30 setembro 2019

PARA QUE NÃO PAREÇA QUE «AQUELA COISA» DE CONTROLAR O DÉFICE ESTÁ ESQUECIDA

Nascido numa época em que me convenceram do quão importante era a questão de reduzir e manter no mínimo o défice das contas públicas, nasceu este meu hábito de, de dois em dois anos, ir mantendo e publicando um gráfico com o resultado do défice orçamental a meio do ano (a meio do ano por razões que aqui expliquei), encimado pela fotografia do responsável pelas finanças da época e, concomitantemente, também responsável pelo resultado exibido. Eu bem sei que publicá-lo nesta altura resulta favorável para o PS mas, já que, em 2011, me convenceram da indispensabilidade do controle das contas públicas, esta é uma daquelas tradições de que não quero abdicar - note-se que, o último resultado aqui apresentado, há dois anos, em Setembro de 2015, também propiciava uma imagem favorável do desempenho de Maria Luís Albuquerque em vésperas de outras eleições. Mas, para que o efeito da notícia saia mais neutro, decidi fazer a ligação à notícia do Observador que dá conta dos 0,8% registados no primeiro semestre deste ano;  a interpretação e redacção que o jornal dá aos resultados, o ênfase que põe no desvio causado pela capitalização do Novo Banco, neutraliza tudo aquilo de positivo que se possa depreender do gráfico acima.

29 setembro 2019

CONVERSAS ENTRE ELES...

Nas organizações da esquerda tradicional eles costumavam ser designados por militantes, mas nestas organizações da esquerda-chique-impune têm-se todos em tal consideração que se auto denominam personalidades. E entretêm-se muito uns com os outros... A campanha eleitoral é para isto mesmo.

A 14ª SINFONIA DE SHOSTAKOVICH

29 de Setembro de 1969. Estreia em São Petersburgo (então denominada Leninegrado) da 14º Sinfonia do compositor Dimitri Shostakovich. O maestro dessa primeira audição pública mundial foi o também russo Rudolf Barshai. O vídeo que incluí contém apenas um pequeno trecho com menos de três minutos da peça musical (com uma extensão total rondando os 45 minutos). É aquele género de música que eu não consigo apreciar. 

28 setembro 2019

OS FALSOS SIAMESES

A capa desta semana da revista britânica The Economist até tem a sua piada, mas é também mais um episódio do recorrente expediente que os ingleses usam (cansativamente...) para se arrogarem a importância mundial que não têm, usando os americanos como muleta. A verdade é que os britânicos, até agora, não elegeram Boris Johnson para coisa nenhuma. Ele ocupa o cargo que ocupa por causa do abandono de Theresa May e de umas eleições internas no partido conservador em que recebeu 92 dos 140 mil votos dos torys. Por outro lado, Boris Johnson é uma pessoa inteligente e cultivada ao mesmo tempo que é um aldrabão, a quem já se ouviu tudo e o seu contrário e que não tem o menor pejo em mentir descaradamente. Mas é apenas esta última falta de ética que irmana Boris Johnson a Donald Trump. Donald Trump é uma pessoa que não tem nem sequer laivos de cultura e que mostra uma estupidez difícil de conceber no cargo que ocupa. Mas é verdade: os americanos elegeram aquele cretino para ser seu presidente! É complicado, mas o povo americano tem que se olhar ao espelho e assumir as responsabilidades e consequências de ter colocado uma pessoa com o perfil de Donald Trump na Casa Branca. No caso do Reino Unido, as responsabilidades do povo britânico são outras e mais subtis: as de se terem esquecido de perguntar, junto de Boris Johnson e alikes, em que condições é que o Reino Unido sairia da União Europeia. Não ligaram ao assunto, confiaram no Boris e agora estão lixados. Mas são problemas completamente diferentes.

O PARTIDO DO TÁXI E A SOLUÇÃO DA MOTA COM MÚLTIPLOS «SIDECARS»


No espectro político português não haverá partido que demonstre maior preocupação com meios de transporte - especialmente de reduzida capacidade... - do que o CDS. Esta trotinete que acima aparece associada a Nuno Melo, como seu hipotético meio de transporte para o parlamento europeu em consequência dos resultados alcançados pelo partido nas eleições europeias de Junho passado, é um longínquo descendente dos tempos difíceis que o CDS viveu sob o cavaquismo (1987-95), quando a sua representação parlamentar desceu para mínimos (4 deputados em 250 em 1987; 5 em 230 em 1991) prenunciadores do colapso completo do partido nas eleições seguintes. Esse ciclo negativo só foi ultrapassado quando o CDS se apresentou a votos metamorfoseado num outro partido distinto, o PP ((Partido Popular), que conseguiu eleger 15 deputados em 230 nas eleições de 1995.

Aliás, não deixa de ser irónico a forma (com verdadeiros laivos revisionistas orwellianos) como no CDS se pretende contar o que foram esses tempos históricos. O nome que imediatamente aparece associado aos tempos difíceis é Diogo Freitas do Amaral, fundador do partido e que entretanto tornara a dirigi-lo. Mas Freitas do Amaral foi apenas o responsável pelos resultados do CDS em 1991, em que o partido até aumentou, ainda que muito marginalmente, a sua representação parlamentar de 4 para 5 deputados. Do nome de Manuel Monteiro, que triplicou essa representação (de 5 para 15) nas eleições de 1995, não se houve praticamente falar. Nem de Monteiro, nem da sigla PP, que continua pegada à documentação oficial (e só à oficial...) do CDS. Mas o paradigma da ausência da narrativa histórica é a figura de Adriano Moreira, que toda a gente parece ter esquecido que dirigia o partido em 1987 quando ele inicialmente colapsou. O ano passado o CDS deu-lhe uma grande ovação em congresso sem que tivesse aparecido um amigo da onça a recordar um facto que, sendo chato, por acaso é verdade: que, em 45 anos de história, foi Adriano Moreira quem conduziu o CDS até ao nadir da sua representatividade eleitoral. Adriano Moreira é uma daquelas pessoas misteriosas por onde as responsabilidades políticas e históricas escorrem como se fossem gotas de chuva de uma gabardine bem impermeabilizada...

