31 agosto 2009

AVIÕES FORA DE ROTA...

A 1 de Setembro de 1983, o Mundo foi surpreendido com a notícia que interceptores soviéticos haviam abatido um Boeing 747 civil da companhia sul-coreana de aviação (Korean Air Lines) com 269 pessoas a bordo. Todas as pessoas a bordo eram dadas como mortas, incluindo 62 passageiros de nacionalidade norte-americana. Com as notícias adicionais, veio a saber-se que o episódio tivera lugar durante a noite, em espaço aéreo soviético, quando o avião fazia a ligação entre Anchorage no Alaska e a capital da Coreia do Sul, Seul. O avião desviara-se da sua rota programada, atravessando espaço aéreo soviético (ver mapa mais abaixo), e a partir daí as versões divergiam…

Passados 26 anos, o melhor que os soviéticos e os seus sucessores russos ainda têm para apresentar como sua justificação continua a ser uma história nebulosa associando o voo do avião sul-coreano com o de um outro avião espião norte-americano e a consequente confusão entre os dois. Pelo contrário, a exploração mediática do incidente pelos norte-americanos foi um primor, retratando a União Soviética de acordo com aquilo que a Doutrina Reagan pretendia que ela fosse: uma potência imperialista agressiva. E, ao derrubar um avião civil de passageiros e recusando-se depois a assumir as suas responsabilidades por tê-lo feito, a União Soviética caiu direitinha na armadilha…

A manobra foi tão bem montada que os norte-americanos até conseguiram abafar as comparações a um outro episódio muito semelhante, que tivera lugar 15 anos antes, que fora na época um embaraço principalmente para os Estados Unidos, mas que sobretudo terminara com um desfecho completamente diferente. A 1 de Julho de 1968, durante um voo fretado que transportava soldados e que voava também de Anchorage no Alaska mas para uma base militar norte-americana no Japão, o avião civil (um DC-8 da Seaboard World Airlines) também se desviara da rota prevista, acabando por atravessar espaço aéreo soviético. Também nesse caso, caças soviéticos haviam interceptado o avião intruso.

Contudo, como se pode observar na fotografia acima, neste último caso as manobras haviam tido lugar de dia e o piloto do voo comercial recebeu, compreendeu e obedeceu às instruções que os interceptores lhe haviam imposto. Aterraram numa remota Base Aérea do Extremo Oriente russo e ali ficaram 238 norte-americanos à espera que a diplomacia do seu país os viesse libertar… Um embaraço maior, pelo seu simbolismo, era o facto dos 214 militares que estavam a bordo terem por destino o Vietname do Sul, numa época em que esse era o ponto quente da Guerra-Fria... Foram todos libertados 48 horas depois e, tão esquecido foi, que nem em 1983 houve quem quisesse recordar o incidente…

30 agosto 2009

OS CURSOS DE VERÃO E OS NOVOS POLÍTICOS

A minha sugestão para os curricula das Universidades de Verão da Juventude Social-Democrata (JSD) e dos Festivais de Verão da Juventude Socialista (JS) apontaria para a apresentação todas as noites de um episódio (devidamente comentado…) da magnífica série Yes, Minister (acima). Apesar de já ter cerca de 25 anos, a série mostra continuar muito actualizada. A semelhança entre as situações que lá se passam e as da nossa realidade política merece a pertinência de as mostrar e explicar a estas gerações vindouras de políticos para que eles, ao menos, quando chegarem a cargos de responsabilidade, não continuem a perpetuar as cenas ridículas dos seus antecessores. Creio que se deve dar à nova geração política a oportunidade de ser ridícula mas de uma forma criativamente diferente. Afinal, eles já deram mostras de tantas possibilidades…

29 agosto 2009

UPS!

O pretexto deste poste é um outro, escrito já há uns três meses num outro blogue, em que se criticava António Costa por ter empregue o vocábulo embaraçante num programa de televisão. Mas o melhor desse poste talvez deva ser mesmo a sua caixa de comentários, especialmente a metade final, onde o autor desse tal poste, depois de lhe demonstrarem de forma indiscutível que afinal, e ao contrário do que escrevera, a palavra existia na língua portuguesa, acaba o diálogo a perorar, sem sequer reconhecer o óbvio: que se enganara…

Enfim, são banalidades de blogosfera e já teria esquecido há muito o assunto não fossem estas repetições sucessivas do anúncio da Cabovisão que se pode ver no vídeo acima. Nele, o atirador de facas, apesar de ainda vendado, emite logo um ups! preocupado antes de ver o resultado do que fizera... Trata-se de uma enorme virtude que João Carvalho, o autor do tal poste, não tinha: a esse, nem que se lhe tirasse a venda, se lhe explicasse cuidadosamente o assunto e mesmo com o auxílio da bibliografia (um dicionário!), nem assim conseguiu(?) perceber que acabara de fazer asneira…

TRÊS VÍDEOS DE RECRUTAMENTO

Este senhor de barbas crescidas da fotografia acima, conhecido por ter teorizado sobre os estádios de evolução das sociedades, tem andado com a reputação um pouco por baixo nestes dias que correm. Mas pode ser que nem todas as suas teorias estivessem enganadas. Admitamos que não estivessem e que esses diferentes estádios de evolução pudessem ser observáveis de forma indirecta através... de anúncios de recrutamento militar.
Ou então considerar, mais prosaicamente, que as diferenças de estilo entre esses anúncios de recrutamento sejam a consequência dos próprios factores culturais da sociedade, da sua história económica e consequentemente do grau de sofisticação da actividade publicitária. Mas não é assim tão importante. O que pode ser facilmente observável são as distinções entre estes três vídeos deste poste, todos de recrutamento militar, cada um deles de origem diferente.
À sofisticação de estilo e recursos do vídeo norte-americano (mais acima), que dificilmente terá correspondência connosco, sucede-se a sobriedade do vídeo russo, porventura dos três o mais adaptado à actual realidade portuguesa, o poste culmina com a canção pimba que domina o vídeo chinês, visivelmente destinado a uma sociedade rural, que em Portugal se traduziria naquelas nossas romarias de Verão e que teria sido um sucesso garantido há uns 30 anos atrás.

