19 fevereiro 2021

OS ÚLTIMOS GUERREIROS DO IMPÉRIO E OS ÚLTIMOS HISTORIADORES DO REVIRALHO

Aqui há coisa de uns 25 anos (1995), a editora Erasmos resolveu publicar este livro acima, a que deu o título - apelativo para a extrema direita nostálgica - de «Os Últimos Guerreiros do Império». Tratava-se de um conjunto de 18 depoimentos de oficiais, alguns deles profusamente condecorados durante as guerras de África e mais uns quantos, conhecidos esses mais pelas suas convicções políticas como seria o caso de Kaúlza de Arriaga. Entre eles, constava o depoimento do «tenente-coronel graduado comando Marcelino da Mata». Sendo o oficial mais condecorado de todos, o seu depoimento de 16 páginas, é, em contraste, dos mais desinteressantes: primário, repleto de erros factuais, narrado em jeito de bravata, como se se tratasse de uma história de vida contada numa tertúlia onde já se haviam bebido uns copos valentes (exemplo: «Quando se deu o 25 de Abril a situação na Guiné estava controlada por nós. Eu dava a volta a toda a Guiné. Só faltava destruir a base do PAIGC de Kadiaf, porque a de Fulamore já o tinha sido.» - p. 207). Nitidamente, Marcelino da Mata nunca percebeu a natureza do conflito de que foi um dos protagonistas. Era um herói de guerra sem projecção pública e ainda bem, porque o que ele tinha para dizer não tinha grande interesse para compreender o que acontecera. O que aliás é também verdade para quase todo o elenco de guerreiros daquela compilação.
Nitidamente, outra pessoa que também nunca percebeu a natureza dos três conflitos africanos em que Portugal se envolveu entre 1961 e 1974 foi Fernando Rosas. Só que Fernando Rosas tem projecção pública e, se calhar, ainda mal. Tem a atenuante de não ter sido protagonista, nem sequer interveniente naqueles conflitos, mas também se deve esclarecer que a natureza da sua obtusidade é completamente diferente da de Marcelino da Mata. Rosas permanece esclerosadamente formatado pelo discurso do seu MRPP na primeira metade da década de 1970 - «Nem Mais um Soldado para as Colónias». E há quarenta e cinco anos que não evolui daí. Teve oportunidade, mas não consegue. Cabe agora perguntar aos responsáveis da TVI o que é que eles consideram que o qualifica para o convidar, a Rosas, para se pronunciar sobre a morte de Marcelino da Mata. É um convite que me parece tão pertinente quanto ter convidado para um programa equivalente Jaime Nogueira Pinto (por exemplo), para se pronunciar sobre a morte de Carlos Antunes, o líder das brigadas revolucionárias, falecido ainda há três semanas. São dois absurdos, a diferença é que um é hipotético e o outro concretizou-se. E concretizou-se em frases ribombantemente disparatadas como a destacada pela própria TVI: «Marcelino da Mata traiu a causa da independência do seus próprio país». É uma afirmação tão estúpida que refutá-la acaba por conferir-lhe uma dignidade intelectual que ela não merece e que se sintetiza muito melhor na expressão de desprezo desagradado exibida por José Ribeiro e Castro do outro lado da mesa, convidado para servir de contraponto naquele mesmo programa. Quanto aos anfitriões da TVI, espero que um dia destes consigam perceber que o segredo para um programa de televisão dinâmico acontece quando os convidados interagem, não quando um deles diz bestialidades que o outro positivamente desdenha.

4 comentários:

  1. ... sabe tão bem ler alguém que não cria radicais ao colocar por escrito uma posição moderada, sem embarcar em extremismos, e que empresta luz para se ler sobre o assunto.

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  2. Já deu para perceber que, mesmo que não tendo «ido à tropa» (como esclareceu num comentário anterior), cada vez que aqui escrevo sobre um assunto que envolva militares, se sente na obrigação de o comentar, como se tivesse levado uma «colhoada». Já se percebera que, por detrás da alcunha de webrails, temos um civil muito empenhado, que até emprega expressões eruditas como TO e «dress code». E que faz um esforços para parecer irónico...

    Só que, ao contrário do precedente, não estou para o aturar com mais três ou quatro comentários encadeados sobre mais este «não assunto».

    Afinal, sobre o assunto precedente, devia estar contente: o almirante dos submarinos continua a aparecer na televisão a falar-nos de vacinas mascarado de fuzileiro.

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  3. ... fui sincero e sem segundas intenções. Mas se não entendeu nem sequer lamento ...

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  4. Não faz falta o seu lamento. Eu também não cometo a hipocrisia de fingir que acredito no que escreveu.

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