Por um lado estamos a assistir à exploração política que já se está a fazer a partir do anúncio por parte do governo norte-coreano da realização de um ensaio nuclear. Dá mesmo vontade de ironizar com a administração norte-americana e com a figura que ali fez por causa do Iraque, porque, desta vez, já não precisa de sensibilizar os seus colegas do Conselho de Segurança da ONU para a existência de armas de destruição maciça na Coreia do Norte: Kim Jong Il já se acusou…
Mas, por outro, há algo que parece não estar a correr como devia no que diz respeito aos pormenores técnicos associados ao ensaio nuclear que a Coreia do Norte assumiu ter realizado em comunicado. Relembre-se que, ao longo da Guerra-Fria, se foi construindo uma gramática própria relativa aos ensaios nucleares: qualquer das potências nucleares que detonasse uma bomba que quisesse surpreendente, esperava que os sismógrafos das potências rivais registassem o acontecimento para depois assumir, como que contristada, a realização do ensaio.
É essa sequência canónica que parece estar a faltar neste episódio com a Coreia do Norte. É motivo de reflexão que, como se lê numa notícia do Los Angeles Times, o governo do Japão se pronuncie sobre o ensaio dos norte-coreanos baseado apenas no comunicado por eles emitido enquanto aguarda, como se lê na notícia, a confirmação da realização do mesmo e seus detalhes a partir das informações dos serviços de informações norte-americanos.
Entre os poucos detalhes já ontem disponíveis, lia-se na mesma notícia, havia o registo de uma estação de sismologia sul-coreana que assinalava um sismo provocado por uma explosão detonada por uma potência equivalente a 550 toneladas de TNT o que, em termos de desempenho do armamento atómico, teria sido um verdadeiro pigmeu: as potências das bombas usadas em 1945 em Hiroxima (urânio) e Nagasaqui (plutónio) estão estimadas em 12.500 e 23.000 toneladas de TNT (12,5 kton e 23 kton), respectivamente.
A estreia soviética em 1949 foi com uma explosão de 22 kton, a britânica de 1952 registou uma potência de 25 kton, muito embora também tenha havido testes inaugurais que não tenham corrido de acordo com as previsões: foi o que se pensa que aconteceu com a Índia em 1974, onde a potência registada – sempre com ajuda dos sismógrafos estrangeiros, claro está – foi apenas de 8 kton*.
No meio desta situação semi-nebulosa, a imprensa começa a fazer-se eco das dúvidas suscitadas. Descartando a hipótese mais óbvia e mais compatível com uma potência explosiva tão baixa, a de que o ensaio tenha corrido embaraçosamente mal, sempre se podem levantar hipóteses para que não se tivesse procedido a um teste completo do engenho, não parecesse isso pouco compatível com a terminologia do comunicado difundido.
Seja qual for a explicação para o sucedido, e regressando agora à vertente política, não ficaram quaisquer dúvidas quanto à determinação norte-coreana em se munir de armamento nuclear. Mesmo se a cerimónia em que pretendia anunciar a sua posse ao mundo se transformou num fiasco técnico, este é um daqueles casos em que não nos podemos divertir pelos eventuais aspectos cómicos associados ao acontecimento.
* Oficialmente, a potência do engenho foi estabelecida em 12 kton. A potência do actual armamento nuclear indiano, testado em 1998, é muito mais elevada (43 kton).
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