Foram figuras como António Almeida Santos ou então agora José Miguel Júdice que trouxeram para a política portuguesa esta prática, que é corrente na advocacia, da contradição completa e desavergonhada. Mas não foram eles que tornaram essa prática socialmente aceitável. Essa cumplicidade, que torna um aldrabão menos aldrabão só porque é um xoudoutor aldrabão é uma das pechas portuguesas de há muito (recorde-se, por exemplo, como a carreira do célebre burlão Alves dos Reis foi lançada com um diploma falsificado). No exemplo acima, no seu programa semanal da SIC, Júdice, que era - não sei se ainda é - militante do PSD, classificava Rui Rio como «o mais incompetente dos políticos de que se lembrava» ainda há quatro meses, em Julho de 2021, e agora, não mostra a mínima vergonha em dar uma completa cambalhota, enaltecendo-lhe «a grande vitória», «anti-elite, anti-media e anti-Lisboa» em finais de Novembro passado. Também é capaz, acrescentaria eu, de ter sido uma grande vitória anti-vira-casacas, mas isso não terá admitido o advogado, talvez porque contraproducente para a sua condição (de vira-casaca...). Mas a verdade é que eu considero que a responsabilidade é mais de quem encobre e promove estes aldrabões bem falantes - no caso a SIC - do que propriamente culpa dos próprios. Algumas destas reviravoltas de Júdice atingem o inaceitável, como quando o ouvimos recentemente a perorar naquela mesma televisão sobre os «mecanismos para impedir a fuga de João Rendeiro» sem que ninguém o confrontasse com o contrassenso de ele ter sido, durante a fase mais mediática do processo, o advogado desse mesmo João Rendeiro! Jornalismo era perguntar-lhe se também lhe pagam para mandar palpites contra o Rendeiro? Ou porque largou o caso Rendeiro?... Enfim, regressando às opiniões erráticas que José Miguel Júdice tem emitido sobre o seu partido, eu estava com curiosidade de saber se, no seu programa de ontem, se iria pronunciar sobre as questões que ainda se levantam ao PSD até à cerimónia do Congresso. Nomeadamente a questão da eventual coligação com o CDS e a questão da composição das listas de candidatos a deputados para as próximas eleições de 30 de Janeiro, episódio onde estão a ser múltiplas as queixas de que Rui Rio terá aproveitado a ocasião para as purgar daqueles que se opuseram a si nas últimas eleições internas. Mas não: José Miguel Júdice preferiu passar totalmente ao lado do assunto. E no entanto...
...este é precisamente um tópico a respeito do qual José Miguel Júdice terá doutrina publicada. Sobre a questão da contemporização com as personalidades das outras facções há uma interessante passagem de uma moção por si encabeçada como primeiro subscritor, mas conotada com uma facção que, nessa altura (Maio de 1985), se baptizara a si própria como «Nova Esperança» (foto acima), passagem essa onde se podia ler: «Realizar a unidade partidária não faz sentido e será mesmo prejudicial se consistir apenas numa abrangência de "personalidade" que nalguns casos se representam apenas a si próprias...» Pelo menos, era assim que pensavam os subscritores de tal moção - Pedro Santana Lopes, Marcelo Rebelo de Sousa, Conceição Monteiro e José Miguel Júdice - por ocasião do inesquecível Congresso da Figueira da Foz, congresso esse que culminou com a vitória - tangencial, por 42 votos em 806 votantes - de Aníbal Cavaco Silva. Teria sido tão engraçado que Júdice no seu programa de ontem lembrasse que ele (e os outros subscritores da moção) já pensaram assim... Por outro lado, «o mais incompetente dos políticos de que ele se lembra», Rui Rio, não teria por que não lhe agradecer...
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