Entre as grandes biografias ficcionadas de imperadores romanos que foram publicadas ao longo do século passado, o escritor britânico Robert Graves escreveu, Eu, Cláudio, em 1934, a francesa Marguerite Yourcenar publicou as suas Memórias de Adriano em 1951 e o norte-americano Gore Vidal produziu Juliano em 1962. A estrutura usada em cada um deles assemelha-se: a partir de um diário narra-se a vida do biografado, que está ricamente documentada, preenchendo-se os detalhes desconhecidos de acordo com a personalidade que o escritor pretendeu dar ao retratado. E aí se esgotam as semelhanças entre as obras.
O Imperador Cláudio (10 a.C. – 54 d.C.) reinou de 41 a 54, enquanto Adriano (76 - 138), foi Imperador de 117 a 138 e finalmente Juliano (331 - 363), governou o Império entre 361 e 363. Medeia um século de diferença entre o primeiro e o segundo imperador e dois entre o segundo e o terceiro e, para além disso, os autores eram de gerações distintas, os livros foram escritos em décadas espaçadas, para não adicionar ainda a questão das nacionalidades diferentes de cada um dos escritores. Quanto à profundidade de qualquer análise que possa fazer sobra estas obras estará, naturalmente, condicionada pelo facto de a fazer sintética num blogue.
Quanto a Eu, Cláudio, Graves têm a infelicidade de ter de trabalhar muito baseado numa obra do século seguinte ao dos acontecimentos, da autoria de um escritor chamado Suetónio (Os Doze Césares), cheia de pormenores preciosos para a biografia (os tiques e a gaguez de Cláudio, por exemplo) mas cujo resto da narrativa dá uma abordagem aos problemas dos imperadores e do império tão profundos quanto aqueles que poderíamos extrair da actual situação politica de Espanha a partir da leitura da ¡Hola!... mas em escabroso! E o seu Cláudio e sobretudo todos os que evoluem à volta dele sofrem por causa disso.
Acredito em quem considera que Memórias de Adriano – de longe, o mais aclamado dos três livros - seja o melhor deles do ponto de vista literário. Mas, do que conheço, também tenho poucas dúvidas em considerá-lo o menos credível dos três quanto à configuração daquilo que se conhece historicamente da personalidade do biografado. Parafraseando uma crítica cáustica a uma das obras mais conhecidas de Winston Churchill*, aqui pode forçar-se um pouco a ironia, dizendo que Yourcenar inventou uma personagem de um patrício poderoso da Antiguidade, que situou no século II da nossa era e a quem decidiu dar o nome de Adriano...
O Juliano de Vidal é, de longe (e injustamente, na minha opinião), a obra menos conhecida e considerada do conjunto. Juliano foi o imperador que, no século IV, tentou reavivar os cultos ancestrais por oposição ao cristianismo que havia sido a religião da corte durante os 50 anos anteriores. Com uma história tão interessante por base, a crítica mais substancial que lhe posso apontar é a de esquecer quanto de conservador e retrógrado haveria no processo de retorno às práticas religiosas ancestrais. Ora o Juliano de Vidal quase parece um revolucionário de época, tipo James Dean ou Che Guevara…
Feitas as críticas, mesmo contundentes, as três são obras globalmente excelentes, do que melhor pode haver no trabalho apurado de um escritor ao levar o leitor para um ambiente que não lhe é familiar e, tornando-o credível, ali fazer evoluir as suas personagens, embora espartilhado pelo que a História deles conhece. Quando agora parece estarmos a assistir a uma moda de romances históricos (incluindo sobre a Antiguidade), nunca é demais dar destaque ás obras que devem servir de referência ao leitor, pelo seu trabalho de pesquisa e pela sua qualidade literária.
Há uns tempos passou uma mini série na televisão (de ficção) dedicada a Atila, o Huno: os soldados romanos de meados do século V estavam vestidos e equipados como no tempo de César, cinco séculos antes… Outro dia, ofereceram-me um livro chamado A Última Legião. Depois descobri que o autor queria convencer-me que a acção se passaria em 476, data da queda do Império Romano do Ocidente, e que tal legião era o último vestígio de poder militar de Roma. Alguns livros informá-lo-iam que, em 476, o conceito de legião já estaria caduco há 200 anos… Ontem, descobri que John Boorman** se prepara para ser o realizador de uma versão cinematográfica de Memórias de Adriano. Promete…
Nestas ocasiões convém ler (ou reler) o que é bom, para melhor distinguir do que é sofrível ou mesmo mau…
* Winston resolveu escrever um livro enorme (6 volumes!) sobre a sua pessoa e quando chegou a altura de lhe dar um título chamou-lhe A Segunda Guerra Mundial!…
