Durante a Segunda Guerra Mundial, a preparação técnica da invasão aliada à Europa continental foi inicialmente confiada em Dezembro de 1942 a um órgão que veio a ser baptizado com o nome de COSSAC (Chief of Staff Supreme Allied Command). Durante o ano de 1943, os quadros do COSSAC, chefiado por um general britânico, Frederick Morgan (abaixo) como Chefe de Estado Maior, mas à espera de Comandante-Chefe, esteve a desenvolver um importante e gigantesco trabalho (que é pouco conhecido) de preparação sobre o desembarque que viria a ter lugar.
É verdade que uma esmagadora maioria dos meios que viriam a ser necessários ou ainda não existiam (os navios de desembarque, os aviões de bombardeio, etc.) ou estavam em processo de formação (os soldados das divisões que viriam a participar na invasão ainda estavam a cumprir as suas recrutas). Mais: havia pormenores, como o dos portos artificiais Mulberry, que apoiariam logisticamente a invasão, que ainda não haviam saído da prancheta dos desenhadores. Mas muitos outros aspectos podiam ser discutidos – como o local do desembarque, por exemplo.
No debate entre as equipas constituídas para defender cada zona de desembarque, a Holanda foi eliminada por causa das inundações que os alemães poderiam causar e que facilmente isolariam o corpo expedicionário aliado e as praias belgas também foram excluídas por causa da violência das correntes costeiras. Em França, a região do Pas-de-Calais, a mais próxima da Grã-Bretanha era excelente, mas era também a mais bem defendida pelos alemães precisamente por causa disso, enquanto na península da Bretanha, tendo as características opostas, as comunicações com o interior de França eram escassas.
Restava a hipótese das costas da Normandia, mesmo assim desdobradas em dois cenários: a Alta Normandia e a Baixa Normandia. As equipas originais foram redistribuídas em dois grupos argumentando em prol de cada uma das hipóteses. No primeiro caso, os britânicos (canadianos) já tinham tentado desembarcar em Dieppe em Agosto de 1942, numa das operações mais desastradas (em termos tácticos), inconsequentes (em termos estratégicos) e incompreensíveis (em termos gerais) de toda a Segunda Guerra Mundial. Mas o episódio só deve ter tido importância marginal na escolha da outra opção.
Um primeiro Plano de desembarque foi concluído nos inícios de 1944 (quando o general Eisenhower se instalou em Londres e assume o lugar à frente do SHAEF (Supreme Headquarters Allied Expeditionary Forces), absorvendo o COSSAC e o trabalho que este desenvolvera. O desembarque anfíbio era para ser realizado na Baixa Normandia por três divisões e complementado por uma divisão aerotransportada. Segui-las-iam 16 divisões britânicas e 20 divisões norte-americanas, das quais metade viriam directamente transportadas dos Estados Unidos.
O trabalho do COSSAC limitara-se a dar emprego aos meios que superiormente lhes indicaram estar disponíveis. No entanto, as combinações políticas e militares entre britânicos e norte-americanos haviam sido feitas de forma que fosse um general britânico (Montgomery) a assumir o comando das forças terrestres durante e imediatamente após o desembarque. Visto da perspectiva americana era uma boa combinação que, além de encher o ego aos seus aliados, facilitaria a defesa de Eisenhower de acusações na eventualidade de um fracasso…
É atribuída a Montgomery a responsabilidade de ter forçado a alteração dos planos (mudem o vosso plano, ou mudem-me a mim…), aumentando os meios inicialmente envolvidos no desembarque. As divisões aerotransportadas que protegeriam os flancos da área dos desembarques passaram de uma para três (6ª britânica, 82ª e 101ª norte-americanas) e este último processar-se-ia simultaneamente em cinco praias (codificadas como Utah, Omaha, Gold, Juno e Sword) envolvendo cinco divisões (e não as três originais): 1ª e 4ª norte-americanas, 3ª e 50ª britânicas e 3ª canadiana.
Era esta a ordem de batalha aliada a 6 de Junho de 1944 e seria este o fim do poste, não me tivesse lembrado de associar esta pequena história de guerra à confusão que por aí grassa em relação à questão do novo aeroporto. Quase sempre, é completamente incompreensível o que se está a discutir: se é o objectivo, a localização ou os meios. Umas vezes, invoca-se o objectivo para extrair conclusões quanto à localização. Noutras, são os meios que condicionam a dita localização. Em geral, nem dentro do governo, nem na oposição parecem surgir vozes autorizadas que, pelo menos, pareçam saber do que estão falar.
