Para quem leia pela primeira vez a história da França do Século XIX, um dos episódios intrigantes é o da ascensão de Luís Napoleão Bonaparte, primeiro como Presidente da República eleito (1848-52) e depois como Imperador dos Franceses (1852-1870). Quase tudo o que lhe está associado, bem como ao regime que fundou, tem um certo toque, que não chegarei a classificar de exótico, mas poderei designar como inconfundível no seu estilo.
E isso começa logo pelo princípio: Luís Napoleão Bonaparte é um sobrinho de Napoleão Bonaparte… que não é sobrinho biológico de Napoleão Bonaparte. Embora a sua mãe fosse a enteada de Napoleão, Hortense de Beauharnais, filha de Josefina, que estava casada com um dos irmãos mais novos de Napoleão, Luís. E naquelas épocas remotas, antes do DNA, embora ainda não houvesse testes para se saber quem seria o pai, havia outros métodos, seguros, que asseguravam quem não podia ter sido o pai…
Nem seria aquele que estaria mais bem posicionado pelas regras de sucessão hereditárias para vir a usar o título do tio: antes dele havia o filho do próprio, seu primo direito, designado por Napoleão II, que faleceu em 1832 e o seu próprio irmão mais velho, que tinha falecido em 1831. Em rigor, só com a morte dos irmãos de Napoleão, José, em 1844, e do seu pai Luís, em 1846, é que Luís Napoleão Bonaparte se tornou o titular indiscutível da herança napoleónica.
Mas a sua carreira política como líder político dos bonapartistas já havia começado em 1836. E a carreira política havia começado logo com uma tentativa de golpe de estado, incitando a insurreição da guarnição militar de Estrasburgo, cidade do Nordeste da França. Falhou e exilou-se. Em 1840, tentou repetir a façanha, mas em melhor, desta vez com a guarnição de Bolonha, cidade portuária que fica no Norte da França. Tornou a falhar, mas já não o deixaram exilar-se desta vez.
Foi preso, condenado a prisão perpétua, embora em condições confortáveis, que aproveitou para passar para livro os seus pensamentos políticos. Uma obra, intitulada Extinção do Pauperismo, adiciona até ao bonapartismo elementos de socialismo e de preocupação pelo bem-estar do povo. Após seis anos de estadia, rapou o seu bigode de marca, vestiu-se de operário (a prisão estava em obras) e evadiu-se saindo pela porta principal de cachimbo na boca e tábua ao ombro, exilando-se novamente.
Não fiquem dúvidas que havia muitos entre o povo francês que lhe apreciasse o empenho e este jeito para as encenações. Quando no Outono de 1848, depois da Revolução que depusera o rei Luís Filipe em Fevereiro desse ano, se realizaram eleições para a presidência da II República francesa, Luís Napoleão Bonaparte ganhou-as com uns esmagadores 5,5 milhões de votos (cerca de 75% da votação), numas eleições onde 20% dos cidadãos puderam votar (o que era uma participação inigualável para aquela época).
Mais do que a pessoa, há quem considere que o resultado esmagador do príncipe-presidente (como era conhecido, e por esta ordem, o que é em si um programa prenunciador do que estava para acontecer…) naquelas eleições, como o sufrágio de uma ideia de um passado glorioso da França. Que ele não demorou a explorar, porque aquele cargo de presidente era por quatro anos e não reelegível, demasiado curto para as ambições do príncipe-presidente.
Em 2 de Dezembro de 1851, a um ano do fim do mandato, o mais alto magistrado da República Francesa promoveu um Golpe de Estado... contra a sua própria República. Vale a pena citar um trecho da proclamação que na altura dirigiu às tropas, típico do seu estilo: Soldados! Conto convosco, não para violar a lei, mas para que se faça respeitar a primeira lei do país, a soberania nacional. Mas nela não se explica quem está a ameaçar a soberania nacional…
Sem perder o balanço (a 22 e 23 de Dezembro), organiza-se um plebiscito onde se pergunta ao eleitorado se ele queria manter no poder Luís Bonaparte e encarregá-lo de elaborar uma constituição? Entre os 8 milhões de eleitores, 7,5 milhões disseram que sim. Essa nova constituição já estava preparada: entrou em vigor logo em 14 de Janeiro de 1852 e será, com retoques, a mesma que estará em vigor durante o período do II Império.
