Este poste é constituído por duas histórias: uma pequena, outra maior. A primeira, curta, é necessária para enquadrar o paradoxo com que terminará a segunda. Começa em plena Primeira Guerra Mundial quando em Abril de 1916 os revolucionários irlandeses desencadearam uma insurreição contra os britânicos. A insurreição, que ficou conhecida como o Levantamento da Páscoa, fracassou e na fase de repressão que se seguiu, os britânicos, ao abrigo da Lei Marcial então em vigor por causa do estado de guerra, executaram aqueles que consideravam os líderes nacionalistas irlandeses responsáveis pela rebelião.
Houve algumas excepções. Alguns líderes escaparam porque, apesar de condenados, não chegaram a ser capturados. Outros escaparam por razões técnicas, como foi o caso de Éamon de Valera (acima): de Valera era um cidadão norte-americano e, numa altura em que o Reino Unido estava a cortejar descaradamente os Estados Unidos para que eles se envolvessem na Primeira Guerra Mundial, a última coisa que iriam desejar era arranjar acidentalmente um incidente diplomático. Foi assim que de Valera escapou à execução, mas não veio a escapar ao estigma com que uma parte da Irlanda avalia ainda hoje o seu legado(1)
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Não terá sido o caso da Primeira Guerra Mundial (1914-18), nem o da Guerra da Independência Irlandesa (1919-21), mas já aqui tive oportunidade de me referir a guerras que também foram travadas nas ondas de rádio. Nessas guerras dentro das outras Guerras forjaram-se popularidades, quer positivas, por parte de quem falava do lado para onde iam as simpatias do auditório, como foi o caso de Fernando Pessa (acima), nos serviços portugueses da BBC durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quer negativas, da parte dos locutores que falavam na língua do inimigo e para o auditório do inimigo…
Curiosamente, foram estes últimos casos que se tornaram mais interessantes e que mais perduraram na memória dos intervenientes e ainda hoje subsistem as referências a locutores como Lorde How-How (acima), que fazia a locução das transmissões alemãs em língua inglesa para o Reino Unido entre 1939 e 1945, à Rosa de Tóquio que, como o nome indica, desempenhava o mesmo papel a favor do Japão por essa mesma altura, e, mesmo passada uma geração, também subsistem as referências à Ana de Hanói da Guerra do Vietname e mesmo à nossa Maria Turra da Guerra Colonial (Frente da Guiné).
Mas, enquanto Ana de Hanói e Maria Turra estiveram do lado que venceu, os outros não, o que fez toda a diferença… Lorde How-How, que se chamava na verdade William Joyce (acima), era um simpatizante fascista de origem irlandesa mas com a nacionalidade norte-americana que, nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, se engajara a trabalhar para a propaganda nazi. Apesar da alcunha meio ridícula e até sobranceira que lhe haviam dado, os britânicos levavam o seu trabalho mesmo muito a sério, como se demonstrou pelo tratamento que lhe deram quando lhe puseram as mãos em cima no final da Guerra...
Joyce foi aprisionado, tendo sido mesmo ferido durante a captura: um tiro que lhe atravessou as duas nádegas… Mas, nem mesmo o carácter humilhante do ferimento de guerra o salvou da posterior condenação à morte por Alta Traição. A embaraçosa questão técnica que se pôs, contando até com o famoso precedente de Éamon de Valera, era a de como é que a justiça britânica poderia condenar alguém por traição a uma pátria que não era a sua… Claro que se arranjou uma explicação apropriada(2) já que desta vez a preocupação com a reacção norte-americana à execução era nula. William Joyce foi executado em 3 de Janeiro de 1946...
(1) No filme Michael Collins (1996), sobre os caminhos conturbados que conduziram à independência da Irlanda em 1922, Eamon de Valera (interpretado por Alan Rickman) é retratado como um político cínico (e o mau da fita) em contraste com o generoso Michael Collins (Liam Neeson).
(2) William Joyce havia requerido o seu passaporte invocando – falsamente – a sua condição de súbdito britânico. Assim, fora como súbdito britânico que Joyce fora para a Alemanha e era nessa condição (falsa, mas criada por si) que ele foi julgado e condenado. A argumentação é vagamente defensável mas é mais do que passível de uma contestação sólida…
(2) William Joyce havia requerido o seu passaporte invocando – falsamente – a sua condição de súbdito britânico. Assim, fora como súbdito britânico que Joyce fora para a Alemanha e era nessa condição (falsa, mas criada por si) que ele foi julgado e condenado. A argumentação é vagamente defensável mas é mais do que passível de uma contestação sólida…
Palavras para quê? É ler e aprender, mai nada!
ResponderEliminarExcelente post.
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