9 de Dezembro de 1946. Noticiava-se um debate - o jornal classificava-o de conflito - em curso na Assembleia da ONU em Nova Iorque, opondo a Índia e a África do Sul. Era um assunto que suscitaria ao leitor atento várias questões. A primeira questão é que o desentendimento envolvia, estranhamente, dois países da Commonwealth britânica. A segunda questão é que o desentendimento envolvia, estranhamente, um país que gozava de autonomia dentro dessa mesma Commonwealth, a África do Sul, e um país que ainda não gozava dessa mesma autonomia, a Índia. Como é que esta última conseguira um lugar nas Nações Unidas ainda antes de se tornar independente? Só então aparecia a terceira questão, qual o pomo da discórdia? A resposta estava clara no artigo: o racismo. A Índia queixava-se da discriminação como os seus naturais eram tratados na África do Sul. E a quarta e última questão era, naturalmente, qual fora o sentido das votações, que propiciara uma vitória da Índia (32 votos contra 15 e 7 abstenções). Começando pelo fim, o que se depreende da notícia é que os países comunistas da Europa de Leste contribuíram para o resultado daquela votação. Por outro lado, a descriminação racial seria então tema completamente novo nestes areópagos - a surpresa do primeiro-ministro sul-africano Smuts poderá ser mesmo genuína - mas era um tema que não granjearia grandes simpatias para os sul-africanos da parte dos países não europeus. Adivinha-se, pelo seu silêncio, o incómodo do governo de Londres (trabalhista). Embora ele fosse, em última instância, o responsável pela política externa da Índia, a decisão que tomara de lhes conceder a independência - ocorrerá em Agosto de 1947 - acelerara um processo de transferência de responsabilidades para os indianos de origem: nesta contenda, quem encabeça a delegação indiana nas Nações Unidas é - e não por acaso - Vijaya Pandit, uma das irmãs mais novas de Jawaharlal Nehru, o futuro primeiro primeiro-ministro indiano. Enfim, o leitor atento lia naquela notícia de há 75 anos os novos contornos da nova ordem internacional do após guerra, onde despontavam novos problemas de características surpreendentes.
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