Nela, Luís Napoleão Bonaparte recebia pessoalmente os poderes executivos e legislativos por um período de 10 anos. As assembleias (Assembleia Legislativa e Senado) ficavam sem nada para fazer, embora pudessem apresentar emendas à constituição. Foi assim que alguém lhes sugeriu que eles talvez pudessem propor que o Chefe de Estado se passasse a designar por Imperador, proposta que foi, naturalmente, muito bem acolhida em Novembro de 1852.
E em 2 de Dezembro de 1852 (a data tem o simbolismo da coroação de Napoleão I em 1804 e da sua vitória de Austerlitz, um ano depois), após mais um plebiscito (21 e 22 de Novembro) com os resultados esmagadores do costume, que a França se tornou num Império, com Napoleão III como seu imperador, sem que nada tivesse ocorrido em termos de expansão territorial ou populacional em França que justificasse esta nova designação…
Embora queira restringir este poste apenas aos acontecimentos que levaram Napoleão III até ao trono, não quero deixar de mencionar a Imperatriz Eugénia, 18 anos mais nova que o marido, com quem ele se casou nos finais de Janeiro de 1853. Mais elegante do que bonita, Eugénia vai desempenhar durante o regime um papel próprio, superficial mas muito mediático, muito parecido com o de Jacqueline Kennedy (12 anos mais nova que John) ou de Diana de Gales (13 anos de diferença para Carlos).
No fim, ainda podemos ler Luís Napoleão Bonaparte (agora como Napoleão III, Imperador dos franceses) no seu estilo inconfundível a comentar e sintetizar todos as manobras tortuosas que acabaram por o levar ao trono: Só saí da legalidade para regressar ao direito. Uma fórmula trapalhona mas simpática, típica do que um adolescente poderia designar por um grande tangas a tentar dar-nos música.
São episódios como este, quando a França teve a fraqueza de acreditar nas palavras de um adorável mentiroso e lhe permitiu erigir um regime que, mesmo assim, acabou por durar 18 anos, que tornam, para mim, a França num país simpático nas suas fraquezas... A alguém lhe está a ocorrer o nome de Pedro Santana Lopes?...
E isso começa logo pelo princípio: Luís Napoleão Bonaparte é um sobrinho de Napoleão Bonaparte… que não é sobrinho biológico de Napoleão Bonaparte. Embora a sua mãe fosse a enteada de Napoleão, Hortense de Beauharnais, filha de Josefina, que estava casada com um dos irmãos mais novos de Napoleão, Luís. E naquelas épocas remotas, antes do DNA, embora ainda não houvesse testes para se saber quem seria o pai, havia outros métodos, seguros, que asseguravam quem não podia ter sido o pai…
Nem seria aquele que estaria mais bem posicionado pelas regras de sucessão hereditárias para vir a usar o título do tio: antes dele havia o filho do próprio, seu primo direito, designado por Napoleão II, que faleceu em 1832 e o seu próprio irmão mais velho, que tinha falecido em 1831. Em rigor, só com a morte dos irmãos de Napoleão, José, em 1844, e do seu pai Luís, em 1846, é que Luís Napoleão Bonaparte se tornou o titular indiscutível da herança napoleónica.
Mas a sua carreira política como líder político dos bonapartistas já havia começado em 1836. E a carreira política havia começado logo com uma tentativa de golpe de estado, incitando a insurreição da guarnição militar de Estrasburgo, cidade do Nordeste da França. Falhou e exilou-se. Em 1840, tentou repetir a façanha, mas em melhor, desta vez com a guarnição de Bolonha, cidade portuária que fica no Norte da França. Tornou a falhar, mas já não o deixaram exilar-se desta vez.
Foi preso, condenado a prisão perpétua, embora em condições confortáveis, que aproveitou para passar para livro os seus pensamentos políticos. Uma obra, intitulada Extinção do Pauperismo, adiciona até ao bonapartismo elementos de socialismo e de preocupação pelo bem-estar do povo. Após seis anos de estadia, rapou o seu bigode de marca, vestiu-se de operário (a prisão estava em obras) e evadiu-se saindo pela porta principal de cachimbo na boca e tábua ao ombro, exilando-se novamente.
