31 maio 2021

ASSINATURA FORMAL DOS ACORDOS DE BICESSE

31 de Maio de 1991. Assinatura formal dos acordos de Bicesse, cuja intenção original era a de aproveitar a dinâmica do fim da Guerra Fria e tentar pôr fim à guerra civil angolana. Com a clarividência dos trinta anos entretanto decorridos, foi um grande momento para Portugal e também um grande momento pessoal para o 1º ministro Cavaco Silva. Que, evidentemente, enxotou o presidente Mário Soares da cerimónia. É justo reconhecer que este último também não havia contribuído significativamente para o desfecho. Mas, muito mais importante que as questiúnculas pessoais entre figurões, a assinatura que então se formalizava entre as duas facções combatentes da guerra civil angolana podia ser interpretada como um reatar e, mais do que isso, como um emendar de mão daquilo que fora firmado no Alvor em Janeiro de 1975, e que acabara por se transformar em letra morta. As críticas ao que acontecera em 1975 eram unânimes (veja-se abaixo, e só para exemplo, o trecho de um documentário da BBC) e abrangiam todas as partes angolanas mas também uma esmagadora maioria das portuguesas. O cumprimento entre José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi em 31 de Maio de 1991 (o grande momento televisivo da reportagem acima!...) apresentava-se como a oportunidade perfeita para rectificar aquilo que fora mal engendrado, com a parte portuguesa, a antiga potência colonial (que, tendo sido colonial, nunca teve muita potência...), a ter a oportunidade de voltar a funcionar como o catalisador da concórdia. Era muito bonito mas hoje sabemos o resto da história. Não havia concórdia nenhuma. As duas partes assinaram de má fé. Os procedimentos para a paz eram apenas um instrumento menos sangrento para alcançar o poder (para Savimbi) ou de o legitimar (Eduardo dos Santos). Tanto assim que, quando, no ano seguinte, as eleições programadas mostraram resultados de que não se estava à espera (pelo menos Savimbi...), tudo se desmoronou. Regressou a guerra civil. E esta só terminou mesmo com a morte de um dos signatários (Jonas Savimbi) em 2002. Mas o que resultou importante é que, com esta cerimónia de há trinta anos, Portugal lavou a face. Assim como, creio, o fizeram americanos e soviéticos, cubanos e sul-africanos. O que o tempo se encarregou de mostrar depois de Bicesse é que a fragilidade da posição portuguesa (1975) e a guerra fria (1975-1991) haviam sido apenas pretextos e desculpas invocadas pelos angolanos para eles próprios andarem 27 anos aos tiros uns com os outros.

O BOMBARDEAMENTO DE DUBLIN

31 de Maio de 1941. Tal como Portugal, a Irlanda conseguiu permanecer neutral durante toda a Segunda Guerra Mundial. Isso não impediu que, ocasionalmente, o seu território tivesse sido bombardeado acidentalmente por aviões alemães que se haviam transviado sobre a Grã-Bretanha. O acontecimento que acima vemos noticiado há 80 anos foi o mais grave deles. Entre a 01H30 e as 02H05 da madrugada foram largadas quatro bombas - o que não pode ser considerara propriamente «um violento bombardeamento aéreo»... - das quais apenas a última, que atingiu uma das zonas norte da cidade capital Dublin, causou verdadeiros e importantes desastres pessoais: 28 mortos e cerca de 90 feridos. Materialmente, só essa bomba destruiu 17 casas e danificou cerca de 50 outras mais, deixando umas 400 pessoas desabrigadas. Para um país em paz tratava-se de um acidente muito grave. No quadro do que acontecia nas cidades britânicas e alemãs em guerra, sujeitas aos bombardeamentos, era apenas uma ocorrência. Mas, considerando o quadro da guerra da informação e propaganda de guerra, percebia-se que a notícia era originária de Dublin, mas que houvera uma descarada mão inglesa na redacção da notícia, acentuando vítimas e estragos, porque estes tinham um responsável, por muito que o pudessem ter provocado acidentalmente: a Luftwaffe... Um memorial assinala hoje o local onde a bomba explodiu.

30 maio 2021

QUE POKER DE DUQUES!

Para discutir a direita portuguesa, ou fosse o que fosse, o elenco escolhido pelos jornalistas do Expresso é uma verdadeira paródia - todos e qualquer um dos quatro. Um verdadeiro poker de duques!

