12 outubro 2006

O TOPETE DO GENERAL GIRAUD

Entre a Grande História da 2ª Guerra Mundial há as pequenas histórias da guerra, algumas delas envolvendo pequenas personagens que as vicissitudes, conjugadas com as manobras dos grandes protagonistas, estiveram quase a transformar em grandes. Foi numa dessas circunstâncias que apareceu a figura de Henri Honoré Giraud, general francês, que as manobras do presidente norte-americano Franklin Roosevelt tentaram transformar numa alternativa credível ao General de Gaulle à frente das forças francesas que combatiam ao lado dos aliados depois da derrota francesa de 1940.

Num país como a França de Vichy (1940-44), completamente falho de figuras que se tivessem recentemente destacado, o general Giraud havia ganho essa distinção por se ter evadido com sucesso em Abril de 1942, da prisão alemã onde estava detido, depois de ter sido feito prisioneiro. Depois disso, resistindo às pressões dos alemães e dos franceses mais colaborantes para se entregar, havia-se instalado na zona da França directamente administrado por Vichy, com quem havia chegado a uma espécie de acordo.

Foi aí que os norte-americanos o foram aliciar para assumir um papel político-militar à frente das futuras forças francesas que se reconstituiriam e viriam a combater ao lado dos aliados a partir das unidades presentes nas colónias francesas do norte de África (Argélia, Marrocos e Tunísia), cuja invasão por parte dos aliados estaria prevista para o final daquele ano (1942). Aliciaram-no porque lhe prometeram isso e ainda muito mais coisas como o desenrolar dos acontecimentos o veio a demonstrar.

E foi assim que foram buscar o general Giraud às costas francesas num submarino, numa operação que teve tanto de clandestino como de rocambolesca, onde o submarino, que pertencia à Royal Navy britânica teve de ser transferido provisória e ficcionadamente (porque a tripulação permaneceu a mesma) para a US Navy, porque o general assim o havia especificado, não se tendo esquecido da hostilidade que a marinha britânica lhe merecia depois de uma operação anterior (Mers-el-Kibir) em que esta havia bombardeado a marinha francesa. Para rematar, o general escorregou, caiu à água, e foi encharcado que nem um pinto que entrou no submarino britânico/americano.

Na véspera da data marcada para a invasão da África do Norte francesa (7 de Novembro de 1942), o general Giraud entra no gabinete do general Eisenhower – que iria comandá-la – em Gibraltar e, com a desenvoltura de quem entrou no gabinete de um subordinado a que adiciona toda a teatralidade francesa afirma: O general Giraud – referindo-se a si na terceira pessoa – está pronto a tomar o comando… Seguiu-se um silêncio ainda mais gélido do que o ambiente naturalmente gélido dos gabinetes das casamatas escavadas nas rochas de Gibraltar.

A pretensão era tão absurda que talvez nem chegue a haver adjectivos para a qualificar devidamente. O desembarque ia começar dali a poucas horas sem a participação de um único francês na centena de milhar de homens entre as forças terrestres, navais e aéreas que nele iriam estar envolvidos. Giraud ignorava absolutamente tudo, mas mesmo tudo, sobre qual era a composição, a organização, a logística ou as metodologias operacionais das forças sobre as quais pretendia vir a assumir o comando. Perante um estado-maior de língua inglesa pouco sensível à grandiloquência gaulesa, nem mesmo a lendária afabilidade de Eisenhower pode dissipar o tremendo mal estar de toda a situação.

Descartado o feito individual, quase do domínio do desportivo, da sua evasão da fortaleza alemã onde tinha estado preso, houve logo quem analisasse cruamente e agora do ponto de vista estritamente militar os seus serviços e o prestígio conquistado durante a 2ª Guerra Mundial à frente do VII Exército francês: um general derrotado ao segundo dia de combates e capturado ao sétimo… Porém, nem a dura realidade dos factos conseguiu amolgar aquela enorme carapaça de vaidade do general cuja frase final foi: Giraud – sempre a terceira pessoa – continuará a ser um espectador. Temos pena!...

Para rematar com o resto da história de Giraud, é evidente que, por muito apoio político que os norte-americanos lhe viessem a conceder, a habilidade política do general de Gaulle rapidamente se desembaraçou das manobras daquele cromo na direcção política da França Livre. Como se vê, a argúcia dos norte-americanos para escolher aliados políticos de qualidade já é um fenómeno antigo…

É uma história comprida de contar, mas não há como ela para descrever o que pode ser o descaramento para além dos limites da tolerância e da capacidade de indignação da audiência. Ou, numa perspectiva mais teológica, se se diz que os desígnios do Senhor são insondáveis, as ilusões de um vaidoso são infindáveis...

2 comentários:

  1. Giraud teve um papel de “general de opereta”!

    À margem da História consta que na Conferência de Casablanca, em Janeiro de 43, De Gaulle, instado por Churchill a estar presente e nada agradado pela presença de Giraud, aproveitou um jantar em que Giraud contava a sua evasão e, com a diplomacia própria do “Grand Charles”, interrompeu o relato com uma frase do género:
    “- Teria mais interesse ouvirmos como foi feito prisioneiro!”.

    Li esta história há muito tempo e creio que a narração da cena foi atribuída a Churchill... mas não tenho a certeza!

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  2. Não lhe sei confirmar se a origem do episódio parte de Winston Churchill, Impaciente, mas deixe-me acrescentar-lhe que, maldade por maldade, de Gaulle também poderia contar por sua vez como tinha sido feito prisioneiro na 1ª Guerra Mundial (em 1916)...

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