31 maio 2024

A CARTA QUE NÃO TERIA MUDADO NADA DO CURSO DA HISTÓRIA

Aproxima-se a efeméride do Desembarque na Normandia (6 de Junho) e os jornais aproveitam-se da ocasião para, aproveitando-se da ignorância do público, redescobrir aquilo que já há muito era sabido. Que houve então uma «entrevista» «rude» entre Churchill e de Gaulle é algo que é sabido desde há pelo menos 60 anos (como se comprova do lado direito, já disponíveis as memórias dos dois homens). Que houve um esboço de uma carta de Churchill, nunca enviada a de Gaulle, formalizando as suas posições por escrito, é irrelevante. Como se percebe pela passagem do livro de História acima, Churchill já havia dito na sua essência e de viva voz a de Gaulle o que ele pensava da sua conduta. Aliás, nenhum dos dois documentos acima afixados o recorda, mas consultando este blogue pode ficar-se a saber que a legitimidade a que de Gaulle alude naquela famosa discussão tempestuosa com Churchill era coisa que, para além de discutível, era recentíssima: o Governo Provisório da República Francesa (GPRF) aparecera no dia anterior ao desta famosa discussão! Quanto à pretensão do artigo do The Guardian (à esquerda) de que o envio dessa carta poderia ter alterado o curso da História, isso é, no mínimo, especulativo. Que essa carta teria «seguramente» o poder de «acabar com a carreira política de de Gaulle», isso já nem é especulação, é apenas disparate.

O ANÚNCIO DO PARTIDO DO JOSÉ CASTELO BRANCO

31 de Maio de 2019. No facebook, José Castelo Branco anuncia a sua intenção de formar um movimento político para concorrer às eleições legislativas. Uma daquelas parvoíces que depois vem a ter ressonância naquela imprensa para idiotas mas também em imprensa que, supostamente, pretende não ser para idiotas.   

MARCELO E O SEU «GANGUE»

A notícia é de 31 de Maio de 1984. E serve para espevitar aqueles que agora se atrevam a condoer com Marcelo e com a insistência das perguntas que insistentemente lhe colocaram a respeito dos esclarecimentos sobre o episódio das gémeas vindas do Brasil, das cunhas que o filho meteu por elas e da sua associação com tudo aquilo. A que ele, sempre disponível para falar acerca de tudo, não respondeu directamente, nem sequer plantou respostas por detrás, como por vezes costuma fazer. Para aqueles que têm falta de memória, há que lembrar os que preferiam "interpelar frontalmente e com todas as letras», para agora vermos aplicado o mesmo princípio à presidência da República, mormente ao seu próprio titular, Marcelo Rebelo de Sousa. Aquilo que lhe temos ouvido é escasso e, para recuperar a expressão de há quarenta anos, está repleto de «falhas, omissões e erros» a que ele não tem dado explicações. Nesta versão que ele pôs a correr, o seu filho conseguiu mobilizar todo um circuito de cunhas com o seu total desconhecimento e mesmo à sua revelia. Deixo uma pergunta matreira, à Marcelo: um presidente pode ser assim tão impotente a controlar os desmandos dos seus familiares?...

30 maio 2024

FAÇAM ASSIM: PONHAM A ESCREVER OS ARTIGOS CIENTÍFICOS ALGUÉM QUE COMPREENDA AQUILO QUE ESTÁ A ESCREVER

Escolham alguém que não confunda a antiguidade da galáxia e a época em que ela terá aparecido, 290 milhões de anos depois do "big bang", com a própria antiguidade do "big bang". Numa página da RTP ensina pode aprender-se que o "big bang" terá ocorrido «há cerca de 14 mil milhões de anos». Se nessa página a RTP ensina, neste artigo é evidente que a Lusa e a CNN não aprenderam nada com o que a concorrência anda a ensinar. Mesmo traduzindo os artigos da AFP (como se lê, no fim), os tradutores destes artigos científicos têm que saber mais qualquer coisa para além de inglês. Senão equivalem-se a papagaios, só que em vez de emitirem sons que reproduzem, copiando, mas sem entenderem, fazem precisamente o mesmo com a palavra escrita - umas cacatuas literárias.
Em jeito de remate, constate-se como o Correio da Manhã consegue acrescentar à ignorância, negligência e estupidez de todos os seus colegas da comunicação social uma notável capacidade de síntese. Ou seja, no CM são tão estúpidos como os outros, mas conseguem exibi-lo de uma maneira mais directa e as audiência parecem preferir isso!

A FOTOGRAFIA DO POLÍTICO QUE NÃO TINHA JEITO PARA APANHAR BOLAS

(Republicação reeditada)
Comecemos por apresentar aos leitores deste blogue Robert Stanfield (1914-2003), que foi um político canadiano, porém desconhecido fora do Canadá. E, mesmo aí, será de perguntar quantos passageiros do Aeroporto Internacional de Halifax (que foi baptizado com o seu nome) saberão quem ele terá sido. Durante nove anos, de 1967-1976, Robert Stanfield foi o líder do Partido Conservador Progressista e, por inerência, o dirigente da oposição canadiana. Foram uns anos difíceis para se ser oposição, com a arena política dominada pela exuberância e popularidade do Primeiro-Ministro liberal Pierre Elliot Trudeau (1919-2000) – a Trudeaumania, já aqui por mim abordada num outro poste. E Robert Stanfield disputou (e perdeu) três eleições consecutivas com Pierre Trudeau: em 1968, 1972 e 1974.
Foi durante a campanha para aquelas últimas eleições que foram disputadas em Julho de 1974, que os assistentes de Stanfield se lembraram de trabalhar de algum modo a sua imagem rígida, sobretudo quando em comparação com a referência do primeiro-ministro Trudeau. A ideia, concretizada a 30 de Maio de 1974, completam-se hoje 50 anos, foi convidar um fotógrafo (Doug Ball) para lhe tirar umas fotografias espontâneas de jovialidade, com o candidato atirando, ou recebendo (acima) ou… falhando a recepção de uma bola de futebol americano. Claro que, das 36 fotografias do lote, foi esta última, a que se vê abaixo, a aparecer na primeira página dos jornais liberais do dia seguinte… e a tornar-se um péssimo prenúncio para as eleições que aí viriam.
Até hoje, o episódio é considerado um dos primeiros e principais exemplos dos efeitos da política de imagem na história política do Canadá. Contudo, a honestidade intelectual (e o exemplo de uma outra fotografia da mesma ocasião que acima inserimos) manda-nos reconhecer que a ideia de fotografar o candidato naqueles preparos e para efeitos promocionais era péssima e o milagre é que os assessores políticos e de imprensa de Robert Stanfield conseguem sair do episódio escondidos pela narrativa da vitimização do candidato por uma imprensa rival implacável, quando, no fundo, eles é que foram uns incompetentes de alto calibre. Quem é que se lembraria agora e por exemplo, de ir tirar fotografias a Pedro Nuno Santos para a Academia das Ciência de Lisboa?...