28 agosto 2009

O TGV NÃO SÓ É BONITO COMO OS OUTROS PAÍSES EUROPEUS JÁ TÊM UM

A persuasão política pode ter maneiras ultra simplificadas de se exprimir. Na famosa série televisiva Yes, Prime Minister, o Secretário Permanente Sir Humprey Appleby, quando tentava convencer o Primeiro-Ministro James Hacker a manter a encomenda do sistema de dissuasão nuclear que havia sido feito aos norte-americanos, teve este memorável diálogo com ele:

- Se o senhor fosse a um salão de vendas de mísseis nucleares, compraria o Trident… é encantador, é elegante, é bonito, é… muito simplesmente… o melhor. E o Reino Unido deve ter o melhor. No mundo dos mísseis nucleares é um fato de Savile Row, o Rolls Royce Corniche ou o Château Lafite 1945. É o míssil nuclear que lhe venderiam no Harrods. Que mais posso dizer?
- Apenas que custa 15 biliões de libras e que não precisamos dele.
- O senhor bem poderia dizer isso mesmo acerca de tudo o que existe no
Harrods...
Mau grado as distâncias temporais e culturais, trata-se de um estilo de argumentação mais sofisticado mas, ainda assim, muito semelhante àquele que podemos encontrar num poste que foi recentemente colocado no blogue Simplex, em que se procura enaltecer a construção do TGV: O PS vai construir o TGV; o PSD vai parar o TGV. Quem quiser viver no século XXI vota PS; quem quiser ficar no século XIX vota PSD. É Simplex. Apetece até acrescentar: E-quem-não-salta-é-contra-o-TGV-Olé!

Não sei se terá sido para complementar e corrigir aquele poste de um entusiasmo juvenil excessivo mas a verdade é que passados meia dúzia deles há um colega de blogue que volta ao tema TGV. Agora, com um argumento mais consolidado (imagem abaixo): Vários países europeus já apostaram, e continuam a investir, no TGV. Do ponto de vista geográfico, podemos observar que no lado ocidental há uma lacuna. A única, a do nosso País. Que o PS quer terminar e a oposição faz questão de manter.
Confesso que neste segundo caso do que me lembrei foi de uma passagem do álbum Obélix e Companhia de Goscinny & Uderzo e de uma famosa apresentação a Júlio César de uma campanha de marketing para vender menires – objectivamente um produto sem utilidade alguma… Como ali explicava o tecnocrata Caius Saugrenus (uma caricatura de Jacques Chirac - clicar em cima da imagem mais abaixo para a ampliar) as pessoas compram:

A – O que é útil
B – O que é confortável
C – O que é divertido
D – O que provoca a inveja dos vizinhos
Naquele caso dos menires, à falta de qualquer outro atributo, os argumentos de venda teriam que assentar em D. E no caso do argumento para vender o TGV neste segundo poste parece acontecer precisamente o mesmo, só que os invejosos somos nós, que ainda não temos o que os nossos vizinhos já têm… Chama-se a atenção aos autores do blogue Simplex que, reconhecendo que um blogue terá limitações quanto ao grau de profundidade com que os assuntos ali são debatidos, convém que não se fique por caricaturas mal feitas de momentos de humor…

Adenda do dia seguinte: Um outro autor do blogue já lhe adicionou um terceiro poste sobre o mesmo tema que já se refere, embora ainda recorrendo no título ao nome TGV e de uma forma mais sóbria e mais correcta, à rede de Alta Velocidade (AV) a nível ferroviário. Inclui uma abordagem à questão dos possíveis traçados e a uma espécie de análise económica de exploração. Os comentários, a maioria de opinião discordante, são, não apenas mais, mas genericamente mais substantivos a manifestá-la do que nos dois postes anteriores. Não fiquei convencido com a argumentação que ali consta, mas isso é uma outra coisa diferente...

27 agosto 2009

MÚSICAS MISTERIOSAS

Houve uma época, já faz muito tempo, em que as notas espanholas de 100 pesetas eram decoradas com a efígie de um senhor de aspecto esquisito (acima). Com uma cabeça redonda e enorme para o pescoço que a sustentava, parecendo um pássaro ou – imagem que só me veio a ocorrer posteriormente – um extraterrestre, descobri depois que o senhor se chamava Manuel de Falla (1876-1946), era um compositor famoso e que a sua obra mais conhecida era uma peça musical chamada Dança Ritual do Fogo.
Como peça musical, a Dança Ritual do Fogo (acima) parece conter um característico travo misterioso daquela magia de origens populares, das bruxas e videntes que instintivamente sempre provocaram a nossa curiosidade. Não será precisamente isso, mas será algo de muito parecido, igualmente misterioso e popular, que caracteriza por sua vez uma outra peça musical também muito conhecida que se chama a Dança do Sabre (abaixo), da autoria do compositor arménio Aram Khachaturian (1903-1978).

