Escolhi a capa de um livro de 1999, The Barbarians Speak* para ilustração de uma das correntes de opinião mais extremadas da análise histórica da Antiguidade, no que diz respeito às relações entre os habitantes do Império Romano e os bárbaros que viviam nas regiões que lhes faziam fronteira. A escola do autor do livro, Peter S. Wells, professor de Antropologia na Universidade do Minnesota, é aquela que defende que, no fundo, não haveria uma supremacia significativa dos romanos sobre os bárbaros, fosse em aspectos técnicos, económicos, políticos ou mesmo militares.
Falando especialmente sobre germanos e romanos, as relações que melhor conhece das suas pesquisas arqueológicas na Alemanha, Peter S. Wells delas extrai que não haveria uma diferença significativa nos padrões de vida de quem vivia de um e doutro lado da fronteira durante o período romano. Por consequência, e mesmo que o livro não cubra o período da queda do Império Romano no Ocidente, deduz-se que em todo esse processo histórico, não houve um significativo retrocesso civilizacional, apenas transformações profundas nas estruturas políticas com as naturais convulsões a elas associadas.
Predominante nos últimos anos do século XX, com esta tese creio que se terá ido longe demais na intenção de minorar as diferenças nos graus de desenvolvimento civilizacional dos antepassados dos povos europeus que hoje compõem a União Europeia. Por muito bizarro que hoje pareça, há 1800 anos quem vivia na Itália, Grécia, Espanha ou Portugal era, em média, muito mais sofisticado do que os rústicos da Alemanha, da Dinamarca ou da Suécia… Embora também acredite que esta realidade histórica tenha uma boa parcela de inconveniência política. Que a versão histórica mais simpática à integração europeia seja aqui protagonizada por um arqueólogo norte-americano é só um detalhe irónico…
Mas, do outro extremo do espectro reaparece agora a recuperação da versão traumática da queda de Roma, tipificada num livro como The Fall of Rome and The End of Civilization**, de 2005 e da autoria de Brian Ward-Perkins, um britânico, trabalhando em Oxford, e também com muito trabalho de arqueologia desenvolvido em Itália, sobretudo nos séculos V e VI. Dele, Brian Ward-Perkins, conclui que o período final do Império Romano, no Ocidente, se caracterizou por um retrocesso visível das condições de vida, causado pela recessão económica dos regimes de isolamento em que passaram a viver as regiões romanas, na sequência das invasões bárbaras.
Essencialmente Ward-Perkins recupera a tese que os bárbaros escaqueiraram o Império Romano, apossando-se dos territórios conquistados e, na sua rusticidade, isolaram-nos dos vastos circuitos comerciais que, envolvendo as diversas terras sob o domínio de Roma, haviam feito a prosperidade do mundo mediterrânico e suas redondezas nos séculos anteriores. Frontalmente contra as teses da Casa Comum Europeia desde a Antiguidade, esta tese também está carregada de (uma outra) ideologia ao confrontar-nos com aquilo que apresenta como as consequências do isolamento de cada região (país) e da desagregação do que retrata como o mundo globalizado da civilização romana. Enfim, é uma outra maneira de falar dos benefícios da globalização...
Como curiosidade final, refira-se que a capa do livro de Peter S. Wells corresponde a um pormenor de um quadro intitulado Les Roumains passant sous le joug**, de um pintor suíço, Charles Gleyre (1806-1874), pintado em 1858 e representado acima. Imperceptível na capa do livro, mas visível nas reproduções do quadro, encontram-se pelo chão as águias imperiais das legiões derrotadas. Naquele caso e naquela época, a referência mais óbvia era às águias imperiais napoleónicas… Como se vê, o recurso à simbologia da Antiguidade para as disputas ideológicas da modernidade é prática antiga…
Falando especialmente sobre germanos e romanos, as relações que melhor conhece das suas pesquisas arqueológicas na Alemanha, Peter S. Wells delas extrai que não haveria uma diferença significativa nos padrões de vida de quem vivia de um e doutro lado da fronteira durante o período romano. Por consequência, e mesmo que o livro não cubra o período da queda do Império Romano no Ocidente, deduz-se que em todo esse processo histórico, não houve um significativo retrocesso civilizacional, apenas transformações profundas nas estruturas políticas com as naturais convulsões a elas associadas.
Predominante nos últimos anos do século XX, com esta tese creio que se terá ido longe demais na intenção de minorar as diferenças nos graus de desenvolvimento civilizacional dos antepassados dos povos europeus que hoje compõem a União Europeia. Por muito bizarro que hoje pareça, há 1800 anos quem vivia na Itália, Grécia, Espanha ou Portugal era, em média, muito mais sofisticado do que os rústicos da Alemanha, da Dinamarca ou da Suécia… Embora também acredite que esta realidade histórica tenha uma boa parcela de inconveniência política. Que a versão histórica mais simpática à integração europeia seja aqui protagonizada por um arqueólogo norte-americano é só um detalhe irónico…
Mas, do outro extremo do espectro reaparece agora a recuperação da versão traumática da queda de Roma, tipificada num livro como The Fall of Rome and The End of Civilization**, de 2005 e da autoria de Brian Ward-Perkins, um britânico, trabalhando em Oxford, e também com muito trabalho de arqueologia desenvolvido em Itália, sobretudo nos séculos V e VI. Dele, Brian Ward-Perkins, conclui que o período final do Império Romano, no Ocidente, se caracterizou por um retrocesso visível das condições de vida, causado pela recessão económica dos regimes de isolamento em que passaram a viver as regiões romanas, na sequência das invasões bárbaras.
Essencialmente Ward-Perkins recupera a tese que os bárbaros escaqueiraram o Império Romano, apossando-se dos territórios conquistados e, na sua rusticidade, isolaram-nos dos vastos circuitos comerciais que, envolvendo as diversas terras sob o domínio de Roma, haviam feito a prosperidade do mundo mediterrânico e suas redondezas nos séculos anteriores. Frontalmente contra as teses da Casa Comum Europeia desde a Antiguidade, esta tese também está carregada de (uma outra) ideologia ao confrontar-nos com aquilo que apresenta como as consequências do isolamento de cada região (país) e da desagregação do que retrata como o mundo globalizado da civilização romana. Enfim, é uma outra maneira de falar dos benefícios da globalização...
Como curiosidade final, refira-se que a capa do livro de Peter S. Wells corresponde a um pormenor de um quadro intitulado Les Roumains passant sous le joug**, de um pintor suíço, Charles Gleyre (1806-1874), pintado em 1858 e representado acima. Imperceptível na capa do livro, mas visível nas reproduções do quadro, encontram-se pelo chão as águias imperiais das legiões derrotadas. Naquele caso e naquela época, a referência mais óbvia era às águias imperiais napoleónicas… Como se vê, o recurso à simbologia da Antiguidade para as disputas ideológicas da modernidade é prática antiga…
* Falam os bárbaros. ** Já publicado (ainda bem) na versão portuguesa em 2006 pela Alêtheia: A Queda de Roma e o Fim da Civilização. *** Os romanos passando sob o jugo.
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