11 maio 2007

a.G.A.*

No princípio, muito antes de Gabriel Alves, a locução em televisão dos jogos de futebol era algo diferente, o que até a transformava numa actividade lúdica, tal qual o próprio jogo em si havia sido originalmente concebido - para recrear. E os bordões de linguagem talvez fossem encarados de uma outra forma, e todos acolhessem com alguma bonomia a pertinácia com que Alves dos Santos descrevia sempre as idas dos extremos à linha de fundo para centrar a bola para a pequena área ou a sua famosíssima descrição em que o jogador chutava com o pé que estava mais à mão para aqueles remates instintivos à entrada da área.
Numa fase intermédia, já para a década de setenta, a coisa sofisticou-se e houve quem desse em procurar dar de si imagens distintivas, como foi o caso do famoso laço de Nuno Brás que, conjuntamente com o seu carregadíssimo sotaque tripeiro e o facciosismo desmesurado pelo FC Porto, o transformaram num ícone televisivo que as más línguas insinuam ter estado na base da figura do José Estebes de Hermann José. Como se depreende pelo uso do laço, Nuno Brás era um criativo nato, embora fosse frequentemente desastrado no processo de criação.

Vale a pena lembrar que, naquela altura, as equipas só podiam jogar com um número muito restrito de estrangeiros – 1 ou 2. E uma das formas consagradas na locução de os identificar nas equipas em que jogavam era referir-se (por exemplo) a Zico, o grande jogador brasileiro ao serviço da Udinese. No Mundial de 82, Nuno Brás, ali destacado para comentar jogos entre selecções, decide (à sua maneira) ser criativo e, completamente obtuso ao que eram as características pessoais de um jogador (a nacionalidade) e os seus compromissos profissionais (o clube), sai-se com a inovadora expressão Kenny Dalglish, o jogador do Liverpool ao serviço da Escócia… E, suponho, nem valia a pena explicar-lhe a diferença…

Mas isso eram lapsos que só pareciam acontecer aos repórteres desportivos de antanho. Mas o que hoje ouvi de manhã na rádio a um jornalista de informação, de muito provável licenciatura – e não da Independente… – e considerado mesmo como uma vedeta em ascensão nesse mundo, João Adelino Faria, é de uma (i)lógica em tudo semelhante à do bom do Nuno Brás. Assim, ainda a respeito das investigações da criança desaparecida no Algarve, o jornalista referiu-se ao aparecimento de divergências na condução das investigações entre (sic) a polícia portuguesa e as autoridades britânicas
Mesmo sem o laçarote, o que parece escapar a João Adelino Faria é que, dado o local onde ocorreu o crime e havendo autoridades, são as portuguesas e, muito pelo contrário, é a polícia britânica que faz aqui figura de convidada e pelos vistos das que se comportam mal… Deverá ser um lapso, mas parecem-me ser daqueles lapsos que só acontecem a quem – como Nuno Brás – lhe falta o lastro para perceber certas evidências que deviam ser essenciais. Mas o que me parece mais deprimente em tudo isto nem sequer é da responsabilidade do jornalista: afinal, a falta de exigência subjacente à sua promoção ao estatuto de estrela em ascensão no jornalismo de informação português nem é culpa dele…É da nossa atitude colectiva em tomar por excelente o que de medíocre não passa...

* antes de Gabriel Alves…

1 comentário:

  1. Se o “paciente inglês” não estivesse em missão na capital francesa, para ver a neta recém-nascida, decerto teria muito que contar!
    Defensor acérrimo da propriedade da linguagem, compadre de Alves dos Santos, não lhe falta bagagem...
    Creio que, com esta nota, nem vai ouvir os gritos: “Sarko/facho”, o refrão da moda em Paris!!!

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