Manuel de Falla e Aram Khachaturian, embora tornados compositores consagrados, foram também dois desiludidos políticos: o primeiro, apesar de incensado pelo regime vencedor, veio a abandonar a Espanha em 1939 depois da vitória das forças nacionalistas de Franco na Guerra Civil (1936-39) e o segundo, que fora um entusiasmado militante comunista na sua juventude, viu-se mais tarde (1948) na contingência de ter de pedir desculpas públicas pelo carácter burguês e antipopular das suas composições…

26 agosto 2009

A GUERRA HISPANO-SUL-AMERICANA (1864-1866)

Se os interesses coloniais portugueses na América Latina se podem dar por concluídos em Julho de 1823, data da rendição do destacamento do exército português que estava estacionado na Baía comandado pelo Brigadeiro Inácio Luís Madeira de Melo, a história colonial espanhola na América ainda perduraria por mais 75 anos. Mas, mais do que isso, se os portugueses não se imiscuíram de forma significativa nas convulsões internas de carácter separatista que ocorreram na sua antiga colónia do Brasil ao longo do Século XIX, registe-se que o comportamento dos espanhóis foi muito diferente.

A época em que esse envolvimento da Espanha se tornou mais evidente foi a década de 1860, não por acaso o período que coincide com a eclosão da Guerra Civil nos Estados Unidos (1861-65), e o período também aproveitado por outras potências europeias para tentar regressar à América, como foi o caso da aventura mexicana da França de Napoleão III, episódio já por mim tratado num poste anterior. A Espanha, embora se tivesse associado à França na questão mexicana, também desenvolveu iniciativas próprias, uma das quais a levou à Guerra Hispano- Sul-Americana (1864-66).
Em 1862 a Espanha, que entretanto havia recuperado após 41 anos, a colónia de Santo Domingo (a actual República Dominicana*), enviou uma expedição científica à América do Sul. Era constituída pelos mais modernos navios da armada espanhola (acima), a expedição era uma evidente exibição de força em águas que outrora havia dominado, a que não faltava o requinte de cortesia do facto do comandante deliberadamente escolhido para a expedição ser o Almirante Luis Hernández-Pinzón y Álvarez de Vides, que era um descendente directo de um dos célebres companheiros das viagens de Cristóvão Colombo...

Não se sabe quais as instruções que o Almirante recebera para a sua expedição mas, se é provável que não fosse à procura de sarilhos, também é provável que, considerados os acontecimentos subsequentes, também não fosse obrigado a agir com o maior tacto e diplomacia caso eles surgissem. As razões que levaram os expedicionários a assumir uma posição de força permanecem ainda hoje um pouco confusas. De qualquer modo, a reacção espanhola pareceu desproporcionada, ao ocuparem as ilhas Chincha (abaixo) que, por causa do guano, eram uma das principais fontes de receitas do Peru na época.
A manobra diplomática espanhola foi um verdadeiro fiasco e, em vez de obter os aliados locais de que necessitaria para a apoiar no conflito com o Peru, a arrogância da conduta do almirante espanhol acabou por conseguir o milagre da formação de uma aliança de antigas colónias espanholas (Peru, Chile, Equador e Bolívia) que, apesar de Repúblicas rivais**, viram com receio os (improváveis) projectos imperiais espanhóis nas costas sul-americanas do Pacífico. Houve alguns combates entre a armada espanhola e a aliada, formada pelas marinhas chilena e peruana, mas nenhum deles se revelou decisivo.

Contudo, a situação estratégica era insustentável para a armada espanhola. Por um lado, com a hostilidade do Chile, as suas ligações com a metrópole espanhola através do Sul da América, apesar de possíveis, haviam-se tornado muito mais complicadas. Por outro, as sanções infligidas ao comércio externo do Chile e do Peru passaram a interferir seriamente com os interesses económicos das outras grandes potências marítimas, a começar pelo Reino Unido e a acabar nos Estados Unidos que entretanto já haviam saído da sua Guerra Civil. Foi uma demonstração de força da Espanha que acabou pateticamente mal…
* A República Dominicana voltou a ser uma colónia espanhola entre Março de 1861 e Março de 1865.
** Dali por 15 anos (1879-84), Chile, Peru e Bolívia envolver-se-iam entre si numa nova Guerra.

25 agosto 2009

O PROGRAMA ESPACIAL SUL COREANO

Naquela região do Mundo, as notícias costumam ser sobre novos feitos – ou então fiascos… – dos programas nuclear e astronáutico da Coreia do Norte, mas as notícias de hoje, para descanso de Bernardino Soares que é sempre chamado à conversa nessas ocasiões, são sobre os feitos da outra Coreia, a do Sul, que as agências hoje noticiam ter lançado o seu primeiro satélite artificial através um foguetão desenvolvido por si. Proezas deste género, para além de aconchegaram os egos nacionais, também se prestam a outras leituras, de carácter político e estratégico. O programa espacial sul-coreano é praticamente desconhecido fora do círculo de especialistas, mas o lançamento que hoje teve lugar representa o culminar de um programa de 20 anos que desde 2002 se dedicava especificamente à construção de um foguete que fosse capaz de colocar satélites em órbita. Curiosamente, para um país situado no centro de uma encruzilhada geográfica e de interesses, com vizinhos tão poderosos como a China, o Japão e a Rússia, a que há que adicionar os Estados Unidos (aliado e com tropas estacionadas no país) e os irmãos da Coreia do Norte, o grande parceiro espacial da Coreia do Sul tem sido a Rússia, país responsável pelo primeiro voo de uma cosmonauta sul-coreana em Abril do ano passado (abaixo).

