4) A Descolonização Africana (1957-1975)
No final de 1956, assistiu-se à tentativa do último acto independente dos velhos protagonistas da ordem mundial. A propósito da Crise do Canal do Suez (acima), o Reino Unido e a França ensaiaram um esforço para desenvolverem uma política externa autónoma da dos Estados Unidos. Falharam. Foi surpreendente verificar, neste caso, a coincidência de opiniões na condenação da iniciativa por parte das, habitualmente sempre discordantes, duas superpotências (Estados Unidos e União Soviética).
Será exagerado considerar que houve uma relação exclusiva de causa e efeito entre este episódio e o que aconteceu depois; mas, decididamente, a humilhação recebida também contribuiu para ele. As duas potências médias abdicaram da responsabilidade da manutenção dos seus Impérios Coloniais em África. O resultado foi uma avalanche de independências (64), especialmente de países africanos, envolvendo 11% da população mundial. Por uma vez, para evitar a repetição exaustiva e fastidiosa dos numerosos países que alcançaram a independência, vamo-nos concentrar nos comportamentos diferentes de quem descolonizou.
O Reino Unido, em primeiro lugar. Notou-se algum cuidado no faseamento em que as suas antigas colónias africanas se emancipavam: depois de arrumarem o problema asiático da Malásia (1957), começaram pelo Gana (ainda em 1957), depois a Nigéria (1960), Serra Leoa e Tanzânia (1961), Uganda (1962), Quénia (1963), Malawi e Zâmbia (1964), Gâmbia (1965), Botswana e Lesoto (1966) e Suazilândia (1968). No final dos anos 60 já não havia nenhum território africano sob controlo britânico; permanecia por resolver politicamente o problema da minoria branca da Rodésia (actualmente chama-se Zimbabwe) que se havia separado unilateralmente da metrópole (1965). Ao mesmo tempo ia concedendo a independência às diferentes regiões do Mundo que serviram de suporte à rede marítima em que se apoiara o Império Britânico: Chipre (1960) e Malta (1964), no Mediterrâneo, Jamaica (1962), Trinidad e Tobago (1962), Barbados (1966), Guiana (1970), Bahamas (1973) e Granada (1974), nas Antilhas, Koweit (1961), Oman (1970), Bahrein, Qatar e Emiratos Árabes (todos em 1971), no Golfo Pérsico, Singapura, Maldivas (ambas em 1965) e Maurício (1968), no Índico, as Samoa (1962), Nauru (1968), Fidji e Tonga (1970) e Papua Nova Guiné (1975), no Pacífico. Em alguns destes últimos casos eram já os antigos Domínios britânicos que desempenhavam o papel de potência descolonizadora.
Depois a França, mais relutante. Ao princípio ensaiou uma solução constitucional que se podia prestar a equívocos quanto ao grau de autonomia concedida às ex-colónias. Submetida a plebiscito nas colónias (1958), a inovação foi aceite por todas, à excepção da Guiné, que se separou imediatamente da Comunidade Francesa. A reacção ao facto por parte do governo francês mostrou que, o presidente de Gaulle, mais do que um adepto do princípio referendário, gostava mesmo era daqueles plebiscitos que ganhava. Mas depressa se viu que o resultado do voto assentava num equívoco: para uns era a solução final, para os outros uma fase transitória, até uma independência pacífica. Em Junho de 1960, modificou-se a lei-quadro da Comunidade Francesa. Até ao fim desse ano, 14 antigas colónias francesas [1] tinham-se tornado independentes. Num semestre, de uma penada, o Império francês de África tinha desaparecido quase todo e dele só restava a Argélia. Em termos constitucionais, todo o norte da Argélia era um território francês metropolitano. Em termos legais, a sua separação configurava-se como uma secessão da França. Na realidade, a esmagadora maioria (90%) dos seus habitantes eram berberes e muçulmanos. À volta de um tema tão controverso que se arriscava a dilacerar a própria sociedade francesa (a legalidade versus a realidade), o Presidente De Gaulle optou por uma decisão racional de tipo vão-se os anéis e fiquem os dedos; em 1962, a Argélia também se tornou independente. Depois, do Império Colonial Francês só ficaram alguns pequenos resíduos, um dos quais, as ilhas Comores, situadas no Índico, se tornaram independentes em 1975.
Ainda havia mais cinco países europeus com possessões coloniais: Espanha, Itália, Holanda, Bélgica e Portugal. Para a Espanha, a emancipação da sua pequena colónia africana da Guiné Equatorial, em 1968, não levantava o mínimo problema. A esmagadora maioria dos espanhóis até nem sabia (e não sabe) muito bem onde ela se situava. Quase o mesmo se aplicava à Itália e à Somália, que se tornou independente em 1960. Longe iam os tempos das ambições imperialistas de Mussolini. Arrumado o assunto mais importante da Indonésia, a Holanda tratava agora dos pormenores, um dos quais era o Suriname, na América do Sul, que se separou em 1975. A Bélgica, que herdara o seu Congo do seu rei Leopoldo II, que o detinha como propriedade pessoal, ainda em 1959 formava uma comissão para o estudo do calendário para o estabelecimento das fases de transição para a independência. Os acontecimentos precipitaram-se de tal forma que, no ano seguinte, o Congo belga se tornava independente, seguindo-se o Ruanda e o Burundi (1962).
