24 agosto 2009

QUE NUNCA SE DEIXE O RIGOR ESTRAGAR UMA BOA NOTÍCIA

A TSF prendou-nos ontem com uma daquelas notícias que tem a notável virtude de me irritar como só alguns órgãos de informação têm o condão de o fazer. A coisa dizia Dinheiro português enviado para off-shore superou os seis mil milhões de euros. Contudo, do detalhe da notícia não se esclarece quais têm sido historicamente os fluxos normais desse tal dinheiro português para que, comparados com estes seis mil milhões, percebessemos as causas para a imponência do título da notícia. No corpo da notícia, falta esse esclarecimento, mas não falta uma comparação, tão irrelevante quanto demagógica, com os custos dos mega-projectos anunciados pelo PS: ...(quantia que) chegava e sobrava para pagar o novo aeroporto de Lisboa e a terceira travessia sobre o Tejo.
Curiosamente, é numa notícia sobre aquele mesmo assunto mas num jornal reputado pelo seu sensacionalismo (o Correio da Manhã) que consegui estabelecer as devidas proporções dessa aparentemente descomunal fuga de capitais: afinal os 6,1 mil milhões enviados para off-shores no primeiro semestre de 2009 representaram um crescimento de 13,4% em relação aos 5,4 mil milhões que já haviam saído em igual período do ano em 2008… antes da crise financeira ter feito com que regressassem 3,9 mil milhões (quase ¾ do montante original) por precaução ao nosso país, ao longo do último quadrimestre de 2008. Se quiséssemos continuar com a demagogia da conversa dos aeroportos, então já percebemos que teríamos para aqui aeroportos com fartura, certamente um ou dois por ano…
Infelizmente, este é apenas mais um exemplo daquelas notícias de merda, em que a informação que nos é prestada não é propositadamente enquadrada para que não perca o seu impacto e assim nos consiga manipular. Falando em manipulações, mudemos das finanças para a meteorologia e observemos o gráfico acima (retirado de Histoire des Populations de l´Europe, Vol.1), que nos mostra o que os especialistas calculam ter sido a evolução da temperatura média da Europa de há 150.000 anos para cá. À medida que nos aproximamos do presente (olhando de cima para baixo) observa-se que o clima europeu tem permanecido anormalmente estável e quente (lado direito...) de há uns 10.000 anos para cá. Antes disso, há 20.000 anos atrás atravessara-se uma fase fria, conforme o mapa da Europa abaixo, retirado da mesma publicação.
Trata-se da fase da Europa que se costuma idealizar graficamente com os nossos antepassados do Paleolítico cobertos de peles, à caça de mamutes, ursos e outros animais resistentes ao frio. No entanto, voltemos ao gráfico para descobrir que 100.000 anos antes disso, ou seja, há cerca de 120.000 anos, tanto as indumentárias como os animais teriam de ter sido muito diferentes, porque a Europa terá atravessado então um período ainda mais quente do que aquele que experimentamos na actualidade. E os efeitos que se estimam que esse aquecimento teria tido na geografia europeia podem ser observados no mapa abaixo (da mesma publicação), com os contornos costeiros de há 120.000 anos muito diferentes dos actuais por causa da subida generalizada do nível dos oceanos.
Como os seis mil milhões da TSF, quando das notícias sobre a questão do aquecimento global, raramente a peça informativa contém elementos que nos informem o quanto já se sabe sobre estas mudanças climáticas que ocorreram no passado. Embora não se sabendo quase nada sobre os mecanismos que as provocaram, sabe-se pelo menos que, como vimos acima, quando analisado a uma escala multimilenar, o clima acaba por se tornar numa variável imprevisível. Mais do que isso, e ao contrário do que estará a acontecer depois da Revolução Industrial, é certo que a contribuição do Homem para essas mudanças do passado terá sido irrelevante. Sabendo isso, a pergunta inconveniente é: será que alguém fundamentadamente poderá assegurar que as actuais alterações climáticas se devem exclusivamente à actividade humana?

3 comentários:

  1. Post muito elucidativo...com um
    final de...génio...

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  2. Como vê o Paulo também pensa como eu.
    Da próxima vez não se esqueça do Brad Pitt e do Bono (quais cavaleiros defensores dos fracos e oprimidos).

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  3. Pois, João Moutinho, já percebi que, com dois, já dá para formar uma claque mas, como estará a acontecer com o Sporting - que é quer? o seu nome leva-me para analogias destas... - vê-se que as claques não têm capacidade de influenciar a realidade.

    ;)

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