24 agosto 2009

QUE NUNCA SE DEIXE O RIGOR ESTRAGAR UMA BOA NOTÍCIA

A TSF prendou-nos ontem com uma daquelas notícias que tem a notável virtude de me irritar como só alguns órgãos de informação têm o condão de o fazer. A coisa dizia Dinheiro português enviado para off-shore superou os seis mil milhões de euros. Contudo, do detalhe da notícia não se esclarece quais têm sido historicamente os fluxos normais desse tal dinheiro português para que, comparados com estes seis mil milhões, percebessemos as causas para a imponência do título da notícia. No corpo da notícia, falta esse esclarecimento, mas não falta uma comparação, tão irrelevante quanto demagógica, com os custos dos mega-projectos anunciados pelo PS: ...(quantia que) chegava e sobrava para pagar o novo aeroporto de Lisboa e a terceira travessia sobre o Tejo.
Curiosamente, é numa notícia sobre aquele mesmo assunto mas num jornal reputado pelo seu sensacionalismo (o Correio da Manhã) que consegui estabelecer as devidas proporções dessa aparentemente descomunal fuga de capitais: afinal os 6,1 mil milhões enviados para off-shores no primeiro semestre de 2009 representaram um crescimento de 13,4% em relação aos 5,4 mil milhões que já haviam saído em igual período do ano em 2008… antes da crise financeira ter feito com que regressassem 3,9 mil milhões (quase ¾ do montante original) por precaução ao nosso país, ao longo do último quadrimestre de 2008. Se quiséssemos continuar com a demagogia da conversa dos aeroportos, então já percebemos que teríamos para aqui aeroportos com fartura, certamente um ou dois por ano…
Infelizmente, este é apenas mais um exemplo daquelas notícias de merda, em que a informação que nos é prestada não é propositadamente enquadrada para que não perca o seu impacto e assim nos consiga manipular. Falando em manipulações, mudemos das finanças para a meteorologia e observemos o gráfico acima (retirado de Histoire des Populations de l´Europe, Vol.1), que nos mostra o que os especialistas calculam ter sido a evolução da temperatura média da Europa de há 150.000 anos para cá. À medida que nos aproximamos do presente (olhando de cima para baixo) observa-se que o clima europeu tem permanecido anormalmente estável e quente (lado direito...) de há uns 10.000 anos para cá. Antes disso, há 20.000 anos atrás atravessara-se uma fase fria, conforme o mapa da Europa abaixo, retirado da mesma publicação.
Trata-se da fase da Europa que se costuma idealizar graficamente com os nossos antepassados do Paleolítico cobertos de peles, à caça de mamutes, ursos e outros animais resistentes ao frio. No entanto, voltemos ao gráfico para descobrir que 100.000 anos antes disso, ou seja, há cerca de 120.000 anos, tanto as indumentárias como os animais teriam de ter sido muito diferentes, porque a Europa terá atravessado então um período ainda mais quente do que aquele que experimentamos na actualidade. E os efeitos que se estimam que esse aquecimento teria tido na geografia europeia podem ser observados no mapa abaixo (da mesma publicação), com os contornos costeiros de há 120.000 anos muito diferentes dos actuais por causa da subida generalizada do nível dos oceanos.
Como os seis mil milhões da TSF, quando das notícias sobre a questão do aquecimento global, raramente a peça informativa contém elementos que nos informem o quanto já se sabe sobre estas mudanças climáticas que ocorreram no passado. Embora não se sabendo quase nada sobre os mecanismos que as provocaram, sabe-se pelo menos que, como vimos acima, quando analisado a uma escala multimilenar, o clima acaba por se tornar numa variável imprevisível. Mais do que isso, e ao contrário do que estará a acontecer depois da Revolução Industrial, é certo que a contribuição do Homem para essas mudanças do passado terá sido irrelevante. Sabendo isso, a pergunta inconveniente é: será que alguém fundamentadamente poderá assegurar que as actuais alterações climáticas se devem exclusivamente à actividade humana?

23 agosto 2009

MÚSICAS COM ESTAÇÃO

Associar música com estações do ano levar-nos-á automaticamente a pensar n´As Quatro Estações de Vivaldi, um conjunto de quatro concertos (um por cada estação do ano) de que o primeiro movimento de A Primavera é conhecidíssimo. Mas o que aqui pretendi fazer é muito mais simples: escolher peças musicais que, embora não tivessem sido compostas para isso, me parecem evocar uma estação do ano específica.
É o caso de Samba Pa Ti de Carlos Santana que me faz pensar logo no Verão
E é o caso da Gimnopédia Nº 1 de Erik Satie que me faz sempre associá-la ao Inverno.

22 agosto 2009

O VELHINHO DO DOCUMENTO VELOSO

Começo por dizer quanto é preciso salvaguardar as devidas proporções quanto à gravidade das respectivas acusações, mas, tal qual acontece com aqueles antigos oficiais alemães que ainda vão sendo condenados por crimes de guerra cometidos durante a Segunda Guerra Mundial que agora aparecem com figuras de beatíficos avôzinhos com 90 anos e mais, também o velhinho simpático que vemos a tocar bateria na fotografia acima tem por detrás de si uma história antiga que, embora não envolva crimes com a gravidade das execuções sumárias dos nazis, também não é nada edificante para si.

