31 dezembro 2009

A VZ-52

São curiosas algumas das recordações que acabamos por trazer das viagens que fazemos ao estrangeiro. De uma delas, feita à República Checa, trouxe a de que um dos aspectos folclóricos que mais ajudam à animação do ambiente no Castelo de Praga são os elementos que ali montam guarda (acima) e os rituais associados à sua rendição periódica (abaixo).
Contudo, confesso que o que me chamou a atenção foi algo que escapará à esmagadora maioria dos turistas: o armamento da guarda de honra… À primeira vista, e numa época em que os checos estavam apostados em renegar todo o passado próximo, a preservação daquelas armas dos tempos clássicos do Pacto de Varsóvia parecia uma contradição…
Afinal havia uma outra explicação: as magníficas armas de aparência niquelada da fotografia acima e que eu havia tomado inicialmente por modelos checos da SKS de concepção soviética, eram afinal um modelo de concepção genuinamente checa, que ficou conhecido por Vz-52 – abaixo comparem-se as duas, com a arma checa em cima.
A sua conservação reduzida a propósitos cerimoniais, assumia agora todo um outro significado, totalmente contrário ao inicial, ainda mais reforçado depois de eu conhecer alguns detalhes da história da arma... Datando de 1952 (6 anos mais recente que a SKS) a Vz-52 fora uma das últimas realizações autónomas da renomada indústria militar checa...
A arma disparava uma munição com um calibre próprio (7,62 x 45 mm) que os seus criadores consideravam a mais adequada às especificações que lhes haviam sido pedidas. Mas era um calibre que não se enquadrava no espírito da Guerra-Fria, dividida entre os calibres standard da NATO (7,62 x 51 mm) e do Pacto de Varsóvia (7,62 x 39 mm).
Só a partir de 1957, após anos de insistências dos soviéticos, é que as armas produzidas foram recalibradas de acordo com o standard do Bloco Leste em que a Checoslováquia então se inseria, ficando os novos modelos conhecidos pela designação Vz-52/57. Contudo, as armas vieram a ser substituídas no ano seguinte pela Vz-58 para equipar o exército checoslovaco.
Retirada da primeira linha e destinada depois primordialmente à exportação, encontraram-se frequentemente armas dessa versão recalibrada entre guerrilheiros, fossem os do PAIGC na Guiné, fossem os sandinistas na Nicarágua (acima). Todavia, as impecáveis versões niqueladas manuseadas hoje pela Guarda de Honra do Castelo de Praga são as de calibre original…

30 dezembro 2009

EU SOU A MORSA


I Am The Walrus quer dizer literalmente Eu sou a Morsa e é uma composição dos Beatles de 1967 que comprova a que limites de indulgência pode ir a crítica de um público quando o artista atinge o estatuto do estrelato máximo. Trata-se de uma canção sem sentido, que é resultante da agregação de três ideias distintas (quem quiser saber a sua história completa pode lê-la na Wikipedia) e porque o importante nestas coisas da promoção será ter um rótulo, deram-lho de rock psicadélico. E contudo, não me lembro de alguma vez ter ouvido alguém a descrevê-la quanto ela é horrível, que é o que, objectivamente, ela é...

I am he as you are he as you are me
and we are all together
See how they run like pigs from a gun
see how they fly
I'm crying
Sitting on a cornflake
Waiting for the van to come
Corporation T-shirt, stupid bloody Tuesday
Man you've been a naughty boy
you let your face grow long

I am the eggman
they are the eggmen
I am the walrus
Goo goo g' joob

Mr. city policeman sitting
pretty little policemen in a row
See how they fly like Lucy in the sky
See how they run
I'm crying
I'm crying, I'm crying
Yellow matter custard
Dripping from a dead dog's eye
Crabalocker fishwife
Pornographic priestess
Boy, you've been a naughty girl
you let your knickers down

I am the eggman
They are the eggmen
I am the walrus
Goo goo g' joob

Sitting in an English garden
waiting for the sun
If the sun don't come you get a tan
from standing in the English rain