Restava Portugal. Ao arrepio da História, motivado por um regime conservador e por uma dificuldade em se encarar a si mesmo como um pequeno país europeu, coisa inédita num país que ao longo dos seus últimos 450 anos de história sempre tinha tido possessões ultramarinas (como eram designadas em termos de propaganda interna), Portugal ainda tentou resistir. Durante uma dúzia de anos manteve uma guerra colonial com os movimentos independentistas. No final teve que desistir, por falta de alternativas políticas ao quadro que já existia no resto de África. A partir de 1974, as suas colónias da Guiné-Bissau (1974), Angola, Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe (todas em 1975) tornaram-se independentes.
Em 1955, era preciso vasculhar atentamente o mapa de África para descobrir um país que fosse independente; vinte anos depois, era preciso fazer o mesmo para encontrar um que não o fosse. Foi só a resistência portuguesa que acabou por vir a atrasar o encerramento deste ciclo em cerca de um decénio. A partir de agora, a qualquer povo, em qualquer lugar do mundo, era-lhe reconhecido um direito natural à autodeterminação e à independência.
Bastante mais complexo era um outro problema, levantado pela independência do Bangladesh em relação ao Paquistão, ocorrida em 1971. Até aquela altura todas as separações tinham-se realizado em relação a uma metrópole europeia. Porém, o caso dos bengalis era pioneiro: tornados independentes uma primeira vez, em 1947, no quadro do Paquistão muçulmano, quase um quarto de século depois, verificava-se que a confissão religiosa não era suficiente para os atrair a uma evolução conjunta com os seus compatriotas do vale do Indo. O fenómeno indiciava que o colonialismo, que sempre tinha sido associado ao racismo – o branco contra os povos de cor – podia assumir facetas mais complexas, que as relações de poder internas nos novos estados podiam ser insatisfatórias para alguns dos seus povos constituintes e que, por isso, a coesão dos grandes países que se tinham entretanto tornado independentes podia a vir a ser um problema para o futuro.
[1] Benim, Burkina Faso, Camarões, Chade, Congo, Costa do Marfim, Gabão, Madagáscar, Mali, Mauritânia, Níger, República Centro Africana, Senegal e Togo.
Será exagerado considerar que houve uma relação exclusiva de causa e efeito entre este episódio e o que aconteceu depois; mas, decididamente, a humilhação recebida também contribuiu para ele. As duas potências médias abdicaram da responsabilidade da manutenção dos seus Impérios Coloniais em África. O resultado foi uma avalanche de independências (64), especialmente de países africanos, envolvendo 11% da população mundial. Por uma vez, para evitar a repetição exaustiva e fastidiosa dos numerosos países que alcançaram a independência, vamo-nos concentrar nos comportamentos diferentes de quem descolonizou.
O Reino Unido, em primeiro lugar. Notou-se algum cuidado no faseamento em que as suas antigas colónias africanas se emancipavam: depois de arrumarem o problema asiático da Malásia (1957), começaram pelo Gana (ainda em 1957), depois a Nigéria (1960), Serra Leoa e Tanzânia (1961), Uganda (1962), Quénia (1963), Malawi e Zâmbia (1964), Gâmbia (1965), Botswana e Lesoto (1966) e Suazilândia (1968). No final dos anos 60 já não havia nenhum território africano sob controlo britânico; permanecia por resolver politicamente o problema da minoria branca da Rodésia (actualmente chama-se Zimbabwe) que se havia separado unilateralmente da metrópole (1965). Ao mesmo tempo ia concedendo a independência às diferentes regiões do Mundo que serviram de suporte à rede marítima em que se apoiara o Império Britânico: Chipre (1960) e Malta (1964), no Mediterrâneo, Jamaica (1962), Trinidad e Tobago (1962), Barbados (1966), Guiana (1970), Bahamas (1973) e Granada (1974), nas Antilhas, Koweit (1961), Oman (1970), Bahrein, Qatar e Emiratos Árabes (todos em 1971), no Golfo Pérsico, Singapura, Maldivas (ambas em 1965) e Maurício (1968), no Índico, as Samoa (1962), Nauru (1968), Fidji e Tonga (1970) e Papua Nova Guiné (1975), no Pacífico. Em alguns destes últimos casos eram já os antigos Domínios britânicos que desempenhavam o papel de potência descolonizadora.
