04 abril 2020

O CASAMENTO DA CILINHA... E DO MINISTRO

4 de Abril de 1945. Numa página central, distinta daquela em que o Diário de Lisboa costumava dar as notícias de sociedade, o jornal dava conta do casamento, naquela quarta-feira, do ministro da Economia:
«
Na residência do sr. dr. Manuel António do Casal Ribeiro de Carvalho, administrador do Banco de Portugal e director da companhia de seguros «Royal Exchange», realizou-se hoje, em capela armada expressamente, o casamento de sua filha, sr.ª D. Cecília do Casal Ribeiro de Carvalho, com o sr. dr. Luiz Supico Pinto, ministro da Economia.
Assistiram cerca de 350 convidados, entre os quais se viam os srs. ministros da Educação Nacional, das Finanças, e das Obras Públicas e Comunicações, subsecretários de Estado da Agricultura, das Comunicações e das Corporações e Previdência Social, director da Faculdade de Direito de Lisboa, embaixadores de Portugal em Madrid e de Espanha em Lisboa, e numerosas entidades em destaque na sociedade e nos meios bancários e seguradores.
Foi celebrante o padre franciscano Augusto de Araújo e assistiram também o cónego Alberto, prior da freguesia dos Mártires.
No final, foi servido aos convidados um «copo de água».
»
Quanto à cerimónia e à notícia em si, vinque-se, apesar da presença de quatro ministros (contando com o noivo...) e de três subsecretários de Estado, a ausência do presidente do Conselho entre os «350 convidados», cujo colectivo deveria representar a elite financeira portuguesa em 1945. António de Oliveira Salazar era demasiado inteligente para conceder o aval da sua presença. Por outro lado, também é muito possível que ele desconfiasse que, no seu âmago, aquelas elites nunca deixariam de o considerar o arrivista provinciano que ele, no fundo, era. E os desprezasse. 
Quanto aos nubentes, nota-se que a notícia aparece desprovida daquelas referências sentimentais que eram quase imperativas nas notícias análogas das páginas de sociedade. Era notória a diferença de idades entre a noiva (23) e o noivo (36), pormenor que poderia ser de somenos, mas que ainda hoje é enfatizado na wikipedia. Por seu lado, nos meandros sociais sabia-se que o noivo tivera uma ligação e uma filha (então com dois anos) com uma conhecida actriz de teatro.
O casal manter-se-á na ribalta da sociedade e do regime até à queda deste último em 25 de Abril de 1974. Na última dúzia de anos a visibilidade dever-se-á muito mais a ela do que a ele. Enquanto Luís ocupava o lugar destacado, mas pouco visível, de presidente da Câmara Corporativa, Cecília Supico Pinto, de seu nome de casada, tornar-se-á numa figura nacional, com o diminutivo de Cilinha, no papel de dirigente do Movimento Nacional Feminino, a organização que se encarregara da animação dos soldados enviados para África ao longo das décadas de 1960 e 70. O diminutivo não correspondia nada à personalidade da visada* e a contraste era mais uma das blagues do regime. O poder do casal derivava de uma alegada intimidade com Salazar que intimidava a «concorrência» (das figuras destacadas de então). Salazar de quem a dupla se proclamava muito devotada, mas que, como se deduz ironicamente pela notícia acima, fizera decerto questão de não aceitar o convite que lhe haviam feito para o enlace.
* A analogia com os tempos modernos que penso ser mais parecida, seria tratar por Teresinha Teresa Leal Coelho durante os anos do passismo. O marido de Teresinha, recorde-se, tinha a influência de ser o chefe de gabinete de Pedro Passos Coelho, então primeiro-ministro. E Teresa Leal Coelho é um verdadeiro pão-de-quilo - tudo menos uma Teresinha...

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