I am the eggman
They are the eggmen
I am the walrus
Goo goo g' joob

Expert, texpert choking smokers
don't you think the joker laughs at you
See how they smile like pigs in a sty
See how they snide
I'm crying
Semolina pilchard
climbing up the Eiffel tower
Elementary penguin singing Hare Krishna
Man, you should have seen them kicking
Edgar Allan Poe

I am the eggman
They are the eggmen
I am the walrus
Goo goo g' joob
Goo goo g' joob
Goo goo g' goo
goo goo g' joob goo
juba juba juba
juba juba juba
juba juba juba juba
juba juba

O POLITÓLOGO

Antes de mais, vejam o vídeo acima onde chamo a atenção para a desenvoltura com que um dos convidados no estúdio se comporta em frente às câmaras… Depois de o terem visto, não posso resistir a confidenciar-vos que me ocorreu quanto este episódio poderá passar por uma bela metáfora do comportamento de alguns dos comentadores habituais (politólogos) que se passeiam pelas nossos canais informativos de TV. Só que em vez de se passearem pela mesa como ele, dissertam sobre o tudo e o nada e em vez de alçarem as patas traseiras para diante e se espremerem, assumem um ar espremidamente convicto. Mas o que sai, em vez de uma torcida, é muitas vezes um pensamento retorcido