O DESASTRE DO VOO VIASA 897

30 de Maio de 1961. Um desastre aéreo ocorrido sobre o mar mas a uma curta distância de Lisboa impressionara e dominava o panorama noticioso desses dias. Como era então prática, o voo da Viasa (companhia aérea venezuelana) começara em Roma e fizera escala em Madrid, antes de aterrar em Lisboa, recolhendo passageiros, para depois realizar a verdadeira ligação transatlântica para Caracas, com uma escala intermédia no aeroporto de Santa Maria, nos Açores. O aparelho, um Douglas DC-8 idêntico ao da fotografia acima, era novíssimo - tinha apenas 209 horas de voo. Quando descolou do aeroporto da Portela, às 1H15 da manhã, levava 61 pessoas a bordo: 47 passageiros e 14 tripulantes. Não foi longe. Cerca de 5 minutos despenhava-se no mar, a 3 km da praia da Fonte da Telha na Costa da Caparica. Não houve sobreviventes e não se conseguiram apurar as causas para o acidente. Mas eram os primeiros casos que envolviam aviões desta envergadura, transportando muitas dezenas de passageiros e tripulantes. O facto de ter ocorrido praticamente à vista de terra acrescentava consternação ao que acontecera, para mais quando, entre os passageiros, se contavam os primeiros casos de emigrantes portugueses abonados que faziam a viagem para a Venezuela de avião. Os jornais do dia seguinte continuavam a dar expressão ao desastre com o título pungente «O mar continua a arremessar pedaços de corpos e fragmentos do avião que explodiu a sul da Caparica».

29 maio 2021

ESTA DE FICAR À ÚLTIMA DA HORA COM A FINAL DA LIGA DOS CAMPEÕES (NO PORTO) NÃO FOI LÁ «MUITO BEM» PENSADA...

Não sei de quem foi a ideia de «quebrar o galho», não sei o que esperam ganhar com ela, mas, da forma como se está a concretizar, esta realização da final da liga dos campeões no Porto, com a participação de duas equipas inglesas e dos respectivos hooligans, está a revelar-se um evento impróprio, uma importação de problemas dispensáveis. E só ajuda à hipocrisia de todo o cenário que todos aqueles comentadores mediáticos que aqui há duas semanas se indignaram ultrajados com as consequências dos festejos dos adeptos do Sporting em Lisboa agora ainda estejam caladinhos. É que: a) para além de confraternizarem, os ingleses embebedam-se e andam à porrada entre si e com a polícia; b) começaram a fazê-lo antes do jogo. Se levar os hooligans a qualquer lado já era uma merda, até mesmo antes da pandemia, agora adiciona-se a falta do coerência dos que se habituaram a vir pregar-nos moral a propósito da nossa responsabilidade colectiva a respeito de contágios. Será porque os ingleses não os percebem e, por isso, estão-se a cagar para o ralhete?... É que, tenho uma novidade para os nossos influenciadores: o estar-se a cagar para o ralhete deles, começa cá pelos de casa.

28 maio 2021

A QUEDA DA REPÚBLICA POPULAR DEMOCRÁTICA DA ETIÓPIA

28 de Maio de 1991. As imagens que chegavam nesse dia às cadeias internacionais de televisão mostravam carros de combate de concepção soviética (T-54/55) a evoluir numa paisagem urbana afrontando uma resistência que se mostrava esporádica. Era um fim de regime, defendido sem muita convicção e, apesar de uma coreografia bem mais desorganizada, as imagens possuíam estranhas semelhanças com o que acontecera 16 anos antes em Saigão, no Vietname do Sul. Só que a cidade desta vez era Adis Abeba na Etiópia, e o que colapsava era o regime comunista do DERG, fundado em 1974 e que edificara a República Popular Democrática da Etiópia. Este outro nome oficial da Etiópia era, só por si, todo um programa político, e quando aqui no Herdeiro de Aécio expliquei o que fora o DERG, não me esqueci de assinalar quanto a história portuguesa daqueles anos (1974-91) se poderia ter assemelhado à etíope no caso - improvável, mas possível - da ala gonçalvista do MFA ter triunfado no Verão Quente. Felizmente não foi, que isto de ter uns militares radicalizados a construir a sua concepção de socialismo à sua maneira não costuma ser lá muito bem sucedido. Mas, para o que interessa em termos de efeméride, é que há precisamente 30 anos, os rebeldes etíopes (e eritreus) penetravam na capital Adis Abeba para derrubar o regime e os seus símbolos (abaixo, uma daquelas tradicionais estátuas de Lenine...). As imagens de Saigão são conhecidíssimas, estas, porque não mete americanos, e apesar de igualmente simbólicas (do colapso do comunismo), ninguém as conhece.
Esta última imagem do derrube de Lenine em terras africanas deixa-me uma questão hipotética: Será que o tal regime hipotético do MFA, encabeçado por Vasco Gonçalves, Rosa Coutinho, Varela Gomes, Diniz de Almeida, Duran Clemente, Eurico Corvacho, Mário Tomé, Matos Gomes, Ramiro Correia, etc. também edificaria uns monumentos a Lenine em terras lusitanas?... O que se pode dizer é que parecia imprescindível que um país comunista tivesse uma coisa daquelas: os cubanos, por exemplo, têm três...

