30 abril 2023

O PRIMEIRO DISCURSO DE RICHARD NIXON A RESPEITO DO CASO WATERGATE

30 de Abril de 1973. Os mais recentes desenvolvimentos do Caso Watergate obrigam o presidente Richard Nixon a vir à televisão prestar, pela primeira vez, explicações, enquanto anuncia os despedimentos e as demissões que se haviam verificado entre o pessoal da Casa Branca que acabara de ser implicado nos esforços para que o Caso fosse abafado. Este era o primeiro, mas não iria ser o último, discurso de Nixon a respeito do assunto, até ao fatídico discurso de 8 de Agosto de 1974 onde ele irá renunciar à presidência. E logo para começo, a reacção da opinião publicada americana era muito céptica, como se pode constatar pelo apanhado que a imprensa portuguesa reproduzia.

29 abril 2023

UM CUBANO NA NEVE

29 de Abril de 1963. Assim como teria sido incomum ver um russo a trepar a um coqueiro, também a foto de um cubano a esquiar se destacará pelo seu carácter inusitado. Fidel Castro, o líder cubano, estava a realizar a primeira das suas prolongadas visitas à União Soviética - esta iria durar 40 dias! E começara pela cidade portuária árctica de Murmansk, aonde aterrara, vindo directamente de Havana, dois dias antes. Embora se estivesse já nos finais de Abril ainda havia suficiente neve por aquelas paragens setentrionais para que o dirigente cubano fosse fotografado aplicadamente aprendendo a esquiar.

28 abril 2023

¡COM LOS TERRORISTAS!

Eu bem sei que os vídeos do Harlem Shake foram moda já há dez anos, mas ao olhar para esta fotografia governamental, a pose de todos os outros - nomeadamente o primeiro-ministro de braços decididamente cruzados - é estragada por aqueles dois que aparecem no extremo direito da fotografia, surpreendidos num contorcionismo de braços que fazem mesmo lembrar aquele que se mexia no preâmbulo dos vídeos dos Harlem Shake, antes de todos desatinarem... Porque o governo parece um bocado desatinado, não parece?

VÍTOR GASPAR E O CORTE DAS PENSÕES

Capa do Diário de Notícias de 28 de Abril de 2013. Para que um dias destes não haja quem se atreva a aparecer  por aí com uma narrativa revista a branquear o desempenho de Vítor Gaspar nas Finanças entre 2011 e 2013. O imperativo era reduzir o défice e ele não o reduziu - mas isso só demonstra que, como ministro das Finanças foi medíocre. O que aqui se recorda era o à custa de quem é que ele queria reduzir o défice e isso já não é competência técnica, é ideologia.

27 abril 2023

'TADINHA DA MARIANA MORTÁGUA

Até a imprensa cor de rosa do grupo Cofina se condói de Mariana Mortágua! Condói-se é à sua maneira: um grande título - Mariana Mortágua foi alvo de três acções judiciais durante este ano - acompanhado de oito(!) fotografias da desgraçadinha, mas nenhuma explicação sobre essas três acções judiciais que a alvejaram. É vivificante ver este flash sobre a prospectiva líder do bloco de esquerda a emparelhar com a notícia - e 16 fotografias! - sobre A felicidade de Gonçalo de Quinaz que voltou para a ex-mulher, a mãe dos dois filhos. Esta técnica de suscitar simpatias entre as audiências, recorrendo à vitimização da protagonista é muito antiga. O que aqui me parece inédito é a ousadia destes expedientes políticos serem utilizados mesmo através do meio das notícias cor de rosa.

COMO ERA O PORTUGAL DO «BOTAS» E COMO O «BOTAS» GOSTAVA DE SE FAZER TRATAR NESSE PORTUGAL

27 de Abril de 1963. A data de 27 de Abril fora elegida pelo Estado Novo como a referência d«o aniversário da entrada de António Salazar para o Governo», como ministro das Finanças em 1928. Cumpria-se assim então o 35º aniversário dessa data. Vale a pena dizer que Salazar só se tornara presidente do Conselho de Ministros e começara a dirigir verdadeiramente o governo em 5 de Julho de 1932, quatro anos depois disso, mas a narrativa do regime precisava da fase antecedente, a do homem providencial que disciplinara as finanças públicas (foi Salazar no século XX e agora é Centeno no século XXI...). Esse 35º aniversário foi comemorado na Assembleia Nacional com um daqueles discursos enfadonhamente previsíveis e laudatórios «Há trinta e cinco anos entrava no Terreiro do Paço um homem que, por voto repetidamente expresso da Nação, ainda de lá não conseguiu sair. Eis um fenómeno de longevidade política para o qual não julgo se encontre paralelo no Mundo moderno (Fidel Castro ainda só estava no princípio da sua longevidade em Cuba...) que de certo há-de ter uma explicação profunda, que não será precisamente a ditada pela simplicidade apaixonada dos seus detractores habituais». Esta é a notícia da esquerda, mas, como se pode ler no lado direito, o visado aproveitara os dias que seriam do seu duplo aniversário (natalício e da entrada para o governo) para ir passá-los, na maior intimidade, a Santa Comba Dão. Nessa intimidade, aproveitara a ocasião para deslocar-se inesperadamente ao sanatório (estância sanatorial) do Caramulo. Esclareça-se que a visita não devia ter sido tão inesperada quanto isso, já que todos os seus detalhes, que incluía a visita a um aviário «especialmente o pavilhão das incubações», conseguiram ser publicados na edição do dia. Ao contrário dos discursos da Assembleia Nacional, que se ficou apenas pelo discurso do primeiro orador. Salazar gostava, como poucos, destas manifestações a que ele respondia com uma modéstia excessiva e um distanciamento que se podia facilmente confundir com desdém. Fora para Santa Comba Dão e contemplava à distância, como «Na residência do Chefe do Governo e no Palácio de São Bento foram hoje recebidos durante o dia numerosos telegramas e cartões de felicitações por motivo do 35º aniversário da entrada do sr. prof. dr. Oliveira Salazar para o Governo. Também por ali passaram muitas individualidades que deixaram pessoalmente os seus cartões de cumprimentos, bem como algumas senhoras a entregar ramos de flores.»

26 abril 2023

NA RÁDIO OBSERVADOR FAZEM PERGUNTAS DESNECESSÁRIAS SÓ PARA CAUSAR CELEUMA? CLARO QUE SIM, É PARA ISSO QUE O OBSERVADOR EXISTE!