O velhinho simpático chama-se Manuel Jorge Veloso, tem agora 72 anos, é reconhecido como uma das referências do Jazz em Portugal, mas há 34 anos atrás, embora estivesse já a construir essa reputação como crítico de Jazz, não era velhinho e, pelo que mostra a fotografia de época que encontrei (abaixo*), também não parecia assim tão simpático. O que terá tornado o seu nome notado nessa época (que era a do PREC, relembre-se) foi o de ter servido de nome de baptismo de uma famosa lista secreta de avaliação do pessoal da RTP, a que se juntavam as respectivas sanções: o Documento Veloso.
Aparecida em Maio de 1975 e presumivelmente roubada ao seu autor (ou autores), essa famosa lista que visava avaliar o pessoal da RTP com base em factos, objectivos e subjectivos, conhecido o seu passado e presente na empresa e as suas actuações (sic), veio a tornar-se numa arma de arremesso na luta política que ser travava então entre o PS e o PCP e um terrível embaraço para este último partido, já que o documento denunciava de uma forma suficientemente credível quais seriam as intenções dos membros da sua célula naquela empresa: o saneamento de cerca de 70 dos seus colegas…

O PCP terá procurado cortar rente toda a história, com Manuel Jorge Veloso a assumir-se de uma forma inverosímil como o autor solitário de uma lista que fora redigida, na sua explicação, como um simples apontamento pessoal que lhe teria sido sonegado abusivamente (sic). Desse apontamento pessoal constavam apreciações individuais tão eloquentes quanto: O sogro do Dr....; ...quase de certeza corrupto pelo lugar que ocupava; ...nenhum passado antifascista, talvez antes pelo contrário; beato fascista, cunhado de...; ...atrasado mental... ; ...frustrado homossexual eventualmente não activo... ou amante de…
Importantíssimo na altura, por se tornar numa demonstração pública que, apenas um ano depois da queda do fascismo já havia quem lhes queria copiar os métodos embora invocando novos valores, o episódio tornou-se hoje uma nota de rodapé da história do PREC. Mas que não o seja tanto que se arrisque a prescrever de uma avaliação política que façamos do comportamento dos comunistas quando eles se encontraram em posição de alcançar o poder em Portugal em 1975. Então eles, que sempre se mostraram tão zelosos para que não se apagasse a memória dos acontecimentos do passado, não por acaso aqueles que lhes convêm...

Tudo isto não impedirá que aqueles que ainda se lembrem desta história de um crítico de Jazz catapultado a líder de uma depuração ao melhor estilo estalinista não deixemos de esboçar um sorriso que será forçosamente irónico quando nos deparamos aqui na internet com uma lista que tivesse sido elaborada por… Manuel Jorge Veloso. No caso, trata-se da lista das suas preferências quanto aos melhores álbuns de Jazz de 2008. Nunca nos esqueçamos do significado do Documento Veloso mas que isso não nos impeça de ouvir uma das suas boas escolhas desta sua outra lista: Patrícia Barber, Snow.
*Um agradecimento especial à Ilustração Portuguesa pela preciosa fotografia de 1974.

21 agosto 2009

A NOITE EM QUE OS PORTUGUESES NÃO SE DEIXARAM CONDICIONAR PELAS SONDAGENS...

Começo por vos dizer quanto foi para mim uma enorme felicidade ter encontrado esta pequena gravação. Mas, antes de a verem, deixem-me que lhes transmita o ambiente em que ela apareceu: estava-se a 7 de Junho deste ano, em plena noite eleitoral das últimas eleições europeias e o ambiente que as televisões transmitiam da sede do PSD era verdadeiramente, e como seria de esperar, esfuziante, um ambiente a que, embora não tivesse votado no PSD, eu não me sentia propriamente insensível, considerando a causa principal que eu atribuía para a dimensão da tareia que naquele momento o PS estava a levar – a escolha de uma pessoa como Vital Moreira para seu cabeça de lista.

Eis senão quando, por entre a chusma de repórteres que se acotovelavam no rés-do-chão à procura de um notável do PSD, eis que surge José Luís Arnaut a fazer-se ao jeito, quase de propósito para me recordar como tudo na vida tem de ter o seu reverso. O vídeo tem apenas a duração de 1:16 mas nele Arnaut consegue responder sucessivamente a três perguntas distintas rematando sempre com a mesma ideia: que os portugueses não se deixaram condicionar pelas sondagens. É tão excessivo e ridículo que até dá para suspeitar que se alguém lhe tivesse perguntado na ocasião que número de sapato calçava, ele responderia que calçava 43 porque os portugueses não se deixaram condicionar pelas sondagens
Não considero José Luís Arnaut uma pessoa particularmente sagaz, e creio que isso se comprova bem no episódio do vídeo acima, muito embora ele mostre possuir aquela esperteza saloia de saber quando aparecer nas celebrações para se lhes poder associar. A sua ascensão nas estruturas internas do PSD no tempo de Durão Barroso sempre foi para mim um enorme mistério. Muito mais o é esta reemergência de José Luís Arnaut agora no clã de Manuela Ferreira Leite que é outro mistério². Quanto à sua condição de candidato a deputado pelo PSD às próximas eleições, a escolha da recondução de Arnaut como cabeça de lista por Viseu, não me parece ser um grande sinal (é o nº 60...) da prometida renovação do partido

20 agosto 2009

O MÉRITO...

A Cochinchina, como já tive oportunidade de aqui explicar no blogue, é a mais meridional das três regiões constituintes do Vietname. E, pelos vistos, embora numa versão um pouco diferente (com a nasalização da primeira sílaba em vez da segunda), é também um lugar em Portugal, como se pode ver pela placa abaixo. Mas também é uma espécie de lugar para onde o presidente de um partido que se intitula Movimento Mérito e Sociedade (MMS) pretende que nós mandemos os seus adversários políticos de maior nomeada.
O senhor em causa chama-se Eduardo Correia e a campanha do tal movimento do mérito a que preside começou com o demérito de se envolver numa controvérsia a respeito da designação que é empregue pelo seu cartaz quanto ao lugar para onde se apela que os portugueses mandem a concorrência: trata-se da Cochinchina ou da Conchichina? A explicação, que me parece conter um evidente cunho de improviso, é que se trata da segunda, por se tratar de um país virtual e assim se evitar ofender os vietnamitas.
Associar tanto cuidado com estrangeiros a tais ofensas aos compatriotas é que não parece fazer muito sentido, para mais quando se pretendem oferecer lugares de primeira classe para o primeiro-ministro, José Sócrates, e todos os membros dos últimos quatro governos, com excepção de [João] Cravinho. Se é excessiva a comitiva, é ainda mais imbecil a excepção porque nunca é demais lembrarmo-nos daquilo que João Cravinho não fez quando teve oportunidade de lutar efectivamente contra a corrupção