«PORTUGAL VAI RETIRAR-SE DA UNESCO»

28 de Maio de 1971. O Estado Novo celebrava naquela data o seu 45º aniversário, mas o destaque noticioso do dia não ia para qualquer celebração, antes para o anúncio da intenção portuguesa de se retirar da Unesco, organização do âmbito da ONU. As queixas da parte portuguesa, eram expressas em conferência de imprensa pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício. Aparentemente, a gota de água fora uma resolução incidindo sobre o financiamento pela organização do ensino em áreas disputadas que mencionaria expressamente as «regiões libertadas» das três colónias africanas onde se registavam conflitos. O gesto de questionar a soberania portuguesa precipitara esta reacção.

27 maio 2021

«AFUNDEM O BISMARCK!»

27 de Maio de 1941. Afundamento do Bismarck. Tratou-se de uma acção naval medianamente importante (veja-se abaixo o mapa do percurso da incursão do couraçado alemão pelo Atlântico), mas que os ingleses conseguiram, ainda por cima, transformar na novela de propaganda ideal, no momento conveniente, com o apropriado final feliz - o seu afundamento como justa retribuição de ter afundado um grande navio britânico, o HMS Hood, três dias antes. Há muitas pessoas que, mesmo não estando familiarizadas com os detalhes dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, conhecem, ainda assim, este episódio do afundamento do Bismarck, mercê da publicidade que lhe foi dado.
Contudo, fosse a questão de fundo verdadeiramente de cariz naval, da ameaça que o grande navio alemão representaria para a supremacia britânica sobre os mares, então uma outra réplica do Bismarck teria de ter sido uma ameaça equivalente. Porém, quase ninguém conhece a existência do outro irmão gémeo do Bismarck, o Tirpitz, couraçado (que devia ser) igualmente poderoso e igualmente ameaçador, mas que terminou os seus dias escondido e encurralado num fiorde norueguês em 12 de Novembro de 1944, como aqui já dei conta no Herdeiro de Aécio. O afundamento do Bismarck tornou-se importante porque permitiu fazer esquecer que os britânicos estavam a ser escorraçados de Creta - cada vez que tentavam intervir directamente no continente, levavam um enxerto de porrada.

26 maio 2021

A MARINHA AMERICANA E OS »CHARROS»

26 de Maio de 1981. Durante um exercício nocturno realizado pelo porta aviões USS Nimitz ao largo da Florida, um avião EA-6B Prowler falha a aterragem e explode, causando a morte dos 3 tripulantes para além de outra 11 mortes e 45 feridos entre a tripulação de bordo e destruindo 2 e danificando 17 outros aparelhos que estavam estacionados no convés (foto acima). Ao contrário do que se especulava na notícia abaixo, a causa não se devera nada a deficiências estruturais do aparelho, antes a erro de manobra do piloto (que já falhara uma aterragem anterior) quando efectuava uma manobra que é considerada como extremamente exigente: a aterragem nocturna num porta aviões. A história seria mais uma de uma série de acidentes de treino da US Navy, não se viesse a dar o caso, explorado depois pelo jornal New York Times, que as autópsias revelaram que vários dos membros da tripulação de bordo haviam testado positivo para o consumo de marijuana. Era impossível provar o nexo causal - ou seja, assegurar que eles estariam sob o efeito de drogas à altura do acidente e, muito menos, que esse consumo contribuíra para o acidente - mas a revelação do caso na imprensa foi detonador para que a administração Reagan proclamasse uma política de tolerância zero em relação ao consumo de estupefacientes nas forças armadas.