Para todos os efeitos, o feito de Adriano Moreira, ao alcançar uma representação parlamentar mínima de 4 deputados nas eleições de Julho de 1987, arrastou consigo, como graçola irónica, a adopção da expressão o partido do táxi, intróito para que de há 32 anos para cá, os resultados do CDS em eleições legislativas sejam regularmente confrontados com as capacidades de meios de transporte dos seus eleitos; a analogia é agora adoptada recorrentemente pelos próprios dirigentes do CDS. Mas, por o ser, e porque as sondagens até agora não se mostrarem particularmente entusiasmantes para a organização política dirigida por Assunção Cristas, é que me lembrei desta prancha de BD de Taka Takata em que o herói, depois de comprar uma mota para passear com a prometida, se vê confrontado com a exigência desta de passear, mas apenas acompanhada, e das exigências dos acompanhantes em trazer, também eles, companhia. Apesar do aspecto ridículo (veja-se o último quadro), trata-se de uma opção modular, que Assunção Cristas poderá adoptar às circunstâncias: de partido do táxi, passa-se para o partido da mota (a associação a Mota Soares é apenas uma coincidência...) com os sidecars que forem precisos...
ADENDA: Cinco lugarinhos! Foi mesmo à conta.

27 setembro 2019

SE TRUMP FOSSE UMA PESSOA NORMAL, OS «BANHOS DE REALIDADE» TÊ-LO-IAM CURADO

Há dois dias (25 de Setembro), aproveitando a presença do primeiro-ministro japonês em Nova Iorque para a abertura da 74º Assembleia Geral da ONU, Donald Trump assinou um Acordo de Comércio específico com Shinzō Abe. Engolido pelas notícias do teor do telefonema que Trump fizera ao presidente ucraniano, pedindo-lhe um favor pessoal, e pela sentença em que o Supremo Tribunal britânico desautorizava, por unanimidade, Boris Johnson na decisão de suspender a actividade parlamentar, o noticiário internacional não ligou raspas ao assunto. Será que devia tê-lo feito? Os simpatizantes do presidente americano têm sempre este capital de queixa contra quem não se dispõe a seguir a linha editorial preconizada pela Casa Branca. Normalmente, esses simpatizantes esquecem-se de mencionar que, entre a comunicação social afecta a Trump, existe nomeadamente a Fox News, o bastião televisivo do trumpismo e que nem mesmo ali os desejos editoriais de Trump são sempre totalmente satisfeitos. Aliás, como se perceberá pelos próximos parágrafos, o que parece valer mesmo a pena, é os palermas (simpatizantes de um palerma), ficarem-se pelas lamurias, que o aprofundamento dos factos só costuma tender a enterrar ainda mais Donald Trump.

Recorde-se que o comércio e os acordos de comércio haviam sido uma anunciada pedra de toque da política externa da presidência Donald Trump. Ele é que ia dar uma volta ao assunto! Começou por se retirar do TPP mal tomou posse, comprou uma briga (feia) com a União Europeia por causa do aço e alumínio, impôs a substituição do acordo comercial que ligava os Estados Unidos ao Canadá e ao México (NAFTA) por um outro (USMCA), acordo esse cuja ratificação pelos próprios Estados Unidos - e isso é que não é divulgado... - se arrasta sem fim à vista pelos bastidores do Congresso. Mas tudo isto é a típica América política de Donald Trump feita, de espampanância sem substância. Mas será talvez por isso mesmo, e porque a mais espaventosa guerra comercial de Trump se tem vindo a travar contra a China que os sucessos que se possam registar entre outras potências do Extremo Oriente têm o significado especial de tentar colmatar a imagem de impotência estratégica para onde Trump empurrou o seu país - porque a China, ao contrário de um Canadá ou de qualquer outro grande país europeu, aliados da NATO, não tem quaisquer razões supletivas, para fingir diplomaticamente vergar-se aos discursos insolentes do presidente americano.

Quando há dois dias o presidente Donald Trump compareceu na cerimónia que a foto acima documenta, tratava-se, na realidade, de um reanúncio: um mês antes, os mesmos dois protagonistas haviam anunciado quase precisamente a mesma coisa em Biarritz durante o G7. Seguiu-se um mês de negociações bilaterais com concessões mínimas das duas partes, sobre o vinho ou o arroz, mas onde perdurou o impasse sobre os tópicos importantes, caso da indústria automóvel. Por isso, o acordo de comércio assinado não é geral. Mas o facto de estar a apresentar uma novidade requentada e limitada nunca incomodou, e não será agora que iria incomodar, Donald Trump: ele prometeu que isto iria representar «really big dollars for our farmers and for our ranchers» (dinheiro a sério para os agricultores e criadores de gado). Talvez sim. Subentendido ao costumeiro exagero trumpiano estava a oportunidade de novos mercados para os exportadores americanos de carne bovina, suína e queijo, entalados por causa da guerra comercial com a China. Tipicamente, e apesar de toda a fanfarra, o texto do acordo ainda não fora tornado público dois dias depois... Talvez por mostrar que no mundo real da diplomacia comercial é o melhor que se pode arranjar - a retórica de Trump não vale nada.

O FRACASSO DAS NEGOCIAÇÕES ENTRE EISENHOWER E KRUCHTCHEV

27 de Setembro de 1959. No último dia da visita que Nikita Kruchtchev acabava de realizar à América, não era possível esconder o desapontamento quanto aos resultados (acima). A cobertura da visita fixara-se nos aspectos mais folclóricos da mesma (abaixo), mas a verdade é que, por detrás de tudo aquilo, concluía-se que apenas a justaposição dos dois principais líderes mundiais em encontros pessoais não produzira quase nada de substantivo.
Bem se podia esperar, para efeitos de propaganda, que o carácter pessoal dos encontros propiciasse resultados diplomáticos, mas o desfecho da visita provava que não. Aliás, 5 anos depois, no filme Dr. Strangelove, essa tese absurda era descaradamente parodiada pelo teor da conversa travada entre o presidente americano e o seu homólogo soviético (abaixo). A tese assim permaneceu, descartada, por mais de 50 anos, até Donald Trump a ter recuperado, com os resultados que se apreciam... Nenhuns.

26 setembro 2019

A DISSOLUÇÃO DO PARTIDO COMUNISTA FRANCÊS

26 de Setembro de 1939. Face à aliança objectiva e subjectiva entre nazis e comunistas que estava a ter lugar na Polónia, o governo francês decidiu proceder à dissolução do partido comunista francês. O secretário-geral do PCF, Maurice Thorez, obedecendo a ordens superiores, deserta da unidade militar para onde fora mobilizado por causa da guerra e vai instalar-se em Moscovo. Se, a atender ao título do livro abaixo, o comunismo tiver sido mesmo uma paixão francesa, então foi uma paixão com muitos altos e baixos.