DEPOIS DE PEDRO ÁLVARES CABRAL, MAS ANTES DE... JORGE JESUS

30 de Maio de 2014. O jornal Público dá um destaque de duas páginas à história de um treinador de futebol português chamado Paulo Morgado que fora procurar fazer carreira para o Brasil. O retrato é de uma mediocridade confrangedora: «São clubes profissionais que trabalham como amadores. Os jogadores não respeitam os horários e os dirigentes são demasiado emocionais, chegando ao ponto de despedir treinadores no intervalo de um jogo. A maior parte dos técnicos não tira cursos há 15 ou 20 anos. E sem qualidade de treino, não há qualidade de jogo. Os jogos aqui não têm muita qualidade, são anárquicos. Os sistemas tácticos são ultrapassados. Ainda se usa muito o 3 ˣ 5 ˣ 2 e o chuto para a frente.» Se então se presumia que continuava a ser verdade que o Brasil era uma potência futebolística, nomeadamente por causa do manancial de jogadores dotados que gerava, a verdade é que parecia constituir uma benesse que esses craques fossem desde cedo jogar para o estrangeiro, para se habituarem a processos de trabalho verdadeiramente evoluídos. O que era irónico naquela situação é que o diagnóstico parecia estar bem feito, mas os próprios brasileiros recusavam-se a compreender que, sendo jeitosos a jogar a bola, eram uma merda em tudo o resto que se relacionava com a indústria do futebol. Incluindo a actividade de paineleiro de televisão. Cinco anos depois da notícia acima, podemos apreciá-los a boicotarem com toda a veemência a contratação do treinador português Jorge Jesus pelo Flamengo (abaixo).
...creio que aqui todos conhecerão o resto da história e os cinco títulos conquistados pelo Flamengo numa época (2019/20). Ao nível técnico de treinadores, já se ultrapassou a fase d«o 3 ˣ 5 ˣ 2 e o chuto para a frente» e o Brasil evoluiu imenso nestes últimos cinco anos, porque outros treinadores portugueses se seguiram a Jorge Jesus. Ao nível de dirigentes desportivos e, sobretudo, de paineleiros televisivos, isso é que eu já não sei, porque, mesmo já tendo abordado o assunto aqui no blogue, na verdade não presto grande atenção ao tópico. Também, não vale a pena: tendo evoluído bastante, o futebol no Brasil continua a ser, comparativamente, uma merda em relação ao futebol europeu. Espero, ao menos, que a maioria dos brasileiros se tenha tornado mais modesta e menos xenófoba no futebol, porque a lição que apanharam sobre qualidade do futebol foi dolorosa. Não todos: este exemplar da mediocridade vigente que aparece abaixo, por exemplo, resolveu fazer uma fita quando confrontado com aquilo que lhe tínhamos ouvido previamente mais acima sobre Jorge Jesus.

29 maio 2024

TINTIN E OS PÍCAROS: O GENERAL TAPIOCA E O CAPITÃO HADDOCK TROCAM ACUSAÇÕES

É uma pena que a BD se tenha tornado uma forma de arte tão selecta nos dias que correm, que a maioria das pessoas já não sabem quem é Tintin, o capitão Haddock e o general Tapioca. Sobretudo quando fazem as figuras tristes de Sebastião Bugalho, que desconhece a paródia de cena que desencadearam. Mas também é preciso que haja correspondência da outra parte...

VAMOS OUVIR ANDRÉ VENTURA A SAUDAR A DEVOLUÇÃO DA ARTE ROMANA QUE ACABOU DE SER DEVOLVIDA A ITÁLIA?

Esta notícia do The Guardian, que dá conta de uma devolução significativa por parte dos Estados Unidos de obras de arte da Antiguidade roubadas em Itália, tem a virtude de nos fazer reflectir sobre quais serão as verdadeiras intenções de quem por cá anda a brandir um assunto equivalente, o da «devolução de arte (às) ex-colónias» (abaixo). Sabemos que a questão da devolução de arte, se levada a sério, é complexa e envolve múltiplos casos, como se vê pelo mencionado mais acima (provavelmente parte dos ladrões até terão sido italianos), ou então, para mencionar um outro caso que envolve Portugal e sem ter a ver com as suas antigas colónias, o da arte que foi roubada de cá pelos franceses, por ocasião das três invasões do princípio do século XIX. Mas no caso específico daqueles que querem ouvir a ministra da Cultura no parlamento (o PS e o Chega!), fica-nos aquela forte sensação que o assunto é menor, que tudo é dominado por uma preocupação política circunstancial e que o destino da arte é a menor das preocupações de quem fomenta esta pantomina.