29 dezembro 2009

ROBERT NIVELLE

A Vitória é sempre o maior bálsamo para tudo aquilo que correu mal durante uma guerra e a que foi conquistada pelos Aliados no final da Primeira Guerra Mundial não foi excepção a essa regra. Antes pelo contrário. O desfile dos soldados na grande Parada da Vitória que teve lugar em Paris em 14 de Julho de 1919 (acima) foi também ocasião para a acompanhar de uma generosa distribuição de títulos e condecorações por todas as altas patentes militares dos países vencedores, incluindo reciprocidades(*) e até envolvendo aqueles generais que as circunstâncias da guerra haviam afastado dos seus postos em desgraça, agora subitamente reabilitados, como o Marechal Joseph Joffre.
Mas, mesmo muito antes dos historiadores se terem posto a avaliar com muito mais sobriedade e distanciamento qual havia sido o desempenho dos generais durante aquele conflito, de onde em geral retiraram conclusões que não justificariam de todo aquelas demonstrações efusivas de auto-congratulação (acima), houve logo então uma grande excepção àquele ambiente, alguém que foi nitidamente ostracizado tanto pelos seus pares como pela máquina da propaganda que então cantava a vitória, o General Robert Georges Nivelle (1856-1924), que fora o Comandante-Chefe do Exército francês durante cinco meses que vão de Dezembro de 1916 a Maio de 1917.
Durante décadas a fio, as que se seguiram ao fim da Grande Guerra, as ilustrações que acompanhavam as Histórias do conflito nunca mostraram qualquer fotografia daquele Comandante-Chefe do Exército (acima), ao contrário do que costumava acontecer com os outros comandantes militares franceses, como eram os casos do antecessor (Joffre), do sucessor (Pétain) e do generalíssimo dos exércitos aliados da frente ocidental em 1918 (Foch). Que fizera Nivelle para não merecer a protecção de tão corporativo clã? Para responder a essa, há que formular uma outra pergunta que, pertinente em 1914-18, hoje nos parecerá absurda: quem é que dirige uma guerra, os militares ou os políticos?
Por assim dizer, a doutrina dividia-se… Entre os militares entendia-se que, em situação de guerra, as relações de poder se deviam alterar. Desde a capacidade que se outorgaram de nomear funcionários, como administradores autárquicos e mesmo juízes, essas competências assumiram por vezes aspectos caricaturais. Para falar do exemplo francês, que é o que agora nos interessa, quando o Presidente da República Raymond Poincaré quis visitar as áreas da Alsácia reconquistadas com o General Joffre foi impedido de o fazer e o Presidente do Conselho Viviani, anunciou aos ministros que só pela florista tinha descoberto que o Quartel-General do mesmo Joffre se mudara de Chantilly (abaixo)…
Mas isto são incidentes do princípio da Guerra e, a prazo, com as suas costumeiras manobras, os políticos conseguiram retomar a iniciativa de se apropriar da condução da guerra. Uma das pessoas instrumentais para que essa recuperação tivesse tido lugar foi precisamente Robert Nivelle. Nivelle era um oficial de artilharia da mesma idade de Philippe Pétain, embora mais moderno que ele, que se distinguiu sob o seu comando durante a Batalha de Verdun (Fevereiro a Dezembro de 1916). Tão ambiciosos um quanto outro, Nivelle chamou a atenção sobre si com proclamações grandiosas (a frase original Não Passarão! é da sua autoria) e com pretensas inovações tácticas.
Tudo isso, boa imprensa e uma relação muito mais cordial com o poder político fizeram com que Robert Nivelle viesse a ser nomeado Comandante-Chefe do exército em Dezembro de 1916, substituindo o desgastadíssimo Joseph Joffre, mas passando por cima de uma dúzia de generais mais antigos. Acrescia um outro factor positivo à sua nomeação: nascido de mãe inglesa, Nivelle era bilingue, característica que naturalmente facilitaria as suas relações pessoais tanto com os comandos militares como com o poder civil britânicos. O Primeiro-Ministro David Lloyd George, que mal falava francês, apreciava-o muito por isso. As antipatias que gerara por causa da sua traição eram francesas…
Nivelle ganhara o cargo com um discurso político: a promessa de que aplicando as inovações tácticas com o emprego da artilharia que o haviam distinguido em Verdun se produziria a ambicionada ruptura da frente que levaria à vitória. O plano que concebeu (e que publicitou, talvez demais…) previa duas ofensivas prévias, uma desencadeada pelos franceses (a azul, no mapa abaixo), outra pelos britânicos (a vermelho), antes da grande ofensiva, a tal que iria provocar a ruptura da frente, tendo a cidade francesa de Guise como objectivo (seta cor de laranja). Se os alemães não colaboraram com os planos de Nivelle, desta vez fizeram-no de uma forma que este não estava à espera…
Entre 16 e 20 de Março de 1917 fizeram uma retirada táctica para uma nova linha de trincheiras que haviam preparado na retaguarda, destruindo na retirada tudo aquilo que pudesse ajudar os Aliados na área que no mapa aparece assinalada em amarelo: as pontes, as estradas, as ferrovias, etc. Os alemães cediam território que não era deles e, ao encurtar a extensão da frente, poupavam tropas para outras finalidades. Mas, do outro lado, o plano de Nivelle deixava de fazer sentido. O problema é que se mantinha sobre ele a pressão política para que houvesse um calendário para uma ofensiva que provocasse a famosa ruptura. Foi marcado para o Chemin des Dames (setas a verde) dali a um mês…
A Ofensiva Nivelle foi mais um fiasco, dos inúmeros com que contou a Primeira Guerra Mundial. Paradoxalmente, houve uma das maiores progressões territoriais em batalhas similares naquela guerra (cerca de 7 km), mas nunca se produziu a famosa e prometida ruptura na frente alemã, a antecâmara da vitória. Em princípios de Maio registavam-se os primeiros casos de insubordinação nas unidades combatentes e parecia que o exército francês corria o risco de perder todo o seu potencial combativo. Em 9 de Maio Nivelle estava sozinho entre os políticos e os militares que lhe pediam responsabilidades pelo sucedido e o demitiram. Para a História, a instituição a que pertencia preferiu esquecer-se dele…
(*) O país A condecora os generais do país B e este faz o mesmo aos generais do país A.

28 dezembro 2009

A PROSA DO VISCONDE

Pierre Alexis, Visconde de Ponson du Terrail (1829-1871) foi muito provavelmente o maior best seller da literatura francesa durante o período do Segundo Império (1852-1870), sucedendo a Alexandre Dumas, que teve que se exilar por causa da hostilidade que lhe dedicava sua augusta majestade, o novo Imperador Napoleão III. Como o seu antecessor, Ponson du Terrail também era um escritor muito prolixo, não desapontando os seus inúmeros admiradores: durante os 20 anos de actividade terá escrito um total de 73 volumes e mais de 20.000 páginas.