Quem olhar para a fotografia ontem da ala mais à direita da Assembleia da República apercebe-se que há ali dois factos dignos de notícia. Há as cadeiras vazias dos deputados ausentes da Iniciativa Liberal e há os cartazes dos grunhos do Chega. Depois basta comparar qual foi a ressonância noticiosa concedida pelos jornalistas à atitude de uns, os ausentes, e dos outros, ao lado, enorme ao longo de todo o dia de ontem. É caso para perguntar, olhando a sério, para onde os josé-maneis-fernandes-helenas-matos da rádio Observador querem arrastar a discussão: qual é mesmo a controvérsia? Acham que, lá porque o primeiro-ministro disse o óbvio, e só para ser do contra, passam a existir outras respostas, é?...

Adenda: Três dias depois, Bárbara Reis escreveu um artigo no Público onde, para chegar a conclusões, procedeu a uma cronometragem dos tempos concedidos pelo telejornal da RTP e da CNN Portugal em 25 de Abril aos vários protagonistas da cerimónia. Os resultados da amostra não serão cientificamente válidos, mas são concludentes: adivinhem quem ganhou?!... O José Manuel Fernandes e a Helena Matos é que não os querem, a esses resultados, para nada. Com eles, a Verdade não está a passar por aqui...

O SONHO DE QUALQUER VIDRACEIRO

Em 24 de Abril de 1993, um Sábado, o IRA cometeu um atentado na City (o distrito financeiro) de Londres. Os terroristas estacionaram um camião com explosivos e alertaram as autoridades para a sua existência cerca de uma hora antes da detonação, para que a polícia procedesse à evacuação das pessoas, um processo facilitado por se tratar de um dia não laboral. Mesmo assim, o sopro da explosão acabou por matar um fotógrafo mais imprudente e deixar ainda outras 44 pessoas feridas. Mas o que se quer mostrar é a imagem dos estragos, com esta fotografia de Wormwood Street. Foram avaliados em € 870 milhões a preços actuais. Eram acções terroristas do IRA em que estes procuravam reduzir o número de vítimas enquanto procuravam maximizar os prejuízos económicos àqueles que eles consideravam que podiam efectivamente pressionar o governo britânico: o poder financeiro da City. Ainda hoje o IRA gosta de se regozijar que a selectividade destes alvos lhes foi benéfica para o processo de negociações que estava então em curso.

25 abril 2023

GUTERRES ESTEVE BEM

Pena que a comunicação social portuguesa, que tantas vezes e a despropósito nos quer arrancar sintomas de simpatia por António Guterres, apenas pelo facto dele ser nosso compatriota, não esteja a aproveitar esta oportunidade para o enaltecer, quando o merece. Porque uma coisa é ter de negociar com a Rússia, outra é ter a coragem de chamar mentiroso a Lavrov quando ele mente.

ESTES GAJOS SÃO UNS CAGALHÕES

Ao contrário do que contam algumas notícias, vê-se aqui nitidamente que não havia só «cartazes contra a corrupção». Havia-os a chamar ladrão a Lula. E uma das regras da etiqueta portuguesa é que não se insulta os convidados em nossa casa, por muito que antipatizemos com eles. Houve outros que não gostaram e se ausentaram como se nota pelas cadeiras vazias dos deputados da Iniciativa Liberal. Significativamente, a comunicação social concede o benefício ao infractor grosseiro, o Chega, e só fala do seu comportamento. Esta extrema direita (a do Chega) comportou-se aqui de uma maneira que nunca a extrema esquerda do PCP, UDP ou Bloco ousaram (estes últimos fazem como a IL, ausentam-se mas quando o presidente é americano ou ucraniano...). E, por isso, por mim e ao franquear esta fronteira, eles merecem passar a ser tratados como o esterco, os cagalhões, que aqui mostraram ser. Se não querem cumprir quaisquer regras, só as regras mínimas se lhe aplicam.

«SURPRISE! SURPRISE! SURPRISE!»

Estes «outings» nunca foram para levar muito a sério, mas a passagem do tempo e a sua repetição tornou-os ridículos. Quem se segue cá em Portugal: Paulo Portas? Isabel Moreira? O que é irritante (não apenas neste caso de Mariana Mortágua) é serem apresentados em tom de vitimização, por detrás do qual é nítida a tentativa de capitalização política, muitas vezes diante de uma próxima disputa eleitoral. Foi também o caso de Paulo Rangel. Mas talvez o mais caricato em todas estas manobras é a contribuição das opiniões fundamentalistas, como a da redactora-principal do Público, Ana Sá Lopes, que, ainda anteontem escrevia «Ainda hoje ninguém me tira da cabeça que Paulo Rangel perdeu as eleições directas no PSD em 2021 (...) por ter decidido assumir a sua homossexualidade». Vamos a ver qual o impacto que esta assumpção de Mariana Mortágua terá nas eleições internas do Bloco de Esquerda. Mas, quanto a Ana Sá Lopes e aparentados, para quem os políticos homossexuais lhes suscitam uma simpatia acrescida sobre os heterossexuais, se «ninguém lhe(s) tira da cabeça» que estas confissões os desfavorecem, que é que se há-de fazer?...

O MARCELO, A «JANJA» E AQUILO QUE SÓ AGORA JOÃO MIGUEL TAVARES DESCOBRIU QUE É RIDÍCULO. AFINAL ELE TEM OPINIÕES DEMAIS PARA O POUCO QUE SABE

Abaixo temos a crónica de hoje de João Miguel Tavares sobre a condecoração que Marcelo Rebelo de Sousa concedeu à mulher de Lula da Silva. Que a ele lhe parece ridícula e a mim também. Sempre me pareceram ridículas, porque esta prática de condecorar o cônjuge do chefe de Estado é uma prática protocolar - ridícula, torno a dizer - que se disseminou Mundo fora e que aqui Marcelo se limitou a cumprir. E isso é que eu desconfio que o João Miguel Tavares não faça a mínima ideia. Devia saber, considerada a indignação que manifesta, mas não faz a mínima ideia. Se o fizesse já o teríamos lido obrigatoriamente a considerar ridículas as 20(!) condecorações recebidas por Maria Cavaco Silva apenas por ser mulher do marido.(abaixo) Porque o são. Assim como as 10 condecorações de Manuela Eanes, as 15 de Maria Barroso ou as 14 de Maria José Ritta. Assim como está escrito, no momento em que é publicado, parece que o seu comentário sobre este assunto é descontextualizado - um eufemismo para ignorante - e que apenas apareceu nestas circunstâncias porque se trata de Marcelo e de Lula e a Janja acaba por apanhar por tabela. João Miguel Tavares tem crónicas melhores, há outras menos felizes, mas esta, pela ignorância subjacente, é mesmo muito medíocre, (daqueles 0-4 valores na escala de 0 a 20). E, claro, há ainda outra maneira mais contundente de demonstrar o facciosismo que fomenta a crónica, relembrando que tanto Jorge Sampaio quanto Cavaco Silva também condecoraram a então primeira mulher de Lula da Silva (Marisa Letícia) quando das duas visitas oficiais do marido a Portugal (ver no fim). Se não for por ignorância, então é mesmo só por estupidez ver aqui abaixo João Miguel Tavares a distorcer os factos e a indignar-se por Marcelo ter feito precisamente o mesmo que os seus dois antecessores e aquilo que se tornou a prática protocolar...
Lista das condecorações recebidas por Maria Cavaco Silva entre 2007 e 2014, enquanto o marido foi presidente da República. Lista das condecorações concedidas a Marisa Letícia Lula da Silva em 2003 (Jorge Sampaio) e 2008 (Cavaco Silva), por ser mulher do marido e ele estar de visita a Portugal. As duas listas foram extraídas do site da presidência.