A LUTA DOS TRABALHADORES DA REVISTA "GENTE"

(Republicação)
29 de Maio de 1974. Os trabalhadores da revista "Gente" estavam em luta. A notícia que a noticiava (à luta) na edição de há 43 anos do Diário de Lisboa perdia-se, de resto, no meio de várias outras lutas semelhantes que haviam surgido com a percepção da alteração súbita do poder nas relações laborais, provocada pelo 25 de Abril (que ocorrera há pouco mais de um mês). E esse combate até se aplicava a uma revista de futilidades (burguesas) como era o caso da revista "Gente". Assim, os seus trabalhadores haviam ocupado a redacção da publicação e forçado uma reunião com Artur Anselmo, que era o administrador-delegado da empresa detentora do título. Dá-se a curiosidade do administrador ser uma daquelas jovens (34 anos) estrelas em ascensão da estrutura social que o 25 de Abril de 74 acabara de abalar até às fundações (abaixo vêmo-lo com Carlos Cruz numa aparição televisiva anterior a essa data). A descrição do processo negocial mostra que, como muitos outros na sua posição por aqueles dias, Artur Anselmo fora completamente ultrapassado pelos acontecimentos. A sua ameaça de que «os accionistas individuais se viessem a desinteressar da empresa» (i.e., que a fechassem), foi pura e simplesmente rejeitada «por maioria» numa votação dos trabalhadores (que, quase apostaria, terá sido de braço no ar...). Juntando o insulto à injúria, ficou prometido que Artur Anselmo ainda teria que se vir a haver com uma nova comissão recém nomeada, «destinada ao apuramento (...) das reivindicações do pessoal das outras secções da publicação», pessoal considerado ainda «mais desfavorecido». Até os próprios que a viveram já se terão esquecido do que então passaram, mas não era fácil ser-se patrão por aqueles dias. E visto pelos olhos da actualidade o que se descreveu parece "ficção científica".

ARTHUR C. CLARCK EM 1974

«Ele terá em sua própria casa uma consola através do qual poderá conversar com o seu computador local e obter dele todas as informações de que necessita para o seu quotidiano; desde os seus extratos bancários à suas reservas para o teatro... Todas as informações de que se precisa para viver numa sociedade moderna complexa. A consola compacta estará em sua própria casa,. vai ter uma tela de televisão e um teclado para se ligar com o computador e extrair informações dele. Ele vai considerar isso tão banal quanto nós hoje usamos o telefone.» Isto é uma descrição do futuro feita a 29 de Maio de 1974 por Arthur C. Clarke numa entrevista televisiva. É um daqueles casos em que se constata que a antevisão valeu o teste do tempo.

28 maio 2024

O FIM FORÇADO DA INGENUIDADE POLÍTICA DOS GOVERNANTES PORTUGUESES

28 de Maio de 1974. Se Mário Soares, recém-apontado ministro dos Negócios Estrangeiros do governo provisório que se formara depois do 25 de Abril, estava a contar com um desfecho rápido das negociações que se haviam encetado em Londres entre o novo poder português e o PAIGC, então o melhor era tirar o cavalinho da chuva, porque a parte contrária não se apresentava nada disponível para embarcar na narrativa simples e ingénua que os antigos oposicionistas (como Soares) haviam criado para a resolução do problema colonial português. Os sorrisos de Mário Soares e de Almeida Santos que acompanham a notícia acima são mesmo só para a fotografia. Muito pelo contrário, os do outro lado sentiam a falta de força anímica da parte portuguesa e subiam a parada negocial a pontos que tornavam a predisposição portuguesa de aceitar imensas coisas, na situação em que se tornava humilhantemente impossível aceitar para uma potência colonial. As negociações, concebidas para uns dias, arrastavam-se perante um silêncio constrangedor. Chegado para a fotografia da assinatura de qualquer coisa, Soares foi-se embora com as mãos a abanar dias depois e o assunto ficou entregue aos profissionais. Vinte dias depois (a notícia de baixo é de 17 de Junho) ainda não se havia chegado a lado nenhum e o tempo parecia correr a favor da organização nacionalista.
Mas vale a pena rematar esta evocação esclarecendo que, se a ingenuidade era a de Mário Soares e do restante elenco governativo português, o oportunismo e a falta de empatia para connosco de quem esteve a negociar do lado da Guiné não são para esquecer nem para perdoar. Se a Guiné-Bissau actual é o país de merda que é, eles merecem-no, sem qualquer rancor mas também sem qualquer simpatia. Tiveram cinquenta anos de independência para construir o que têm hoje.

A REVOLUÇÃO DE 28 de MAIO (uma outra...)

(Republicação)
Esta (outra) Revolução de 28 de Maio ocorreu em 1944 e no Equador. Os equatorianos crismaram-na de La Gloriosa, mas a sua notoriedade, na época e depois, permanece pequena fora do país - terá sido mais uma daquelas exuberantes mudanças de regime em que a América Latina era tão pródiga e, ainda por cima, ocorrida num país que não é dos mais destacados do subcontinente. Sintomático disso, e porque as atenções à situação internacional se dispersavam pelos vários teatros da grande guerra em curso, a notícia só apareceu nos nossos jornais daí por dois dias, tendo feito um percurso estranhamente sinuoso, dada como oriunda de Amesterdão (na Holanda ocupada), dando como fonte o "serviço britânico de informações" e no fim assinada pela agência noticiosa alemã D.N.B. O local da inserção da notícia, adequado à irrelevância que La Gloriosa mereceria aos portugueses, era o canto inferior direito da última página do jornal de dia 30 de Maio.

OS POSTAIS COMEMORATIVOS DO ESTADO NOVO

28 de Maio era o dia comemorativo do Estado Novo. Este postal foi publicado por ocasião do 28º aniversário da data, há precisamente 70 anos. A dupla em destaque é a do incontornável presidente do Conselho, Oliveira Salazar (à esquerda) e o presidente da República em exercício, Craveiro Lopes. Entre os dois, aquele que fora o primeiro presidente do Estado Novo durante 25 anos, Óscar Carmona, falecido em 1951. Entrara-se numa fase em que, parafraseando o seu homem forte, mais do que Portugal, até mesmo quem o dirigia subsistia como habitualmente.