Tendo começado pelas novelas de terror, que eram a moda literária quando se iniciou na escrita no princípio da década de 1850, os livros de Ponson du Terrail evoluíram posteriormente para um estilo seu, muito próprio, fantasista, com um enredo repleto de peripécias. Mas, para alcançar o ritmo de produção desejado, Ponson du Terrail nem chegava a rever o que escrevera. Há frases retiradas de livros seus que se vieram a tornar clássicos: …as suas mãos estavam tão frias como as de uma serpente… ou então Com uma mão levantou o punhal enquanto com a outra lhe disse…
A obra maior de Ponson du Terrail foi uma saga em nove livros que o autor veio a deixar inacabada e cujo herói principal, Rocambole, veio a dar o nome a um novo adjectivo: rocambolesco. A saga nunca terminou porque a editora pressionou o escritor para que ela não acabasse. Quando, no fim do quarto livro, Rocambole sofreu um revés tal que poderia ser dado como morto, as pressões do público e da editora foram tantas que o autor acabou por se obrigar a continuar a saga com um novo volume que se intitulava precisamente A Ressurreição de Rocambole

Mas, mesmo a imaginação delirante do visconde não conseguia acompanhar o ritmo da produção que lhe era exigido, e personagens que tinham morrido nos episódios iniciais da saga acabavam por vir a reaparecer quase idênticas uma ou duas dúzias de episódios mais adiante. Para controlar esses erros de ressurreição, Ponson du Terrail recorreu a um expediente tão imaginativo quanto ele: mandou fazer uns bonecos de cartão com as indumentárias correspondentes à descrição que fizera das personagens e adicionando-lhes em baixo uma etiqueta com o nome que lhes dera…
No caso de ter assassinado uma das personagens em mais um dos inúmeros duelos ou atentados da trama, ela era afixada num quadro de defuntos, para que não fosse mais utilizada. Ao tempo circulou uma história, que será possivelmente falsa, que alguns dos fãs mais entusiasmados das aventuras de Rocambole e também conhecedores deste seu método de controle de personagens, teriam tentado subornar a mulher-a-dias de Ponson du Terrail para que ela, nas suas limpezas ao escritório do escritor, procedesse a alguns enterros e ressurreições das suas personagens favoritas…

Hoje, embora ainda se empregue o adjectivo rocambolesco, praticamente ninguém terá ouvido falar de Ponson du Terrail, nem da sua obra, nem do enorme sucesso de popularidade de que gozou durante as duas décadas do Segundo Império francês. Num certo sentido, as aventuras que criou são um reflexo dos acontecimentos, também muitas vezes rocambolescos, da própria sociedade francesa sob o Segundo Império de Napoleão III. E quando olho para as capas dos livros dos nossos best sellers actuais, também me pergunto que imagem da nossa sociedade actual estaremos a transmitir para o futuro…

