(Republicação)
18 de Maio de 1974. A União Indiana faz detonar o seu primeiro engenho nuclear. Apesar das minhas leituras, em lado algum encontrei uma explicação satisfatória para o nome escolhido pelos indianos para designar o seu primeiro ensaio nuclear. É verdade - e nem todos se aperceberão disso - que o budismo é uma religião de origem indiana. É também verdade que existe uma estética distinta entre as representações do buda de um e outro lado dos Himalaias (percebe-se que a da imagem acima, pelo colorido e pela compleição ascética, é nitidamente indiana). Mas resta-nos a especulação para perceber que objectivo teriam os indianos quando escolheram aquele nome de código para uma operação cujo desfecho iria tornar o nome certamente público. A invocação de Buda, ainda por cima sorrindo, seria para ser um aceno irónico àqueles que eles considerariam os seus rivais próximos, os chineses? Os acontecimentos posteriores iriam demonstrar que quem não se sorriu nada ao saber do ensaio foram os vizinhos do Paquistão. Uma segunda questão, também superficial, é o problema do que se pode exibir em imagens para ilustrar um ensaio nuclear subterrâneo: não há muito material, a maioria do que há está classificado, e o remanescente - como se vê pelo exemplo acima - carece da espectacularidade dos enormes cogumelos dos primeiros ensaios à superfície (será por isso que os actuais ensaios nucleares norte coreanos costumam ser ilustrados pela figura de um outro buda sorridente...). Uma terceira questão, já mais séria, é a que se relaciona com os aspectos técnicos do ensaio. Embora camuflado pelas notícias da época, este primeiro ensaio nuclear indiano foi um semi fiasco: o engenho, enterrado a 107 metros de profundidade e que se inspirava no desenho das bombas de plutónio-239 de Alamogordo e Nagasáqui, terá registado uma potência destrutiva equivalente a apenas 40% da que fora registada pelos ensaios norte-americanos, quase 30 anos antes (ou seja, 8 ktons., em vez das 20 ktons. esperadas). Em contrapartida, assinale-se que, mercê dos progressos feitos ao nível dos materiais, o engenho indiano (1,4 tons.) pesava 30% do ancestral norte-americano onde se fora inspirar (4,5 tons.). Mas (quarta questão), para o impacto político e estratégico do feito, as minudências técnicas pouco importariam. Há precisamente 44 anos, a Índia entrava para um clube muito restrito, agora com seis membros, das potências com capacidade nuclear. A constatação não deixava de ser chocante para o resto do mundo, num país que, naquela altura, projectava ainda a imagem internacional da miséria extrema, de que ocasionalmente se mostrava incapaz de alimentar a sua própria população e se socorria, por causa disso, do auxílio externo. Seis anos antes, a Índia (com o Paquistão e Israel) recusara-se a assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (NPT), em mais uma das fases deste jogo perpétuo (e hipócrita), em que todos se dispõem a assinar tratados mantendo o "status quo" da posse de armamento nuclear à escala mundial... com excepção dos países que estão em vias de mudar de estatuto (agora trata-se do Irão e da Coreia do Norte). Parecia um contrassenso. Mas não era: para as realidades frias da geoestratégia, a Índia tornara-se muito mais importante com uma arma nuclear numa mão do que com uma gamela estendida na outra. Actualmente, depois de uma muito bem sucedida (mas pouco publicitada) Revolução Verde, o problema da alimentação básica das populações indianas, mesmo que ainda em crescimento, já deixou de se colocar. Contudo, a atitude indiana em relação à posse do armamento nuclear nunca deixou de se distinguir pelo seu exotismo. Este livro abaixo, publicado em 2001, contém 765 páginas(!) onde o autor tenta convencer o leitor que a atitude indiana no que concerne ao recurso a este género de armamento é mais pacífica do que a dos seus rivais próximos... Acredite quem quiser.
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