27 maio 2024

«ESTÃO FORA DE CONTROLO»: BANDO DE CEM GALINHAS SELVAGENS ASSOLA UMA ALDEIA

Para os mais veteranos, como eu, é impossível ler notícias deste teor, a de uma aldeia inglesa atormentada por um bando de galinhas tornadas selvagens, sem pensar em clássicos da sociologia galinácea como é o caso do filme de animação «Chicken Run» (A Fuga das Galinhas) (2000)...
...ou então associando aquele comportamento agressivo e descontrolado à psicologia galinácea contida na música-paródia «Psycho Chicken» dos The Fools (1979), que foi uma paródia ao sucesso musical «Psycho Killer» aparecido dois anos antes, interpretado pelos Talking Heads.
Mas isso será apenas a atitude de quem quererá criar um mínimo de empatia com a causa das galinhas. A atitude prevalecente pode já não ser essa, considerado o sucesso das formações de extrema direita (o Reform UK no caso britânico), e a solução de demagogos como Nigel Farage para os problemas que afligem Senettisham, Norfolk, será torcer-lhes o pescoço a todas e organizar um churrasco. Aqui, e por se tratar de galinhas, ao menos parece ser menos controverso do que as soluções que eles costumam dar para resolver a imigração.   

O DESCONTENTAMENTO ESLOVACO DENTRO DA CHECOSLOVÁQUIA

27 de Maio de 1964. O New York Times publicava um artigo sobre aqueles temas que eram raramente abordados no Ocidente - os nacionalismos subordinados dos países da Europa de Leste. A simplicidade da propaganda tendia a descrever estes países como meros satélites da União Soviética sem mais. Mas, para além das especificidades, havia aspectos associados a alguns deles que lhes davam características únicas. A Jugoslávia e, neste caso, a Checoslováquia eram países recentes (1918) e que resultavam da agregação de mais do que uma nacionalidade. Neste caso, a notícia era oriunda de Bratislava, capital da Eslováquia, e instruía o leitor sobre o desconforto dos «quatro milhões de eslovacos» que «constituíam cerca de 20% da população» total da Checoslováquia (um número mais realista seria 28%). As causas para tal desconforto assentavam no facto de que, na condução da política nacional da Checoslováquia, predominava a maioria checa. E, quanto a relações de proximidade, o artigo não deixava passar algumas evidências da geografia, como o facto de que a distância de Bratislava a Praga, a capital da Checoslováquia, é de 330 km, enquanto a capital da Hungria, Budapeste, está a 200 km e, mais importante para a argumentação subjacente ao artigo, Viena, a capital da Áustria, está apenas a 80km! Mas até 1989, aqueles países eram ditaduras e estes assuntos eram encarados no Ocidente como preciosismos que não interessavam para a rivalidade Leste-Oeste. Só que não eram preciosismos, mas assuntos muito sérios para os directamente envolvidos: tanto assim que os dois países se dissociaram um do outro escassos anos depois do fim da Guerra Fria.

26 maio 2024

«PORCO É PARA SANDUÍCHES, NÃO PARA DC»

Ontem Donald Trump foi convidado a discursar numa convenção de um pequeno partido americano, o Partido Libertário, formação ainda mais radical do que ele, Trump costuma querer parecer. A sua intervenção foi vaiada de princípio a fim e apareceram na assistência cartazes insultuosos com uma (falta de) categoria equivalente àqueles que costumamos ver os apoiantes de Donald Trump a empunhar referindo-se aos seus adversários.
Só que estes cartazes tinham-no a ele, Trump, por esta vez o adversário, como alvo. Naquele mais acima, pode ler-se (a carne de) «porco é para sanduíches, não para DC» no que parece ser uma referência à capital dos Estados Unidos, Washington DC, onde se situa a Casa Branca. Confesso que sinto um certo conforto em ver um candidato presidencial que não se dá ao respeito nem mostra respeito pelos outros ser tratado desta forma... chafurdante, como um porco.
...e os membros da convenção escolheram - obviamente! - apoiar um outro candidato que não Donald Trump. Mas foi (mais) um excelente momento televisivo porque, mesmo a levar uma boiada geral, para as televisões Trump é sempre uma atracção.