25 setembro 2019

O ÚLTIMO GRANDE PRÉMIO DA CHECOSLOVÁQUIA

25 de Setembro de 1949. Tem lugar o Grande Prémio da Checoslováquia, disputado no Circuito Masaryk em Brno (hoje República Checa). O vencedor foi um condutor britânico, Peter Whitehead, ao volante de um Ferrari 125. A competição atraiu uma multidão de mais de 400.000 pessoas e foi rica em acidentes: um piloto local morreu ainda durante os treinos, assim como dois espectadores que foram atingidos pela viatura descontrolada do italiano Giuseppe Farina, durante a segunda volta. Foi o antepenúltimo Grande Prémio daquela temporada mas, desconhecido de todos, iria ser também o último Grande Prémio da Checoslováquia por várias décadas. Apesar do enorme entusiasmo local pelo desporto automóvel, consubstanciado até no facto de haver dois construtores automóveis checos (a Škoda e a Tatra), impunham-se razões de política internacional, que dividiam a Europa em duas esferas de influência, e que faziam com que as corridas de Fórmula 1 fossem entretenimentos para os países capitalistas, o que não era manifestamente o caso da Checoslováquia.

24 setembro 2019

LIÇÕES DE SOCIAL DEMOCRACIA DE ALGUÉM QUE «ANDAVA ARMADA», MAS QUE PUNHA BOMBAS APENAS COMO «HOBBY»

Abrir um jornal e ler a alguém como Isabel do Carmo, ainda que de passagem, a dar lições de como os jornais «devem fazer a história e descrever as mutações da expressão social-democrata» (ao centro deste texto) é um exagero do desplante, a mostrar que a habilidade de comunicar assim não é um exclusivo dos radicais da extrema direita, no estilo Trump. Mostra ingratidão até, aquela que a comunicação social tem tratado com tanta indulgência, uma espécie de socialite exótica (num tempo de PREC em que as genuínas estavam desaparecidas...), com a particularidade de andar com pistolas em vez de baton e de caixa do pó-de arroz. Fossem quais fossem os adereços, tudo não passaria afinal de uma questão de cosmética, como se deduz das suas palavras na entrevista acima... Aliás, uma associação de armeiros portugueses - uma NRA portuguesa, por assim dizer - dificilmente encontraria melhor slogan em prol da venda livre de armamento entre nós, considere-se aquela frase do título: afinal, a intenção «de matar alguém» é que conta...
Mas, regressando às suas palavras do artigo de hoje, Isabel do Carmo também terá o conforto de saber que «os meios de comunicação» não irão «tristemente» «pegar» na tal »expressão "social-democrata"» ou, pelo menos, não o farão com a profundidade de a vir a interpelar a ela, mais a organização que dirigiu e que a tornou famosa, o PRP-BR, a propósito daquilo que ela acima designa por «derivas com significado», dos tempos em que, para ela, os «sociais-democratas eram os cúmplices das manobras imperialistas» conforme se pode comprovar por este cartaz abaixo da organização, convocando para uma manifestação do 1º de Maio (1975). Observando o assunto com distanciamento, pode dizer-se mesmo que há ali uma certa atitude casual chic, de quem não se mistura com certo género de pessoas: «o PRP-Brigadas Revolucionárias não se manifesta com o P.P.D. e o P.S.» Desde esses tempos até à actualidade, em que Catarina Martins e o Bloco de Esquerda se reclamam da social democracia, e como «mutação», reconheça-se que é uma «mutação» e peras!

A SEXTA FEIRA NEGRA DE 1869

24 de Setembro de 1869. Tornou-se uma monotonia, que apenas acicata a confusão, este hábito de baptizar todos os pânicos da bolsa de Nova Iorque pelo dia da semana em que ocorreram sempre complementados do epíteto de negro. É por isso que é muito fácil confundir a Quinta Feira Negra (Black Thursday) de 24 de Outubro de 1929, com a Terça Feira Negra (Black Tuesday) de 29 de Outubro de 1929, e com a Segunda Feira Negra (Black Monday) de 19 de Outubro de 1987. Mas esta Sexta Feira Negra que precedeu a Grande Crise de 1929 em mais de 60 anos, pouco se terá assemelhado a esses outros dias negros da bolsa novaiorquina: em primeiro lugar porque o pânico se deu no mercado do ouro e não no de acções; em segundo lugar porque o que aconteceu há 150 anos foi deliberado e mesmo orquestrado por uma parelha de especuladores (Jay Gould e James Fisk). A fotografia acima, da ardósia onde se iam afixando as cotações do ouro na sessão em que o pânico teve lugar, ajuda a perceber, pela simplicidade dos registos, porque é que, nesses tempos, a manipulação das cotações (cornering the market) era muito mais fácil de conseguir do que actualmente, para mais quando, como acontecia com Gould e Fisk, se dispunha de informação privilegiada (insider trading). E o problema adicional na base destas manobras na fixação da cotação do ouro, que causaram uma crise bolsista, é que na origem da informação privilegiada de que os dois especuladores se socorriam estava o próprio presidente dos Estados Unidos, Ulysses Grant. À crise bolsista juntou-se a crise política. Daí o zelo como o assunto foi investigado por um comité do Congresso americano, que incluiu a preservação (documento único!) acima das anotações na ardósia de uma sessão bolsista de Nova Iorque de 1869, cotações essas que, em circunstâncias normais, teriam completamente apagadas e substituídas no dia seguinte. Quanto às sanções penais para os especuladores, e para quem esteja à espera do longo braço da justiça, esclareça-se que tanto Gould quanto Fisk se escaparam de punição legal. Fisk morreu assassinado por um rival num caso passional envolvendo chantagem, aos 36 anos: imaginando-o no século XXI e em Portugal, tinha o perfil ideal para dirigir um dos nossos clubes de futebol...

23 setembro 2019

«BORN IN THE U.S.A.»

23 de Setembro de 1949. Há precisamente 70 anos nascia Bruce Springsteen. Nos Estados Unidos, como é óbvio.