27 dezembro 2009

ROBERT McNAMARA

Segundo se veio a saber muito depois, numa daquelas pequenas histórias da História, Lyndon Johnson terá vindo a tornar-se vice-presidente dos Estados Unidos por causa de uma cortesia equivocada. Ou seja, quando John Kennedy lhe endereçou o convite para concorrer com ele às eleições presidenciais de 1960, uma espécie de agradecimento pelo apoio que lhe havia sido prestado pelo então dirigente da maioria democrática no Senado, estava totalmente convencido que o convidado iria recusar. Johnson, um texano labrego, não pertencia às elites intelectuais de que Kennedy se pretendia vir a rodear caso vencesse. Só que Johnson aceitou… E esta história é suficientemente prosaica para ser mesmo verdadeira.
E este preâmbulo serve para justificar porque é que Johnson era uma espécie de ET (a quem criaram complexos…) na equipa da Administração Kennedy. Equipa essa que o vice-presidente veio a assumir depois do assassinato de Dallas, em Novembro de 1963. Assinalada na fotografia acima, vemos um desses mágicos que John Kennedy fora buscar, naquele caso, ao mundo dos gestores para a sua Administração: Robert Strange McNamara (1916-2009). A reputação de McNamara era de homem de acção, um gestor de sucesso que entrara para a Ford em 1946 e acabara de atingir em 1960 o lugar de presidente da companhia, o primeiro a ocupar aquele cargo que não pertencia à família do fundador.
McNamara era californiano de origem e, apesar de ter desempenhado o cargo de Secretário da Defesa sob dois presidentes democráticos entre 1961 e 1968, politicamente um republicano, um dos pormenores mais esquecidos quando a ele se referem. Além de competente como gestor, McNamara era competentíssimo a promover-se. Da versão posta a circular na imprensa constava que fora o próprio McNamara a optar pela pasta da Defesa em vez da formalmente mais importante pasta do Tesouro. Outro facto, também relevante mas de que não se falava, é que ele nem fora a primeira escolha para o cargo… Contudo, logo em Abril de 1961, já conseguira uma capa da Time para os seus projectos de reforma…
E os projectos de McNamara passavam pela aplicação dos métodos de gestão que ele trouxera da Ford para o Departamento de Defesa. Foi um choque total com as hierarquias militares que perdurou até hoje. Com a excepção talvez do caso de Robert Nivelle(*) em França, na Primeira Guerra Mundial, não terá havido outro caso de uma alta figura que tenha despertado uma antipatia corporativa tão grande contra si. Não o terá ajudado muito na popularidade o facto de repetidas vezes se ter provado, com a utilização dos seus novos métodos de avaliação e em qualquer dos ramos das Forças Armadas, que ele tinha razão e que havia um enorme desperdício de recursos em comparação com os objectivos…
O grande problema veio a por-se (...e aí foi a grande desforra dos generais!) quando McNamara quis utilizar precisamente os mesmos métodos que haviam funcionado na reestruturação das Forças Armadas para a condução do envolvimento crescente dos Estados Unidos no problema do Vietname do Sul, até ele se transformar na Guerra do Vietname. Foi isso que esteve por detrás daquela riqueza estatística do conflito vietnamita (classificada displicentemente por alguns profissionais como os métodos da Harvard Business School…), englobando o número das baixas inimigas, dos patrulhamentos efectuados, enfim, uma pletora de indicadores de gestão tangíveis para uma guerra cujos objectivos costumam ser intangíveis…
Mais do que tudo, era o ego, o feitio, a ânsia da promoção da própria imagem da parte de McNamara que não eram propriamente de molde a despertar muitas simpatias entre os subordinados com quem tinha de trabalhar. Tratava-se de alguém que promovia na imprensa a sua fotografia de telefone na mão num gesto em que se subentendia que acompanhava a par e passo a Guerra do Vietname (acima), ou que deixava que se baptizasse de Linha McNamara uma barreira defensiva de fortins estabelecida nas fronteiras do Vietname do Sul para impedir as infiltrações das unidades norte-vietnamitas. E quem se opusesse a McNamara ou era afastado ou então barrava-se-lhe o acesso a Lyndon Johnson…
Sem ser o culpado, McNamara acaba por se tornar um dos mais importantes responsáveis pela surpresa com que se receberam as notícias da Ofensiva do Tet em 31 de Janeiro de 1968, considerado hoje o ponto de viragem da Guerra do Vietname. Os indicadores de gestão que eram compilados pelos computadores em Saigão (acima) confirmavam que os Estados Unidos estavam a ganhar a guerra… Mas na fotografia abaixo, que foi tirada uma semana depois, a 9 de Fevereiro de 1968, e em que aparecem Lyndon Johnson, Dean Rusk, o Secretário de Estado, e Robert McNamara (mas de onde os generais estão ausentes…), vê-se que eles ainda não perceberam cabalmente o que (lhes) tinha acontecido…
(*) Sendo também um General, Robert Nivelle era considerado um traidor à sua corporação por se ter aliado ao poder político civil para conseguir que lhe atribuíssem o Comando Supremo, o que não será propriamente o caso de Robert McNamara, que roubou a guerra aos generais.

26 dezembro 2009

OUTRO PENSADOR

Se Auguste Rodin (1840-1917) imortalizou um certo estilo de pensador, mais abstrato, com a sua famosa escultura (acima), então Philip Jones Griffiths (1936-2008) terá imortalizado um outro estilo mais concreto com a sua máquina fotográfica (abaixo). Tirada em 1967, em plena Guerra do Vietname, esta fotografia é, de entre as famosas fotografias tiradas naquele período, uma das raras que ultrapassará o âmbito específico do próprio conflito para se manter ainda hoje válida, representando a continua incompreensão dos norte-americanos a respeito dos povos das várias regiões do Mundo onde intervieram e continuam a intervir...

