13 de Dezembro de 1971. Começa a (primeira) Cimeira das Lajes, reunindo os presidentes dos Estados Unidos (Richard Nixon) e de França (Georges Pompidou). Também presente, como anfitrião, o presidente do Conselho de Ministros português, Marcello Caetano. Para não me repetir, recupero um texto sobre o tema, originalmente publicado em Fevereiro de 2014.
Hoje, já se pode reconhecer sem controvérsias que o zénite da influência francesa no Mundo no período que se seguiu ao fim da Segunda Guerra Mundial terá sido alcançado durante a presidência de Georges Pompidou (1969-1974), no final do período que ficou conhecido pelos Trente Glorieuses, e não sob a égide do seu muito mais conhecido e controverso antecessor Charles de Gaulle (1958-1969), observe-se a marca que este último deixara, vincada pela capa da Time que foi publicada por ocasião da posse de Pompidou em Maio de 1969. É verdade que o ascendente de que Pompidou usufruiu fora pavimentado pelo seu famoso antecessor, mas também é verdade que o comportamento diplomático desassombrado de de Gaulle, que em 1963 vetou ostensivamente a adesão do Reino Unido à CEE, em 1966 retirou a França da estrutura militar da NATO ou em 1967 apelou ao separatismo do Quebec enquanto visitava o Canadá, criara ao general uma reputação de enfant terrible, que predispôs os actores políticos internacionais a acolher favoravelmente qualquer sucessor que parecesse mais razoável.
Mesmo assim, a razoabilidade de Georges Pompidou pode parecer anedótica quando lemos a posição francesa expressa por si a respeito da adesão britânica à CEE: No que concerne à Inglaterra, a nossa posição é clara. Não alteramos uma linha que seja à posição que temos adoptado até agora e mantemos a solicitação feita aos nossos parceiros da Comunidade que permaneçam solidários connosco enquanto a Grã-Bretanha não apresentar propostas decentes para o estabelecimento do acordo financeiro. Propor-se ser membro de pleno direito da Comunidade suportando 3% dos seus encargos é obsceno. Quando nos encontrarmos na presença de fórmulas que sejam, não ainda satisfatórias mas ao menos decentes, aí poderá haver uma inflexão na nossa atitude. Na Cimeira da CEE em Haia, em Dezembro de 1969, é o discurso prévio de Pompidou, mostrando-se reticente ao alargamento da comunidade, que condiciona algumas passagens do discurso que o chanceler alemão Willy Brandt virá a proferir sobre aquele mesmo assunto. Numa Cimeira actual, decerto que os papéis se inverteriam…
Mas a ocasião em que a imagem da França mais alto se terá projectado internacionalmente (imagem essa mais uma vez protagonizada por Georges Pompidou), terá acontecido dois anos depois, em Dezembro de 1971, e curiosamente em Portugal, na ilha Terceira, nos Açores. Foi o local escolhido (simbolicamente a meio Atlântico) por norte-americanos e franceses para a realização de uma Cimeira que juntava os seus dois presidentes: Richard Nixon e Georges Pompidou. No Verão daquele ano de 71, os Estados Unidos haviam abandonado o padrão-ouro de Bretton Woods que fizera do dólar a divisa de referência do comércio mundial nos últimos 25 anos. Aplaudida internamente, a medida provocara uma desvalorização brusca da divisa norte-americana com as consequentes perturbações nos câmbios e no comércio internacional. Era para estabelecer um novo acordo cambial com o importantíssimo bloco económico composto pelos (então) seis países da CEE¹ que os Estados Unidos conferiam aquela preeminência aos franceses. E estes, com o seu sentido de mise-en-scène, não desperdiçaram a oportunidade…
Os franceses começaram por derrotar os norte-americanos num campo onde estes não gostam de perder: o da tecnologia. Nixon chegou à Base das Lajes viajando no avião presidencial (Air Force One) que naquela época era um Boeing 707. Pompidou viajou de Concorde² e os seus construtores tiveram a preocupação de fotografar o presidente norte-americano na pista com a coqueluche aeronáutica anglo-francesa por detrás (acima). Nixon alojou-se no complexo norte-americano da própria Base Aérea. Os franceses alugaram o que de mais sofisticado em termos arquitectónicos e paisagísticos a Terceira podia oferecer para alojamento, a estalagem da Serreta, para, não apenas instalar Pompidou, mas também insistindo para que as principais reuniões lá tivessem lugar. Intercalado, o anfitrião Marcello Caetano procurava retirar do evento os benefícios em termos de imagem pessoal e de regime que pudesse (abaixo). Lembro-me que, num daqueles fait-divers que a propaganda da altura era pródiga, se deu destaque ao nascimento de um bebé durante a cimeira a que foi dado o nome de Ricardo Jorge…
Do Ricardo Jorge, que hoje estará próximo de completar os 50 anos, a História perdeu o rasto. Do que ficou decidido pelos seus dois padrinhos também. O acordo para a fixação de novos câmbios entre o dólar e as moedas das principais economias europeias, qualificado (como de costume) de histórico, ainda não fora implementado pelos norte-americanos dois meses depois. E já estava totalmente esquecido um ano depois. Mas, enquanto durara, os franceses haviam dado o seu melhor para que o evento se parecesse com um encontro entre iguais…
¹ Alemanha Federal, Bélgica, França, Holanda, Itália e Luxemburgo.
² Não havia nas Lajes escada adequada para aquele tipo de aparelho. Houve que improvisar.
Sem comentários:
Enviar um comentário