22 setembro 2019

O INCIDENTE DE VELA (HISTÓRIAS DE MISTÉRIO E IMAGINAÇÃO)

22 de Setembro de 1979. Conforme se pode ler na Wikipedia: «O incidente de Vela, também conhecido como o "flash" do Atlântico Sul, foi um "flash" duplo de luz não identificado detectado por um satélite americano Vela em 22 de Setembro de 1979 perto das ilhas Prince Edward, no Sul do Oceano Índico. A causa do "flash" permanece oficialmente desconhecida e algumas informações sobre o evento continuam classificadas. Embora tenha sido sugerido que o sinal poderia ter sido causado por um meteorito atingindo a Terra, os 41 "flashes" duplos anteriores detectados pelos satélites Vela haviam sido causados por testes de armas nucleares (nota minha: embora tivesse sido precisamente para detectar testes nucleares que os satélites daquela classe haviam sido colocados em órbita*). Hoje, a maioria dos pesquisadores independentes acredita que o "flash" de 1979 foi causado por uma explosão nuclear - talvez um teste nuclear não declarado realizado conjuntamente pela África do Sul e por Israel.»

Na verdade, o painel de especialistas científicos que o NSC reuniu à época não conseguiu ser conclusivo quanto à origem do que o satélite detectara. No seu relatório de 23 de Maio de 1980 podia ler-se (no original): «although the Panel is not able to compute the likelihood of the September 22, 1979 event being a nuclear explosion, based on our experience in related scientific assessments, it is our collective judgment that the September 22 signal was probably not from a nuclear explosion.» Em contrapartida, um relatório concorrente, elaborado por um painel de membros dos serviços de informações era taxativo em concluir (mais uma vez, no original) que tinha: «...high confidence, after intense technical scrutiny of satellite data, that a low-yield atmospheric nuclear explosion occurred in the early morning hours of 22 September 1979.» É um daqueles casos em que as duas conclusões não devem ser sopesadas da mesma maneira. A comunidade das informações americana tinha que proteger "as suas costas", acautelando o worst-case scenario que era representado pelos eventuais sinais de proliferação nuclear que estariam ali a ser protagonizados por dois aliados mal comportados dos Estados Unidos: África do Sul e Israel.

E claro, caso se se tivesse tratado de um ensaio nuclear clandestino, o potencial de mistério de todo o acontecimento seria completamente outro! Constate-se que é a controvérsia baseada nisso e não os factos conhecidos que dão robustez à página da Wikipedia que é dedicada ao Incidente de Vela! Só que, por outro lado, passaram-se entretanto quarenta anos! O segredo da capacidade nuclear de Israel é hoje um segredo de polichinelo. Houve uma mudança de regime na África do Sul. Contudo, apesar de se ter a certeza que esse hipotético ensaio nuclear teria que ter contado com a colaboração de centenas de pessoas (a Operação Argus, realizada pelos Estados Unidos em paragens próximas 20 anos antes, contara com a participação de nove navios), nestes últimos quarentas anos não apareceu nem uma pessoa que fosse testemunha do hipotético ensaio nuclear. Um verdadeiro "síndrome de Área 51": o síndrome original mete extraterrestres e discos voadores desde há mais de 70 anos, mas, também aqui, a melhor explicação para o mistério é não haver mistério algum. Adenda: mas , pelos visto, isso não interessa nada ao Observador.
* E conhece-se aquele aforismo que estabelece que quem se equipa com um martelo tem tendência para abordar tudo com o que se depara pela frente como se fossem cabeças de prego...

A INCÓGNITA DA RESPOSTA, A EXCITAÇÃO DA ESPERA

22 de Setembro de 1979. A edição desse dia do Diário de Lisboa trazia para destaque da sua primeira página uma proposta apresentada pelo PCP à sua organização satélite, o MDP, para que os dois se apresentassem conjuntamente ás próximas eleições legislativas, marcadas para princípios de Dezembro. Cinco anos depois do 25 de Abril, aquela que fora a formação de fachada dos comunistas durante o Estado Novo, o MDP/CDE, já se dera a mostrar em toda a sua submissão ao que fossem os interesses do PCP. Alguns militantes deste último (figuras de segunda linha como Vítor Dias), que haviam militado no MDP/CDE (como controleiros, numa espécie de comissão de serviço), já haviam regressado à sua base natural. Que o MDP/CDE não possuía autonomia política alguma tornara-se em 1979 num segredo de polichinelo. E, contudo, persistia-se como se percebe por esta manobra de promoção política a que o Diário de Lisboa (jornal da cor) se prestara. Na verdade, naquele amanhã que é proposto pelo título do jornal, de que hoje se completam precisamente 38 anos, não abundariam corações palpitantes, angustiados em adivinhar qual o sentido da resposta do MDP/CDE. Este(s) não tinha(m) opinião.

21 setembro 2019

O ASSASSINATO DO PRIMEIRO MINISTRO ROMENO ARMAND CǍLINESCU

21 de Setembro de 1939. Os «Guardas de Ferro», organização fascista romena promove um atentado em que morre o primeiro-ministro da Roménia, Armand Călinescu. A iniciativa parece ter tido o aval encorajador dos alemães e a anuência passiva dos russos. Se bem que o panorama noticioso esteja então dominado pelos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, nomeadamente o vergonhoso conluio entre nazis e comunistas para a ocupação e desmembramento da Polónia vencida (acima, a azul), mesmo assim as páginas centrais do Diário de Lisboa dão amplo desenvolvimento ao assunto (a amarelo), mormente as proclamações que se fazem nestas circunstâncias, de que o assassinato de um homem não irá afectar a política externa do país que dirigia. Era só conversa. Fruto da situação militar mas também consequência intimidatória do assassinato, a parceria que a Roménia formara com a Polónia e as suas simpatias para com os aliados ocidentais desapareceram, como se constatava facilmente nas páginas do próprio jornal: bastava comparar aquilo que se escrevera a respeito da Roménia no dia imediatamente antes ao do assassinato de Călinescu (abaixo, à esquerda) e no dia imediatamente depois.

20 setembro 2019

ALÉSIA

Como sabe todo o leitor de Astérix, Alésia foi o local onde o grande chefe gaulês Vercingétorix, se reconheceu vencido, depondo as suas armas aos pés de Júlio César. O que já não é historicamente garantido é que este último se tenha aleijado no dedão grande do pé... De facto, muito, senão mesmo quase tudo o que se sabe sobre Alésia não é garantido. Sabe-se, pela narrativa da Guerra das Gálias (do próprio Júlio César) que houve um cerco, que o desfecho foi decisivo, mas, ao contrário de tantas outras batalhas mais recentes, não se sabe garantidamente qual a localização do sítio onde os acontecimentos terão tido lugar. Foi só na segunda metade do século XIX, com Napoleão III, que se puseram de parte as controvérsias académicas sobre a localização, para se assentar num local onde se pudesse erigir uma grande estátua ao... vencido: Vercingétorix (fotografia mais abaixo).
Como muitos outros sítios interessantes da História de França, este também é uma comuna rural (Alise-Sainte-Reine) com umas escassas centenas de habitantes, a 260 km a sudeste de Paris. São locais que, para visitar, é preciso que saibamos que existem e aquilo que representam: é o que acontece com a gruta de Lascaux, com os fortes da linha Maginot ou com o sítio da batalha de Crécy, apenas para dar três exemplos. Em 2012, inaugurou-se um museu em Alésia, em jeito de combinação de campo arqueológico complementado com reconstruções históricas. E porque é sempre interessante atribuir uma data aos acontecimentos, mesmo que tenham ocorrido em 52 a.C., o dia de hoje, 20 de Setembro, deve ser um dia melhor que muitos outros, para o atribuir à conclusão da batalha de Alésia e à famosa deposição das armas aos pés de César. Terá sidoprecisamente 2.071 anos...