A SAGA DO PAQUETE SERPA PINTO

(Republicação)
Ao contrário do Quanza de que se falou noutro lado deste blogue, o Serpa Pinto já era um navio veterano quando passou a navegar com bandeira portuguesa. Construído em 1915, originalmente para um armador britânico, a Primeira Guerra Mundial fizera com que ele fosse requisitado pela Royal Navy durante o conflito; depois fora devolvido ao proprietário que o explorara até o revender em 1935, por causa da crise mundial, a um armador jugoslavo. Em 1940, reagindo à escassez de transporte marítimo desencadeada pela eclosão da Segunda Guerra Mundial, o navio que se chamara até então Ebro e Princesa Olga acabou sendo comprado por uma companhia portuguesa, a Companhia Colonial de Navegação (CCN) - não a confundir com a sua grande rival, a Companhia Nacional de Navegação (CNN), que era a proprietária do Quanza. O navio deslocava 8.267 toneladas, tinha 142,5 metros de comprimento e 17 de largura máxima, e podia atingir uma velocidade máxima de 15,5 nós. À sua chegada a Portugal, além do novo nome e da aposição da pintura de guerra, que tornava o navio e a sua nacionalidade identificáveis a grande distância (veja-se a fotografia acima), o navio sofreu algumas transformações em termos de alojamento: passou a ter capacidade para transportar 329 passageiros nas três classes tradicionais, para além do acrescento de uma classe suplementar nas cobertas para 375 passageiros adicionais.
Sendo duas das três únicas companhias que podiam fornecer serviços de transporte marítimo regular sob uma bandeira neutral durante a Segunda Guerra Mundial (a terceira companhia era espanhola), a concorrência entre Colonial (CCN) e Nacional (CNN) tornou-se acesa porque o mercado era muito lucrativo apesar da guerra. Na Linha da América (do Norte) o Serpa Pinto podia ser considerado a resposta da CCN à CNN e a navios como o Quanza. Daí aquela adição de 375 passageiros para a classe popular, viajando nas cobertas, a fazer recordar as cenas do filme O Imigrante de Charlie Chaplin. Em Maio de 1944, quando do anúncio acima da próxima partida dia 15 do Serpa Pinto para o porto de Filadélfia, o passageiro-tipo já não era o mesmo passageiro de ascendência judaica e das mais variadas proveniências, abastado mas indocumentado, que protagonizara a saga do Quanza no Verão de 1940. Continuava a predominar o cosmopolitismo - no Serpa Pinto chegou-se a registar a presença simultânea de passageiros de 42 nacionalidades diferentes! - e a ascendência judaica mas a selecção fazia-se agora pelo engenho e perseverança de quem conseguira fugira às malhas que cercavam o continente europeu, quase totalmente ocupado pela Alemanha. Mas aquilo que aconteceu ao Serpa Pinto em 26 de Maio de 1944, durante a viagem acima anunciada, demonstrava que a travessia do Atlântico nem sempre era isenta de vicissitudes.
Sala de Jantar e Bar da 1ª Classe
O Serpa Pinto saíra de Lisboa a 15 de Maio com 385 passageiros. Próximo da meia noite de 26 de Maio, quando se encontrava a cerca de 600 milhas a Leste das Bermudas foi interceptado por um submarino alemão, o U-541. Após o exame da documentação do navio, o imediato do Serpa Pinto, que a apresentara, foi feito refém a bordo do submarino, enquanto o comandante deste informava o capitão Américo dos Santos da sua intenção de torpedear o navio português. Era-lhe dada ordem de abandonar o navio com passageiros e tripulação no prazo de vinte minutos. Felizmente o mar estava calmo, e a operação de transferência das mais de 500 pessoas do navio para as baleeiras processaram-se sem incidentes graves, mas foi nessa fase que se registaram as três vítimas mortais do incidente: o médico de bordo, que acabou (paradoxalmente) por falecer vítima de crise cardíaca; um membro da tripulação, um cozinheiro português, que se terá atirado (ou caído) ao mar para nunca mais ser visto; e um passageiro, uma criança polaca de alguns meses de idade que desapareceu da vigilância dos pais nas circunstâncias confusas do embarque nocturno.
O navio foi abandonado à deriva, sem ninguém, durante horas, enquanto tripulação e passageiros aguardavam expectantes que fosse torpedeado de um momento para o outro. Próximo da alvorada, o comandante do Serpa Pinto, Américo dos Santos, foi levado a bordo do U-541 onde o respectivo comandante, o Capitão-Tenente Kurt Petersen (abaixo), o informou que aguardava instruções de Paris (cidade onde estava localizado o QG da arma de submarinos da Kriegsmarine) a confirmar a autorização para o torpedeamento. Petersen deveria estar compenetrado e ansioso: afinal seria o seu primeiro afundamento, e logo de um paquete de 8.000 toneladas! Mas a resposta que acabou por chegar às oito da manhã era afinal negativa. Por muito que isso enriquecesse o palmarés de Petersen, algum Almirante mais avisado terá temido que o afundamento de um navio daquelas dimensões de um país neutral, naquelas circunstâncias, arriscar-se-ia a ser excessivamente contraproducente para o valor militar da presa. Recorde-se que, desconhecido dos intervenientes, o desembarque da Normandia teria lugar dali por dias, a 6 de Junho de 1944. Sem ressentimentos, procedeu-se ao reembarque dos passageiros e tripulantes e o Serpa Pinto lá prosseguiu a viagem até Filadélfia, sem mais incidentes.
O Serpa Pinto continuou ao serviço nas rotas da América da CCN até 1954. Kurt Petersen conseguiu finalmente afundar o seu navio em 3 de Setembro de 1944 ao largo do Canadá: o cargueiro britânico Livingstone, de 2.000 toneladas. Morreu em 2010 com a provecta idade de 93 anos. E não me surpreenderia nada que Petersen tenha morrido convicto que os passageiros e tripulantes do Serpa Pinto e os portugueses em geral lhe deviam agradecer a magnanimidade de que deu provas. É aquele muro de incompreensão basal que nos separará dele, de pessoas como Wolfgang Schäuble e de uma apreciável percentagem de alemães...

25 maio 2024

A APRESENTAÇÃO DO RELATÓRIO COX

(Republicação)
25 de Maio de 1999. Em Washington DC, uma comissão da Câmara de Representantes apresenta um documento com 900 páginas que se dedicara a investigar as actividades da espionagem militar dos chineses nos últimos 25 anos (os 25 anos anteriores, perceba-se, desde 1974). Para a imprensa, o Relatório adquiriu o nome de quem presidiu à comissão, o congressista republicano da Califórnia, Christopher Cox. Sob o conteúdo e as conclusões do Relatório Cox, podem-se sintetizar as 900 páginas (muitas delas sombreadas, pelas tradicionais razões de segurança), dizendo que a comissão formara a convicção que durante todos aqueles anos os serviços de informações da República Popular da China haviam desenvolvido esforços concertados para a aquisição do design dos engenhos termonucleares norte-americanos de última geração, numa tentativa de colmatar o hiato tecnológico que separava a China dos seus rivais (Estados Unidos e Rússia). Mais: o Relatório considerava que a espionagem chinesa fora bem sucedida nesses esforços. Este é o género daqueles acontecimentos inoportunos com que os governos não gostam de lidar: são assuntos demasiado sérios para poderem ser descartados facilmente por aqueles que gerem o spin das notícias, e ao mesmo tempo são assuntos demasiado graves, para que as opiniões públicas, as mais das vezes indignadas, não reajam, apossando-se do tema, e com isso causando danos diplomáticos indesejáveis. Neste caso, apesar da seriedade das acusações, a Administração Clinton parecia não se mostrar interessada em indignar-se muito e puxar pelo assunto, conforme se percebe logo pelo princípio do artigo (abaixo) enviado no dia seguinte por Bárbara Reis para o Público. Fossem as circunstâncias as actuais, e imagine-se o banzé!