Paradoxalmente, parece-me que será com a repetição de episódios como estes que se reforçará a nossa simpatia pelos nossos políticos tradicionais. Sobre aquele antigo programa Rock em Stock dizia a minha mãe que, se aquilo que lá passava era o stock deles, então era melhor que organizassem rapidamente um leilão… Pois eu, sobre este Movimento Mérito e Sociedade apeteceu-me parafraseá-la, porque se para este partido isto é que é o mérito, então é melhor que deixem a sociedade em paz…

FUTEBOL – DESPORTO – ESPECTÁCULO – NEGÓCIO – …e TRETAS

Já há muito que o futebol deixou de ser um desporto e, para o comprovar, vale a pena que se faça uma pequena comparação da enorme discrepância que existe entre o número dos seus adeptos e o número daqueles que efectivamente o praticam. Ou também se pode perguntar quantas estrelas do futebol (abaixo) por esse Portugal fora terão alcançado esse estatuto sem que fosse preciso que tocassem numa bola?
Deixando de ser um desporto passou a ser um espectáculo que precisa, como qualquer bom espectáculo, de uma coreografia devidamente organizada. Ainda recentemente, coube a um árbitro norueguês (abaixo) a tarefa de evitar que na final da Liga dos Campeões de 2009 não se repetissem precisamente os mesmos participantes do ano transacto, o que seria aborrecido em termos de audiências e de receitas publicitárias…
Porque, como espectáculo, o futebol tem-se tornado também num negócio de muitos milhões. E esses milhões assim gerados costumam tornar a ser injectados entre os seus agentes principais para que o ciclo se mantenha. Por agente principal entenda-se figuras de vulto como o empresário José Veiga (abaixo) – que, se calhar, nem sequer alguma vez terá tido jeito para jogar à bola… – ou um verdadeiro actor como Cristiano Ronaldo.
Se estou convencido que são estas e são claras as regras do verdadeiro Grande Jogo, e como esta opinião recolheria a concordância quase unânime da audiência presente se a tivesse apresentado no intervalo de um jogo num daqueles cafés onde a malta se junta para ver a SportTV, a verdade é que, perante estas regras cristalinas (quase tudo é uma aldrabice!), não concebo que razões haverá para que certas polémicas possam surgir.
A não ser para vender jornais(acima)... como parece acontecer com a pretensa atitude ofendida de Cristiano Ronaldo após a reacção céptica ao comunicado sobre os seus sintomas gripais que o impediram de alinhar no último jogo da selecção. Entendamo-nos: um jogador só está motivado positivamente para jogar pela selecção enquanto não assina o Contrato da sua vida. Que saudades do golo de Luís Figo no Euro 2000!...
Depois de assinar esse Contrato Milionário, como aconteceu com Luís Figo e aconteceu agora com Cristiano Ronaldo, os jogadores de elite já só podem ser motivados a jogar pela sua selecção nacional pela negativa, i.e., pelo receio da maneira como uma recusa em o fazer poderia afectar a sua imagem pública. E isso reflecte-se nos seus rendimentos desportivos e os últimos desempenhos de Cristiano Ronaldo na selecção aí estão a prová-lo.
Tratando-se de um negócio, os números falam por si: mesmo se o risco de uma lesão rondasse apenas 1%, depois de ter pago 93 milhões de €uros por ele, o Real Madrid arriscava cerca de um milhão ao ceder Cristiano Ronaldo para um jogo a feijões da selecção portuguesa com a do Liechtenstein. Percebem-se perfeitamente os sintomas gripais. Não há pachorra é para o discurso de todos os sacrifícios que Cristiano Ronaldo já terá feito pela pátria

19 agosto 2009

O SUBMARINO NUCLEAR INDIANO


Quando a Índia anunciou, no passado dia 26 de Julho, que havia lançado à água o seu primeiro submarino nuclear de concepção nacional terá havido quem se aborrecesse deveras com tal realização técnica – a China, conforme o fez saber (na sua forma subtil...) à sua vizinha no 13º Encontro sobre Fronteiras Comuns que teve lugar imediatamente a seguir, em 7 e 8 de Agosto em Nova Deli (abaixo). E o que estará a incomodar os chineses não será apenas o significado político e táctico que poderá representar esta nova arma no arsenal da Marinha indiana, mas antes o significado estratégico da sua aparição tão rápida.
Ao anunciar o lançamento, o Primeiro-Ministro Manmohan Singh foi inequívoco em enaltecer a colaboração russa para o projecto, cujos conhecimentos foram cruciais para a solução do maior problema técnico que se coloca na construção de um submarino nuclear: a compactação de um reactor nuclear no espaço limitado de um navio. Mas a cooperação sobre tecnologia nuclear não se limita aos russos, uma vez que a Índia também celebrou, por exemplo e em 2005, um Acordo com os norte-americanos sobre transferência de tecnologia nuclear – embora nesse caso se destine exclusivamente a fins civis.
Em suma e em termos estratégicos, a Índia parece ter conseguido manobrar muito bem entre os seus antigos (Rússia) e novos (Estados Unidos) aliados, granjeando o estatuto de um parceiro muito desejável perante aquelas duas grandes potências, ambas receosas da ascensão da China. Esse favorecimento, em termos práticos, tem-se traduzido em condições muito mais vantajosas para a obtenção de conhecimentos sobre tecnologias sofisticadas (como a nuclear ou a espacial) e em programas de desenvolvimento concretizados em períodos muito mais rápidos do que aquilo que a isolada China teve que demorar, para grande irritação desta.

