Ao escrever O Rosto da Batalha* em 1976, o historiador militar britânico John Keegan acabou por criar uma espécie de nova sub especialidade na História Militar, quando utilizou uma nova abordagem na forma de narrar das batalhas, quando as passou a escrever como se fossem vistas da perspectiva de um qualquer dos seus intervenientes ordinários – um soldado.
Como ele próprio explica, na esmagadora maioria das vezes esses intervenientes mal se apercebiam do que se estava a passar, a não ser o que estivesse no seu alcance visual, e também lhe faltavam os conhecimentos para compreender o que os historiadores depois definiam como os momentos decisivos. As recordações de um veterano da batalha nada têm a ver com a racionalização que dela é feita depois.
O livro engloba três batalhas significativas da história britânica, com algumas coincidências a uni-las: as batalhas de Azincourt (1415), contra os franceses, Waterloo (1815), mais uma vez contra os franceses, e a do Somme (1916), contra os alemães, afastadas temporalmente por 400 e 100 anos quase precisos, respectivamente, e onde as regiões onde se desenrolaram estão muito próximas geograficamente.
Mas, o que interessa para este poste desenvolver foi a escola que daquele livro se desenvolveu, com um novo vigor e rigor posto nas investigações associadas às batalhas antigas, sobretudo ao interess na reencenação da vida dos soldados da época, procurando que esta fosse o mais rigorosa possível, para melhor compreender os problemas dos intervenientes originais. E tornando a interpretar as descrições originais das batalhas.
Actualmente fazem-se reencenações – por motivos científicos, mas também por motivos lúdicos – de quase todos os períodos: napoleónico, medieval ou da antiguidade clássica. E têm-se feito descobertas interessantes, como a constatação que algumas das descrições, mesmo que contemporâneas das batalhas eram ficcionadas, por manifesta impossibilidade física.
Exemplo facilmente explicável, é o que não se formam pilhas de corpos, porque os corpos dos feridos e mortos raramente tendem a empilhar-se, porque a sua presença no chão atrapalha (fazem tropeçar e cair) os contendores que ainda continuam a luta. A disputa muda de sítio até ficar saturada de corpos no chão e assim sucessivamente…
Uma outra descoberta engraçada para os períodos da Antiguidade Clássica, têm a ver com a absoluta ineficácia dos sistemas de comando e controle se os efectivos de um exército atingissem as muitas dezenas de milhares de homens. Dispor centenas de milhares de guerreiros para a batalha – como se diz que fez o Xá da Pérsia – seria apenas um artifício psicológico que afinal não impressionou as tropas de Alexandre da Macedónia.
Há episódios onde, além do curioso, se juntará também o irónico, quando se conhecem os caracteres nacionais dos países que deles hoje descendem, quando se conclui que um dos segredos do sucesso das legiões romanas (de Itália) contra os inimigos celtas (França e Inglaterra) e germanos (Alemanha) terá assentado na… disciplina dos seus soldados das primeiras linhas.
Nas reencenações de batalhas entre romanos e bárbaros, têm-se percebido quanto o preâmbulo de uma batalha era um momento psicologicamente crucial, com os oponentes dispostos frontalmente, podendo haver provocações verbais, e como a atitude mais remuneradora em termos de vantagem psicológica para o embate que se aproxima é a de contenção. Foi algo que as polícias de choque modernas tornaram a descobrir…
E, pelos vistos, os relatos e os resultados são unânimes em salientar como os antepassados dos hoje exuberantes italianos excediam-se nessa técnica de contenção frente aos antepassados dos hoje circunspectos alemães… É quase inacreditável!...
Será engraçado, e só muito rebuscadamente as coisas se associarão, mas tem sido sobre as atitudes das várias causas de defensores do SIM e das várias causas de defensores do NÃO no próximo Referendo Sobre a IVG, que me tem ocorrido esta questão engraçada – e sempre actual – da imposição da disciplina e sangue-frio nas primeiras linhas das próprias hostes antes do verdadeiro embate …
* A versão portuguesa do livro, publicada em 1987 pela Editorial Fragmentos parece estar esgotada.
Como ele próprio explica, na esmagadora maioria das vezes esses intervenientes mal se apercebiam do que se estava a passar, a não ser o que estivesse no seu alcance visual, e também lhe faltavam os conhecimentos para compreender o que os historiadores depois definiam como os momentos decisivos. As recordações de um veterano da batalha nada têm a ver com a racionalização que dela é feita depois.