** A filmografia do realizador está disponível na ligação ao IMDB.
O Imperador Cláudio (10 a.C. – 54 d.C.) reinou de 41 a 54, enquanto Adriano (76 - 138), foi Imperador de 117 a 138 e finalmente Juliano (331 - 363), governou o Império entre 361 e 363. Medeia um século de diferença entre o primeiro e o segundo imperador e dois entre o segundo e o terceiro e, para além disso, os autores eram de gerações distintas, os livros foram escritos em décadas espaçadas, para não adicionar ainda a questão das nacionalidades diferentes de cada um dos escritores. Quanto à profundidade de qualquer análise que possa fazer sobra estas obras estará, naturalmente, condicionada pelo facto de a fazer sintética num blogue.
Quanto a Eu, Cláudio, Graves têm a infelicidade de ter de trabalhar muito baseado numa obra do século seguinte ao dos acontecimentos, da autoria de um escritor chamado Suetónio (Os Doze Césares), cheia de pormenores preciosos para a biografia (os tiques e a gaguez de Cláudio, por exemplo) mas cujo resto da narrativa dá uma abordagem aos problemas dos imperadores e do império tão profundos quanto aqueles que poderíamos extrair da actual situação politica de Espanha a partir da leitura da ¡Hola!... mas em escabroso! E o seu Cláudio e sobretudo todos os que evoluem à volta dele sofrem por causa disso.
Acredito em quem considera que Memórias de Adriano – de longe, o mais aclamado dos três livros - seja o melhor deles do ponto de vista literário. Mas, do que conheço, também tenho poucas dúvidas em considerá-lo o menos credível dos três quanto à configuração daquilo que se conhece historicamente da personalidade do biografado. Parafraseando uma crítica cáustica a uma das obras mais conhecidas de Winston Churchill*, aqui pode forçar-se um pouco a ironia, dizendo que Yourcenar inventou uma personagem de um patrício poderoso da Antiguidade, que situou no século II da nossa era e a quem decidiu dar o nome de Adriano...
O Juliano de Vidal é, de longe (e injustamente, na minha opinião), a obra menos conhecida e considerada do conjunto. Juliano foi o imperador que, no século IV, tentou reavivar os cultos ancestrais por oposição ao cristianismo que havia sido a religião da corte durante os 50 anos anteriores. Com uma história tão interessante por base, a crítica mais substancial que lhe posso apontar é a de esquecer quanto de conservador e retrógrado haveria no processo de retorno às práticas religiosas ancestrais. Ora o Juliano de Vidal quase parece um revolucionário de época, tipo James Dean ou Che Guevara…
Feitas as críticas, mesmo contundentes, as três são obras globalmente excelentes, do que melhor pode haver no trabalho apurado de um escritor ao levar o leitor para um ambiente que não lhe é familiar e, tornando-o credível, ali fazer evoluir as suas personagens, embora espartilhado pelo que a História deles conhece. Quando agora parece estarmos a assistir a uma moda de romances históricos (incluindo sobre a Antiguidade), nunca é demais dar destaque ás obras que devem servir de referência ao leitor, pelo seu trabalho de pesquisa e pela sua qualidade literária.
Há uns tempos passou uma mini série na televisão (de ficção) dedicada a Atila, o Huno: os soldados romanos de meados do século V estavam vestidos e equipados como no tempo de César, cinco séculos antes… Outro dia, ofereceram-me um livro chamado A Última Legião. Depois descobri que o autor queria convencer-me que a acção se passaria em 476, data da queda do Império Romano do Ocidente, e que tal legião era o último vestígio de poder militar de Roma. Alguns livros informá-lo-iam que, em 476, o conceito de legião já estaria caduco há 200 anos… Ontem, descobri que John Boorman** se prepara para ser o realizador de uma versão cinematográfica de Memórias de Adriano. Promete…
Nestas ocasiões convém ler (ou reler) o que é bom, para melhor distinguir do que é sofrível ou mesmo mau…
* Winston resolveu escrever um livro enorme (6 volumes!) sobre a sua pessoa e quando chegou a altura de lhe dar um título chamou-lhe A Segunda Guerra Mundial!…
** A filmografia do realizador está disponível na ligação ao IMDB.
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