Quiz Show é o título de um filme de Robert Redford de 1994, baseado nos acontecimentos associados a um concurso de televisão chamado Twenty One¹ que passava num canal de uma televisão norte-americana (mais precisamente na NBC) quase 40 anos antes do filme. O concurso incidia sobre os conhecimentos de cultura geral dos concorrentes – na realidade, conhecimentos de cariz enciclopédico… – mas a realidade que o filme expõe é que, por detrás de tanta erudição, os resultados de cada episódio do concurso eram fixados antecipadamente, com os concorrentes protegidos a receberem de antemão as respostas. Afinal, tudo aquilo não tinha sido concebido para ser um espectáculo?
Entre os factos reais que a história do filme contorna, existem os pormenores de que foram descobertas fraudes semelhantes às do Twenty One noutros concursos que os canais da concorrência passavam na mesma altura (como o da CBS - The $64,000 Question²) e que, dada a inexistência de legislação que condenasse especificamente a prática de falsificação de resultados dos concursos televisivos, os fundamentos para as condenações dos envolvidos no escândalo foram os perjúrios que eles haviam cometido previamente nos seus depoimentos ao tribunal. Aliás, ninguém de entre eles acabou por cumprir pena de prisão efectiva.
As maravilhas do You Tube dão-nos agora a oportunidade de apreciar em primeira mão o episódio original do Twenty One onde os verdadeiros concorrentes Charles Van Doren e Herb Stampel (interpretados no filme por Ralph Fiennes e John Turturro) se defrontam, terminando com a vitória (que hoje sabemos ter sido arranjada…) do primeiro, derrotando Stampel que já havia acumulado uma fortuna (para a época) de 69.500 dólares. Repartido em três partes (aqui, aqui e aqui), o que mais me deixou surpreendido foi a péssima representação de ambos, a dar a perceber como os dois concorrentes (abaixo) haviam sido evidentemente instruídos para fasear as suas respostas de forma a causar mais suspense e impacto na audiência.
Refira-se que as questões eram para ser respondidas a seco, i.e., sem alíneas de escolha múltipla e, que quem saiba as respostas a algumas das perguntas ali formuladas (como, por exemplo, os nomes e destinos da 2ª,3ª, 4ª e 5ª mulheres de Henrique VIII – na 3ª parte³), sabe que, quem saiba as respostas, seria muito improvável que as soubessem no formato e com as hesitações como os concorrentes responderam… ambos acertadamente! Que tremenda coincidência!... Desde então, suponho que já muito se progrediu em concursos de televisão. Os gostos populares trouxeram outros formatos mais populares e bastante menos exigentes (como é o caso d´O Preço Certo) aos horários nobres.
Quanto aos concursos do tipo do Twenty One, que fazem apelo aos conhecimentos de cultura geral, acredito que eles continuam a ser devidamente geridos, mas de uma forma mais discreta e eficaz… Assim como a roleta do Casino tem a casa Ø para além das outras 36, a defesa da produção de qualquer concurso desse tipo é que não existe ninguém que possa saber tudo sobre tudo. Assim, quando quiserem substituir um concorrente, ao desenrascado esperto, por exemplo, podem fazer-lhe perguntas sobre assuntos eruditos (literatura ou pintura) enquanto ao erudito marrão saem-lhes sucessivas questões sobre assuntos ligeiros (telenovelas ou futebol)…
Claro que eu não acredito em bruxas nem fiz contas rigorosas, mas um concurso como o Quem quer ser Milionário? (acima, num momento mais infeliz...), que tem versões em variados países, costuma ter um, e só um, vencedor que ganhe o prémio máximo por cada temporada... Normalmente o vencedor é uma pessoa regular, com quem a audiência se identifique, nada de um nerd pouco sociável, com uns dentes estragados e uns óculos espessos… mas que tenha uma cultura enciclopédica!... Afinal, há que nunca esquecer que o propósito final de tudo aquilo é apenas manter a audiência entretida e fazer publicidade, não consagrar o ego de alguém que se dispõe a ir para ali com a intenção de exibir os seus conhecimentos…
¹ Vinte e Um
² A Pergunta dos 64 Mil Dólares
³ Ana Bolena, executada, Joana Seymour, morta de parto, Ana de Cléves, divorciada e Catarina Howard, também executada.
Gostei muito do filme, que no seu ano esteve nomeado para inúmerros óscares mas acabou por ser o grande vencido, face a Forrest Gump e Pulp fiction. John Turturro, que é magro, estava completamente deformado, na sua figura do tal nerd vulgar, judeu de classe média sem grande carisma, e que acaba po revelar o esquema do jogo. Ralph Fiennes trasmitia a sua habitual imagem de gentleman britânico para um aparentado professor da nova Inglaterra.
ResponderEliminarCuriosa a defesa dos homens da "broadcasting", argumentando que a missão deles era criar entretenimento, e não promover estrelas omniscientes, pelo que a aplicação de qualquer snação não teria sentido.
Como se vê por este poste, ao contrário do que se possa interpretar do filme, o fenómeno estava muito mais espalhado para além daquele concurso e todo o incidente terminou com uma gigantesca admoestação: "Sejam mais discretos a "organizar" os vossos concursos..."
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