OS DIÁRIOS DE ADOLF HITLER

25 de Abril de 1983. A revista alemã Stern convoca uma conferência de imprensa para fazer um anúncio espectacular: um dos seus principais repórteres, Gerd Heidemann, havia descoberto um conjunto de 62 livros contendo o diário pessoal de Adolf Hitler! Segundo as explicações prestadas, a recuperação de tão extraordinários documentos durara três anos e haviam custado 9,3 milhões de marcos à revista. Os diários haviam-se perdido em Março de 1945 com muita outra documentação, quando o avião que os transportava de Berlim para o refúgio alpino caíra em território que depois viria a fazer parte da zona de ocupação soviética e da Alemanha Oriental. A revista prometia começar a publicação do conteúdo mais relevante dos diários a partir da próximas edição da revista. Também revistas e jornais de outras nacionalidades anunciavam a sua intenção de comprar os direitos de publicação nos seus idiomas. Como bons jornalistas, os conferencistas não eram nada discretos na promessa de que o conteúdo dos diários provocaria uma substancial revisão do que se soubera até então sobre Adolf Hitler como dirigente do Terceiro Reich. Os conferencistas foram substancialmente mais reservados na explicação da controvérsia que ainda dominava os peritos encarregues de validar a autenticidade dos diários: havia quem os aceitasse, mas também havia quem os considerasse uma fraude. Para despertar a atenção geral, os conferencistas deram destaque a pormenores pueris como a descrição dos problemas de flatulência e halitose de Hitler ((“Eva diz que eu tenho mau hálito”), a um relato de uma gravidez histérica de Eva Braun em 1940 ou a passagens demonstrando um Hitler surpreendentemente sensível que parecia não saber o que estava a acontecer aos judeus. O anúncio fora de monta, mas não conseguiu suportar o escrutínio massivo que desencadeou: duas semanas depois, os diários foram denunciados como falsos - e não particularmente bem falsificados - escritos a grande velocidade por Konrad Kujau, um vigarista e falsificador de memorabilia nazi. Kujau e Heidemann, que se apropriara da maior parte do dinheiro pago pela Stern, vieram a ser condenados a quatro anos e meio de prisão. O episódio também custou vários despedimentos de editores de jornal, não apenas na Stern mas também noutras publicações onde os responsáveis se haviam apressado a comprar os direitos antes da concorrência, sem se acautelarem da certificação do que estavam a comprar. Uma grande lição sobre o jornalismo, mencionada vezes de menos pelos jornalistas, considerando a lição que é. O episódio foi também importante para descredibilizar uma certa corrente de pensamento revisionista alemão, que procurava amenizar, ainda que de forma indirecta, o III Reich.

24 abril 2023

O NAUFRÁGIO DO VAPOR "MOSSAMEDES"

O "Mossamedes" era um navio de 4.600 toneladas, construído em 1895 na Escócia e que navegara até 1915 com bandeira britânica. Desde aí passou a navegar com pavilhão português, fazendo a carreira de África. De retorno de Moçambique, o navio largara da cidade do Cabo na África do Sul em 20 de Abril, com 237 pessoas a bordo entre passageiros e tripulação, quando quatro dias depois (ou seja, há precisamente cem anos), o «Mossamedes» se perdeu em Cabo Frio, na Namíbia, numa perigosa região costeira arenosa que é apropriadamente conhecida de Costa dos Esqueletos por causa dos mais de mil naufrágios (registados) ali ocorridos. No próprio dia 24 foram enviados pedidos de socorro e houve que evacuar apressadamente o navio. Das 237 pessoas que seguiam a bordo, 7 vieram a afogar-se quando do delicado processo de transferência para as baleeiras, uma das baleeiras, transportando 24 pessoas, veio posteriormente a desaparecer sem rasto. Os 206 sobreviventes foram salvos pela canhoneira francesa Cassiopée, pela canhoneira portuguesa Salvador Correia e por navios de pesca de Porto Alexandre (Tômbua) no Sul de Angola. Sinal de como se viviam tempos em que a velocidade da informação era muito mais vagarosa, a 27 de Abril as notícias que os jornais portugueses publicavam sobre o naufrágio, contavam ainda imensas imprecisões sobre o que acontecera

23 abril 2023

A PAZ NÃO É UMA QUESTÃO DE BOA VONTADE

Em Dezembro de 1916, por iniciativa do papa Bento XV, foi pedido aos dois lados beligerantes da Grande Guerra (Primeira Guerra Mundial) que apresentassem uma proposta de paz que pudesse vir a servir de base negocial com as partes contrárias. Só a Alemanha chegou a apresentar concretamente uma proposta contendo os termos em que ela estaria disposta a negociar uma solução pacífica para o conflito. Ao conhecer o seu conteúdo, os Aliados ocidentais (a França e o Reino Unido) consideraram as pretensões alemãs tão distantes do que consideravam ser os seus objectivos de guerra, que a rejeitaram liminarmente e consideraram que nem valeria a pena apresentar uma contraproposta. A iniciativa do papa Bento XV, que foi secundada pelo presidente norte-americano Woodrow Wilson (então ainda neutral), acabou ali mesmo.

