15 outubro 2006

AS INDEPENDÊNCIAS AO LONGO DO SÉCULO XX (9)

6) O Fim da Guerra-Fria (1990-200?)
No final dos anos 80, a posição da União Soviética como a segunda potência mundial estava em contestação. Economicamente, tinha sido ultrapassada pelo Japão em meados da década e estava ameaçada de o ser também pela República Federal Alemã. Só em termos de armamento nuclear, o seu lugar era indisputado, mas tornava-se evidente que o seu emprego (que seria forçosamente em larga escala), mais do que possibilitar a discussão da distribuição do poder mundial, iria deixar muito pouco sobre que discutir. A sua política de procurar a paridade militar com os Estados Unidos, estava a pô-la nos bicos dos pés militarmente e a deixá-la economicamente de rastos.

Para os líderes políticos sempre foi uma tarefa ingrata a de fazer confrontar o seu povo com uma realidade desagradável – olharem-se para o espelho. Apesar de toda a coragem que mostram, só uma extrema habilidade política lhes permite sobreviver aos acontecimentos que desencadearam: De Gaulle, a propósito da Guerra da Argélia, fê-lo, Gorbatchev, neste caso, não. Mas, adiante, o essencial para o prosseguimento do nosso raciocínio foram as suas consequências para a evolução da União Soviética. Em poucas palavras, não houve evolução, desmoronou-se.

Do antigo território da União, separou-se, ainda em 1990, a Lituânia, e, no ano seguinte, a Arménia, o Azerbeijão, a Bielo-Rússia, a Estónia, a Geórgia, o Kazaquistão, a Letónia, a Moldávia, a Quirguízia, o Tajiquistão, o Turquemenistão, a Ucrânia e o Uzbequistão. Simultaneamente, outras alterações começaram a verificar-se na Europa, um continente onde, paradoxalmente, e por acordo tácito das duas superpotências, nada tinha mudado desde os fins da 2ª Guerra Mundial. A Jugoslávia começou a desmembrar-se nas suas entidades constitutivas, nesse mesmo ano de 1991: a Bósnia-Herzegovina, a Croácia, a Eslovénia e a Macedónia; a nova Jugoslávia ficou reduzida ao território da Sérvia e do Montenegro para depois vir a perder este último que se tornou independente já em 2006. Mesmo no território que agora resta à Sérvia, é cada vez menos duvidoso que se aguarda o momento politicamente mais oportuno para proclamar a independência do Kosovo, onde existe uma maioria albanesa. Um pouco mais ao norte, a República Checa e a Eslováquia separaram-se, uma espécie de divórcio por mútuo acordo (1992). Em termos quantitativos, o ano mágico de 1991, quando apareceram 17 novos países, só perde para 1960, quando houve 18.

Noutros pontos do Globo, o desaparecimento da perspectiva da ameaça da União Soviética, permitiu a alteração da política externa norte americana, que fez cessar o seu apoio efectivo ao governo minoritário branco da África do Sul (aparentemente, ele já havia cessado há muito...). Um dos efeitos colaterais foi a independência da Namíbia (1990). Ainda em África, as fragilidades da Etiópia (um aliado de Moscovo), permitiram a concessão da independência à Eritreia (1993). E na Ásia, posteriromente, um processo semelhante com a Indonésia (só que aqui, tratando-se de um aliado dos Estados Unidos), possibilitou o futuro aparecimento de um Timor-Leste independente (2002). Mesmo os próprios Estados Unidos pareceram mostrar-se sensíveis ao ambiente distendido que antecedeu e se seguiu ao fim da guerra-fria, concedendo independências aos estados insulares do Pacífico que estavam sob a sua tutela desde a 2ª Guerra Mundial: as Ilhas Marshall (1990), a Micronésia (1990) e Palau (1994).

Por junto, isto representa um total de 26 países novos, aparecidos depois da queda do Muro de Berlim, envolvendo um pouco mais de 3% da população mundial.

Note-se que nos dois casos que foram mencionados em penúltimo lugar (Eritreia e Timor Leste), conjuntamente com o caso do Bangladesh, os opressores, por assim dizer, já não eram europeus, mas sim povos de cor, que também já se tinham visto do outro lado da barricada. Aquele discurso tradicional baseado nas equivalências entre imperialismo = colonialismo = racismo (branco) parece já se ter esgotado, porque os países, que antigamente se auto designavam pelo Terceiro Mundo, já se devem ter apercebido que, actualmente, ele, além de desajustado, se pode transformar muito mais numa arma contra si mesmos, do que contra os europeus.

Esta é uma das pistas para ajudar a compreender as atitudes dos países asiáticos durante a crise associada ao referendo que veio a culminar na independência de Timor-Leste; ao exuberante acolhimento, que seria a atitude natural dos anos 60, substituiu-se uma atitude de fleumática circunspecção que, dadas as circunstâncias verificadas, até se tornou escandalosa. Em termos emocionais, como será possível entender uma tal atitude do único país católico da Ásia – as Filipinas – perante o aparecimento de um outro país na mesma região professando a mesma fé?

As lutas pela independência e pela autonomia travam-se agora entre povos vizinhos e aparentados. Isto é verdade em todos os continentes, mesmo na Europa – os casos dos bascos, corsos, escoceses, galeses, etc. Só que os estados mais desenvolvidos dispõem dos recursos económicos e da coesão nacional suficiente para irem propondo soluções constitucionais intermédias – estados federais, autónomos, etc. – que respondam às necessidades de coabitação. Isso é, na maioria das vezes, inviável, quer política, quer economicamente, devido às estruturas precárias e à pobreza dos novos países.

Existe a probabilidade que, no futuro, cada vez mais, venhamos a assistir a mais uma das grandes ironias da História: a de ver as antigas potências coloniais a invocar os princípios morais do direito à autodeterminação dos povos (quando isso lhes convier), em oposição aos países que foram as suas antigas colónias, que se oporão frontalmente. Aliás, nesse espírito, não é em vão que o maior defensor do status quo actual do traçado das fronteiras coloniais de África (a maioria das quais foram reconhecidamente traçadas a esquadro nos finais do século XIX) seja a própria OUA.

2 comentários:

  1. E disse!
    O "copy/paste" funcionou em pleno!
    Obrigado!

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  2. Ainda não acabei. Gostaria de tirar algumas conclusões.

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