20 de Dezembro de 1921. O artigo, que então vemos abaixo publicado no Diário de Lisboa mas que havia sido transcrito de A Vitória, reveste-se da novidade de dar um sentido de missão e apontar um objectivo concreto para as possessões portuguesas em África. O artigo tem o patrocínio (nada dissimulado) do alto comissário em Angola, José Norton de Matos (significativamente, a página que lhe é dedicada na wikipedia dá uma extrema importância à sua carreira maçónica...). Fosse porque fosse, pelos seus méritos intrínsecos ou pelas conexões maçónicas, a promoção da ideia da colonização de Angola com portugueses metropolitanos aparece por uma primeira vez devidamente estruturada. Na sua essência é de uma simplicidade quase infantil: num país de onde emigravam todos os anos dezenas de milhares de pessoas (nomeadamente para o Brasil), porque não direccioná-los para os planaltos do centro de Angola, onde as condições climatéricas se assemelhavam num mínimo às que existiam na Europa? Porque seria a primeira vez que se via a ser apresentado assim, num formato sistemático, a argumentação arrebatava, aparentemente irrefutável. O tempo viria a mostrar que a ideia mostrava-se bem apresentada mas não iria vingar. Quanto aos meios, repare-se abaixo que a questão do capital («necessário para organizar um núcleo europeu») fora remetido para um discreto quinto lugar nas prioridades quando a falta de capital constituía, na verdade, o verdadeiro calcanhar de Aquiles do colonialismo português¹. Quanto às pessoas, o raciocínio esquecia o importante pormenor que a maioria dos nossos emigrantes, quando emigrava, o fazia com o desejo de abandonar a actividade agrícola e desejava dedicar-se a outras actividades. Um artigo que se mostrava excelente na forma mas fraco no fundo.
¹ Como exemplo, compare-se o ritmo da construção das linhas de caminhos de ferro que, na Tanzânia e em Moçambique ligavam os portos do litoral até aos Grandes Lagos. Os cerca de 1.250 km que vão do porto de Dar-es-Salaam até Kigoma no Lago Tanganica foram completados pelos alemães em Fevereiro de 1914. Os quase 800 km que vão do porto de Nacala até Lichinga (Vila Cabral) perto do Lago Niassa foram completados, ainda pelos portugueses, só que em... 1969, 55 anos depois. Os portugueses também construíam as infraestruturas, é certo, mas era mais devagarinho... A falta de capital para investir sempre foi um problema maior quando se pretendia tratar deste, como se escrevia acima em 1921, «interessantíssimo problema».
Logo no princípio do artigo de jornal há um erro: Angola não tem 1200 quilómetros quadrados, terá cerca de mil vezes mais.
ResponderEliminarSegundo vejo na wikipedia, o caminho de ferro de Benguela em 1921 já tinha 500 quilómetros, e portanto (presumo eu) já ligaria a costa ao planalto central (ao Huambo). Ou não? Se aquilo que eu presumo estiver correto, então o problema básico de capital já estaria ultrapassado, na medida em que a ligação à costa já estaria assegurada.
Muito pertinente e sapiente a observação no final do post, de que os emigrantes portugueses aquilo que queriam eram abandonar a agricultura.
Muito pertinente e sapiente a observação no final do post, de que os emigrantes portugueses aquilo que queriam eram abandonar a agricultura.
ResponderEliminarAs outras observações que fiz também são «pertinentes e sapientes» apesar de se perceber que o Lavoura não estará em condições de as apreciar, quanto mais avaliar.
O seu comentário mais substantivo refere-se àquilo que foi apenas uma nota de rodapé e um exemplo da insuficiência de capitais para financiar a exploração das colónias. O caminho de ferro de Benguela foi o único dos três ramos ferroviários de Angola (partidos respectivamente dos portos de Luanda, Benguela (Lobito) e Moçâmedes) que nunca teve problemas de financiamento. Porque os capitais eram estrangeiros e o objectivo da ferrovia era ligar o litoral de Angola com as minas do Catanga Belga. Se viu a wikipedia terá lá lido que as primeiras exportações de minérios catangueses pelo porto do Lobito terão tido lugar em 1931. O mesmo se poderá dizer das ferrovias que, em Moçambique, partiam de Lourenço Marques e da Beira para conectar com as minas do Transval e da Rodésia do Sul (respectivamente). Para essas nunca houve problema em arranhar financiamentos externos e foram completadas desde muito cedo.
A verdadeira questão de falta de capitais portugueses e do ritmo de construção de ferrovias coloca-se quando estas últimas serviam sobretudo propósitos internos às próprias províncias e não havia grandes interesses estrangeiros interessados em comparticipar, como eram os casos, em Angola, das linhas que partiam de Luanda e de Moçâmedes e em Moçambique, da que começava no porto de Nacala e que demoraram décadas a chegar ao hinterland das colónias e/ou nunca foram muito longe. Daí o exemplo, daí a comparação.
Mas eu usei o exemplo apenas como um exemplo. Porque o investimento em transportes seria apenas um dos aspectos a considerar na exploração económica das colónias, sobretudo quando o caso é fomentar uma política migratória, em que seria preciso apoiar materialmente os colonos durante os anos de instalação, sobretudo porque, para ser competitiva, a agricultura nos planaltos de Angola teria que utilizar processos de produção mais modernos dos que aqueles que vigoravam na metrópole, equivalentes aos dos Estados Unidos, Canadá, Austrália. Quem financiaria isso?
Tem razão quanto ao erro que aponta ao artigo, a respeito da área de Angola, erro esse que aliás está repetido no fim do antepenúltimo parágrafo. E há mais erros, fruto de um grande desconhecimento de Angola. Por exemplo, é muito improvável que houvesse então «30.000 brancos» ou «5 milhões de pretos» em Angola como o artigo refere. Números mais "reflectidos", apontam para a existência (em 1920) de 20.700 brancos, 10.500 mulatos e uma estimativa de 3.100.000 negros - in Brancos de Angola Autonomismo e Nacionalismo (1900-1961) de Fernando Tavares Pimenta 2005, p. 191.