A proposta alemã pedia a paz com base no status quo ante bellum: a manutenção das fronteiras de antes da guerra, fronteiras essas que teriam deixado do lado da Alemanha as duas províncias da Alsácia e da Lorena – que haviam sido humilhantemente tomadas à França na Guerra Franco-Prussiana de 1871. A sua recuperação era o objectivo central político da participação francesa na Guerra e, por isso, era uma condição inaceitável para os franceses. Esse retorno das fronteiras de 1914 também teria forçado as potências aliadas a devolver as colónias alemãs que haviam sido conquistadas em 1914-15 e onde a resistência alemã cessara, com excepção de Tanganica. Era devolver algo que a Alemanha nunca teria condições materiais de conseguir reaver. Outra condição expressa pela Alemanha era a existência de um governo neutral (pró-alemão) na Bélgica (que estava então praticamente toda ocupada pela Alemanha), o que constituía uma preocupação significativa para a Grã-Bretanha, já que sua estratégia de sempre fora a de garantir que nenhuma potência hostil (França ou Alemanha) controlasse os portos do Canal da Mancha, que seriam sempre um possível ponto de partida para uma invasão da Grã-Bretanha. A dificultar ainda mais, as propostas alemãs incluíam pedidos de indemnização monetária à Alemanha pela sua evacuação dos territórios franceses que ela conquistara e ocupara desde 1914. Em contraste, o texto era omisso quanto a reparações devidas aos franceses pelos estragos provocados em território francês durante essa ocupação. Outras condições a Leste, aí envolvendo os russos e de ainda mais difícil aceitação por eles, era a reconfiguração de uma nova fronteira que protegesse estratégica e economicamente a Alemanha e uma nova Polónia (estado satélite da primeira).

Ou seja, a Alemanha mostrava-se disposta a sentar-se à mesa das negociações considerando que ela é que tinha as cartas mais fortes na mão. O que não era de todo a opinião dos seus inimigos. Podiam não parecer estar em vantagem, mas acreditavam que o tempo corria a seu favor por causa do bloqueio económico que haviam imposto aos seus inimigos. Consideradas as circunstâncias tão divergentes, nem apresentaram resposta aos pedidos de Bento XV. Só por curiosidade, o resultado daquilo que teria sido o resultado das negociações baseadas nessa hipotética proposta alemã, seria um mapa da Europa ficcional como este abaixo, resultado de um também imaginário Tratado de Bruxelas, assinado em 17 de Dezembro de 1917. Uma curiosidade, já que a História tomou um outro curso.
Mas, se torno a recontar ainda mais detalhadamente todo este episódio com mais de cem anos, é para chamar a atenção que a História nos ensina que quem define a oportunidade e a proficuidade da existência de negociações de paz são os beligerantes e que é preciso que essa vontade se manifeste simultaneamente. Nunca são os mediadores, por muito empenho e boa vontade que estes últimos ponham na sua mediação, como aconteceu com Bento XV. Uma lição para quem se queira armar em mediador no conflito da Ucrânia, em que me parece, como em 1916, que nenhum dos beligerantes tem algo a oferecer que seja aceitável pelo outro. 

O QUE SE PODE CONCLUIR SOBRE A EVOLUÇÃO DA MOSTRA DE CUS EM TRINTA ANOS

Entre a exibição de quatro rabos em 1992, diante do ministro Couto dos Santos (e não Manuela Ferreira Leite, como ainda há pouco ouvi Sérgio Sousa Pinto enganar-se), e a de três rabos desta semana, na cerimónia dos cinquenta anos da fundação do PS, o que se pode concluir sobre a evolução estilística do happening nestes trinta anos é que o estilo técnico é o mesmo (subir para a cadeira, virar as costas à mesa e arriar as calças), embora se registe a evolução do gender balance (de quatro machos em 1992 para duas fêmeas e um macho em 2023) e a constatação da vantagem comparativa delas para estas manifestações: os rabos mais peludos são sempre uma desvantagem para a afixação dos dizeres e a transmissão da mensagem.

O VALOR DA PESSOA OU O VALOR DAS SUAS IDEIAS?

Agora que a sociedade constatou que Boaventura Sousa Santos é um porcalhão, parece-me que vale a pena voltar a avaliar as suas ideias, agora despojadas de uma certa mística à esquerda que envolvia a pessoa. Esta entrevista tem precisamente cinco anos, foi feita por Nuno Ramos de Almeida (do Agir) e publicada no jornal i. Pessoalmente sempre tomei aquele sociólogo por uma espécie de Noam Chomsky doméstico, alguém que se notabilizara originalmente numa certa área académica, para partir daí e começar a dar opiniões sobre tudo ou quase tudo - do cocó à bomba atómica, na expressão inesquecível de Jô Soares. Agora, separando o pensamento do comportamento, é uma excelente oportunidade para comprovar se a admiração da extrema esquerda intelectual pelo guru Boaventura Sousa Santos assenta em fundamentos sólidos ou (para citar Alexandre O'Neill) era uma coisa em forma de assim...

22 abril 2023

LULA "LIKE A VIRGIN"

Ter que fazer assunto a propósito da presença em Portugal do presidente brasileiro conduz a momentos televisivos como este acima, protagonizado pelo director da câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, que desconfio, se houver algum mérito, tão cedo não voltaremos a ver de volta aos ecrãs. O mais importante que lhe conseguiram extrair da importância da visita em curso foi que a «visita é muito importante porque é a primeira que Lula da Silva faz à Europa». Em primeiro lugar é um chavão que nos faz lembrar um velho vídeo da Madonna. Em segundo lugar é mentira: entre visitas oficiais e particulares Lula da Silva já deve ter vindo a Portugal uma dúzia (senão mais) de vezes; já há 20 anos, e só para dar um exemplo, se podia ler que «Lula saíra de Portugal "muito mais feliz" do que entrara». Em terceiro lugar, e retomando estas fórmulas imbecis de noticiar sem dizer nada de substantivo, as afirmações deste director-que-só-diz-banalidades não se distinguem da famosa piada de há 50 anos da nossa veneranda figura do chefe de Estado (Américo Thomaz), que calhou anunciar num dos seus discursos que aquela era a primeira vez que ali estava, depois da última vez que lá estivera. Pelos vistos, entrevistado e entrevistadores pertencem a uma geração que já perdeu a memória e/ou a compreensão do ridículo de argumentos do género para colmatar um vazio noticioso. Tratando-se da CNN, convidem mais vezes o Sérgio Sousa Pinto, porque esse diz coisas interessantes e desalinhadas!

