Em Dezembro de 1916, por iniciativa do papa Bento XV, foi
pedido aos dois lados beligerantes da Grande Guerra (Primeira Guerra Mundial)
que apresentassem uma proposta de paz que pudesse vir a servir de base negocial
com as partes contrárias. Só a Alemanha chegou a apresentar concretamente uma
proposta contendo os termos em que ela estaria disposta a negociar uma solução
pacífica para o conflito. Ao conhecer o seu conteúdo, os Aliados ocidentais (a
França e o Reino Unido) consideraram as pretensões alemãs tão distantes do que
consideravam ser os seus objectivos de guerra, que a rejeitaram liminarmente e
consideraram que nem valeria a pena apresentar uma contraproposta. A iniciativa
do papa Bento XV, que foi secundada pelo presidente norte-americano Woodrow
Wilson (então ainda neutral), acabou ali mesmo.
A proposta alemã pedia a paz com base no status quo ante bellum: a manutenção das
fronteiras de antes da guerra, fronteiras essas que teriam deixado do lado da
Alemanha as duas províncias da Alsácia e da Lorena – que haviam sido humilhantemente
tomadas à França na Guerra Franco-Prussiana de 1871. A sua recuperação era o objectivo central
político da participação francesa na Guerra e, por isso, era uma condição inaceitável
para os franceses. Esse retorno das fronteiras de 1914 também teria forçado as
potências aliadas a devolver as colónias alemãs que haviam sido conquistadas em
1914-15 e onde a resistência alemã cessara, com excepção de Tanganica. Era
devolver algo que a Alemanha nunca teria condições materiais de conseguir
reaver. Outra condição expressa pela Alemanha era a existência de um governo neutral
(pró-alemão) na Bélgica (que estava então praticamente toda ocupada pela
Alemanha), o que constituía uma preocupação significativa para a Grã-Bretanha,
já que sua estratégia de sempre fora a de garantir que nenhuma potência hostil (França
ou Alemanha) controlasse os portos do Canal da Mancha, que seriam sempre um
possível ponto de partida para uma invasão da Grã-Bretanha. A dificultar ainda
mais, as propostas alemãs incluíam pedidos de indemnização monetária à Alemanha
pela sua evacuação dos territórios franceses que ela conquistara e ocupara
desde 1914. Em contraste, o texto era omisso quanto a reparações devidas aos
franceses pelos estragos provocados em território francês durante essa
ocupação. Outras condições a Leste, aí envolvendo os russos e de ainda mais
difícil aceitação por eles, era a reconfiguração de uma nova fronteira que
protegesse estratégica e economicamente a Alemanha e uma nova Polónia (estado
satélite da primeira).
Ou seja, a Alemanha mostrava-se disposta a sentar-se à mesa
das negociações considerando que ela é que tinha as cartas mais fortes na mão.
O que não era de todo a opinião dos seus inimigos. Podiam não parecer estar
em vantagem, mas acreditavam que o tempo corria a seu favor por causa do
bloqueio económico que haviam imposto aos seus inimigos. Consideradas as circunstâncias
tão divergentes, nem apresentaram resposta aos pedidos de Bento XV. Só por curiosidade, o resultado daquilo que teria sido o resultado das negociações baseadas nessa hipotética proposta alemã, seria um mapa da Europa ficcional como este abaixo, resultado de um também imaginário Tratado de Bruxelas, assinado em 17 de Dezembro de 1917. Uma curiosidade, já que a História tomou um outro curso.
Mas, se torno a recontar ainda mais detalhadamente todo este episódio com mais de cem anos, é para chamar a atenção que a História nos ensina que quem define a oportunidade e a proficuidade da existência de negociações de paz são os beligerantes e que é preciso que essa vontade se manifeste simultaneamente. Nunca são os mediadores, por muito empenho e boa vontade que estes últimos ponham na sua mediação, como aconteceu com Bento XV. Uma lição para quem se queira armar em mediador no conflito da Ucrânia, em que me parece, como em 1916, que nenhum dos beligerantes tem algo a oferecer que seja aceitável pelo outro.
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