O CASO WATER…MELON

Quando um jornal publica um título como Presidência suspeita estar a ser vigiada pelo Governo e depois tenta dar ao corpo da notícia o aspecto de que ela teria resultado de um prévio e prolongado trabalho de investigação jornalística, como aconteceu ontem com a edição do Público (acima), ocorre-me logo aquela história do comunicado emitido pelo Ministério da Propaganda de Goebbels (abaixo) que anunciava que demonstrações espontâneas iriam ter lugar por toda a Alemanha amanhã ao meio-dia
Que a história afinal, depois das contra-manobras dos assessores governamentais, pareça ter rebentado no nariz de quem a criou só a torna mais cómica e comprova aquilo que aqui já escrevi sobre a incompetência das hostes sociais-democratas. Para rematar toda esta história com um trocadilho que esteja verdadeiramente à altura deste jornalismo medíocre, só resta dizer que aquilo que o Público anunciou com travos que faziam lembrar o famoso Caso Watergate se terá ransformado no Caso Water…melon.

18 agosto 2009

LOCUTORES DE GUERRA

Este poste é constituído por duas histórias: uma pequena, outra maior. A primeira, curta, é necessária para enquadrar o paradoxo com que terminará a segunda. Começa em plena Primeira Guerra Mundial quando em Abril de 1916 os revolucionários irlandeses desencadearam uma insurreição contra os britânicos. A insurreição, que ficou conhecida como o Levantamento da Páscoa, fracassou e na fase de repressão que se seguiu, os britânicos, ao abrigo da Lei Marcial então em vigor por causa do estado de guerra, executaram aqueles que consideravam os líderes nacionalistas irlandeses responsáveis pela rebelião.
Houve algumas excepções. Alguns líderes escaparam porque, apesar de condenados, não chegaram a ser capturados. Outros escaparam por razões técnicas, como foi o caso de Éamon de Valera (acima): de Valera era um cidadão norte-americano e, numa altura em que o Reino Unido estava a cortejar descaradamente os Estados Unidos para que eles se envolvessem na Primeira Guerra Mundial, a última coisa que iriam desejar era arranjar acidentalmente um incidente diplomático. Foi assim que de Valera escapou à execução, mas não veio a escapar ao estigma com que uma parte da Irlanda avalia ainda hoje o seu legado(1)
.
Não terá sido o caso da Primeira Guerra Mundial (1914-18), nem o da Guerra da Independência Irlandesa (1919-21), mas já aqui tive oportunidade de me referir a guerras que também foram travadas nas ondas de rádio. Nessas guerras dentro das outras Guerras forjaram-se popularidades, quer positivas, por parte de quem falava do lado para onde iam as simpatias do auditório, como foi o caso de Fernando Pessa (acima), nos serviços portugueses da BBC durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quer negativas, da parte dos locutores que falavam na língua do inimigo e para o auditório do inimigo…
Curiosamente, foram estes últimos casos que se tornaram mais interessantes e que mais perduraram na memória dos intervenientes e ainda hoje subsistem as referências a locutores como Lorde How-How (acima), que fazia a locução das transmissões alemãs em língua inglesa para o Reino Unido entre 1939 e 1945, à Rosa de Tóquio que, como o nome indica, desempenhava o mesmo papel a favor do Japão por essa mesma altura, e, mesmo passada uma geração, também subsistem as referências à Ana de Hanói da Guerra do Vietname e mesmo à nossa Maria Turra da Guerra Colonial (Frente da Guiné).
Mas, enquanto Ana de Hanói e Maria Turra estiveram do lado que venceu, os outros não, o que fez toda a diferença… Lorde How-How, que se chamava na verdade William Joyce (acima), era um simpatizante fascista de origem irlandesa mas com a nacionalidade norte-americana que, nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, se engajara a trabalhar para a propaganda nazi. Apesar da alcunha meio ridícula e até sobranceira que lhe haviam dado, os britânicos levavam o seu trabalho mesmo muito a sério, como se demonstrou pelo tratamento que lhe deram quando lhe puseram as mãos em cima no final da Guerra...
Joyce foi aprisionado, tendo sido mesmo ferido durante a captura: um tiro que lhe atravessou as duas nádegas… Mas, nem mesmo o carácter humilhante do ferimento de guerra o salvou da posterior condenação à morte por Alta Traição. A embaraçosa questão técnica que se pôs, contando até com o famoso precedente de Éamon de Valera, era a de como é que a justiça britânica poderia condenar alguém por traição a uma pátria que não era a sua… Claro que se arranjou uma explicação apropriada(2) já que desta vez a preocupação com a reacção norte-americana à execução era nula. William Joyce foi executado em 3 de Janeiro de 1946...

