O texto que se segue é uma republicação alterada de outro que eu aqui publicara nesta mesma quadra de 2009
Se é verdade que, em geral, os acontecimentos nas três guerras de África (1961-74) andavam ausentes do quotidiano noticioso em Portugal, com poucas excepções, uma das quais eram as cerimónias do 10 de Junho no Terreiro do Paço, com a tradicional imposição das condecorações, venho aqui evocar uma dessas excepções, a do Natal de 1971, quando, a propósito da edição de um disco de Natal para distribuir aos soldados que estavam em África (acima), a RTP se fartou de exibir durante a quadra natalícia uma reportagem com as imagens das intervenções dos artistas que haviam colaborado no disco. Seria aquilo que, com imaginação, poderíamos designar como uma espécie de antepassado do videoclip…
O disco fora uma iniciativa do movimento nacional feminino (m.n.f.), a organização do regime que estava encarregue da animação do esforço de guerra. Na terminologia da época, que estava muito influenciada por termos militares, o evento – como hoje seria apresentado... – fora baptizado como uma operação: a Operação Presença. Pode ver-se o nome dos artistas participantes na dita operação nas duas etiquetas dos dois lados do disco: Hermínia Silva, Eusébio, Joaquim Agostinho, Maria de Lurdes Modesto, Tomás Tembe, Florbela Queiroz, Armando Cortez e Francisco Nicholson, Paulo Machado e Amália Rodrigues; Inspector Varatojo, Elsa Gomes, Coro e Orquestra típica do Radio Clube de Moçambique, Parodiantes de Lisboa, Cilinha (Cecília Supico Pinto, a dirigente do m.n.f.) e o ministro da Defesa e Exército, Horácio de Sá Viana Rebelo.
Havia a animação cultural do que os autores projectavam que seria popular mas, no fim, lá aparecia a mensagem ideológica. Em penúltimo lugar aparecia Cecília Supico Pinto (que insistia em se promover pela alcunha enganadoramente íntima de Cilinha), que era o equivalente de então de uma "tia queque de Cascais", naquele modelo "muito voluntarioso e abnegado", assemelhando-se em mais do que um aspecto à Isabel Jonet; começa a sua intervenção com um «Santo Natal!» endereçado aos «rapazes!», mas surpreende depois quem ouve o disco com uma interpretação de um fado que não me parece nada má para uma amadora. O último trecho é, naturalmente, o discurso (chato) do ministro Sá Viana Rebelo que terminava proclamando que o futuro haveria de demonstrar que «tinha valido a pena»… E claro que hoje é óbvio que não valeu a pena…
Ignorado de todos os que produziram e ouviam então o disco, no futuro estava-se a dois anos e meio do 25 de Abril que poria termo a todas as intenções que haviam estado por detrás da sua feitura. Contudo, depois de 50 anos passados, assentes e encerradas todas essas controvérsias, tenho que reconhecer que a repetição quase quotidiana do videoclip pré-histórico na televisão durante a quinzena natalícia de 1971 me condicionou a associar muitas das músicas e dos diálogos daquele disco (alguns dos quais saberei de cor…) aos sons típicos da época que atravessamos. Mais do que isso, conseguem transportar-me à sensação confiante e inocente de um Natal ingénuo de infância…
A propósito do tema, gostaria de referir aqui o excelente documentário de Margarida Cardoso (NATAL 71), onde às canções da propaganda do esforço de guerra se contrapõe uma outra colectânea intitulada "Cancioneiro do Niassa". É sempre uma oportunidade de rever a guerra através dos seus principais protagonistas, ou seja, os que a fizeram... Bom Natal
ResponderEliminarEra Dezembro,
ResponderEliminarestava em Bambadinca,recebo um grande envelope endereçado ao Comandante do SPM 3948,com o remetente do MNF...que me quererá o
MNF? Aberto o envelope, sai o LP...
porra! boa merda, mandam um disco a
um gaijo que não tem...giradiscos...
passados uns dias chegam uns caixotes com umas centenas do tal
LP para distribuir pelos militares
que não eram comandantes de unidade/SPM,e, após distribuição,
muitos dos discos,transformaram-se
em...discos voadores,em que alguns
mais "apanhados"tentavam trespassar
à bala...
Foi uma ideia" luminosa" esta dos LP
Apesar de tudo, ainda tenho por aí
essa "velharia"
Lembro-me de ter visto esse documentário de que falas na RTP 2, Artur. Gostei bastante da primeira parte, a que trata do próprio disco NATAL 71, mas, além da ligação com a segunda parte, a do Cancioneiro do Niassa, não me parecer bem conseguida, ela própria pareceu-me qualitativamente muito abaixo da parte inícial.
ResponderEliminarO documentário acaba num certo desapontamento.
Utilizando os conceitos do cabeçalho do blogue, Paulo, foi uma ideia concebida por bacanos, mas que era destinada a urbano-rústicos, rústicos e hiper-rústicos - as tropas nativas...
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