Não fiquem dúvidas que havia muitos entre o povo francês que lhe apreciasse o empenho e este jeito para as encenações. Quando no Outono de 1848, depois da Revolução que depusera o rei Luís Filipe em Fevereiro desse ano, se realizaram eleições para a presidência da II República francesa, Luís Napoleão Bonaparte ganhou-as com uns esmagadores 5,5 milhões de votos (cerca de 75% da votação), numas eleições onde 20% dos cidadãos puderam votar (o que era uma participação inigualável para aquela época).
Mais do que a pessoa, há quem considere que o resultado esmagador do príncipe-presidente (como era conhecido, e por esta ordem, o que é em si um programa prenunciador do que estava para acontecer…) naquelas eleições, como o sufrágio de uma ideia de um passado glorioso da França. Que ele não demorou a explorar, porque aquele cargo de presidente era por quatro anos e não reelegível, demasiado curto para as ambições do príncipe-presidente.
Em 2 de Dezembro de 1851, a um ano do fim do mandato, o mais alto magistrado da República Francesa promoveu um Golpe de Estado... contra a sua própria República. Vale a pena citar um trecho da proclamação que na altura dirigiu às tropas, típico do seu estilo: Soldados! Conto convosco, não para violar a lei, mas para que se faça respeitar a primeira lei do país, a soberania nacional. Mas nela não se explica quem está a ameaçar a soberania nacional…
Sem perder o balanço (a 22 e 23 de Dezembro), organiza-se um plebiscito onde se pergunta ao eleitorado se ele queria manter no poder Luís Bonaparte e encarregá-lo de elaborar uma constituição? Entre os 8 milhões de eleitores, 7,5 milhões disseram que sim. Essa nova constituição já estava preparada: entrou em vigor logo em 14 de Janeiro de 1852 e será, com retoques, a mesma que estará em vigor durante o período do II Império.
Nela, Luís Napoleão Bonaparte recebia pessoalmente os poderes executivos e legislativos por um período de 10 anos. As assembleias (Assembleia Legislativa e Senado) ficavam sem nada para fazer, embora pudessem apresentar emendas à constituição. Foi assim que alguém lhes sugeriu que eles talvez pudessem propor que o Chefe de Estado se passasse a designar por Imperador, proposta que foi, naturalmente, muito bem acolhida em Novembro de 1852.
E em 2 de Dezembro de 1852 (a data tem o simbolismo da coroação de Napoleão I em 1804 e da sua vitória de Austerlitz, um ano depois), após mais um plebiscito (21 e 22 de Novembro) com os resultados esmagadores do costume, que a França se tornou num Império, com Napoleão III como seu imperador, sem que nada tivesse ocorrido em termos de expansão territorial ou populacional em França que justificasse esta nova designação…
Embora queira restringir este poste apenas aos acontecimentos que levaram Napoleão III até ao trono, não quero deixar de mencionar a Imperatriz Eugénia, 18 anos mais nova que o marido, com quem ele se casou nos finais de Janeiro de 1853. Mais elegante do que bonita, Eugénia vai desempenhar durante o regime um papel próprio, superficial mas muito mediático, muito parecido com o de Jacqueline Kennedy (12 anos mais nova que John) ou de Diana de Gales (13 anos de diferença para Carlos).
No fim, ainda podemos ler Luís Napoleão Bonaparte (agora como Napoleão III, Imperador dos franceses) no seu estilo inconfundível a comentar e sintetizar todos as manobras tortuosas que acabaram por o levar ao trono: Só saí da legalidade para regressar ao direito. Uma fórmula trapalhona mas simpática, típica do que um adolescente poderia designar por um grande tangas a tentar dar-nos música.
São episódios como este, quando a França teve a fraqueza de acreditar nas palavras de um adorável mentiroso e lhe permitiu erigir um regime que, mesmo assim, acabou por durar 18 anos, que tornam, para mim, a França num país simpático nas suas fraquezas... A alguém lhe está a ocorrer o nome de Pedro Santana Lopes?...
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