(1) No filme Michael Collins (1996), sobre os caminhos conturbados que conduziram à independência da Irlanda em 1922, Eamon de Valera (interpretado por Alan Rickman) é retratado como um político cínico (e o mau da fita) em contraste com o generoso Michael Collins (Liam Neeson).
(2) William Joyce havia requerido o seu passaporte invocando – falsamente – a sua condição de súbdito britânico. Assim, fora como súbdito britânico que Joyce fora para a Alemanha e era nessa condição (falsa, mas criada por si) que ele foi julgado e condenado. A argumentação é vagamente defensável mas é mais do que passível de uma contestação sólida…

17 agosto 2009

PORQUE É QUE O SACRO IMPÉRIO NÂO PODIA SER ROMANO E GERMÂNICO SIMULTANEAMENTE

Tanto a estrutura feudal como a organização política (baseada na monarquia electiva) sempre me fizeram considerar que o Sacro Império Romano Germânico (mapa acima) foi mais uma ideia do que uma entidade política consequente. Para mais, quando o conjunto dos povos que o integravam era tão díspar, a começar pelas distinções nítidas entre os que habitavam a Sul (o Romano do título) e a Norte dos Alpes (o Germânico). E uma forma engraçada de que me lembrei para podermos constatar isso aqui num poste deste blogue é através de duas diferentes interpretações musicais.

A peça musical é famosa e familiar aos ouvidos de todos, especialmente depois de popularizada pelo filme Apocalypse Now: trata-se d´A Cavalgada das Valquírias de Richard Wagner que seria, existisse ele ainda na época, um destacado membro germânico do Império. Assim se compreende como, na comparação entre duas interpretações dessa mesma peça, a do famoso maestro germânico Wilhelm Furtwängler (acima), nos soe, mesmo aos nossos ouvidos leigos, muito mais genuína do que a do não menos famoso e seu contemporâneo, o maestro romano Arturo Toscanini (abaixo).
Parece que, nesta segunda cavalgada, os cavalos pousam as suas patas com muito mais suavidade...

16 agosto 2009

ZHOU ENLAI – Uma Biografia

A Ocidente sempre houve uma enorme atracção por todas aquelas histórias das disputas políticas secretas que se travaram (e ainda travam) entre as cúpulas chinesas. Ainda nos últimos anos apareceu a moda das biografias de Mao Zedong das quais se publicaram várias versões(*). Esgotado esse primeiro filão editorial, suponho que terá sido na continuação da exploração do mesmo sucesso comercial que terá aparecido a edição (e respectiva tradução portuguesa) desta biografia de Zhou Enlai da autoria de Gao Wenqian, que foi editado originalmente em mandarim em 2003.
Se há característica que o livro possui é a de ser um livro genuinamente chinês... Ou seja, o seu autor é capaz de retocar a realidade até a um ponto de a tornar inverosímil. Assim como o quadro acima não passa de uma fábula de uma hipotética visita de Mao aos camponeses que sabemos nunca poder ter acontecido daquela forma, também a capa do livro (mais acima) mostra-nos um Zhou Enlai diante de uma limousine de inspiração soviética, de mãos nas ancas, numa pose que nos parece desafiadora, a simular uma atitude política que nunca foi a sua ao longo da sua carreira… Na verdade, esta biografia de Zhou Enlai nem é verdadeiramente uma biografia. Cobre apenas o período inicial da sua vida, desde 1898 até ao princípio dos anos 30 e depois salta para os seus últimos dez anos (1966-1976), porventura os mais importantes, os mais interessantes e os mais agitados (acima, Zhou a receber o Presidente Nixon em Fevereiro de 1972). E, por outro lado, a biografia política de Zhou Enlai durante esse período de nada vale sem se contar com a omnipresença de Mao Zedong... Assim, mais próximo da verdade, o livro é uma história dos anos terminais do maoismo Muito apreciado no exterior, Zhou parece ter funcionado, para empregar por uma vez uma metáfora com raízes ocidentais, como uma espécie de grande mordomo encarregado da administração das propriedades enquanto o senhor feudal (Mao) se dedicava aos seus caprichos que quase arrastavam o património à falência... E os ciúmes e caprichos do senhor eram violentos, como se pode observar pela comparação das fotografias anexas: o mesmo Zhou em destaque na visita de Nixon (acima) podia ser posto de castigo durante a visita de alguém tão insignificante quanto o Rei do Nepal (abaixo). A descrição dos conflitos internos que assolaram naquela década o Partido Comunista Chinês é tão desprovida de conteúdo ideológico quanto a dos partidos portugueses da actualidade. E, segundo a narrativa do livro, Zhou parece ter sobrevivido às manobras de Mao, flutuando por cima delas quando possível e vergando-se à sua vontade quando não(**). Contudo, quanto mais nos aproximamos do fim, mais difícil se torna aceitar a continuação da infalibilidade maquiavélica de Mao Zedong ali descrita, quando as fotografias de época mostram Mao completamente debilitado (abaixo, Fevereiro de 1976).
Recorde-se que, se Zhou Enlai morreu em Janeiro de 1976, Mao Zedong não lhe sobreviveu por muito tempo, tendo vindo a falecer em Setembro desse mesmo ano. Seguiu-se uma tremenda luta pelo controlo do PCC e dos destinos da China. Também neste aspecto, este livro de Gao Wenqian é genuinamente chinês, ao desenvolver uma narrativa que legitima, por uma caução de Zhou Enlai concedida nos seus últimos meses de vida, a sucessão que, como se sabe, veio a recair em Deng Xiaoping (o 3 da fotografia abaixo)… Enfim, um livro não propriamente rigoroso, mas muito interessante…
(*) Desde a mais conhecida Mao, a História Desconhecida, de Jung Chang e Jon Halliday até Mao Uma Vida, de Philip Short, A Vida Privada do Presidente Mao, de Li Zhisui ou Mao: Uma Vida, de Jonathan D. Spence.
(**) Registe-se contudo, através da leitura de um clássico como A Arte da Guerra de Sun Tzu, como é facilmente compreensível que na China um comportamento tão flexível como o assumido por Zhou Enlai é avaliado de uma forma globalmente favorável, ao contrário do que aconteceria no Ocidente.