O mais importante da notícia da prisão de João Rendeiro é ele estar preso. É sempre incómodo, mais do que isso, é deprimente ver este género de pessoas a gozarem com todo o sistema judicial e a pavonearem-se diante de todos, ainda para mais, não nos esqueçamos, quando o presidente da República lhes dá troco - oh embaraço supremo! E, evocando o caso dos foragidos à justiça, é uma coincidência feliz que a notícia seja conhecida no dia em que se celebram 60 anos da leitura da sentença de um dos mais célebres foragidos, que até foi recuperado clandestinamente para ser julgado: Adolf Eichmann. João Rendeiro é apenas um grande aldrabão, mas a verdade é que ele também já foi julgado - o que ele não quer é ir lá para dentro. Porém, se a notícia do dia é a prisão de João Rendeiro, a outra notícia do dia é a forma como a notícia do dia está a ser promovida. Repare-se que a presença de João Rendeiro na África do Sul não é propriamente uma novidade: ela fora anunciada há mais de um mês pela mulher de João Rendeiro (acima, à esquerda) quando instada a denunciar o seu paradeiro (instada de uma maneira muito persuasiva: se se recusasse a fazê-lo seria ela a ir dentro, em vez de ficar em prisão domiciliária). Portanto, João Rendeiro sabia-se localizado, o que não combina lá muito bem com esta cenografia que agora nos apresentam - «Reagiu surpreso, não estava à espera», diz PJ. Mesmo sabendo-se localizado, João Rendeiro deixou-se ficar no mesmo sítio? É estranho. Uma possível explicação poderá estar contida nas pequenas letras da expressão empregue pelo director da PJ: «Se e quando for extraditado, será para cumprimento de pena» (acima, à direita). Ora os dois advérbios (de condição e de tempo) não podem ser lidos de forma encadeada: se Rendeiro não for extraditado não há quando para que ele inicie o cumprimento da pena... Talvez seja com isso - o funcionamento do aparelho judicial sul-africano - que João Rendeiro esteja afinal a contar a partir de agora... Afinal, aprendendo com outros exemplos, foi uma situação do género que fez com que os israelitas não tivessem pedido a extradição de Eichmann à Argentina e tivessem agido por conta própria... Ou então, não, o fugitivo chegou apenas ao fim da sua capacidade de fuga. Enfim, para já, tudo isto parece uma magnífica operação mediática do Estado para dar resposta à humilhação que ocorrera há umas semanas. Se isto irá ter mesmo consequências para João Rendeiro, ficamos para ver porque estes processos de extradição costumam ser assaz demorados, quando ocorrem, já a opinião pública se terá esquecido do que os provocou.
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