OS CANDIDATOS DA C.E.U.D. PELO DISTRITO DE LISBOA

20 de Setembro de 1969. A edição desse dia do Diário de Lisboa publica nas suas páginas centrais a identificação dos doze candidatos que se irão apresentar em Lisboa às próximas eleições legislativas pela lista da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD). Já aqui frisámos quanto as simpatias daquele jornal eram indisfarçáveis a favor das candidaturas oposicionistas. Passe a coincidência irónica de, ainda há dois dias, aqui termos falado duma ausência de preocupação da imprensa actual com a (ausência) da publicidade dada às listas com a identidade dos candidatos para as eleições de 2019 (terá mudado bastante o estilo da informação nestes 50 anos!...), vale a pena referir que entre os membros dessa lista da CEUD aparecem vários nomes que irão dar muito que falar deles a partir de 25 de Abril de 1974: pela ordem em que são apresentados, destacam-se os nomes de Francisco Sousa Tavares, Jaime Gama, Raul Rêgo, Gonçalo Ribeiro Telles, Francisco Salgado Zenha e Mário Soares. Para quem tenha estranhado, e ao contrário do que acontece actualmente, em que o número de deputados é repartido proporcionalmente ao número de votos recebidos por cada lista começando pelos que primeiro se apresentam, em 1969 vigorava o sistema de que a lista vencedora elegia todos os deputados. A ordem pela qual os candidatos se apresentavam era irrelevante e é por isso que vamos encontrar Mário Soares colocado num discreto e cavalheiresco último lugar.

19 setembro 2019

OS TRÊS ÂNGULOS DA ENTREVISTA

Após um jogo de basebol disputado há dois anos na Califórnia, uma jornalista desportiva chamada Kelli Tennant entrevista uma das estrelas de uma das equipas, Kiké Hernandez, dos Los Angeles Dodgers. Há as imagens canónicas da entrevista num plano convencional (acima, à esquerda), e as imagens menos canónicas, mais afastadas, que mostram o entrevistado empoleirado num balde de doces enquanto dá a entrevista (à direita). Mas as duas fotografias com enquadramentos diferentes, dizendo-nos algo sobre as respectivas diferenças de alturas e muito sobre o ego do jogador, não nos dizem tudo sobre a situação. É que Hernandez, ao contrário de outros apanhados a fazer o mesmo, não é nenhum minorca, tem uma altura de um adulto normal: mede 1,80. O que se passa é que a entrevistadora é uma antiga jogadora feminina de voleibol e mede 1,87! Acrescem a todos esses centímetros os saltos dos sapatos que ela usa. Portanto, o homem resolveu preservar o seu amor próprio empoleirando-se ridiculamente naquele balde, mas convém ter presente que a mulher que o entrevista é uma girafa.

18 setembro 2019

PROTECÇÃO DE DADOS

Saiu hoje no Público um artigo extremamente interessante sobre as peripécias por que passará os que queiram saber a composição das listas concorrentes ao próximo acto eleitoral. Aquelas que contêm os nomes daqueles que, a partir de 6 de Outubro, pretendem vir a ser os próximos deputados, em nossa representação. É que, pelos vistos e para quem tenha tentado, por inacção de uns organismos de supervisão (CNE) e demissão de outros organismos de tutela (SGMAI), e apesar de estarmos na era da sociedade da informação, em lado algum dessa infinda internet aparece disponibilizada uma lista com as listas e as identidades daqueles que manifestaram aquela disponibilidade para, com a validade dos eleitores, passarem os próximos quatro anos a representar-nos na Assembleia da República. É por isso que o artigo é encabeçado pela pertinente pergunta: Sabe mesmo em quem vai votar? O artigo acaba tornando-se uma crítica feroz à burocracia, a referência que aqui faço à protecção de dados é irónica, já que, evocada amiúde e em variadíssimos contextos como justificação para tanta coisa, a protecção dos dados (dos candidatos) é neste caso concretizada em contra senso e por causa da incompetência das autoridades que as deviam publicitar. Mas a incompetência não se fica apenas por esse aspecto: o autor do artigo que aparece no Público é um amador (Luís Aguiar-Conraria), autor de uma coluna semanal de opinião, quando o que seria de exigir em relação à descoberta e exploração deste assunto competiria aos profissionais. Mas não: o que se pode encontrar de explicativo nos jornais a respeito das próximas eleições é aquele costumeiro abcedário professoral, como se os leitores fossem todos uns atrasados mentais (Legislativas 2019: Guião de A a Z).

17 setembro 2019

OPERAÇÃO «MARKET-GARDEN»

17 de Setembro de 1944. Início da Operação Market-Garden. Já aqui falei dela e sobre o que se pode ler a seu respeito. Para hoje fica apenas guardada a evocação. Foram acontecimentos espectaculares de guerras passadas que actualmente já não fazem sentido.

OUTRO DIA QUE FOI MUITO RICO DO PONTO DE VISTA NOTICIOSO

17 de Setembro de 1939. Depois de, no primeiro dia do mês, a Alemanha ter invadido a Polónia pelo Ocidente, desencadeando a Segunda Guerra Mundial, a União Soviética tomava a iniciativa de invadir a Polónia por Oriente. Apesar de ser um Domingo, foi outro dia também muito rico do ponto de vista noticioso, com o Diário de Lisboa a produzir três edições, cada qual com primeiras páginas distintas. Se dúvidas houvesse, estas dissipavam-se quanto ao teor das combinações que haviam sido feitas entre nazis e comunistas. A reacção que perpassava pela nossa opinião pública e pelas que nos eram próximas era que, se os nazis alemães eram os maus e o lado errado daquela guerra, o comportamento dos comunistas russos mostrava-se infame. Entre os seguidores mais fiéis destes últimos, a narrativa completamente deturpada como os acontecimentos daquela época são evocados ainda agora (abaixo) continua a ser infame, mesmo abjecta, acusando as «potências capitalistas» da cumplicidade com os nazis que foi efectivamente protagonizada pela potência comunista.