É atribuída a um político francês – Georges Clemenceau (1841-1929) – a autoria de uma famosa frase depreciativa dos militares, que é frequentemente citada*: que a guerra é um assunto demasiado sério para ser da responsabilidade dos generais. No enquadramento do que escrevi neste poste e atendendo à questão do aeroporto, não é despropositado refrasear a máxima de Clemenceau e, em jeito de desforra, considerar que a planificação de grandes empreendimentos parece ser um assunto demasiado sério para ser da responsabilidade dos políticos.
* Um dos exemplos mais notórios recentes em Portugal foi proferido por aquele senhor muito emotivo que ocupou por dez anos a presidência da República fazendo apelos.
No debate entre as equipas constituídas para defender cada zona de desembarque, a Holanda foi eliminada por causa das inundações que os alemães poderiam causar e que facilmente isolariam o corpo expedicionário aliado e as praias belgas também foram excluídas por causa da violência das correntes costeiras. Em França, a região do Pas-de-Calais, a mais próxima da Grã-Bretanha era excelente, mas era também a mais bem defendida pelos alemães precisamente por causa disso, enquanto na península da Bretanha, tendo as características opostas, as comunicações com o interior de França eram escassas.
Restava a hipótese das costas da Normandia, mesmo assim desdobradas em dois cenários: a Alta Normandia e a Baixa Normandia. As equipas originais foram redistribuídas em dois grupos argumentando em prol de cada uma das hipóteses. No primeiro caso, os britânicos (canadianos) já tinham tentado desembarcar em Dieppe em Agosto de 1942, numa das operações mais desastradas (em termos tácticos), inconsequentes (em termos estratégicos) e incompreensíveis (em termos gerais) de toda a Segunda Guerra Mundial. Mas o episódio só deve ter tido importância marginal na escolha da outra opção.
Um primeiro Plano de desembarque foi concluído nos inícios de 1944 (quando o general Eisenhower se instalou em Londres e assume o lugar à frente do SHAEF (Supreme Headquarters Allied Expeditionary Forces), absorvendo o COSSAC e o trabalho que este desenvolvera. O desembarque anfíbio era para ser realizado na Baixa Normandia por três divisões e complementado por uma divisão aerotransportada. Segui-las-iam 16 divisões britânicas e 20 divisões norte-americanas, das quais metade viriam directamente transportadas dos Estados Unidos.
O trabalho do COSSAC limitara-se a dar emprego aos meios que superiormente lhes indicaram estar disponíveis. No entanto, as combinações políticas e militares entre britânicos e norte-americanos haviam sido feitas de forma que fosse um general britânico (Montgomery) a assumir o comando das forças terrestres durante e imediatamente após o desembarque. Visto da perspectiva americana era uma boa combinação que, além de encher o ego aos seus aliados, facilitaria a defesa de Eisenhower de acusações na eventualidade de um fracasso…
É atribuída a Montgomery a responsabilidade de ter forçado a alteração dos planos (mudem o vosso plano, ou mudem-me a mim…), aumentando os meios inicialmente envolvidos no desembarque. As divisões aerotransportadas que protegeriam os flancos da área dos desembarques passaram de uma para três (6ª britânica, 82ª e 101ª norte-americanas) e este último processar-se-ia simultaneamente em cinco praias (codificadas como Utah, Omaha, Gold, Juno e Sword) envolvendo cinco divisões (e não as três originais): 1ª e 4ª norte-americanas, 3ª e 50ª britânicas e 3ª canadiana.
Era esta a ordem de batalha aliada a 6 de Junho de 1944 e seria este o fim do poste, não me tivesse lembrado de associar esta pequena história de guerra à confusão que por aí grassa em relação à questão do novo aeroporto. Quase sempre, é completamente incompreensível o que se está a discutir: se é o objectivo, a localização ou os meios. Umas vezes, invoca-se o objectivo para extrair conclusões quanto à localização. Noutras, são os meios que condicionam a dita localização. Em geral, nem dentro do governo, nem na oposição parecem surgir vozes autorizadas que, pelo menos, pareçam saber do que estão falar.
É atribuída a um político francês – Georges Clemenceau (1841-1929) – a autoria de uma famosa frase depreciativa dos militares, que é frequentemente citada*: que a guerra é um assunto demasiado sério para ser da responsabilidade dos generais. No enquadramento do que escrevi neste poste e atendendo à questão do aeroporto, não é despropositado refrasear a máxima de Clemenceau e, em jeito de desforra, considerar que a planificação de grandes empreendimentos parece ser um assunto demasiado sério para ser da responsabilidade dos políticos.
* Um dos exemplos mais notórios recentes em Portugal foi proferido por aquele senhor muito emotivo que ocupou por dez anos a presidência da República fazendo apelos.
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