16 maio 2024

OS TEMPOS DO JOGO DA VERMELHINHA (E DA FOICE E DO MARTELO) E DA IGNORÂNCIA INGÉNUA DOS PORTUGUESES

16 de Maio de 1974. A página da crítica televisiva do Diário de Lisboa dá destaque a uma «mesa redonda» que, supõe-se que pela sua importância, fora transmitida no dia anterior por duas vezes - «às duas horas da tarde e repetida à noite» - «mesa redonda» essa em que haviam participado «o tenente-coronel Ricardo Durão, Octávio Pato, membro do Comité Central do Partido Comunista Português e Carlos Carvalho do sindicato dos metalúrgicos, candidato às "eleições" pela C.D.E.» (as de 1973). A tónica do encontro, conta-nos Mário Castrim, «recaiu na necessidade de estreitar, com a máxima firmeza, os laços entre as massas populares e o Movimento das Forças Armadas, ali representado pelo tenente-coronel Ricardo Durão». E quem é que ali representaria «as massas populares»? Por um lado, Octávio Pato, dirigente de topo do PCP (o mais antigo dos partidos políticos existentes em Portugal a 25 de Abril de 1974). Por outro lado, interviera o aparente "sindicalista" Carlos Carvalho, cujo nome fora mal grafado, e que se chamava, na realidade... Carlos Carvalhas! Carlos Carvalhas (como hoje sabemos) veio a ser o secretário-geral do mesmo PCP em 1992... A esta distância temporal e sabendo o que sabemos hoje, percebemos que a «mesa redonda» da RTP estava afinal "arredondada" de uma maneira bastante "distorcida", com dois militantes comunistas, um assumido e outro encapotado a contracenar com um militar - por sinal, conotado com a ala spinolista do MFA. Mas ainda não era tudo. Quanto ao objectivo da mensagem política que o PCP quereria passar, essa seria «a de estreitar os laços entre as massas populares e o Movimento das Forças Armadas» e aí também Mário Castrim se destacava nessa missão de propaganda, já que, também ele, era militante comunista, na altura não sei se já assumido ou ainda encapotado... Os portugueses eram todos muito ingénuos naqueles tempos e tudo aquilo parecia o jogo da vermelhinha: sempre que se virava uma carta, saía sempre uma carta vermelha e do partido do costume... De resto, neste caso concreto e por força das circunstâncias, reconheça-se que a ficção da "independência" de Carlos Carvalhas não durou muito: a 7 de Junho de 1974 ele tomou posse como secretário de Estado do Trabalho do I Governo Provisório em representação do PCP e lá se foi a encenação que dali viriam comentários alternativos aos de Octávio Pato...

Agora os tempos são completamente e felizmente outros, sem tantas ingenuidades. Quando, no Domingo passado, João Cotrim de Figueiredo da Iniciativa Liberal apareceu com João Oliveira do PCP no programa de Ricardo Araújo Pereira, o comentário inicial de Cotrim de Figueiredo continha uma referência indisfarçável às simpatias políticas do anfitrião:   
- "...se tudo tinha corrido bem da outra vez (que ele fora àquele programa), eu não percebo porque é que foi preciso ir buscar outro comunista para equilibrar isto. Mas eu posso bem com os dois."

Embora o comentário não tenha sido mencionado sequer no dia seguinte, o sorriso bem amarelo que ele provocou no momento ao moderador Ricardo Araújo Pereira, mostrou quanto a canelada fora inesperada, senão mesmo assestada num sítio onde doía... Hoje, cinquenta anos depois, deixou de haver ignorâncias ingénuas para onde pendem as simpatias políticas de quem nos aparece nos ecrãs. Muito menos se torna possível, que uma crónica deste «Isto é Gozar com quem trabalha», que aparecesse publicada num jornal do dia seguinte, viesse assinada, com toda uma pretensa neutralidade, pelo jornalista/opinador Pedro Tadeu...

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