respectiva retaliação do lado iraniano…
Mas a perturbação do transporte petrolífero de três dos grandes países exportadores mundiais foi um assunto capaz de afectar a cotação do barril de petróleo nos mercados internacionais e, assim, um pretexto passível de desencadear a atenção dos Estados Unidos e das restantes potências do Conselho de Segurança da ONU. A pedido do Kuwait (outro grande exportador da região, vitima colateral dos ataques), os Estados Unidos deslocaram para o Golfo Pérsico um importante dispositivo naval, na tarefa formalmente neutral de dissuadir os ataques à navegação civil e se encarregar da segurança dos petroleiros, mas onde o resultado final acabava por resultar num benefício objectivo para os iraquianos.

A acumulação de pequenos incidentes tornou a neutralidade norte-americana cada vez menos convincente, até que em Maio de 1987, um Mirage F-1 iraquiano atacou – presume-se que por lapso – com mísseis anti-navio Exocet (ambos os equipamentos são de construção francesa) uma Fragata norte-americana (USS Stark) que patrulhava a região. No incidente vieram a morrer 37 marinheiros norte-americanos e outros 21 ficaram feridos. Contudo, ao contrário de todos os episódios envolvendo os iranianos – com quem os norte-americanos chegaram mesmo a vias de facto em Abril de 1988 (Operação Praying Mantis) – este veio a ser tratado muito mais discretamente…

Mas a presença naval norte-americana na região, que já só era aparentemente neutral, veio a cair completamente em descrédito quando, em Julho de 1988, um dos seus Cruzadores (USS Vincennes) abateu com mísseis anti-aéreos – quase certamente por engano – uma aeronave civil iraniana (um Airbus A-300 das suas linhas aéreas) com 290 pessoas a bordo sobre o Estreito de Ormuz… Ainda hoje é especulação que parcela (se alguma) deste acontecimento (que enfraqueceu inequivocamente a reputação dos Estados Unidos na região*) terá contribuído para que as movimentações diplomáticas ocultas possam ter chegado rapidamente a bom fim. A verdade é que duas semanas depois dele, Khomeini declarava aceitar o cessar-fogo e um mês depois estava a guerra terminada…

* Em Setembro de 1983, um aparelho militar soviético havia abatido um Boieng-747 civil da Korean Air em pleno ar, matando as 269 pessoas a bordo. Os Estados Unidos haviam montado uma enorme operação mediática de censura aos soviéticos que deixara a imagem destes últimos em muito maus lençóis. Em Julho de 1988, voltou-se o feitiço contra o feiticeiro.

19 junho 2007

A LIÇÃO DE ESGRIMA

Não sei se ainda falo pelas gerações actuais mas creio que em cada miúdo há sempre um espadachim em potencial. E, em geral e passada a infância, todos ficamos com aquela imagem romântica dos mosqueteiros. Todos? Talvez não… Há ainda aquela minoria que, como me aconteceu, teve o privilégio de ter verdadeiras aulas de esgrima a sério. E dali formam-se dois grupos: os que continuam a gostar e os que deixam de gostar… E asseguro que um punhado de aulas de florete é capaz de dar cabo de muitas simpatias por Athos, Porthos e Aramis…

A fase inicial do ensino, onde se ensinavam as posições básicas era um completo desapontamento. A posição de em guarda era uma tortura, fazia lembrar a da firmeza só que de florete na mão, enquanto o instrutor nos dizia para estarmos descontraídos e à vontade, o que se tornava uma perfeita contradição porque ao mesmo tempo se passeava corrigindo as posições, nomeadamente a de segurar o florete em quarta*, o que normalmente nos deixava com os punhos doloridamente tortos como se nos tornássemos num aleijado…
E depois as aulas seguintes tornaram-se numa coreografia enfadonha e repetitiva: avançar, recuar, a fundo, em guarda, duplo passo, avançar, sexta, quarta… Mas era tudo por uma boa causa, tornava-se necessário aprender aqueles rudimentos e ter paciência até começar a combater para que aquilo tivesse piada, finalmente. E foi num desses combates, que seguia com toda a atenção de jurado**, que aprendi uma bela lição de vida que ainda recordo e que me foi fornecida involuntariamente pelos dois intervenientes.

Um esgrimia visivelmente muito melhor que o outro, só que este último era também muito maior que o primeiro e, naturalmente, o seu braço era muito mais comprido. Ganhou. O seu mérito consistiu em antecipar os ataques do seu adversário e esticar o braço simultaneamente quando o adversário o fazia: como era maior e o braço mais comprido, a ponta do seu florete tocava primeiro do que a contrária… Como noutras modalidades, também na esgrima outros factores podem ser muito mais importantes do que a habilidade…
Começar por ter o braço mais comprido passou a ser, para mim, uma expressão de quem parte para uma competição com uma vantagem tal que apenas é preciso que se limite a não cometer erros para que a venha a vencer. É o que acontece com António Costa e a próxima disputa para a Câmara de Lisboa, porque, desde o princípio, ele começou por ter o braço mais comprido do que os demais concorrentes. Surpresa seria se a sua lista conseguisse a maioria absoluta dos vereadores em disputa, que ele pede, mas que os resultados das sondagens tornam muito improvável…

* Se a memória não me estiver a atraiçoar sobre a designação das posições…
** Em competição, a pontuação dos toques de florete é feita automaticamente, mas ali fazia-se da forma tradicional, com um árbitro e mais quatro jurados.

Nota: Os meus agradecimentos ao Pedro Freitas, que espero que me desculpe por lhe ter fanado a fotografia do seu blogue, onde surge galhardamente de sabre na mão, o primeiro da esquerda (o Athos…) daquela réplica dos Três Mosqueteiros… Mas só o blogue dele possuí a fotografia precisa para enquadrar a história que contei...