A ÚLTIMA FOTOGRAFIA DE ROBERT CAPA… E UMA DAS PENÚLTIMAS.

(Republicação)
É muita conhecida esta última fotografia de Robert Capa, tirada ao princípio da tarde de 25 de Maio de 1954, num pequeno troço de estrada de cerca de 20 km que separa Nam Dinh de Thái Bình no delta do Rio Vermelho, no Norte do Vietname. A coluna militar francesa onde seguia Robert Capa fez uma pausa, ele apeou-se e saiu da estrada para tirar umas fotografias, tirou algumas e… pisou uma mina cuja explosão o matou. Tinha 40 anos.

Muito menos conhecida que a outra, mas muito mais simbólica, é esta fotografia abaixo, tirada anteriormente, durante essa última deambulação de Capa. A coluna militar motorizada na estrada, em contraste com o camponês que trabalha com o seu búfalo no arrozal, é, apesar das aparências, uma coluna de um exército derrotado: menos de três semanas antes, a 7 de Maio, as unidades de elite francesas tinham-se rendido em Dien Bien Phu...

24 maio 2024

CONCEDAMOS TEMPO PARA AVALIAR AQUILO QUE OS APOIOS APOIAM

Aqui há sete meses e meio, o governo de então anunciou com a promoção que a imagem acima à esquerda mostra, que decidira subsidiar a habitação daqueles professores que fossem colocados a mais de 70 km de suas casas. Uma medida consensual que, aparentemente, ninguém da oposição contestou. Um mês depois, o ministro da Educação fez render o peixe, anunciando na AR que estimava vir a gastar 8 milhões de euros naqueles apoios consensuais. Seis meses depois desse anúncio, uma avaliação - mortífera! - ao impacto de tão popular apoio, chega à conclusão que apenas dez professores tinham tido acesso ao apoio (acima, à direita, haviam sido apresentadas 49 candidaturas) e que até então haviam sido gastos 11 mil dos 8 milhões com que o ministro enchera a boca. Nós podemos já nos ter esquecido, mas este era o estilo do anterior governo socialista: havia um cuidado extremo na mensagem política, mas cada vez havia mais exemplos em que se descobriam absurdos deste género quando a actuação política era verdadeiramente escrutinada. O que nos trás para o anúncio de ontem de Luís Montenegro a massajar os jovens. A intenção de os cortejar a propósito destas próximas eleições europeias é óbvia, a começar pelo mirim que ele escolheu para encabeçar a lista do seu partido. E registe-se que a proposta de Montenegro contém os seus truques nas letras pequenas: o anúncio ao apoio à aquisição de habitação é feito agora, mas só entrará em vigor daqui por mais de dois meses: a 1 de Agosto. Mas aquilo que está a suscitar uma, para mim, irritante controvérsia, é a questão do apoio estar a abranger jovens de escalões elevados de rendimentos, que ganhem até €5.800 por mês que se disponham a adquirir casas com valores até € 450 mil. Que tem de ser o verdadeiro alvo de uma medida que queira fixar em Portugal as elites jovens, por muito que a configuração teórica da medida irrite o discurso tradicional do apoio ao carenciado. Veja-se mais acima o consenso à volta do apoio aos professores, coitados, e lembre-se qual foi o resultado. Aqui creio que deve fazer-se o mesmo: avaliar o resultado da medida seis meses depois da execução. Estas medidas devem ser avaliadas pela sua eficácia. Em Março de 2025 voltamos a falar, já com números quanto a apoios efectuados (que se espera que sejam mais do que dez...) e com um valor médio dos imóveis transaccionados que receberam apoio do Estado, para perceber se a medida foi devidamente calibrada para quem dela mesmo precisa.

«TO BOOST THE MORALE»

(Republicação)

24 de Maio de 1944. O rei Jorge VI realiza uma visita de inspecção àquela que viria a ser a frota de invasão no Dia D - pelo menos à sua componente britânica, que estava então estacionada numa base naval perto de Southampton, aguardando pelo grande dia. A visita recebeu um nome de código, como se se tratasse de uma operação naval: Aerolite. O monarca passou em revista imensas guarnições, cumprimentou um número infindável de oficiais e saudou várias formações navais que desfilaram perante si. E tudo isso foi fotografado, abaixo está apenas uma pequena amostra, um exercício que os britânicos denominam por «to boost the morale».

23 maio 2024

«NOVIDADES PARA AS TROPAS»

Este é o exemplar de 23 de Maio de 1944 de um jornal pirata produzido pelos norte-americanos a partir de 1944, na fase final da Segunda Guerra Mundial. Apesar do título - NACHRICHTEN für die truppe pode traduzir-se por NOVIDADES para as tropas - o jornal era distribuído por toda (sobre) a Alemanha, através do seu lançamento usando verdadeiros bombardeiros B-17. As “notícias” eram daquele género denominado “propaganda cinzenta”, ou seja, uma mistura de verdadeiras reportagens sobre acontecimentos reais nas várias frentes de guerra, bem como informações verdadeiras da “frente interna” na Alemanha, informações essas que frequentemente eram silenciadas pelos canais oficiais alemães. Além dessas descrições verdadeiras da situação militar na fase final da Segunda Guerra Mundial, onde era evidente a superioridade militar dos Aliados em todas as frentes, inseria-se em complemento pequenas notícias de desinformação que eram deliberadamente difundidas misturadas no conjunto, a fim de confundir e desmoralizar quem lesse o jornal.

