08 janeiro 2007

A CONTAGEM FINAL

Há um filme norte-americano de 1980, intitulado The Final Countdown cujo enredo, fantástico, se passa num porta-aviões nuclear da época (o USS Nimitz) que, atravessando um estranho nevoeiro no Oceano Pacífico, acabava por viajar no tempo e vir parar a 6 de Dezembro de 1941 (véspera do ataque aeronaval japonês a Pearl Harbour, que faria os Estado Unidos entrar na Segunda Guerra Mundial).

Ainda que involuntariamente (os protagonistas não querem alterar o curso da história, dada vantagem da sua tecnologia versus a dos porta-aviões japoneses), os viajantes do tempo acabam mesmo por ter de dar uma tareia nos irresponsáveis japoneses, num filme que tem um dos argumentos mais estúpidos e uma das recuperações históricas mais canhestras de que me lembro.

E lembrei-me do filme mais recentemente por causa de outra reconstituição canhestra em curso, a da carreira de João Cravinho, que foi erigido para esta sua encarnação de deputado como o grande paladino da luta contra a corrupção. E nesse processo de reconstituição houve mesmo quem, entusiasmado, escrevesse que ele Tentou atacar a hidra durante o tempo em que foi ministro e em colaboração como o general Garcia dos Santos, na altura presidente da JAE. Falhou.

Ora eu tenho uma recordação bastante distinta dos acontecimentos e talvez seja essa também a opinião daquele que acima foi referido como o colaborador. É que quem tentou atacar a tal hidra foi o general Garcia dos Santos e o que parece ter falhado foi a colaboração (solidariedade) do ministro da tutela que se chamava João Cravinho. Ficou até famosa uma aparição de Garcia dos Santos na RTP onde mostrou uma carta de apoio que havia recebido de Sousa Franco, então Ministro da Finanças. Apoio que não receberia de outro lado, supõe-se...

Ora este foi um flagrante fracasso de Cravinho enquanto teve oportunidade e esteve com a faca e o queijo na mão para produzir resultados que, mesmo que não fossem muito eficazes, fossem ao menos moralizadores pela sua espectaculosidade na luta contra a corrupção. Por causa disso sempre tendi a não levar muito a sério toda esta sua publicitada cruzada anti-corrupção da nova encarnação de deputado.

Passando por estar a travar uma espécie de combate solitário contra a corrupção, eu bem sei que se diz que em terra de cegos quem tem olho é rei, mas neste caso concreto, permaneci de um cepticismo muito republicano, porque é conhecido que o essencial dos problemas em Portugal raramente se centra na existência de legislação apropriada, mas antes na implementação da que já existe... Enfim, com esta aceitação de um lugar no BERD e na minha opinião, João Cravinho acabou por dar um fim previsível a um espectáculo que nunca me pareceu convincente. É preferível que venham outros combatentes!...

Porque a valer e a sério, o combate de Cravinho faz lembrar aquela história do papagaio falso que afinal não passava de um mocho que falar, não falava, mas escutava cá com uma atenção!… Também nesta alardeada luta contra a corrupção, João Cravinho, o que podia ter feito, não fez, mas esteve sempre tão atento ao problema!...

5 comentários:

  1. E Garcia dos Santos (que tive o privilégio de conhecer!) não merecia o que sucedeu!!!

    Estava (e está!) muitos pontos acima de um “cravinho” qualquer...

    Não constam, sequer, flores destas no 25 de Abril!

    “Eram cravos, Senhor!”

    ResponderEliminar
  2. No tempo de Salazar, aos elementos perturbadores, aos agitadores (às vezes eram comunistas), estava reservada uma das duas sortes seguintes: Pide ou aumento de ordenado.
    Esta segunda medida era, a prazo, mais eficaz.
    Preso, o resistente ganhava estatuto de mártir.
    Promovido, desinteressava-se da causa até então defendida e deixava os camaradas furiosos e desamparados.
    Cravinho insinuou, ameaçou. Semeou e agora colheu, foi promovido. Clássico, elementar, meu caro Cravo pequeno.
    Ah, mas o homem garante que não esquece nem abandona. Vai ficar vigilante na retaguarda. Como afiançavam as sorridentes madames do Movimento Nacional Feminino...