21 abril 2023

A BEM "SUCEDIDA" «DESMONTAGEM RÁPIDA E NÃO PROGRAMADA» DO FOGUETÃO DA SPACEX

Esta é a história de um foguetão que é lançado com imensa promoção e que passados uns três minutos e meio de ascensão resolve desistir, passa a voar na horizontal por uns segundos, antes de se decidir a voltar para baixo, e depois arrepende-se e explode (vejam-se abaixo os últimos 15 segundos do voo). O que é verdadeiramente caricato neste fiasco é ele ser anunciado como um sucesso! Num idioma que nos recorda a novilíngua de Orwell, a explosão do foguetão foi descrita como «uma desmontagem rápida e não programada» ('a rapid unscheduled disassembly', no original). Só este episódio de nos querer tomar por parvos seria logo pretexto para antipatizarmos profundamente com Elon Musk, tenha ele o dinheiro que tiver.

AS CAÇAROLAS POR ESTREAR DOS PROTESTOS DE UM PAÍS DE MIMADOS

A última inflexão dos protestos em França, coberta entusiasticamente pelos órgãos de comunicação social por causa da sua espectacularidade comprovada, são os concertos de caçarolas e frigideiras. Os manifestantes usam utilitários de cozinha de todo o género: usados e fenecidos, mas são sobretudo os acabados de estrear, aqueles que se vê que nunca viram um fogão sequer, que mais impressionam, não apenas pelo desperdício material, mas sobretudo pelo simbolismo de representarem adequadamente os protestos de um país de mimados, aqueles que se recusam a aceitar a mudança de condições de reforma principescas, só comparáveis apenas a mais dois ou três países no Mundo 

O QUE SE «SABIA» HÁ SESSENTA ANOS SOBRE OS MARCIANOS...

Em dois dias consecutivos, 20 e 21 de Abril de 1963, e de origens distintas e até mesmo concorrentes (Moscovo e Washington), os leitores do Diário de Lisboa podiam acompanhar o que os sábios sabiam sobre os marcianos, que eram seres racionais e que o seu desenvolvimento biológico era mais avançado do que o terrestre. O convívio entre o jornalismo e a ciência sempre foi esta tristeza. O primeiro só está interessado em extrair da segunda aquilo que tiver mais impacto para prender a atenção dos leitores. E é o curso da história que depois selecciona o que é relevante - que, porque normalmente complexo, raramente aparece publicado e explicado - de tudo o resto como estes marcianos.

20 abril 2023

O FACCIOSISMO DA REVISTA «THE ECONOMIST»

Esta será a terceira vez que retorno a este mesmo tema, este mês, (1) e (2), mas a culpa atribuo-a toda à continuada e descarada parcialidade como a revista inglesa The Economist tem estado a acompanhar e comentar as antevisões e os balanços dos altos representantes de grandes potências que têm passado recentemente por Pequim. Os quatro artigos abaixo estão dispostos pela ordem cronológica da sua publicação, o mais antigo tem pouco mais de duas semanas (4 de Abril). Nele se manifestava a preocupação que o anfitrião Xi Jinping pudesse dar a volta ao visitante Emmanuel Macron. Na altura perguntei porque não formulavam a questão da forma oposta: e Macron, não seria capaz de dar a volta a Xi?... Ou melhor: provavelmente ninguém daria a volta a ninguém, que estas visitas são coreografadas com antecedência. A atitude é substancialmente diferente no artigo do lado (10 de Abril), a respeito do que esperar da visita de Luiz Inácio Lula da Silva a Pequim, onde uma sobranceria desdenhosa irritante sintetiza a política externa brasileira como hiperactiva, ambiciosa e ingénua (repare-se que a visita de Lula é a Pequim, mas a foto mostra-o na companhia de Joe Biden). Em Londres, na sede da The Economist, consideram Lula um totó
Passados dois dias (12 de Abril), o mesmo Emmanuel Macron voltava a ser objecto de uma nova crítica preocupada porque cometera um erro a respeito de Taiwan. Macron partira no dia 8 e a sugestão do artigo é que poderá ter sido algo que ele declarou que dera carta branca a que a China desencadeasse os exercícios militares ao largo da ilha... que começaram nesse mesmo dia 8. Em contraste, podemos folhear afincadamente a mesma The Economist nestes últimos dias para encontrar comentários às declarações produzidas por Luiz Inácio Lula da Silva na China. Podemos, mas, até hoje e já lá vão seis dias, não encontraremos nada sobre as declarações de Lula da Silva de que «as potências ocidentais estariam incentivando a guerra na Ucrânia». Não deve ser um erro de Lula, talvez sejam manifestações de hiperactividade ingénua do Itamaraty... Para colmatar esta omissão crítica da revista inglesa a respeito das declarações (desastradas) do presidente brasileiro, terão dado relevo, no entretanto (15 de Abril), à visita da ministra dos negócios estrangeiros alemã, Annalena Baerbock. Na The Economist gostam muito dela, mas não será bem a mesma coisa cobrir as visitas de chefes de Estado e de um mero ministro dos estrangeiros...

Em suma, é sabido desde há muitas décadas, dos tempos do general de Gaulle e mesmo antes disso, que o Eliseu tem sempre uma agenda própria quando se trata de política externa e que raramente se acerta com a das outras potências. Este foi mais um episódio. O que é menos conhecido é que uma revista internacional que se reclama de uma data de princípios notáveis de independência e isenção também mostre ter agenda própria, veja-se a forma facciosa - no caso anti-francesa - como notícia os factos.

O FUZILAMENTO DE JULIÁN GRIMAU

A notícia (ao centro) que o Diário de Lisboa publica na primeira página da sua edição de 20 de Abril diz o essencial sobre os aspectos relacionados com a captura, prisão, julgamento, condenação e imediata execução do dirigente comunista Julián Grimau. Sobre o não essencial, esclareça-se que se trataria de uma evidente desforra sobre alguém que, durante a Guerra Civil espanhola (1936-39), fora um dos dirigentes da polícia política republicana, que era controlada pelos comunistas, e que cometeu inúmeras atrocidades. Como costuma acontecer, não há aqui inocentes de um lado e algozes do outro. A questão que se põe é se, 25 anos passados sobre os crimes, seria politicamente assisado a severidade da sanção que foi aplicada pelo Estado franquista, com uma cenografia - tribunal militar, paredão - que parecia que se regressara por momentos à Guerra Civil. Obviamente não era, tanto mais que, do outro lado, os próprios comunistas se haviam encarregado de fomentar uma campanha internacional, baseada em França, em prol do prisioneiro. Fora essa campanha, aliás, que acabara por catapultar a execução de Julián Grimau para a primeira página do jornal português. No fim, os dois extremismos - o de direita e o de esquerda - jogaram as suas cartas e obtiveram o que queriam: o franquismo ressuscitava aqui o espírito de guerra civil que o fazia sentir-se legitimado, depois de 25 anos de uma prestação governativa medíocre (os anos de grande crescimento económico ainda estão para chegar); o comunismo, mesmo antecipando que iria perder, conseguia conferir notoriedade a mais um mártir da sua causa (à direita, selos soviéticos de 1963 com a efígie de Grimau). É esse o segredo argumentativo de comunistas e fascistas que os torna aliados objectivos: pretender que não existe nada para além deles. A Democracia responde-lhes com a tolerância.