16 setembro 2019

FOTOGRAFIAS ELOQUENTES

Fotografia que se arrisca a perdurar, simbolizando a situação para onde o Reino Unido se deixou arrastar por causa do Brexit. À direita, o primeiro-ministro luxemburguês aponta para aquele que não aparece na fotografia mas que, como se percebe pela disposição das bandeiras, a preenche: Boris Johnson, o primeiro-ministro britânico, que preferiu não comparecer por causa dos manifestantes que se se expressavam à distância, discordantes. O discurso do anfitrião luxemburguês, proferido em inglês (uma cortesia, já que o inglês não é um dos idiomas oficiais do Luxemburgo) e que é não propriamente muito macio para o ausente, pode ser ouvido no original aqui abaixo. Mas isso será o menos, pois se se dizia antigamente que quem vivia pela espada morria pela espada, nos dias que correm, são os que ascenderam pela imagem que pela mesma imagem se tornam mais vulneráveis.

A VERDADE É QUE A VERDADE NÃO CONCORRE ÀS PRÓXIMAS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS

Não há nada melhor do que o período que atravessamos para constatar, nas redes sociais, que a frase acima é uma grandessíssima mentira. Basicamente, estão-se quase todos marimbando para a Verdade. A Verdade não concorre às eleições e praticamente todos os que escrevem sobre o momento político têm o seu favorito. Eu também. Mas, mesmo assim, atrevo-me a escrever sobre o paradoxo de que a própria citação acima que tanto enaltece a Verdade... também não é verdadeira. Em primeiro lugar porque não há certezas de que Aristóteles tenha dito aquilo precisamente da maneira como é citado: o que há é uma expressão latina (Amicus Plato, sed magis amica veritas), de autoria indeterminada. Em segundo lugar, e provavelmente mais importante em termos do teor da Verdade, é que o amigo de Aristóteles, que se crê que seja invocado na frase que ele não disse, seja Platão e não Sócrates: mas a verdade, essa sim verdadeira, é que invocação do nome de Sócrates, puxa muito mais pela frase e concita muito mais as atenções dispersas dos leitores, não por causa do Sócrates, mas por causa do Sócrates...

15 setembro 2019

O ATAQUE ÀS REFINARIAS SAUDITAS

A propósito do ataque desencadeado pelos rebeldes iemenitas contra refinarias sauditas lembrei-me deste episódio de uma aventura de Tanguy e Laverdure por aquelas paragens, desenhada já há uns bons cinquenta anos, que envolve precisamente o ataque contra as instalações de uma grande companhia petrolífera que sustenta um regime despótico num hipotético emirado da região. O que mudou parece ter sido os meios: onde antigamente havia que dispor de aviação, agora a operação pode fazer-se visando as instalações com drones. Mas, como na ficção de outrora, na realidade actual ficam expostas as vulnerabilidades destes alvos económicos em países que estão tão dependentes da exportação de uma matéria prima.
Uma coisa é certa: as imagens de uma refinaria a arder são, como se vê abaixo, de uma estética impressionante, a que as televisões não conseguem dizer que não...

14 setembro 2019

A DUPLA DE PENSADORES

Portugal tem o privilégio de possuir no seu panorama audiovisual esta dupla de pensadores acima, os quais, com excepção da ornamentação capilar, se assemelham em quase tudo o resto. Observem-nos de mão no queixo, a amparar cabeças cansadas de tanto exercício... Ele é a mesma atitude sabichão-sabe-tudo-e-vai-nos-explicar e o mesmo estilo que esconde uma agenda política muito mal disfarçada sob uma capa - ténue - de tecnicidades. Valha a franqueza de reconhecer que as agendas não são bem as mesmas: o lobismo de um não coincide com o botifarrismo* do outro, mas a incongruência de ambos acaba por os reunir a fazer a mesma figura, porque se um é o general que nem sequer assentou praça, o outro é o empresário que nunca dirigiu uma empresa digna desse nome. Mas isso não impede que tenham ascendido ao estatuto de estrelas intelectuais do nosso panorama audiovisual onde até possuem o seu círculo de admiradores. Mas aí, torne a valer a franqueza,o problema não é deles: é dos admiradores. Como não evoluem em círculos concorrentes, até pode acontecer que não se considerem como rivais, mas não é descabido qualificar Camilo Lourenço como o Nuno Rogeiro dos carcanhóis ou Nuno Rogeiro como o Camilo Lourenço da BB-Gun** (abaixo).
* De botifarra: bota da tropa.
** BB-Gun é um dos vários géneros de réplicas de armas de brincar.

