28 maio 2006

A NOTA NECROLÓGICA DE EDUARDO MICHELIN

É muito instrutiva uma desenvolvida nota necrológica, publicada no jornal francês Le Monde, sobre a vida de Eduardo Michelin, o presidente de 42 anos da maior empresa mundial de pneus, que faleceu recentemente num bizarro acidente marítimo, quando o barco onde recreava se afundou.

Uma das primeiras constatações é que, quaisquer que fossem os seus méritos (realçados, como é tradicional numa nota necrológica), fosse o seu apelido outro e teria sido impossível ter feito a carreira que fez e encontrar-se na posição em que se encontrava à data da sua morte.

Por muito que se fale da meritocracia do sector privado, versus outros critérios de ascensão menos recomendáveis no sector público, a imagem que se colhe de exemplos concretos tem muito pouco a ver com essa nitidez de preto e branco.

A verdade é que, sobretudo em grandes empresas europeias como é o caso da Michelin, se vêm repetidos exemplos claríssimos de ascensão profissional baseada em critérios familiares e de parentesco, quase que decalcados dos existentes no tempo da nobreza feudal dos tempos antigos.

Outro episódio recordado na nota que me merece destaque ocorreu em 1999, quando o mesmo Eduardo Michelin, após anunciar um aumento dos lucros da sua empresa em 20% nesse ano, se apressou a anunciar de seguida um plano para a supressão de 10% dos postos de trabalho da empresa que dirigia.

Das poucas coisas que parecem certas no comportamento imprevisível dos operadores de bolsa é que eles adoooram anúncios de supressões de postos de trabalho: as acções das empresas supressoras sofrem uma valorização súbita, só que normalmente não é sustentada e, por isso, torna-se inconsequente.

É um dos exemplos flagrantes que me servem para não acreditar de todo nos apóstolos da inteligência e clarividência do mercado. Se tanto uma como outra existissem porque é que as cotações nesses casos reagem de uma forma tão previsível, demonstrando os operadores a argúcia de um rebanho de ovelhas?

Qual o racional por detrás da evolução das cotações? Porque é que o anúncio da redução de pessoal implica silogisticamente o aumento de lucros para o futuro? Então que funções desempenhava o pessoal a despedir? Eram inúteis? Então a gestão da empresa era deficiente. Eram úteis? Então o que se sacrificará? Qualidade? Controlo? Inovação?

A grande novidade do anúncio de Eduardo Michelin, fruto talvez da sua inexperiência, foi a visibilidade da associação de um anúncio a outro, a ponto de se tornar muito desconfortável para o poder político da altura (Jospin – socialista francês), que teve mesmo de o chamar à pedra.

Eduardo Michelin poderia classificar-se por um moderno empresário, manifestando umas preocupações sociais muito mitigadas, que poderiam ter porta-vozes em pessoas como Sérgio Figueiredo, que outro dia descobriu e nos comunicou o truísmo que os mecanismos de redistribuição não eliminam a existência de pobres.

Pois não, Sérgio, mas evitam que os pobres sejam paupérrimos o que, numa sociedade abastada, além de ser moralmente condenável - se este argumento te interessar - evita que os paupérrimos venham a ser manipulados por remediados visionários (Lenin, por exemplo) para acabarem com a sociedade dos ricos que pretendes defender*.

* Este tratamento descabido, tu cá, tu lá, dedicado a Sérgio Figueiredo, pretende ironizar com a forma de tratamento, também tu cá e tu lá, e também despropositada, com que recebe alguns dos seus convidados no seu programa de televisão.

Sem comentários:

Enviar um comentário