19 abril 2023

O ASSALTO A WACO

19 de Abril de 1993. Termina o cerco de 51 dias a uma quinta texana que era residência dos membros de uma seita religiosa. No computo global o cerco vem a causar a morte de 86 pessoas: 4 agentes do governo e 82 mortos entre os membros da seita, incluindo 25 crianças e o líder do grupo David Koresh, a maioria das mortes foram causadas pelo incêndio posto por alguns dos sitiados na ocasião do assalto. O episódio é considerado uma das demonstrações de força e autoridade do Estado mais contraproducentes da história recente dos Estados Unidos. O próprio presidente Bill Clinton, que então ocupava o cargo há apenas três meses, deixou-se ser citado, dizendo que estava «furioso» por ter autorizado que se procedesse àquele ataque, naquele formato e com aquelas consequências. Foi um reforço dos argumentos da extrema-direita norte-americana e as polémicas levantadas pela gestão do conflito, desde o seu início até a este desfecho sangrento de há 30 anos, persistem até hoje.

FOTOGRAFIAS QUE NOS MOSTRAM O QUE SERIA O PS QUANDO FOI FUNDADO

19 de Abril de 1973 é a data de fundação do Partido Socialista. As suas próprias estruturas de propaganda se encarregarão de abrilhantar a efeméride com cerimónias evocativas do cinquentenário. A partir das (poucas) fotografias disponíveis do acontecimento, tanto dos trabalhos (acima), como do que poderá passar pela «sessão de encerramento» (abaixo) dessa reunião que teve lugar numa pequena cidade termal da Alemanha, o que eu quero fazer notar é aquilo que se pode deduzir daquilo que se vê, e de que normalmente não se refere. Os participantes são poucos e as fotografias são poucas, mas as que existem têm que incluir forçosamente Mário Soares. Além de poucos, também se depreende que os meios fossem muito escassos. As fotos da consagração (abaixo), com os participantes de copo na mão, não se distinguiriam de um final de um jantar-tertúlia entre amigos. Nesses anos (1973), as autoridades alemães estimavam que haveria entre 80 a 120 mil portugueses na Alemanha. Nesta reunião estiveram 27.

UMA GRANDE PORRADA NA «FOX NEWS» E EM TUDO O QUE ELA REPRESENTA

Afinal, o tão aguardado julgamento que oporia a Dominion (empresa de equipamentos electrónicos de votação) à Fox News (o canal televisivo de notícias mais visto dos Estados Unidos) não terá lugar. Foi uma decisão arrancada à última da hora e o melhor que a Fox News pode dizer do desfecho é que terá conseguido reduzir para um pouco menos de metade o valor da indemnização pedida originalmente pela queixosa. O resto é uma completa e humilhante derrota para a estação televisiva, que terá sido compelida a aceitar este acordo mesmo em cima do julgamento, transmitindo-nos a impressão que o mesmo seria um prosseguimento do terrível "lavar de roupa suja", que degradaria ainda mais a imagem pública da Fox, de quem a dirige e de muitas das suas estrelas do ecrã. Enfrentando um inimigo a sério, empenhado em os denunciar, descobriu-se não só que muita informação que a Fox News veiculava era falsa e/ou forjada, que internamente se sabia que o era, como ainda que muitos daqueles que haviam sido encarregues de a veicular tinham uma opinião diametralmente oposta ao que transmitiam às audiências. Espero que este seja um momento de reversão de uma tendência socialmente tolerante para com as mentiras mais evidentes que grassou neste último decénio. Seria um retorno a uma certa decência. As pessoas são livres de acreditar no quiserem mas a ética não deixa de existir só porque uns 15 ou 30 milhões de eleitores de um (grande) país qualquer não querem saber o que isso é.

18 abril 2023

QUE RAIO DE PONTARIA!...

18 de Abril de 2022. Há precisamente um ano, um canal brasileiro de Youtube (TV 247) transmitia este debate sobre A Guerra, a Europa e o Brasil. E, como se constata, dificilmente poderiam ter encontrado uma dupla de comentadores portugueses mais impopulares em Portugal: Boaventura Sousa Santos e José Sócrates! Este é um exemplo flagrante de como a esquerda petista no Brasil anda um pouco obtusa em relação ao que se passa fora do seu país. Problema de que parece padecer também o próprio Lula da Silva mais as declarações que ele anda a proferir mundo fora, antes de chegar a Portugal para o 25 de Abril. Eu bem sei que Lula está a preocupar-se em falar para um auditório bem maior do que o da antiga metrópole colonial. Mas, se era para ser assim, por muito que Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa tivessem sido insistentes em fazê-lo cá vir, teria sido talvez melhor não passar por cá. Há muita gente por cá (onde me incluo) que, com aquilo que se veio a saber da sua corrupção passiva e da lavagem de dinheiro, o considera apenas um mal político menor quando em comparação com Jair Bolsonaro. Esta sua última vitória eleitoral foi cerrada mas é preferível que não falemos da ética dos dois candidatos... Felizmente vivemos num país onde não somos confrontados com ter que fazer uma opção eleitoral entre um aldrabão como André Ventura e um escroque como José Sócrates e (ter de) tecer muitas loas políticas a este último porque não é o fascista. (Quem quiser ouvir o debate com Boaventura Sousa Santos e José Sócrates - são duas horas! - carregue aqui)

