01 setembro 2019

ESTARÃO OS ÁUGURES FADADOS A SER SUBSTITUÍDOS (TAMBÉM) PELA «INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL» OU ADAPTAR-SE-ÃO MAIS UMA VEZ?

Se os adivinhos da Antiguidade se assumiam em toda a sua esplendorosa aldrabice, como muito bem recordou Goscinny no seu álbum O Adivinho de 1972 (acima), os oráculos, profetas, ou arúspices da Modernidade, disfarçam-se. O que perdura e que faz a ligação entre os antigos e os modernos é o obrigatório aspecto respeitável do protagonista (a idade ajuda), a impenetrabilidade do processo que conduz às conclusões (às vezes essa impenetrabilidade esconde-se por detrás de uma multiplicação desnecessária de palavras) e a ambiguidade da mensagem. E claro, a complacência do auditório, que normalmente está mais propenso a lembrar-se dos sucessos do que dos insucessos. As tecnologias do século XXI podem estar a dar cabo deste último aspecto.
Tomemos a afirmação, peremptória, deste opinador do Observador e do seu artigo de hoje. Mário Pinto tem 88 anos e, se calhar, devia resguardar-se mais. Não sei se terá chegado a aperceber-se das potencialidades das novas tecnologias em facilitar a detecção das contradições das opiniões que dá com as que deu no passado. Neste caso concreto, em que o jornal até é o mesmo, a importância da economia que agora, Setembro de 2019, não "é obra" deste governo, em Maio de 2015 era objecto de um tratamento assaz distinto - e, não por acaso, naquela época o governo até era outro. Mais do que isso, a questão da economia, que nessa altura não se percebia ser obra de quem (talvez por não apresentar resultados particularmente concludentes), alegadamente funcionava "como uma voz da direita contra a política de esquerda". As pessoas aos 88 anos deveriam conter-se e escrever coisas tão sábias quanto inócuas, resistentes aos testes de coerência, como fora privilégio dos áugures do antigamente. Mas não. Ignorantes quanto às capacidades inquisitivas de uma mera pesquisa no Google, parece que ainda precisam de se expor e fazer figuras tendenciosas como as do artigo acima, equiparando-se àqueles paineleiros dos serões futebolísticos da TV Cabo, em que adoptam critérios de julgamento completamente díspares, conforme a grande área onde a jogada decorre.
Note-se que eu concebo várias razões, algumas delas válidas, para que a evolução da economia não seja levada a crédito das políticas governamentais. Mas são razões a tomar em conta em todas as circunstâncias. Não se pode renegá-las quando a evolução é positiva, o governo é de esquerda e estamos deste lado do Atlântico como Mário Pinto, e aceitá-las quando a evolução é negativa, e o governo de direita, e/ou estamos na América.

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