Depois a França, mais relutante. Ao princípio ensaiou uma solução constitucional que se podia prestar a equívocos quanto ao grau de autonomia concedida às ex-colónias. Submetida a plebiscito nas colónias (1958), a inovação foi aceite por todas, à excepção da Guiné, que se separou imediatamente da Comunidade Francesa. A reacção ao facto por parte do governo francês mostrou que, o presidente de Gaulle, mais do que um adepto do princípio referendário, gostava mesmo era daqueles plebiscitos que ganhava. Mas depressa se viu que o resultado do voto assentava num equívoco: para uns era a solução final, para os outros uma fase transitória, até uma independência pacífica. Em Junho de 1960, modificou-se a lei-quadro da Comunidade Francesa. Até ao fim desse ano, 14 antigas colónias francesas [1] tinham-se tornado independentes. Num semestre, de uma penada, o Império francês de África tinha desaparecido quase todo e dele só restava a Argélia. Em termos constitucionais, todo o norte da Argélia era um território francês metropolitano. Em termos legais, a sua separação configurava-se como uma secessão da França. Na realidade, a esmagadora maioria (90%) dos seus habitantes eram berberes e muçulmanos. À volta de um tema tão controverso que se arriscava a dilacerar a própria sociedade francesa (a legalidade versus a realidade), o Presidente De Gaulle optou por uma decisão racional de tipo vão-se os anéis e fiquem os dedos; em 1962, a Argélia também se tornou independente. Depois, do Império Colonial Francês só ficaram alguns pequenos resíduos, um dos quais, as ilhas Comores, situadas no Índico, se tornaram independentes em 1975.
Ainda havia mais cinco países europeus com possessões coloniais: Espanha, Itália, Holanda, Bélgica e Portugal. Para a Espanha, a emancipação da sua pequena colónia africana da Guiné Equatorial, em 1968, não levantava o mínimo problema. A esmagadora maioria dos espanhóis até nem sabia (e não sabe) muito bem onde ela se situava. Quase o mesmo se aplicava à Itália e à Somália, que se tornou independente em 1960. Longe iam os tempos das ambições imperialistas de Mussolini. Arrumado o assunto mais importante da Indonésia, a Holanda tratava agora dos pormenores, um dos quais era o Suriname, na América do Sul, que se separou em 1975. A Bélgica, que herdara o seu Congo do seu rei Leopoldo II, que o detinha como propriedade pessoal, ainda em 1959 formava uma comissão para o estudo do calendário para o estabelecimento das fases de transição para a independência. Os acontecimentos precipitaram-se de tal forma que, no ano seguinte, o Congo belga se tornava independente, seguindo-se o Ruanda e o Burundi (1962).
Restava Portugal. Ao arrepio da História, motivado por um regime conservador e por uma dificuldade em se encarar a si mesmo como um pequeno país europeu, coisa inédita num país que ao longo dos seus últimos 450 anos de história sempre tinha tido possessões ultramarinas (como eram designadas em termos de propaganda interna), Portugal ainda tentou resistir. Durante uma dúzia de anos manteve uma guerra colonial com os movimentos independentistas. No final teve que desistir, por falta de alternativas políticas ao quadro que já existia no resto de África. A partir de 1974, as suas colónias da Guiné-Bissau (1974), Angola, Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe (todas em 1975) tornaram-se independentes.
Em 1955, era preciso vasculhar atentamente o mapa de África para descobrir um país que fosse independente; vinte anos depois, era preciso fazer o mesmo para encontrar um que não o fosse. Foi só a resistência portuguesa que acabou por vir a atrasar o encerramento deste ciclo em cerca de um decénio. A partir de agora, a qualquer povo, em qualquer lugar do mundo, era-lhe reconhecido um direito natural à autodeterminação e à independência.
Bastante mais complexo era um outro problema, levantado pela independência do Bangladesh em relação ao Paquistão, ocorrida em 1971. Até aquela altura todas as separações tinham-se realizado em relação a uma metrópole europeia. Porém, o caso dos bengalis era pioneiro: tornados independentes uma primeira vez, em 1947, no quadro do Paquistão muçulmano, quase um quarto de século depois, verificava-se que a confissão religiosa não era suficiente para os atrair a uma evolução conjunta com os seus compatriotas do vale do Indo. O fenómeno indiciava que o colonialismo, que sempre tinha sido associado ao racismo – o branco contra os povos de cor – podia assumir facetas mais complexas, que as relações de poder internas nos novos estados podiam ser insatisfatórias para alguns dos seus povos constituintes e que, por isso, a coesão dos grandes países que se tinham entretanto tornado independentes podia a vir a ser um problema para o futuro.
[1] Benim, Burkina Faso, Camarões, Chade, Congo, Costa do Marfim, Gabão, Madagáscar, Mali, Mauritânia, Níger, República Centro Africana, Senegal e Togo.
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