15 janeiro 2007

O FIM DO APARTHEID - A FOTOGRAFIA

Mais do que a saída de Nelson Mandela da prisão, demasiado esperada e encenada, de mão dada com uma Winnie a quem os acontecimentos imediatos confirmariam que já não lhe dizia nada, emocional ou intelectualmente, a fotografia que, para mim, simboliza o fim do apartheid é a que encima este poste, cruel e violenta, como o era o próprio sistema que com ela desaparece.

As circunstâncias que levam à sua importância começam com uma muito publicitada intervenção por parte de uma centena de membros de uma organização de extrema-direita sul-africana, cujo acrónimo era AWB e cujo símbolo tinha uma estranha semelhança com o do partido nazi alemão. Os seus membros eram facilmente reconhecíveis, grandes, entroncados, barbudos, a imagem do bóer típico.

No ambiente tenso de negociações que estava a anteceder o fim do apartheid, o líder do AWB, Eugène Terre´Blanche, um adepto de sempre das demonstrações da acção directa, resolve condicionar as negociações em curso com uma delas, mobilizando a tal centena de paramilitares (em baixo) para saírem em apoio do presidente do Bophuthatswana, a braços com uma tentativa de golpe de estado.
Recorde-se que, de acordo com as independências concedidas pela África do Sul aos vários bantustões, eles se estavam a intrometer nos assuntos internos dum país estrangeiro. A fotografia que encima este poste é o corolário de um episódio envolvendo os três ocupantes daquele Mercedes e soldados rebeldes que controlavam um cruzamento, uma parte do qual foi filmado por uma equipa de televisão.

Tal qual me recordo de ver o incidente na televisão, depois de terem sido mandados parar, ao início a atitude dos paramilitares bóeres era absolutamente sobranceira, como que parecendo que toda aquela situação de estar a prestar satisfações a negros lhes era intolerável, enquanto os tons de voz das duas partes subiam. Depois, alguém entre os soldados ordenou ao operador que desligasse a câmara de vídeo que estava a gravar a cena… Segundo os testemunhos presenciais, os bóeres, armados, ainda tentaram reagir ao tiroteio que se seguiu, mas foram todos abatidos.

Um deles ficou apenas ligeiramente ferido na troca de tiros e os jornalistas presentes desaconselharam-no de continuar a empunhar a sua arma (eles próprios escaparam por pouco de também serem atingidos...), o que apenas provocaria um pretexto para a sua execução. Mas de nada lhe serviu o gesto. Um soldado executou-os metodicamente enquanto perguntava: Que é que vocês andam a fazer no meu país?

O fim do apartheid podia não ser apenas uma questão da força da demografia porque os extremistas bóeres preferiam sempre pôr a questão em termos de força das armas, a ameaça intimativa que lhes surgia sempre nos seus discursos. Aqueles três cadáveres, junto a um carro de luxo, eram a prova que, mesmo aos mais difíceis de convencer, os membros da maioria negra lhes podiam responder em espécie… E, pela força, de armas na mão e sem complexos de inferioridade, o desfecho final de um tal conflito entre brancos e negros também não era difícil de prever…

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