18 junho 2007

OS SPRINGBOKS E OS BAFANA BAFANA

A História da África do Sul não é para ser contada como um conto de fadas que terminou em 1994 com um final feliz. O ANC (Congresso Nacional Africano) tem recebido maiorias eleitorais esmagadoras (69,7% em 2004) mas a implementação das políticas de correcção das assimetrias da distribuição da riqueza tem sido vagarosa e cuidadosa, entre as aspirações das populações de maioria negra e os receios das outras comunidades.

Com quase 70% dos votos, o ANC parece mais ser um conglomerado multi-étnico das várias tribos negras (apenas os zulos escapam a essa lógica, votando no Inkhata – 7% dos votos) do que um partido político na verdadeira acepção da palavra. E se, por um lado, a tendência para que um partido assim tão predominante abafe a restante oposição política é enorme, por outro, o caminho para a aquisição de uma verdadeira identidade nacional é muito longo, como se pode ver pelo caso de duas selecções nacionais.
Futebol e râguebi são ambos desportos muito populares na África do Sul, embora a popularidade de cada um deles varie imensamente em função das comunidades. O râguebi (de que a África do Sul já foi campeã do Mundo) ainda é o desporto colectivo predominante e preferido entre os brancos, especialmente os de ascendência bóer* e os elementos da selecção nacional da modalidade (acima) são tradicionalmente conhecidos pela designação de springboks.
Menos tradicional, mas igualmente carismática é a designação escolhida para os membros da selecção nacional sul-africana de futebol, os bafana bafana, o desporto favorito da comunidade negra. E como se pode ver pela imagem acima, a composição da selecção parece ser o negativo dos seleccionados do râguebi… Exagerando (mas apenas um pouco), tanto é preciso andar à procura de uma tez mais escura na selecção de râguebi como de uma tez mais clara na selecção de futebol… Deseja-se, para bem da África do Sul, é que isso continue a ser apenas sinal de especialização e complementaridade…

* O alinhamento da selecção sul-africana no jogo deste fim-de-semana contra a Austrália (ganho por 22-19) foi o seguinte:
Montgomery; Willemse (Steyn, 60), Fourie, de Villiers, Pietersen; James, Pienaar; Steenkamp (BJ Botha, 67) Smit (capt, G Botha 9), BJ Botha (van der Linde, 60), B Botha (Muller, 63), Matfield, Burger, Smith (Rossouw, 57), Spies.
Entre os 21 nomes, há 14 que são de evidente ressonância africânder…

17 junho 2007

QUEM COM FERRO MATA…

Estando atentos, já se percebeu como há parceiros poderosos dos dois lados de toda a controvérsia associada ao assunto dos sobreiros da Portucale e dos financiamentos do BES ao PP. Entre os que lhe querem dar expressão e visibilidade, isso vê-se pela forma como animaram e agora reanimaram o assunto na comunicação social. Entre os que o querem abafar, vê-se pela forma célere e, segundo li, verdadeiramente quase inédita, como extraíram Luís Nobre Guedes do embrulho judicial onde parecia estar envolvido.

Depois de decisões como a do Tribunal Constitucional sobre a inconstitucionalidade da repetição das provas de física do ano passado, há que confessar que até deu gosto ver a justiça a funcionar rapidamente por uma vez… E ainda bem para Luís Nobre Guedes. Suspeito é que ela não tenha funcionado assim para me dar gosto… Em contrapartida, suspeito que tenha sido efectivamente para me dar gosto, e comigo, a todos aqueles que gostam de seguir a política em soundbites, que a notícia da lista dos 4 mil beneméritos do PP tenha sido simplificada para o de Jacinto Leite Capelo Rego

É directo ao auditório de que Paulo Portas gosta mais

Nota: Eu até poderia confessar em rodapé (e à portuguesinha…) que a pessoa de Luís Nobre Guedes me parece simpática quando vista através da comunicação social - o que não poderei dizer de Paulo Portas… Mas o problema não será de Nobre Guedes não residirá nas considerações deste seu simpatizante que assina este poste, mas de alguns antipatizantes com basto acesso à comunicação social…

CONFERÊNCIA DE IMPRENSA

Ficaram famosas as conferências de imprensa em que participava o general de Gaulle enquanto presidente francês durante a década de sessenta. Ao contrário de muitas das actuais, os assuntos que ali levavam de Gaulle eram todos importantes, fossem eles o boicote francês à admissão da entrada do Reino Unido na CEE, o estabelecimento de relações diplomáticas com a República Popular da China, as sanções contra o Estado de Israel ou a retirada da França da estrutura militar da NATO.

Só que de Gaulle nunca foi um modelo, nem de paciência, nem de subtileza, para que as conferências de imprensa (que havia sido obviamente preparada de antemão) fluíssem de tal maneira que parecesse que a maioria das perguntas apareciam espontaneamente (como acontecia – e acontece – com as da Casa Branca, por exemplo). Ficou famosa a ocasião em que, tardando a pergunta, o general impaciente começou: Creio que ouvi alguém perguntar-me

O pormenor deste fiasco de mise en scène tornou-se muito gozado na época e podemos apreciá-lo numa engraçadíssima prancha inédita de René Goscinny e Albert Uderzo, datada de 1964, onde o chefe Abraracourcix aparece numa conferência de imprensa decalcada das de de Gaulle a anunciar a publicação de Le Combat des Chefs na revista Pilote. E, tal como de Gaulle, é ele que formula a última pergunta e depois lhe responde…