25 dezembro 2009

Feliz Natal para todos! Que o nascimento do Menino Jesus ilumine de alegria e paz os vossos lares e nações(*).

Tornou-se mais outra rotina natalícia a transmissão televisiva da cerimónia da bênção papal Urbi et Orbi que é efectuada a partir da praça de São Marcos em Roma. Urbi et Orbi quer dizer à cidade e ao Mundo, que o Papa, antes de chefe da Igreja Católica Apostólica Romana, é o bispo de Roma. É por estar a dirigir-se à cidade e ao Mundo que se segue aquela parte folclórica das saudações em dúzias de línguas (este ano foram 63!), numa inflação de saudações natalícias que foi encetada desde o pontificado de Paulo VI.
Cada uma das saudações é seguida dos aplausos da assistência. Nunca percebi muito bem o que estarão a aplaudir, mas isso é uma outra história... A realização televisiva costuma seleccionar os peregrinos que consegue identificar pelas bandeiras nacionais ou pela sua aparência exótica para depois os focar na altura em que a saudação está a ser proferida. Fica-se assim com a impressão da universalidade do Natal. Mas a verdade é que, vendo as estatísticas (abaixo), esta será apenas mais uma Sexta-Feira para ⅔ da Humanidade…
(*) - Saudação endereçada hoje por Bento XVI aos católicos de língua portuguesa.

24 dezembro 2009

NOS TEMPOS EM QUE EU VIVIA OS NATAIS DE OUTRA MANEIRA

aqui havia parafraseado o poema Aniversário de Álvaro de Campos que começa assim:
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No poema, é impar a inspiração de Fernando Pessoa a provar-nos que as datas permanecem imutáveis, são os presentes que morrem e os vivos que vão mudando a maneira de as viver, restando a estes últimos a memória de como as viviam. Tendo começado a evocar esses Natais passados pelos sons, como aconteceu no poste anterior, resolvi juntar mais dois dos sons desses Natais de outrora, que eu vivia de outra maneira…