    ResponderEliminar
  3. Atribui-se a Sir Robert Walpole (1676-1745) a citação de um discurso que ele proferiu na Câmara dos Comuns britânica: "Every man has his price" – cada homem tem o seu preço. Há uma outra versão. Nela, Sir Robert observava um debate acalorado na mesma Câmara dos Comuns quando observou casualmente, a respeito dos oradores: Qualquer destes homens tem o seu preço.

    Mas poderá ser deselegante insinuar seja o que for a respeito da venalidade de João Cravinho, mesmo se o tiverem citado bem sobre a sua reacção de indiferença a essas insinuações. Sobretudo, que não se cometa a injustiça de lhe dar o crédito sobre algo sobre o qual muito falou… mas nada fez.

    ResponderEliminar
  4. O discurso de João Cravinho tem sido consistente ao longo dos anos e posso prová-lo através da transcrição de declarações e artigos que publicou.

    Se essas posições públicas são cínicas, como por aqui se deixa entrever, parece-me algo exagerado.
    O correcto, parece-me ser este ponto de vista que partilho:

    João Cravinho era e é,um comprometido com colegas do PS e pertenceu a uma sensibilidade do partido que saiu do velho MES de Sampaio, Ferro, César de Oliveira ( presidente de Câmara de Oliveira do Bairro, salvo erro e que já faleceu).

    Apesar disso tudo, disse publicamente que nunca concordou com o dinheiro que foi pago à Eurominas ( e por via travessa ao escritório de advogados que intermediou).
    Não pode por isso mesmo, ser pessoa grata em certos círculos do partido que estão no poleiro neste momento, com destaque para o próprio primeiro ministro, Vitorino, Vitalino, A. Martins et al.

    Daí o meu argumento...

    Agora, se ele é mesmo um cínico, só ele o poderá dizer, mas compreendo que tenha desistido de alguma maneira. Outros o fizeram ante dele. O que é pena, aliás.

    ResponderEliminar
  5. A parte do seu comentário, José, em que se refere aos clãs dentro do PS fez-me lembrar uma troca de opiniões – já há mais de seis meses - em mensagem com um colega nosso de blogosfera em que a resposta dele ao meu comentário de censura por um amplo elogio a João Cravinho (não está sozinho na sua opinião, eu apenas o citei para exemplo…), a resposta era até mais explicita do que a sua, na relatividade com que se devem criticar os membros do PS: Cravinho nem era dos piores…

    Ora eu até posso compreender essa relatividade na acção política, naquele famoso comentário de Truman, no quadro da Guerra-Fria, que o ditador aliado do país sul-americano era um filho da p*** mas era o filho da p*** deles, mas não a concebo transposta para o domínio dos princípios. Para mim, é censurável (embora em graus distintos) a corrupção activa ou a passiva ou a cobertura da sua existência por acção ou por omissão.

    Nem está em causa a coerência do discurso de Cravinho ao longo dos anos e as provas que me possa apresentar disso. O que está em causa são as suas acções quando se viu envolvido efectivamente com o fenómeno. Se Cravinho tinha perfil para ser apenas um teórico do assunto, alguém o forçou a aceitar um lugar executivo? Não. Alguém o forçou a escolher o general Garcia dos Santos? Creio que não. O general estava errado nas denúncias que fez e ele demitiu-o? Mais uma vez, não. Que aconteceu depois do afastamento do general? Substancialmente nada.

    Desculpar-me-á José, mas celebrar Cravinho pela sua luta teórica contra a corrupção depois disto, é como atribuir a Bota de Ouro de melhor marcador a Gabriel Alves pelas suas descrições das jogadas na pequena área… E pode ser por outra razão que não cinismo, apenas por falta de jeito para jogar à bola…

    ResponderEliminar