A MORTE MATADA DO ALMIRANTE YAMAMOTO

(Republicação)
18 de Abril de 1943. Protegidos por uma meia dúzia de caças Zero, dois bombardeiros Mitsubishi G4M Betty japoneses preparavam-se para aterrar no aeródromo de Kahili, que se situa na extremidade meridional da ilha de Bougainville (mapa abaixo), quando, subitamente e surgidos de sudoeste e a rasar o mar para escapar à detecção, surge uma esquadrilha de 16 P-38 Lightning norte-americanos. Descartando os Zeros e aproveitando-se da superioridade numérica, os atacantes concentram-se nos aviões maiores e abatem-nos em sucessão sobre a selva que cobre a ilha. Apenas mais um episódio das centenas que ocorrerão naquele dia no quadro da Frente do Pacífico da Segunda Guerra Mundial então em curso? Não, porque a bordo de um dos bombardeiros abatidos viajava o almirante Isoroku Yamamoto que morrera na queda do aparelho que o transportava. E não, porque, como anos depois se virá a saber, a presença dos aviões americanos naquele local e àquela hora (09H35) não fora acidental. Desde há vários anos que os americanos conseguiam decifrar os códigos japoneses. E, no princípio daquele mês, os serviços de intercepção haviam descoberto que Yamamoto iria realizar uma visita de inspecção às forças aeronavais japonesas nas ilhas Salomão. A incúria japonesa chegara ao ponto de transmitir o programa da visita de Yamamoto em mensagem rádio e os americanos ficaram a saber o programa tão bem quanto os comandos japoneses encarregues de receber Yamamoto.
Não só sabiam como dispunham dos meios militares para tirar partido da ocasião. A questão que se poria, ao almirante Halsey ou ao almirante Nimitz, homólogos de Yamamoto na marinha adversária, era um problema de ordem moral: Seria aceitável utilizar aquela vantagem para liquidar um grande chefe inimigo? A decisão não poderia dar lugar a novos expedientes de guerra, visando liquidar seleccionadamente as chefias militares inimigas? E a decisão não poderia, terminada a guerra e com outro quadro moral, voltar-se contra os próprios decisores? Nimitz consultou o seu staff que se inclinou para a validade da operação. Apesar de se conhecer a sua oposição estratégica a um enfrentamento militar directo com os Estados Unidos, fora Yamamoto quem concebera o plano de ataque inicial contra Pearl Harbor e nem a derrota de Midway ou o mais recente abandono de Guadalcanal o desvalorizara aos olhos dos americanos a ponto de deixarem de o considerar um dos principais activos do inimigo. Ironicamente, este respeito profissional por Yamamoto vai ser a causa desta espécie de sentença de morte. Na fotografia abaixo, vê-se Yamamoto nesse mesmo dia de há oitenta anos a cumprimentar os pilotos da base aeronaval de Rabaul, naquela que se acredita ser a sua última fotografia. A operação, denominada Vingança, foi mantida em segredo até ao fim da guerra, preservando o segredo de que os norte-americanos haviam quebrado os códigos japoneses.

17 abril 2023

O UNIVERSO DÚPLICE ORWELLIANO DE PEQUIM...

Por ocasião da visita oficial que o presidente brasileiro Lula da Silva acabou de realizar a Pequim, podemos destacar este momento surreal em que ele passa revista às tropas acompanhado do seu homólogo Xi Jinping, enquanto a banda militar toca «Novo Tempo», uma velha canção de Ivan Lins que data do tempo da ditadura militar (1980). Um daqueles episódios em que salta à vista que o responsável chinês por aquela escolha se quedou pelo potencial significado do título, mas não prestou atenção ao significado da letra de Vítor Martins, que é uma arenga contra a ditadura militar brasileira e em prol dos tempos de liberdade que se lhe sucederiam. Ora o novo tempo descrito por Vítor Martins não era a substituição de uma ditadura (militar) por uma outra ditadura (comunista), como a chinesa, daí o anacronismo daquela música naquele enquadramento. A complementar o constrangimento da cena, há aquela coreografia com as criancinhas chinesas a pular de ramos de flores na mão, gestos que se coreografavam precisamente durante as cerimónias públicas da ditadura militar... A rematar a minha completa desilusão com o adocicado como esta cena está a ser descrita no e para o Brasil, a reacção «emocionada» numa rede social do próprio Ivan Lins. Lins sofrerá talvez do síndrome Lucélia Santos, a actriz que ainda é recordada (no Brasil) por ter derretido o coração de 300 milhões de chineses como escrava Isaura...
Só que, ele há Democracias e ele há ditaduras. Mas, mais do que ser apenas descritivo e para ser também construtivo, e visto que o périplo mundial de Lula da Silva ainda irá passar por Lisboa no próximo dia 25 de Abril, será que ainda se vai a tempo para que a banda da GNR ensaie, para tocar enquanto ele passar revista às tropas, o famoso «Fado Tropical» (1973) de Chico Buarque, letra de Ruy Guerra?... Acredito que eles no Itamaraty também vão adorar aquela passagem final em que se profetiza que «esta terra (Brasil) ainda vai cumprir o seu ideal, ainda vai tornar-se um imenso Portugal»...

16 abril 2023

A MUDANÇA DE POSIÇÃO DE CATARINA MARTINS E DO BLOCO DE ESQUERDA A RESPEITO DO ASSÉDIO É UM «INSULTO ENORME» À NOSSA INTELIGÊNCIA

«Insulto Enorme» foi a expressão escolhida por Catarina Martins para comentar o teor da conferência de imprensa dos bispos portugueses ainda no passado mês de Março. E tinha razão. O que não é razão para que ela e eles (no Bloco) nos insultem por sua vez e da mesma forma com a cambalhota que acabaram de dar quando o problema do assédio sexual foi acertar em cheio num dos gurus daquela formação politica, Boaventura Sousa Santos. Há cinco anos (à esquerda) era inequívoco para o Bloco que «O assédio era uma forma de intimidação» e só agora (à direita) é que eles descobriram que se «torna muito difícil denunciar (o) assédio na academia». É caso para perguntar: só deram por essas dificuldades agora, depois de anos a mobilizarem campanhas sobre o tema? E sobre o visado, nunca também ninguém na organização tinha tido suspeitas de nada?... Sobre o comportamento do Bloco a este respeito - que não sobre a gravidade dos dois crimes, distinga-se esse aspecto - não vejo grande diferença entre a hipocrisia dos bispos (a respeito de nada saberem da pedofilia) e dos bloquistas (a mesma ignorância a respeito do assédio). Uns e outros fartam-se de pregar moral aos outros e é isto que valem...

O EGO DE ANTÓNIO DE SPÍNOLA

Talvez por coincidência, ou talvez não, no dia seguinte ao da publicação do comunidado do Comando-Chefe das Forças Armadas em Moçambique, o Diário de Lisboa dá destaque a um acontecimento que tivera lugar dois dias antes na Guiné, patrocinado pelo Grupo CUF que se fizera representar na cerimónia pela figura cimeira do empresário Jorge de Mello que, «para o efeito, se desloca(ra) propositadamente a Bissau». Nessa cerimónia, a CUF oferecera 15 mil hectares (0,4% da área total da Guiné) ao governo provincial para a sua «exploração em regime comunitário». Uma pequena reforma agrária. Era a CUF que doava as terras mas as atenções haviam-se concentrado em António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe, cujo discurso da ocasião ocupa a parte substancial da notícia, não fosse ele o objecto da notícia. A iniciativa talvez tivesse tido repercussões significativas na evolução do processo político na Guiné se tivesse sido implementada uma meia dúzia de anos antes. Em 1973 a guerra na Guiné já contava 10 anos, dos quais 5 anos sob o comando de Spínola.