22 dezembro 2009

A IMITAÇÃO DO CHAMPANHE AMERICANO

Já aqui evoquei Michel Vaillant, um herói da BD franco-belga, pelo qual já expliquei que a minha estima é mais sentimental do que a que resulta da minha apreciação da qualidade do trabalho do autor, Jean Graton. E, contudo, há uma prancha de uma das suas histórias que considero memorável – e não me estou a lembrar de mais nenhuma idêntica... Pertence ao álbum Concerto para Pilotos, história que foi publicada originalmente em 1966, mas cuja edição portuguesa só veio a ser editada pela Bertrand em 1977 (abaixo).
Ora em 1977 os debates políticos em Portugal ainda estavam tão aguerridos quanto… condicionados. Por exemplo, uma prática, para a qual eu nunca me apercebi a origem, era que as acusações mais contundentes ao PCP, nomeadamente as evidentes, a de que se tratava de um partido não-democrático, nunca o mencionavam explicitamente, sendo substituído pela expressão perifrástica determinado partido político… Interessantes também, eram os métodos adoptados pelos seus membros para contra-argumentar.
Foi neste ambiente político que acabei de descrever que achei curiosíssimo encontrar na altura, num álbum de Michel Vaillant, uma rábula em que uma das personagens se comportava como um comunista, distorcendo a verdade de uma forma descarada: um piloto americano que, ao beber uma taça de champanhe francês, fazia um comentário provocatório, considerando-o uma excelente imitação do americano… Nestes casos, nunca se sabe o que provoca o comentário: a ignorância ou a habilidade argumentativa?
Seja qual fosse a causa, na verdade podiam-se reconhecer os comunistas pelo estilo das respostas, qual argumentário de um vendedor de automóveis, que só está preparado para falar das vantagens dos modelos no stand. Por exemplo, nunca respondiam a qualquer pergunta directa inconveniente que se lhes colocasse, e será apenas uma mostra da decadência dos quadros comunistas que recentemente Margarida Botelho fosse apanhada a ter de responder a uma num programa televisivo: considerava Cuba uma democracia
Naquelas circunstâncias, na impossibilidade de se evadir de todo à pergunta inconveniente, um comunista experimentado doutros tempos faria a conversa percorrer uma espécie de parábola à volta do tema perguntado (ver a figura geométrica abaixo) afastando-se para outro tema distinto(*). Por exemplo, perguntas embaraçosamente frontais, como as sobre o genocídio cometido por Estaline, seriam respondidas com a condenação geral dos crimes contra a humanidade, como os dos nazis, mudando daí a conversa para o genocidio dos nazis...
Também se podia mentir descaradamente, alegando ignorância, embora naqueles anos, alegar desconhecer esses trechos da história como o fez recentemente, noutra prova de decadência, a jovem deputada comunista Rita Rato, fosse coisa inadmissível, sinónimo de falta de preparação política. Mas podia-se mentir e suportar o ridículo de invocar a ignorância nos casos mais desesperados, como aconteceu com a invasão soviética do Afeganistão em 1979, até se conseguir explicar que há invasões que afinal não eram imperialistas…
Enfim, antes como agora, sempre levei estas contradições argumentativas de forma ligeira – com (sic) alguma ligeireza moral, diria o meu amigo António Marques Pinto. O que nunca gostei foi que os comunistas se propusessem (e, às vezes, ainda se propõem), a meio do seu discurso, dar-nos lições de moral quando não as pedimos... É que A Superioridade Moral dos Comunistas (abaixo) funciona apenas um daqueles livrinhos de catecismo, para ser lido na catequese por convertidos e pré-convertidos. Para os que não crêem, nada daquilo existe...
(*) Notem-se aliás os comentários ao meu poste a esse respeito que foram feitos por um comunista veterano e que pretendem precisamente chamar a atenção para outro tema e outro protagonista do programa…

21 dezembro 2009

OSTTRUPPEN

As Osttruppen (tropas do Leste) foram unidades do exército alemão constituídas durante a Segunda Guerra Mundial e que eram compostas na sua esmagadora maioria por cidadãos soviéticos conquanto o enquadramento fosse feito por alemães. Embora os alemães já tivessem empregue auxiliares voluntários recrutados localmente na Frente Leste, desde os finais do Outono de 1941, foi só a partir de Março de 1942 que se constituíram os primeiros batalhões regulares (Ostbataillone), cada um com um quadro teórico de 950 efectivos, dos quais apenas 36 eram oficiais e sargentos alemães.
A grande maioria dos efectivos para as constituir veio a ser recrutada nos campos de prisioneiros (recorde-se que os alemães haviam feito cerca de 3,3 milhões de prisioneiros soviéticos), embora os houvesse também voluntários, originários das regiões que havia, ficado sob controlo alemão. A princípio, os alemães privilegiaram o emprego de unidades constituídas à volta de um núcleo de voluntários de outras origens que não fosse a russa, fossem bálticos, como os letões, lituanos e estónios, ou caucasianos, como os georgianos, azeris e arménios, e mesmo asiáticos, como os cazaques, uzbeques ou turcomanos.
Progressivamente, com o evoluir da guerra e o avolumar das baixas, os alemães tiveram de deixar de ser tão selectivos e a incluir russos, ucranianos, etc. No início de 1943, já havia 176 batalhões regulares (150.000 efectivos), esse número mais do que dobrara em Junho de 1943 (320.000) para atingira uma marca rondando os 500.000 em Janeiro de 1944. Havia um General der Osttruppen, Andrei Vlasov, um antigo general soviético de que já falei num outro poste, mas que não mandava nada… Mas as derrotas alemãs da Frente Leste fizeram com que os alemães perdessem a confiança nessas unidades, que foram sendo transferidas para Ocidente.
Os serviços de informações militares dos Aliados ocidentais descobriram surpreendidos, com a preparação da Operação Overlord (o desembarque na Normandia) que, entre os seus potenciais inimigos após o desembarque, se contavam nada menos do que 76 batalhões de Osttruppen, o que representava já um sexto da infantaria de todo o exército alemão do Oeste. Contando jogar mais em subtileza do que em força se confrontados com as unidades de Osttruppen, às unidades aliadas da Normandia foram adidos intérpretes de russo e dos outros idiomas dos povos do império soviético, pertencentes às diásporas dos Estados Unidos.
Nas ocasiões em que se defrontaram com essas unidades na frente de combate formada em consequência do desembarque, os norte-americanos descobriram espantados que, ao contrário das restantes promessas (a de bom tratamento depois de serem feitos prisioneiros, por exemplo), a promessa do repatriamento provocava nas Osttruppen um efeito completamente contrário ao que deles se desejava, encarniçando-se ainda mais na resistência… Rapidamente os americanos corrigiram o erro e, no geral, as Osttruppen não se distinguiram pelo seu vigor combativo durante a campanha da Normandia…
Mesmo assim, os alemães não tiveram opção senão manter batalhões de Osttruppen em combate até ao fim. Aliás, a última acção militar da Segunda Guerra Mundial na Frente Oeste foi até protagonizada pelos membros de uma dessas unidades, o 882º Batalhão de Infantaria da Rainha Tamara, composto por georgianos, que guarneciam a ilha holandesa de Texel, e que se revoltou contra os alemães em 5 de Maio de 1945, a 3 dias do fim da Segunda Guerra Mundial na Europa. Com esse gesto, esperavam mudar uma última vez de lado e salvarem-se do destino que os aguardava na União Soviética. Fracassaram...
E a comandar a comissão de recepção na União Soviética estava, nem mais nem menos, que o nosso conhecido Filip Golikov...