13 setembro 2019

A PONTE SOBRE O RIO KWAI

Um dos expedientes de que Boris Johnson se tem socorrido, neste tempos difíceis por que tem passado a governar o Reino Unido (em vias de se dissociar da União Europeia), é o de lançar foguetes com anúncios de projectos espampanantes, à espera que alguma imprensa acorra para ir apanhar as canas, e com isso aliviar a pressão política e mediática a que ele tem estado a ser submetido. É assim que o Channel 4 News teve acesso a documentos - imagine-se quem lhos facultou... - que demonstram que o actual governo britânico está a estudar a hipótese da construção de uma ponte que ligue a Escócia e a Irlanda do Norte! É um projecto que, de há algum tempo para cá, fascina o actual primeiro-ministro britânico e que, como se pode constatar num mapa, é uma obra ambiciosa,que terá de ter uma extensão mínima de uns 40 quilómetros. Claro que os custos do empreendimento são igualmente ambiciosos, estimados em 17 mil milhões de euros.
Ainda há menos de um ano, na China, inaugurou-se uma ponte com 55 quilómetros de extensão que, atravessando o Delta do Rio das Pérolas, faz a ligação entre Hong Kong, Zhuhai e Macau. É a maior ponte do Mundo, custou também 17 mil milhões de euros e demorou nove anos a ser construída. Em comparação, a ponte sobre o Mar da Irlanda acarinhada por Boris Johnson, pareceria ser um galvanizante desafio britânico à proeza da engenharia chinesa. Contudo, para complicar a vida ao primeiro-ministro, existe um certo consenso entre a classe dos engenheiros locais sobre a inexequibilidade da obra. Entusiasmo e garantias quanto à viabilidade da mesma, só mesmo os vindos de arquitectos ou de políticos unionistas da Irlanda do Norte. Reconheça-se que a argumentação dos engenheiros britânicos faz algum sentido: os mapas que acompanham estas argumentações raramente expressam as profundidades das massas de água que as pontes atravessam, e foi por isso que eu fui pesquisar à internet mapas que as exprimissem, porque é precisamente para esse aspecto que os engenheiros chamam a atenção.
Enquanto que a ponte na China foi edificada na foz de um rio, onde as profundidades raramente ultrapassam os 20 metros, a ponte que hipoteticamente viria a ligar a Escócia e a Irlanda teria que atravessar uma falha (o dique de Beaufort) onde as profundidades atingem os 200 a 300 metros(!). Não é bem a mesma coisa em termos de engenharia e de custos. E, para acrescentar ainda mais dificuldades à concretização do projecto, essa falha foi usada no passado para despejar munições e material radioactivo(!). Ou seja, por detrás das aparências e por debaixo das águas, apresentam-se dificuldades e riscos que tornam a promoção da ideia tão fantástica que chega a tornar-se insensata. Estes argumentos já por várias vezes foram brandidos, mas nada parece demover Boris Johnson. Apesar dos elogios que por cá lemos a respeito da sua formação em Estudos Clássicos, é nestas circunstâncias que se percebe que a sensibilidade de Boris Johnson quanto a problemas do foro científico, assuntos que imponham rigor, a sua prestação é muito fraquinha, graças a Deus.
O que é um handicap para qualquer primeiro-ministro, admita-se. Mas, porque toda esta história gira à volta da construção de uma ponte, embora a ponte venha a revelar-se o menos importante para o enquadramento geral em que a acção decorre, lembrei-me do tenente-coronel Nicholson, a personagem quintessencialmente britânica criada por Alec Guiness para o filme A Ponte do Rio Kwai. Lembrei-me dele porque, tal como Boris Johnson, o coronel está tão obcecado com aquilo que considera a sua missão, missão essa que ele aceita ser o melhor dadas as suas circunstâncias (do cativeiro), que Nicholson não chega a compreender o quadro mais vasto que o envolve. Quando, no fim, o coronel morre destruindo a ponte, e apesar de se perguntar o que é que fez (What have I done?) para mim ainda é equívoco se o faz deliberada ou acidentalmente. E é desta mesma forma trágica que eu vejo Boris Johnson num futuro próximo: daqui por meses, de uma forma ou doutra, ele vai conseguir o seu Brexit; só não garanto que, para já, queira estar consciente das consequências do que vai desencadear.

O SEGREDO ESTÁ NO FORMATO COMO NOS INDUZEM A PENSAR

A propósito do debate entre candidatos democratas que ontem teve lugar nos Estados Unidos, lembrei-me de ir recuperar este poste, já com 13 anos e meio, de um blogue das redondezas. Aborda a questão das eleições presidenciais americanas de 2008, quando elas estão ainda a dois anos e meio de distância. A conclusão, a de que John McCain era «o político mais bem colocado para suceder a George W. Bush como presidente dos EUA» é, observada a esta distância, ridiculamente cómica, quando conhecemos o desfecho das eleições. Mas mais interessante é constatar que as possibilidades de eleição de Barack Obama nem ali foram consideradas. Uma das maneiras mais eficazes de formatar a opinião pública consiste em formatar os cenários como as induzem a pensar, enquanto seleccionam as premissas do problema. No caso concreto acima, o leitor é convidado a pensar que, mesmo a mais de dois anos e meio das eleições, todos os candidatos relevantes para a disputa da eleição presidencial já são conhecidos. O que, como se constatou neste caso com Obama, é mentira. De notar, no último parágrafo, a preocupação recorrente na opinião publicada americana com o esquerdismo/radicalismo dos candidatos democratas, que é apontado sempre como óbice ao seu sucesso. E repare-se como, em contraste, para as eleições de 2016 quase não se deu por tão veemente argumento quando invocado em simetria em relação ao radicalismo/populismo republicano no caso de Donald Trump durante as primárias republicanas... Veja-se agora que, nos dias que correm, a conversa do esquerdismo excessivo foi transferida de Hillary Clinton para Bernie Sanders e Elizabeth Warren! Mas isso é levar estas coisas a sério, quando o que aconteceu ontem à noite na América foi apenas mais um show para televisão...

A FUNDAÇÃO DA CGT

13 de Setembro de 1919. Por ocasião da realização do II Congresso Operário em Coimbra, dá-se a fundação da Confederação Geral do Trabalho (CGT). Embora se preste a confusão, por causa da semelhança das siglas e de ambas serem (ou terem sido) confederações de sindicatos, a actual CGTP não tem qualquer relação com a CGT.

12 setembro 2019

A JUNÇÃO DAS DUAS INVASÕES

12 de Setembro de 1944. Tem lugar numa aldeia borgonhesa chamada Nod-sur-Seine (veja-se a sua localização no mapa abaixo) a junção entre as duas invasões que os Aliados haviam desencadeado em terras francesas: a muito mais famosa invasão desencadeada pelo desembarque da Normandia em 6 de Junho e a desencadeada pelo desembarque da Provença em 15 de Agosto. Teoricamente, aquelas unidades alemãs de ocupação que não se haviam apressado a retirar das posições que ocupavam em território francês estavam agora cercadas.
Não por acaso, as duas unidades que se encontram naquele local são francesas, pertencentes à 1ª Divisão da França Livre e à 2ª Divisão Blindada, assim como é francês o documentário acima que celebra o acontecimento. 75 anos depois, existe o monumento a assinalar o encontro, à borda da estrada nacional 71, para quem conheça o significado do que ali aconteceu e se dê ao incómodo de lá ir. Eu bem sei de quem acabou demonstrando predilecção por pilaretes do género daquele que se exibe acima, assim como por outros fenómenos que desabrocham em França à borda das estradas.

BOLTON

«But America has probably not heard the last of Mr Bolton, who is unlikely to replicate the dignified silences of Mr McMaster or James Mattis, an ousted defence secretary. Two years after leaving the second Bush administration, he cast a withering judgment on its decision to engage in limited diplomacy with North Korea. “Nothing can erase the ineffable sadness of an American presidency, like this one, in total intellectual collapse”. Little did he then know how much further things could go.»