O livro engloba três batalhas significativas da história britânica, com algumas coincidências a uni-las: as batalhas de Azincourt (1415), contra os franceses, Waterloo (1815), mais uma vez contra os franceses, e a do Somme (1916), contra os alemães, afastadas temporalmente por 400 e 100 anos quase precisos, respectivamente, e onde as regiões onde se desenrolaram estão muito próximas geograficamente.
Mas, o que interessa para este poste desenvolver foi a escola que daquele livro se desenvolveu, com um novo vigor e rigor posto nas investigações associadas às batalhas antigas, sobretudo ao interess na reencenação da vida dos soldados da época, procurando que esta fosse o mais rigorosa possível, para melhor compreender os problemas dos intervenientes originais. E tornando a interpretar as descrições originais das batalhas.
Actualmente fazem-se reencenações – por motivos científicos, mas também por motivos lúdicos – de quase todos os períodos: napoleónico, medieval ou da antiguidade clássica. E têm-se feito descobertas interessantes, como a constatação que algumas das descrições, mesmo que contemporâneas das batalhas eram ficcionadas, por manifesta impossibilidade física.
Exemplo facilmente explicável, é o que não se formam pilhas de corpos, porque os corpos dos feridos e mortos raramente tendem a empilhar-se, porque a sua presença no chão atrapalha (fazem tropeçar e cair) os contendores que ainda continuam a luta. A disputa muda de sítio até ficar saturada de corpos no chão e assim sucessivamente…
Uma outra descoberta engraçada para os períodos da Antiguidade Clássica, têm a ver com a absoluta ineficácia dos sistemas de comando e controle se os efectivos de um exército atingissem as muitas dezenas de milhares de homens. Dispor centenas de milhares de guerreiros para a batalha – como se diz que fez o Xá da Pérsia – seria apenas um artifício psicológico que afinal não impressionou as tropas de Alexandre da Macedónia.
Há episódios onde, além do curioso, se juntará também o irónico, quando se conhecem os caracteres nacionais dos países que deles hoje descendem, quando se conclui que um dos segredos do sucesso das legiões romanas (de Itália) contra os inimigos celtas (França e Inglaterra) e germanos (Alemanha) terá assentado na… disciplina dos seus soldados das primeiras linhas.
Nas reencenações de batalhas entre romanos e bárbaros, têm-se percebido quanto o preâmbulo de uma batalha era um momento psicologicamente crucial, com os oponentes dispostos frontalmente, podendo haver provocações verbais, e como a atitude mais remuneradora em termos de vantagem psicológica para o embate que se aproxima é a de contenção. Foi algo que as polícias de choque modernas tornaram a descobrir…
E, pelos vistos, os relatos e os resultados são unânimes em salientar como os antepassados dos hoje exuberantes italianos excediam-se nessa técnica de contenção frente aos antepassados dos hoje circunspectos alemães… É quase inacreditável!...
Será engraçado, e só muito rebuscadamente as coisas se associarão, mas tem sido sobre as atitudes das várias causas de defensores do SIM e das várias causas de defensores do NÃO no próximo Referendo Sobre a IVG, que me tem ocorrido esta questão engraçada – e sempre actual – da imposição da disciplina e sangue-frio nas primeiras linhas das próprias hostes antes do verdadeiro embate …
* A versão portuguesa do livro, publicada em 1987 pela Editorial Fragmentos parece estar esgotada.
Este post é brilhante. A mistura de conhecimentos de história militar e a relação com as nossas "guerras" contemporâneas é magistral. Parabéns!
ResponderEliminarE cá temos, como seria de esperar, o obscurantismo que provocou a Santa (Inquisição) e que condenou Galileu... a dar cartas num país que, após 32 anos de Liberdade, continua, respeitosamente, a respeitar regras ditadas pelo Vaticano!!!
ResponderEliminarE quando o Grande Opus Impostus manda todos à missa, os lacaios, com medo de represálias,curvam a espinha!!!
Triste exemplo para o séc. XXI!!!
Obrigado, Sofia!
ResponderEliminarE vale a pena reforçar os votos para as regras de debate feitos no post Ética do Defender o Quadrado...