20 dezembro 2009

À MESA DAS NEGOCIAÇÕES

Nos comentários a O Domínio dos Deuses, o 17º álbum de aventuras de Astérix, aparecido em 1971, tenho lido muitas referências aos temas ali satirizados por René Goscinny, no quadro da França dos anos finais da grande fase de expansão económica do pós-guerra, depois das Revoltas de Maio de 68 até ao choque petrolífero do Outono de 1973 e à morte de Georges Pompidou em Abril de 1974.
Os comentários que tenho lido concentram-se sobretudo nas descrições satíricas da tecnocracia (representada pelo arquitecto ambicioso), os mega-projectos urbanísticos nas periferias das grandes cidades, os contingentes de trabalhadores imigrantes contratados para os construir (ali representados pela proveniência heterogénea dos escravos) ou os processos manhosos usados na promoção imobiliária (o sorteio durante o espectáculo no circo).
Porém, não me lembro de ter lido referências a um dos aspectos daquele álbum onde Goscinny se mostra mais feroz: o das relações laborais e das negociações sindicais. Para o fazer, o autor subleva os legionários da guarnição romana de Aquarium para depois fazer deles uns idiotas reivindicativos mas vencedores de vitórias menores, para se deixarem facilmente manipular naquilo que convinha aos protagonistas.
Passados quase 40 anos, a França e o Mundo mudaram imenso, mas a imagem ali concebida por Goscinny – e, não esquecer, desenhada por Uderzo… – parece permanecer válida. Como já terei referido neste blogue, a renovação dos quadros sindicais entre nós, especialmente de topo, é uma piada: Manuel Carvalho da Silva é o coordenador da CGTP há 23 anos e João Proença é o secretário-geral da UGT há cerca de uns 15…
Mas o que mais me deixa perplexo é como a comunidade informativa aceita as suas rábulas queixosas, lamentando-se do crescimento das desigualdades sociais em detrimento daqueles que dizem defender, como se eles próprios não passassem de uma espécie de Gabriel Alves, uns comentadores aplicados mas distanciados, de um jogo negocial em que comentam mas não participam nem assumem as responsabilidades…
É que assim fica-se sem perceber quais as quotas-partes de responsabilidade de quem se senta à mesa daquelas famosas negociações... Ou será que, afinal e como suspeito, as mesas das negociações já há muito tempo (há para aí uns 38 anos...) que, na prática, não servem para nada?...