
Por outro lado, toda a extensa fronteira que separa a China e a Índia é composta maioritariamente pelo território inóspito das zonas mais elevadas da cordilheira dos Himalaias e foi traçado nos inícios do século XX, confrontando, à mesa das negociações, os interesses do Reino Unido, no zénite do seu poder (de facto, a superpotência mundial) e os da China, no nadir do seu. Quer todo este preâmbulo deixar claro que as potencialidades de conflito entre os dois gigantes asiáticos eram e são infinitas e que a pergunta a fazer não será o que é que desencadeou a guerra mas antes o que terá acontecido em 1962 para que os dois países se decidissem a defrontar-se militarmente.
A República Popular da China, até devido à forma como fora criada depois de uma vitória numa guerra civil nunca tivera quaisquer problemas quanto ao recurso ao uso da violência. Provara-o logo dois anos depois do seu nascimento intervindo na Guerra da Coreia. O mesmo não se passava com a Índia, que tinha uma imagem de pacifismo a preservar, herdado do estilo ímpar do Mahatma Ghandi, a figura reverencial que presidira ao nascimento da nação. Mas era uma preocupação que se manifestava mais na aparência do que na substância: à data da independência (1947) o novo estado indiano mantivera e até reforçara o dispositivo do Exército Indiano que herdara dos britânicos.
O problema do outro lado dos Himalaias era precisamente o simétrico do da Índia: a aparência da política externa chinesa era marcada por uma retórica tremendamente agressiva, da responsabilidade de Mao Zedong (que assustava e que contribuía muito para transformar a China no estado pária raivoso onde a diplomacia norte-americana a queria colocar), enquanto as manobras suaves, mas mais construtivas, estavam a cargo do primeiro-ministro Zhou Enlai. A participação chinesa na conferência de Bandung de 1955, quando Zhou declarou que a lealdade política dos membros da diáspora chinesa devia privilegiar os países onde habitavam, é disso um exemplo flagrante.



Valha a verdade que parece ter sido desde sempre a intenção chinesa a de levar os indianos à mesa das negociações através de demonstrações militares. Gradualmente o dispositivo chinês nas duas regiões contestadas (como se nota nos mapas anteriores elas estão afastadas por cerca de 1.500 Km) foi aumentando até que a superioridade chinesa em homens e material se tornou incontestável. A resposta indiana foi a de um jogo táctico de colocação de pequenas guarnições em locais privilegiados, como uma espécie de jogo de xadrez jogado com soldados reais e a 5.000 metros de altitude… Em teorias estratégicas, Sun Tzu e A Arte da Guerra defrontavam Kautiliya e O Arthashastra…
Só que esta imagem é muito mais sugestiva do que verdadeira: o exército indiano moderno é um verdadeiro descendente do modelo britânico e, como tal, tem uma abordagem tipicamente ocidental para lidar com os problemas estratégicos e tácticos com que se defronta. E os segundos que se colocavam ao exército indiano perante o ELP (Exército de Libertação Popular) chinês não tinham nada do convencionalismo da invasão indiana a Goa, Damão e Diu. Os britânicos não haviam deixado grande tradição nem doutrinas de combate para unidades de montanha (as ameaças à Índia britânica eram outras…) e, ultrapassando um pouco o detalhe dos diversos recontros, os indianos levaram uma tareia das grandes…
Note-se que, se os combates duraram de 10 de Outubro a 20 de Novembro de 1962, tão tarde quanto a data de 3 de Outubro, Zhou Enlai ainda fez uma visita a Nova Deli, ao seu homólogo Nehru, na esperança de obter ainda uma solução negociada quando a facção dura do lado chinês (Lin Biao, o ministro da defesa) já se preparava para a ofensiva eminente. O que a China pretendia, de facto, e como os acontecimentos posteriores vieram a demonstrar, era sobretudo o contrôle de uma parcela de território disputado (Aksai Chin - abaixo) onde passava a estrada de primordial importância estratégica para a China que, acompanhando a fronteira, fazia a ligação directa entre o Tibete e o Xinjiang…

A China conseguiu o que queria e a Índia e o exército indiano tiveram que recolher as penas com que se pavoneavam por terem derrotado Portugal e o exército português na Índia, cujo plano táctico se resumira à produção de umas centenas de mártires para apresentação à mesa das negociações… Desde aí, para além de um cuidado muito maior na doutrina de emprego das unidades de montanha (que já lhe foi útil contra o Paquistão, em Kargil em 1999) o Exército Indiano preocupou-se em adquirir uma capacidade de reacção rápida usando o transporte aéreo que já demonstrou toda a sua utilidade em 1987, ao responder à movimentação discreta de um contingente chinês nas regiões ainda disputadas com a deposição quase imediata no terreno de uma brigada aerotransportada para o bloquear, surpreendendo totalmente os chineses.
Temos a Formosa ainda à espera...
ResponderEliminarA respeito precisamente da Formosa, e mesmo correndo o risco de poder ser tomado por petulante ao citar-me a mim próprio, a preguiça pura leva-me a encaminhar a minha resposta sobre a minha opinião sobre a importante questão que levanta para um poste que aqui escrevi há uns meses atrás:
ResponderEliminarhttp://herdeirodeaecio.blogspot.com/2006/09/la-guerre-de-taiwan-naura-pas-lieu.html
Acredite, João Moutinho, que não é por falta de consideração que lhe respondo com um link: é mesmo a minha preguiça…