14 janeiro 2007

OS ÁRABES DA TERCEIRA VIA

A História simplificada, tal qual costuma ser contada por judeus e árabes, a respeito dos acontecimentos de Maio de 1948 que estiveram na origem do nascimento do Estado de Israel e da primeira Guerra Israelo-Àrabe, contêm apenas as versões militantes dos dois lados, em que os judeus expulsaram os árabes de suas casas e das suas terras (na versão palestiniana) e a diametralmente oposta, israelita, em que os árabes as abandonaram voluntariamente, contando que o seu gesto fosse apenas temporário.

E depois há a realidade, mais complicada, a dos árabes que não se foram embora e que, por serem uma minoria em relação à população judaica (cerca de 25%) acabaram por se tornar também cidadãos do Estado de Israel. Tratou-se de uma decisão controversa, a de permitir a existência de cidadãos não-judeus no novo Estado de Israel. Mas prevaleceu o bom senso, estava-se em 1948, 3 anos apenas depois de Auschwitz, muito cedo para que entre os judeus, que tinham sido tão descriminados pelos nazis, houvesse a coragem política para que se assumisse assim um papel tão descaradamente descriminador.

Assim, para os cerca de 1,1 milhões de habitantes – e cidadãos – que existiriam em Israel em 1948, haveria aproximadamente uns 800 mil judeus conjuntamente com 300 mil árabes. Note-se que, nesta contagem, não estavam englobados os palestinianos da Cisjordânia – administrada pela Jordânia – nem os da Faixa de Gaza – administrada pelo Egipto. Estes palestinianos, cidadãos de Israel, têm um estatuto específico: estão, por exemplo, isentos do serviço militar* e essa isenção não é um privilégio, antes uma desconfiança descarada a respeito das suas fidelidades.

Nos anos imediatos, a imigração da população judaica (101.000 em 1948, 239.000 em 1949, 170.000 em 1950, 174.000 em 1951, …), a quem era conferida automaticamente a cidadania, reforçou a componente judaica da população de Israel. Reflexo e exemplo disso, a população judaica de Jerusalém praticamente duplicou entre 1948 e 1967: passou de 100.000 para 196.000. Entretanto a população muçulmana passou, no mesmo período, de 40.000 para 54.000. E a população cristã (também palestiniana) reduziu-se a metade: de 25.000 para 13.000.

Mas, passados os anos dourados da imigração, as taxas de crescimento demográfico das populações árabes de nacionalidade israelita já mais do que triplicaram os seus números originais e eles voltam hoje a representar entre 1/5 a 1/6 da população total de Israel e com tendência para que a proporção aumente. É indiscutível que o seu nível de vida é muito superior ao dos países limítrofes e participam na vida política israelita, porque há partidos políticos com representação parlamentar que defendem expressamente os interesses da minoria.

E depois há notícias, como a que ontem li, onde se noticia como grande novidade que foi designado o primeiro ministro árabe de Israel, para a incontroversa pasta da Ciência, Cultura e Desporto… Ao fim de quase 60 anos (1948-2007) de existência de Israel, a ausência de qualquer membro de uma minoria com tal representatividade no topo da sua hierarquia de estado já não se pode dizer que é muito significativa ou que sequer é excessivamente significativa. É mais do que tudo isso nos tempos que correm e é um sinal evidente que não houve qualquer vantagem política ou moral na conduta daqueles palestinianos que escolheram a via moderada para lidar com os judeus ao se tornarem cidadãos de Israel.

Tratar-se-á do mesmo tipo de cidadãos que me deixaram intrigado este Verão quando, perante os bombardeamentos dos mísseis do Hezbollah libanês sobre as suas casas em Haifa e perante as perguntas dos jornalistas estrangeiros, se recusavam a condenar linearmente aqueles que os flagelavam. Tomando como exemplo aquelas pessoas que resistiam ao instinto natural de condenar exclusiva e principalmente aqueles que lhes destruíam as suas próprias casas, mas antes preferiam acusar todos os envolvidos no conflitos, a começar por Israel, é fácil deduzir que, mesmo para os árabes da terceira via, a nomeação deste ministro deve ser uma medida que representará muito pouco… e que virá muito tarde.

*Contudo, os drusos cumpriam-no. Os drusos são um grupo dissidente xiita (também existente na Síria e no Líbano) que constituem cerca de 1,5% da população de Israel. São tradicionais opositores aos principais grupos palestinianos sunitas e cristãos, daí aliados objectivos dos judeus, mesmo antes da independência de Israel. Mas as unidades onde eles cumprem o serviço militar são distintas do contigente geral.

3 comentários:

  1. Mais um excelente texto de quem nos deixa sempre à espera de mais!

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  2. Ainda me recordo quando no liceu se insultava alguém dizendo-lhe: «És um druso!». :)

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  3. Druso também era um nome de família na primeira dinastia imperial de Roma.

    Entre outros, Druso foi o nome do irmão mais novo de Tibério, segundo imperador daquela dinastia, avô do terceiro (Calígula) e pai do quarto (Cláudio).

    Mas nunca o ouvi usado como insulto...

    E mais um encorajador elogio da Sofia daqueles que me incita a superar-me!

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