(The Economist)

Mas a América possivelmente ainda não ouviu as últimas palavras de Bolton, já que é improvável que ele se resigne aos silêncios dignos do seu antecessor McMaster ou então de James Mattis, o secretário de defesa. Dois anos depois de Bolton ter deixado a segunda administração de George W. Bush, ele apreciava a decisão desta em se envolver numa iniciativa diplomática limitada com a Coreia do Norte dizendo: “Nada pode esconder a tristeza inefável de uma administração americana como esta, imersa num colapso intelectual total”. Mal sabia ele, então, até quão mais fundo as coisas poderiam ir.

11 setembro 2019

A CONVERSA DO COSTUME

É um exercício caricato, porém útil, comparar aquilo que nos contam agora a respeito da importância do pelouro de Elisa Ferreira com o que se dizia do pelouro atribuído há precisamente cinco anos a Carlos Moedas. A comunicação social portuguesa, quase sem excepção (e esta excepção agradou-me sobremaneira), embarca no discurso que se tratam sempre de pelouros importantes, aqueles que são atribuídos aos comissários indicados por Portugal. Costuma ser mentira. Mas o que torna o exercício ainda mais engraçado é esquadrinhar qual a composição das comissões, e descobrir que a importante pasta que agregava a Investigação, a Ciência e a Inovação, e que foi sobraçada até agora por Carlos Moedas, desapareceu, enquanto que a também muito importante pasta da Coesão e Reformas, que irá ser sobraçada por Elisa Ferreira, não existia na orgânica da comissão anterior. Moedas não tem sucessor(a); Elisa não tem antecessor(a).
Tudo isto nos leva, com pertinência, a questionar o significado e a importância desta coreografia das cadeiras da comissão, descontando alguns pelouros reconhecidamente cruciais. E que costumam ser entregues a gente de confiança. Por exemplo: Pierre Moscovici, que tinha sido até agora o comissário para os assuntos económicos e monetários, mas que tem desmerecido essa confiança. E é capaz de ser por isso que a comissária indicada pela França para lhe suceder (Sylvie Goulard) recebeu agora o aliciante desafio de tutelar... o mercado interno. Mas, descontando estes pormenores, mais do que pela substância e com o decorrer dos anos, a constituição das novas comissões parece pautar-se por uma criatividade inovadora na denominação das pastas, a mudar títulos mas não a orgânica da plataforma da burocracia bruxelense onde tudo assenta, e que nos fazem lembrar a inventividade de Pedro Santana Lopes a baptizar as pastas do seu governo aqui há muuuitos anos: quantos é que se lembram da expressão surpreendida de Paulo Portas ao ouvir que o seu ministério ficara também com a tutela do mar? Ele, que viera para a cerimónia sem fato de banho?...
Se Pedro Santana Lopes se lembrou naquela altura de baptizar uma pasta da Segurança Social, da Família e da Criança (deixando os idosos desprotegidos, acrescentaria eu...), Ursula van der Leyen entregou agora ao comissário grego o pelouro ingrato da Protecção do Modo de Vida Europeu. A sério: encaremos estas parvoíces da composição e dos pelouros da comissão europeia com a contenção que o assunto merece.

A NOVA CORRIDA LUNAR, LEMBRANDO A VELHA CORRIDA LUNAR

Se dúvidas houvesse, estas notícias, todas deste ano, mostram-nos que existe uma nova corrida à Lua, de que os anteriores concorrentes (Estados Unidos e Rússia) parecem ter sido dispensados. Há cerca de cinquenta anos, por ocasião dessa outra primeira corrida à Lua, estas pequenas histórias de Taka Takata traziam uma visão irónica e também cómica do fenómeno, para mais quando protagonizado pela que seria então considerada uma pequena potência na Astronáutica: o Japão. Os insucessos de Israel e agora da Índia são um lembrete do quanto naquela actividade se incrementam as probabilidades dos fracassos, quando ela é prosseguida nos formatos mais económicos.

10 setembro 2019

QUANDO AS «RAÍZES COMUNS» NÃO SERVEM PARA NADA

Desde John Kennedy que os americanos usam a carta na manga da ancestralidade irlandesa de uma apreciável proporção da sua população branca para, por ocasião das viagens dos seus presidentes à Europa, transmitirem uma imagem de partilha de raízes comuns e de simpatia que é nomeada e naturalmente ainda mais usada por ocasião das visitas à Irlanda. Quando, como aconteceu no mandato anterior de Barack Obama, a coisa não funciona com o presidente, avança o vice-presidente, como se pode constatar na notícia acima, de há três anos, da (dita) peregrinação de Joe Biden(s?) ao condado de Mayo para visitar a família. Por muito ingénua (de repetida) que a história seja, há sempre quem apareça, como noticiava o Irish Times em Junho de 2016, exibindo uma fotografia de irlandeses aguardando a chegada do primo. Haverá sempre quem apareça? Com Trump e as suas raízes alemãs, voltaram a evidenciar-se, numa operação parecida com a de Biden, as origens irlandesas de Mike Pence, o seu vice-presidente. Só que a visita deste último, que teve lugar em princípios deste mês, não correu nada bem. Em primeiro e principal lugar, porque o recado que Pence trazia de Trump, um endosso veemente ao Brexit e a Boris Johnson foi muito mal acolhido em Dublin. O Irish Times, que aqui acima embarca no romantismo da visita à família por Biden, diz agora de Mike Pence que se portou diplomaticamente tão mal que até parece que «ele cagou (sic) na carpete do hall das visitas». Em segundo lugar porque, ao alojar-se num hotel que o patrão (Trump) tem na Irlanda, teve que responder pelo racional de ali se ter alojado, apesar do hotel se situar a 290 km da capital(!), local onde iriam decorrer naturalmente os seus encontros. Em terceiro lugar, por fim, e o pretexto mais directo para este poste, porque as multidões previstas para o acolher primaram pela ausência, como se constata pelas imagens abaixo, de gradeamentos postados nos passeios e com os fotógrafos na expectativa... diante de uma paisagem deserta. Obviamente que ninguém dá grande cobertura noticiosa àquilo que não aconteceu mas, ao contrário do que acontecera com Joe Biden, a Irlanda profunda ter-se-á (reciprocamente...) cagado para Mike Pence.
Para os mais curiosos esclareça-se que estas eram as imediações de um restaurante de um parente longínquo de Mike Pence, situado num vilarejo obscuro da Irlanda. As imagens foram colhidas algum momentos antes da chegada do vice-presidente para ali jantar. Como comentava no seu tweet um repórter enviado para cobrir o (não) acontecimento: felizmente a gardai (polícia irlandesa) parece estar a conseguir lidar com as multidões.