BONNIE & CLYDE ATRAVÉS DOS TEMPOS

(Republicação)
23 de Maio de 1934. Bonnie e Clyde são emboscados e abatidos por um destacamento policial de seis polícias fortemente armados. Nem de propósito, e se acreditarmos no documentário acima, filmado na época, cinco minutos depois dos acontecimentos já um «amador» estava postado a filmar o que acontecera. Ora a emboscada tivera lugar numa estrada remota, e as câmaras de filmar em 1934 não são como os telemóveis nos nossos dias... Aliás, aquilo que o documentário nos mostra não esconde a sua intenção pedagógica e dissuasora, numa sociedade norte-americana muito combalida, a passar então pelo auge da Grande Depressão. Ou não foram cinco minutos, ou o destacamento incluía mais gente para além dos metralhadores.
33 anos depois, o realizador Arthur Penn romantizou o casal e conferiu-lhes uma fama mundial com o filme homónimo. 46 anos depois disso, o canal História produziu uma mini-série sobre o mesmo tema. A reconstituição da cena da morte do casal, ocorrida cumprem-se hoje 90 anos, tornou-se um clássico.

22 maio 2024

QUANDO QUER, O MINISTÉRIO PÚBLICO APLICA-SE E ATÉ ARQUIVA INQUÉRITOS EM TRÊS MESES!

Em 19 de Fevereiro último houve uma fracção de manifestantes da PSP, GNR e dos guardas prisionais, estimada aproximadamente num milhar de manifestantes, que abandonou a manifestação oficial que decorria no Terreiro do Paço, para se concentrarem junto ao Parque Mayer, cercando o local onde iria decorrer o último debate eleitoral entre os candidatos Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos. Além de ser formalmente ilegal, pois não foram solicitadas quaisquer autorizações para uma manifestação naquele local, aquela iniciativa foi considerada intimidatória – houve um cerco ao local e os manifestantes só o abandonaram depois do debate ter terminado. Seguiu-se depois um período de troca de acusações e intimidações da hierarquia, conforme se pode perceber pelo mosaico de notícias acima, episódio que agora se veio a concluir com o artigo que está ampliado: o Ministério Público pronunciou-se pelo arquivamento do inquérito, por impossibilidade de identificação dos seus promotores. É um daqueles casos em que se pode dizer que, quanto menos se disser, melhor. Apesar de tudo, é bom perceber que há procuradores do Ministério Público que conseguem arquivar um inquérito em apenas três meses, o pior é o contraste com colegas seus que, em seis meses, ainda não conseguiram promover a diligência de ouvir as declarações de um antigo primeiro-ministro que se demitiu por causa da sua associação a um processo que se desencadeara entretanto. Então quando pensamos num outro antigo primeiro-ministro, que foi detido preventivamente há nove anos e meio, então disso, do facto de ainda nem sequer ter começado o julgamento, disso é que é mesmo melhor nem falar!

O «JOSÉ MOURINHO DA SAÚDE»: "ZERO TITULI"

Agora que foi anunciado o seu substituto, apercebo-me que nunca expliquei devidamente porque é que alcunhara Fernando Araújo como o José Mourinho da Saúde. E é até um exercício divertido arrastar comigo o leitor até ao Verão de 2022, quando, diante da previsível substituição de Marta Temido na pasta da Saúde, o nome de Fernando Araújo apareceu ventilado com uma insistência que, mais do que suspeita, se tornava ridícula, elogios espalhados por toda a comunicação social sobre uma pessoa que na véspera era um completo desconhecido. Imediatamente abaixo republico um artigo do Expresso de 31 de Agosto de 2022. Lido a esta distância de 21 meses, o que ali aparece escrito está reduzido à sua insignificância ridícula. Era o homem que criara um «sistema» (de funcionamento das urgências) que «revolucionara os hospitais do Norte» e que funcionava «sem grandes falhas» há 18 anos. A sugestão implícita é que, qual Santiago contra os mouros em plena reconquista cristã, Fernando Araújo descesse por Portugal abaixo aplicando aquele mesmo sistema miraculoso e provado (18 anos!) no Centro e no Sul do país, bastava haver «vontade política». Este outro Mourinho era apresentado como o costuma ser o José Mourinho original, que sempre que é apresentado como treinador de uma equipa aparece cheio de atitude e disposto a ganhar muitos títulos. E tanto assim era a disposição, que até mesmo um manhoso do sindicato dos médicos como Roque da Cunha, que estão sempre do contra a qualquer reforma naquele sector, aparecia noutro jornal dois dias depois, a dar uma entrevista endossando a solução e a apanhar o autocarro do Mourinho já em andamento. (veja-se mais abaixo)
Ao fim de 21 meses é patente que aquela atitude de "todos com o Mourinho" era uma hipocrisia e, pior, era um disparate. O tal sistema de funcionamento das urgências que tão bem provara durante 18 anos a Norte, afinal não era assim tão bom no Norte, e não era solução para os problemas de fundo com que se confrontavam as urgências no resto do país. Como diz o José Mourinho original, numa expressão que lhe ficou famosa, este seu homólogo da Saúde abandona o cargo a meio da época e com zero tituli!  

O PRIMEIRO PRIMEIRO-MINISTRO INDIANO SEM SER DE RELIGIÃO HINDU

22 de Maio de 2004. Manmoham Singh de 71 anos toma posse como primeiro-ministro da Índia. É o 13º primeiro-ministro indiano desde a independência do país em 1947, mas é o 1º a ocupar aquele cargo que não professa a religião hindu, que é a religião de uma ampla maioria - cerca de 80% - da população indiana. A Índia já fora dirigida por uma primeira-ministra - Indira Gandhi - entre 1966 e 1977 e depois entre 1980 e 1984. Mas trata-se de uma estreia para um membro de uma minoria religiosa, no caso a minoria sique. Manmohan Singh irá ocupar o cargo durante dez anos (2004-2014). E entretanto, a Índia tem-se tornado notada por, por assim dizer, exportar primeiros-ministros para a Europa: começou por Portugal, depois foi a Irlanda, depois o Reino Unido... A ascendência indiana parece funcionar como um certificado de qualidade; é mais ou menos como os treinadores portugueses de futebol além fronteiras!

21 maio 2024

DEPOIS DO TRATAMENTO QUE FOI DADO AO PINTO DA COSTA E À SUA CLIQUE...