A APROVAÇÃO DA RESOLUÇÃO 819 DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU

16 de Abril de 1993. O Conselho de Segurança da ONU aprova por unanimidade dos seus 15 membros (entre os quais se contam dois países de expressão portuguesa, Brasil e Cabo Verde) a sua resolução 819. Nela se reafirmam resoluções prévias sobre o mesmo tema, e o Conselho expressa a sua preocupação com as acções das unidades paramilitares sérvias nas cidades e vilas do Leste da Bósnia-Herzegovina, incluindo ataques a civis, às forças de das Nações Unidas e à interrupção de comboios de ajuda humanitária. Apesar da assertividade da redacção do texto, a falta de meios e de atitude das tropas de interposição no terreno para intimidarem uma das facções (precisamente as unidades paramilitares sérvias), veio a resultar no massacre de mais 8.000 pessoas em Srebrenica em Julho de 1995. Foi uma grande lição de modéstia para aquela bolha de diplomatas que vive na ilusão de que a diplomacia é um fim e não apenas um meio. Afinal, quando os agentes de mediação não tem meios de intimidar as partes desavindas, o mais prudente é estarem quietos e pouparem-se a fazer figura de parvos.

15 abril 2023

O EUROCENTENAS E OS «JACKPOTS» PROMETIDOS PELO GOVERNO

As pessoas não têm reparado nele assim como o vamos descrever, mas, em paralelo com o Euromilhões da Santa Casa da Misericórdia, existe um outro jogo promovido pelo Ministério da Saúde que se chama Eurocentenas, sendo essas centenas o número de vagas prometidas para médicos de família. Anda à roda de seis em seis meses (veja-se acima: 19 de Outubro de 2022, 14 de Abril de 2023) e, como nos anúncios do Euromilhões que nos incentivam a apostar na chave vencedora, também no caso das promessas para o preenchimento das vagas de médicos de família, aquilo que se promete é absurdo e à descarada: há seis meses, as 200 vagas eram «o maior número de vagas de sempre»; só que, pelos vistos, havia capacidade para prometer muito mais, já que ontem o número de vagas a abrir se multiplicou para 900. No entretanto, e ainda no princípio deste mês (5 de Abril), o ministro «espera(va) contratar 200 médicos de família nos próximos meses». Mas a sua ambição deve ter sido como os sonhos por um jackpot... O ministro agora promete 900 vagas abertas mas é uma pena que, quem tenha feito as contas, tenha apurado que só haverá à partida 355 candidatos para tantas vagas. Mas é pena também que a comunicação social não consiga escrutinar estes disparates inconsequentes, porque parece não possuir memória sequer do que é que o ministro prometeu há apenas seis meses e do que se cumpriu dessas promessas. Enfim, a mediocridade subsiste porque é tolerada pela mediocridade. Porque o ministro não tem apenas um aspecto caricatural, o ministro, promete tudo a todos e expõe-se ao ridículo para aqueles que (ainda) o queiram levar minimamente a sério.

O EGO DE KAÚLZA DE ARRIAGA

15 de Abril de 1973. O Comando-Chefe das Forças Armadas em Moçambique faz publicar o comunicado acima, onde se faz um relatório/inventário do que havia sido «a acção e os resultados» da actividade das forças armadas portuguesas em Moçambique nos últimos três anos - de 31 de Março de 1970 a 31 de Março de 1973. Esses três anos correspondem ao período em que aquele comando-chefe fora exercido pelo general Kaúlza de Arriaga. Este último, que aparece nas duas fotografias do lado direito, sempre se considerara um rival de António de Spínola (que ocupava cargo equivalente na Guiné) e também sempre cuidara de promover a sua imagem na Metrópole quando as circunstâncias se propiciavam, como era este o caso. Aqui estamos perante uma exibição de um dos procônsules do império português, em vias de desaparecer.

14 abril 2023

«NÃO ESTAMOS MUITO ATRASADOS NO FERROVIA 2020»

O programa que veio a ser baptizado por Ferrovia 2020 foi apresentado há 86 meses (acima, à esquerda). Eram milhões e milhões «(dos quais 95% são fundos comunitários)» para serem aplicados nas vias férreas «nos próximos seis anos», anunciava Pedro Marques, o ministro de então. Pois bem, esses seis anos acabaram em Fevereiro de 2022, por curiosa coincidência na mesma altura em que o PS se vangloriava da maioria absoluta que recebera nas eleições legislativas. No entretanto, as taxas de execução do programa haviam-se tornado objecto de controvérsia, em que se contrapunham números de execução de uns meros 15% com proclamações de 85% por parte do secretário de Estado da área (não ajuda à credibilidade deste último número que o secretário de Estado em causa seja aquele mesmo Hugo Mendes que se celebrizou recentemente por causa da TAP...) Em suma, Ferrovia 2020 tornou-se uma espécie de código do estilo político de António Costa: promete-se imenso, não se faz (quase) nada, finge-se que nada está a correr mal. Este vice-presidente das Infra-Estruturas de Portugal, Carlos Fernandes, é que agora quer mudar de estilo (acima, do lado direito). Afinal, na apresentação original feita por Pedro Marques o «calendário de execução (estava) totalmente desajustado». «Houve uma imprudência grande ao comunicar um calendário tão desajustado. No dia seguinte à apresentação daquele calendário, alguns dos projectos já estavam quatro anos atrasados. Não era possível fazer aquilo». É mesmo uma pena que essa constatação, que se podia fazer «no dia seguinte» tenha demorado 86 meses a ser admitida, por alguém responsável que, apesar de agora se querer dissociar, já na altura por lá andava como «assessor do então ministro das Infra-Estruturas, Pedro Marques». Quando a este último, Pedro Marques, não compartilho a indulgência do seu antigo assessor de o qualificar de «imprudente»: ou ele não sabia que aquilo que estava a prometer era irrealizável, e é um incompetente, ou então sabia e aí, pior, é um aldrabão. Quanto a Carlos Fernandes, o que se lhe pode dizer é que não tenha a ingenuidade de tentar reescrever agora o enredo de uma história que já leva mais de sete anos e foi um fiasco..