29 maio 2009

A NOVA BOMBA NORTE-COREANA

A 25 de Maio passado a Coreia do Norte efectuou um segundo teste detonando mais um dispositivo nuclear. Contudo, depois das primeiras notícias mais sensacionalistas, as que se lhe seguiram, mais sóbrias e concretas, parecem indicar que, segundo se pode deduzir das medições dos sismógrafos usadas para estas ocasiões, a potência associada à explosão foi muito menor daquilo que seria considerado expectável naquelas circunstâncias, situando-se entre o equivalente a 1.500 e 4.000 toneladas de TNT. Como já aqui havia referido, com uma só excepção (a da Índia), em todos os ensaios iniciais de engenhos nucleares efectuados pelas potências nucleares – a começar pelo inicial, o de Alamogordo em 1945 – registaram-se potências iguais ou ligeiramente superiores às 20.000 tons de TNT (ou 20 kton, numa notação mais científica). Trata-se de uma situação paradoxal, mas nas fases iniciais das pesquisas, torna-se mais fácil conceber engenhos com aquele tipo de potências do que com potências inferiores… As explicações para que, por uma segunda vez, a potência registada por um engenho nuclear norte-coreano tenha sido inferior ao expectável podem ser três. Por ordem crescente de probabilidade: a) A pesquisa nuclear norte-coreana já está num nível tão avançado que lhe permite construir engenhos nucleares de potências reduzidas Muito improvável. Os norte-americanos só realizaram os primeiros testes de bombas nucleares tácticas de potência reduzida em 1951, 6 anos depois de Alamogordo. Embora menos bem documentado sabe-se que o mesmo fizeram os soviéticos a partir de 1949. É da lógica do emprego do armamento nuclear que as primeiras pesquisas se concentrem em engenhos com potências superiores, não inferiores. E a ela não escaparia a Coreia do Norte. E que sentido faria, nesta demonstração mostrar contenção? b) As explosões não passam de encenações feitas com gigantescas explosões de centenas e milhares de toneladas de explosivos convencionais. Improvável, mas não é impossível. Sendo principalmente demonstrações de poder orientadas sobretudo para o exterior (se dúvidas houvesse, os mísseis que foram lançados imediatamente depois do teste provam-no), e tratando-se de um país e de um regime completamente fechado ao exterior, não se pode excluir essa hipótese. Afinal, é apenas o patamar seguinte ao da manobra de Saddam Hussein que, sem ter afirmado que possuía armamento nuclear, também nunca desmentiu possuí-lo… c) Como já acontecera em Outubro de 2006, o engenho nuclear norte-coreano ensaiado voltou a falhar A hipótese mais provável. Na história da entrada das potências na era nuclear, apenas a Índia falhou a sua – em 1974 – com estrondo. Ou melhor, com menos estrondo, porque, como escrevi acima, a potência do engenho se ficou – segundo as melhores estimativas independentes – pelo equivalente a 8 kton de TNT. No entanto, para todos os efeitos práticos, tratou-se mais de um pormenor técnico, porque a Índia passou a ser reconhecida estrategicamente como uma potência nuclear desde esse ensaio. É tomando isso em conta e se se confirmar esta terceira hipótese, que estaremos perante o pormenor mais desconfortável de toda esta questão do programa nuclear norte-coreano. Que razões poderão estar por detrás da necessidade de realizar este segundo ensaio, quando o estatuto nuclear da Coreia do Norte já lhe fora reconhecido? Tratou-se de uma aposta de um poder político que, aparentemente, parece não ter sido muito sensível às realidades, nomeadamente às capacidades científicas do seu país, precipitando o fracasso…

6 comentários:

  1. Felicito-o pelos esclarecimentos. É nisto que o António Teixeira é raro - se me permite julgar - no "bloguismo", fazendo-me revisitá-lo com frequência apesar (agora é que se vai zangar) de uma parcialidade por vezes... desconcertante em opiniões do domínio ideológico.

    Mas como dizia o outro, " a cantiga é uma arma", i.e. "a palavra é uma bomba".

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  2. Seja bem reaparecido nesta caixa de comentários, António Marques Pinto!

    Quanto ao seu receio, e passe a contradição, embora me zangue muito, raramente me zango. Mas, zango-me a sério, para lhe dar um exemplo, quando escrevo um poste elogiando globalmente a actividade desenvolvida pelos eurodeputados portugueses, elogiando especificamente dois eurodeputados comunistas portugueses e comecei logo a ser insultado por não ter elogiado TODOS os eurodeputados comunistas portugueses.

    E, se atentar bem, as minhas opiniões, por muito… desconcertantemente parciais que as considere, não costumam ser do foro ideológico. De facto, se consultar as minhas etiquetas ali no lado esquerda, existem apenas 44 entradas classificadas com a etiqueta de “filosofia e religião”. Umas podem apresentar o taoismo ou o budismo, outras tratar da reforma luterana do Século XVI, outras ainda da cisão sino-soviética da década de 1960…

    De facto, muitos dos postes que aqui escrevo são sobre História (277 etiquetas) e sobre histórias: o fiasco da independência da Terranova, a arrogância da ditadura militar brasileira, o hábito recente da encenação das coroações… Se há quem, por razões que, essas sim, não podem deixar de ser ideológicas, não se sinta “confortável” com essa espécie de “revisionismo”, quando se tocam certos assuntos do passado, então que o refute, mas factualmente.

    Afinal repare, António Marques Pinto, eu escrevi qual era a minha análise sobre os ensaios nucleares norte-coreanos, não fui eu que manifestei publicamente escassas dúvidas sobre a natureza democrática do regime…

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  3. Olá,
    Acabei por visitar o blog do António m p. É sempre bom vivermos numa sociedade em que podemos "blogar" à vontade.
    Pois é verdade, a Coreia do Norte tem um regime que de entre entre outras coisas faz lembrar uma monarquia com sucessão dinástica (tal como Cuba, mas muito mais temível).
    Quando malta passa fome e tem armas nucleares alguma coisa não está bem por ali.
    Com o Paquistão, a Índia, a China, a Coreia do Norte com armas nucleares o panorama não é o melhor.
    Valha-nos (por enquanto) os EUA.

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  4. Na perspectiva em que o apresenta, o panorama tende a piorar, João Moutinho, pois cada vez serão mais os países a dispor de armamento nuclear.

    Será o Irão, porque Israel e o Paquistão já o têm, seguir-se-á a Turquia e a Arábia Saudita, por causa do Irão...

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  5. Desculpe "revoltar" mas gostaria de manifestar a minha concordância com tudo o que diz na sua resposta que agradeço.

    Se alguma crítica existe nas minhas palavras anteriores não se refere à generalidade dos seus trabalhos aqui publicados e que muito aprecio. Nem sequer a críticas ou denúncias justas que insistentemente faz do PCP e dos revolucionários soviéticos. Refiro-me a algumas que me parecem menos rigorosas, menos justas. Mas se todos pensassem como eu, fundariamos um partido e ganhariamos todas as eleições - passe a brincadeira.

    Os melhores cumprimentos.

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  6. Em mais de 2.000 postes que já aqui publiquei, confesso que não os defenderei a todos com igual veemência, mas se o António Marques Pinto considera alguns menos rigorosos (justiça é uma questão mais subjectiva, mais ideológica), confesso que gostaria de saber mais concretamente a que é que se está a referir.

    Creio que tem o meu endereço de correio.

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