Nesta história do camuflado do Almirante eu disponho-me a entender muita coisa e até a simpatizar com a causa. Só que não me disponho a alinhar com tudo e até ao fim. Eu percebo que, consideradas as circunstâncias da pandemia, haja uma necessidade social de se encontrar heróis. Também percebo que, mesmo que não conheça a identidade de quem a desencadeou, apareçam campanhas para eleger esses heróis, como aconteceu visivelmente, de um dia para o outro, ao caso do vice-almirante Gouveia e Melo, que foi substituir o anterior responsável nacional pelo plano de vacinação, Francisco Ramos. Os elogios que lhe dispensaram pareceram-me excessivos e despropositados, tanto mais que a nomeação foi feita na continuidade: Gouveia e Melo era o vice do anterior titular. Mas, mesmo assim, sou pessoa para conseguir separar as críticas ao exagero da própria pessoa do nomeado, inocente da exaltação a seu respeito, tanto mais que ele, nas palavras em que o citam, até dá mostras de uma modéstia - «Não sou eu Gouveia e Melo, não é um militar a comandar, que vale por si. Temos todos de trabalhar em equipa.» - que vai ao arrepio dos encómios que, na comunicação social, se escreveram e se continuam a escrever a seu respeito.
Agora, com toda a simpatia previamente demonstrada, o que eu já não consigo perceber é porque é que o Almirante Gouveia e Melo tem necessidade de vir para a televisão dar entrevistas de camuflado, como ontem aconteceu na TVI. Uma rápida pesquisa na internet mostrou-me que até aqui há uma semana as fotografias existentes do Almirante Gouveia e Melo mostravam-no envergando as tradicionais fardas de serviço dos oficiais da Armada, mas não o camuflado, tanto mais que os cargos mais recentemente desempenhados por si (o de chefe de gabinete do Chefe do Estado-Maior da Armada, por exemplo), não implicariam essa necessidade de uma farda que associamos ao combate de infantaria - ou de fuzileiros, no caso daquele ramo. O princípio, que me parece sólido, permanece válido para as funções que o Vice-Almirante Gouveia e Melo agora assumiu. A responsabilidade - reconhecidamente complexa - da gestão da administração das vacinas contra a covid-19 não se equipará a qualquer combate terrestre ou a uma operação anfíbia. Tanto mais que - como se pode ler no seu CV - a especialidade de Gouveia e Melo são os submarinos. A não ser que o camuflado seja um elemento de «décor», ao jeito da famosa colecção de broches que a dra. Graça Freitas leva para as conferências de imprensa...
A ser assim, para além de despropositado, o guarda-roupa escolhido pelo ou para o Vice-Almirante Gouveia e Melo não me parece feliz: o aparecimento de oficiais de camuflado à frente das câmaras de televisão está, entre nós, para sempre associado a episódios de alteração da ordem pública, como aquelas longas explicações prestadas pelo capitão Duran Clemente ao longo da tarde do dia 25 de Novembro de 1975 até ser substituído pelo Danny Kaye. Por sinal, há quarenta e cinco anos como hoje, Duran Clemente, que era um oficial de Administração Militar, não precisava do camuflado para nada, mas ficava-lhe bem, dava-lhe um ar de combatente na televisão... Mesmo que próximos do Carnaval, o almirante Gouveia e Melo não precisa desse ar de combatente.
... se for possível esclarecer, agradeço. Como não fui à tropa, e mesmo considerando este assunto, um não assunto, pode me dizer quantas fardas este militar tem e quais as situações a que se destinam. Ou seja, a que usou está entre elas, se sim em que situação se usa?
ResponderEliminar«...considerando este assunto, um não assunto...»
ResponderEliminarComo já formou uma opinião ainda antes do esclarecimento que eu possa prestar-lhe, é inútil fazê-lo.
PS - Não só não foi à tropa como também se nota, pelo que escreve, que faltou a algumas aulas importantes de Português: a que ensina que não se separa uma oração com vírgulas, por exemplo...
Agradeço o esclarecimento. Sim, em vez de perguntar também posso procurar, porque se aquela for farda de TO, ou do dia à dia, está certa. O homem é militar em função operacional, logo está vestido para a ocasião, com o respectivo dress code. Assim deixo os meus parabéns por tão bem ilustrar um não assunto. Se há área onde Portugal não tem problema de escala, ela encontra-se na capacidade de promover e dar palco ao acessório.
ResponderEliminarFaz bem em procurar sozinho a resposta que deseja. Quanto ao resto, é precisamente como escreve: «...dar palco ao acessório». E o palco aqui são os estúdios de televisão da TVI, local de vegetação densa, adequado aos camuflados.
ResponderEliminarSim, fica melhor, ou mais legível, a PB quando a tv era PB. Esse é, aliás, um dos detalhes argutos que empresta classe e detalhe, ao poste a um assunto lateral.
ResponderEliminarPerdoar-me-á dizer-lhe o óbvio, mas, no meu blogue, sou eu que elejo os assuntos que decido abordar. E elegi este da fatiota de combate do sr. almirante por causa do ridículo que acarretou. Estará no seu direito, como alega, o sr. almirante fardar-se como quiser quando vai à televisão? Completamente de acordo. Pela parte que me toca, ele até podia aparecer nos estúdios da TVI de fato de treino, dado que a Armada providencia um, regulamentar, a todos os seus oficiais.
ResponderEliminarE deixe-me acrescentar outro aspecto óbvio: o sr. almirante não anda de camuflado normalmente; portanto ele decidiu, ou alguém lhe sugeriu que se mascarasse daquela maneira quando fosse à televisão. Portanto estamos a ver uma representação do sr. almirante.
Até admito que tenha havido telespectadores que reagiram de forma positiva à imagem «combatente». No meu caso, e dele dou conta no blogue, o expediente da «camuflagem» funcionou ao contrário, já que o essencial do assunto eram vacinas.
E porque, mesmo tratando-se de «um assunto lateral», já me escreveu aqui três comentários a que tive de dar resposta, encerro o assunto por aqui. O sr. almirante que organize a vacinação.