...vem mesmo a propósito dar um tratamento equivalente ao Mário Nogueira e à sua clique. Já há cinco anos havia aqui manifestado no blogue a minha saturação com esta dupla - Jorge Nuno Pinto da Costa e Mário Nogueira - que eu então classificava como os vitalícios, embora continuamente manhosos nas suas manobras em que fingiam uma falsa disponibilidade para abandonarem os cargos onde se eternizavam há décadas. Neste caso concreto de Mário Nogueira mais a sua clique da Fenprof, uma saudação especial ao ministro da Educação, Fernando Alexandre, pela coragem de os tratar como merecem e de os qualificar publicamente pelo que são.

A PEQUENA TRIBUNA POLÍTICA DE RICARDO ARAÚJO PEREIRA

20 de Maio de 2014. O quinto tempo de antena do Livre para as eleições europeias de dia 25 de Maio seguinte contam com a presença da estrela televisiva Ricardo Araújo Pereira. E contudo, a imensa popularidade do artista não se veio a traduzir em votos nas urnas, já que a lista do Livre, encabeçada por Rui Tavares, se ficou pelos 71.600 votos, ou seja o correspondente a metade daqueles que viriam a ser necessários para eleger um eurodeputado. O resultado é contraditório com aquilo que se anuncia sobre as audiências televisivas dos programas mais populares - por exemplo, ainda no princípio deste ano, o mesmo Ricardo Araújo Pereira com o «Isto é gozar com quem trabalha» alcançava uma audiência de 1.163.000 telespectadores! Ora uma tal discrepância de números entre os votos e as audiências (até mesmo porque é plausível que nem todos os votantes do Livre terão sido convencidos por Ricardo Araújo Pereira), só se poderão dever a que:

a) A influência e as recomendações das personalidades mais populares da televisão sobre as audiências televisivas está absurdamente sobrestimada; ou
b) O que está absurdamente sobrestimado serão os números das audiências televisivas, já que os dos votos são devidamente escrutinados.

Em suma, isto de se ser influencer nos dias que correm são estatutos que precisariam de ser auditados.

20 maio 2024

OS "MELÕES" (ELEITORAIS) E AQUILO QUE PARECE SER A NOVA ESTRATÉGIA POLÍTICA DA "MELANCIA" COMUNISTA

Se querem saber a minha opinião ao ler esta promoção às «jornadas parlamentares comunistas», acho que é uma grande injustiça para os mais de 40 anos de leais serviços à causa comunista por parte do partido ecologista os verdes. O PEV «foi fundado em 1982 e concorreu sempre às eleições em coligação com o PCP», na função subalterna de partido satélite encarregue dos assuntos ambientais e com a função de fazer com que o PCP se apresentasse a eleições como se fosse uma frente eleitoral, e não o partido per se. O sucesso da primeira parte do expediente não parece ter durado muito, mas, avaliando a duração de 40 anos, terá deixado os seus autores felizes quanto ao sucesso da segunda parte - a da ficção da frente eleitoral. Até ao definhamento eleitoral do PCP registado nas sucessivas eleições legislativas desta última década: 446.000 votos (2015), 332.000 (2019), 242.000 (2022), 203.000 (2024). Apesar da robustez aparente da expressão acima, onde se lê «...que juntarão os deputados e eurodeputados do partido», está-se a falar concretamente de uma meia-dúzia: são quatro deputados e dois eurodeputados, os que o PCP conta hoje por eleitos (quiçá queiram adicionar ainda o deputado regional da Madeira ao elenco para serem sete...). Por detrás desse parece-o-que-não-é, aquilo que me considero verdadeiramente inédito no artigo comunicado acima é o destaque dado a assuntos que canonicamente pertenceriam aos verdes - «questões que se prendem com a defesa do ambiente, a protecção do nosso património natural, da natureza, da biodiversidade». Ora esta manobra parece-me uma grande - e injusta - rasteira à Heloísa Apolónia. Depois de tantos anos com os verdes, são agora os comunistas, falhos de outras perspectivas, a quererem fazer-se passar por melancias. É ainda mais triste do que quando eram os verdes a fazê-lo, passarem-se por ecologistas.

É que a imagética tradicional do comunismo está repleta de exemplos do Homem a dominar e domar a natureza, de hossanas à produção, como esta fotografia abaixo de Vsevolod Tarasevich de uma fábrica de cimento soviética em plena laboração em 1954, há 70 anos. Com muito fumo, a simbolizar muita actividade. E, pelo contrário, não conheço muitas fotografias de propaganda comunista canónica com ninhos de passarinhos, ou outra temática bucólica análoga... Com este lastro, é muito tarde para os comunistas portugueses se reinventarem a serem outras coisas...

UM «CAVALHEIRO» DE UMA SÓ PALAVRA, CUJA REELEIÇÃO NÃO FOI PROBLEMÁTICA

A curiosidade é a notícia ter precisamente dez anos e a constatação é que, roubando os dizeres do anúncio do famoso dentífrico se poderia escrever: «Palavras para quê? É um artista russo e não usa pasta medicinal Couto!»

Por outro lado, falando de um outro assunto correlacionado, hoje termina - tecnicamente - o mandato de cinco anos de Volodymyr Zelensky. A situação apresenta-se muito confusa. Há um artigo da Constituição ucraniana que estabelece que o presidente é eleito para um mandato de cinco anos; mas há outro artigo que diz que o presidente em exercício exercerá o poder até que o novo presidente seja empossado. Uma terceira lei (embora essa não tenha valor constitucional) condiciona a que as eleições não podem ser realizadas enquanto a lei marcial estiver em vigor, que é o que tem acontecido na Ucrânia desde que a Rússia iniciou a sua invasão em grande escala em Fevereiro de 2022.

Aprecie-se finalmente o contraste deste problema ucraniano com as ditas eleições presidenciais russas de Março de 2024, que foram ganhas magnanimamente por Vladimir Putin com 88,5% dos votos!