CONVÉM NÃO DEIXAR ESQUECER ESTAS COISAS...

26 de Maio de 2018. Neste artigo da revista The Economist alertava-se para a ilusão das corporações americanas - o «big business» - que a presidência de Donald Trump iria ser benéfica para os seus negócios. O alerta da revista caiu, como seria de esperar, em orelhas moucas, e os três anos entretanto transcorridos vieram provar o quanto estavam enganadas. Como destacava o autor do artigo, havia que apreciar a questão contando com o longo prazo («long run»). E se as corporações gostam de andar à solta quando lhes convém e as condições lhes são propícias, também não se intimidam em recorrer ao intervencionismo estatal quando a situação se lhe torna adversa - como veio a acontecer com a pandemia. E terá sido aí que os patrões da América perceberam finalmente que a passividade da presidência de Donald Trump era bem mais do que ideologia: era incompetência mesmo! Três anos depois, convém não deixar esquecer tudo isto.

25 maio 2021

SALVANDO A TAP COMO PASSAGEIROS DA RYANAIR

É cada vez mais ribombante o silêncio como têm sido acompanhados estas sucessivas injecções de capital para salvar a TAP. Ontem foram mais 462 milhões e o total já se cifra em 1.662 milhões, o que já não deslustra quando em comparação com os (contestados) montantes que têm sido injectados no Novo Banco. Claro que se pode argumentar que as duas injecções não são comparáveis, mas a fronteira das opiniões divididas passa também por dentro do próprio partido governamental e o ministro Pedro Nuno Santos e o seu clã dentro do PS (habitualmente qualificado como a ala esquerda do dito) já perceberam certamente que estão sozinhos nisto. Se correr mal, prefiguram-se muitos camaradas da sua própria bancada socialista que, por ora silenciosos, estarão dispostos a projectarem-se para os seus 5 minutos de fama «à Mariana Mortágua» numa qualquer futura comissão parlamentar para inquirir retrospectivamente porque correu mal aquilo que eles já esperavam que corresse mal. As agências de comunicação que o governo suporta conseguem saturar o espaço mediático com as fosquices do que acontece nos outros partidos, mas parece-me bem mais importante o ambiente de albergue espanhol que grassa no PS. Ou melhor, dado que o assunto de base versa o transporte aéreo, a comparação será mais apropriada se feita com uma colecção típica de passageiros que apanha os voos da Ryanair: «... têm de engolir um voo de um bom par de horas com pessoas com quem não têm nada em comum: é muito chato e desconfortável, mas ao menos acaba por se chegar para onde se queria ir*». O poder. E o que fazer com ele?... O problema aqui é que, como se constata por este exemplo da TAP, cinco anos e meio depois da aventura arriscada da geringonça, se perdeu nos militantes do PS o consenso em que aeroporto se quer aterrar. Pior: descontada a propaganda da bazuca, não vale a pena perguntar a António Costa...
* A comparação original não é minha mas de Suzy Stride, a propósito dos trabalhistas ingleses: «...having to stomach a couple of hours' flight with people they shared little in common with; it could be unconfortable but you got you where you needed to go

A FRAGILIDADE EUROPEIA

Duas pequenas notícias de 25 de Maio de 1946 dão-nos uma perfeita ideia do que era a fragilidade da Europa de há 75 anos. Alguns dos pequenos países vencidos (como a Áustria, na notícia da esquerda) mostravam-se incapazes de se alimentar e quanto aos grandes países, mesmo teoricamente vencedores (como a França, na notícia da direita), exibiam a sua completa dependência financeira dos Estados Unidos.

24 maio 2021

«ZERO TITULI» E «VI€IRA SEM FUTURO»

Mais do que um grande treinador, considero José Mourinho um grande boneco da comunicação. Consegue produzir tiradas nas conferências de imprensa que se tornaram tão inesquecíveis quanto jogadas de Messi ou golos de Ronaldo. Esta sua tirada acima dos «Zero Tituli» foi produzida há mais de dez anos (2009), quando treinava o Inter, e tornou-se viral desde aí. Hoje é um dia oportuno para a recuperar a propósito do Benfica que, depois de perder ontem a final da Taça de Portugal, termina a época com os «Zero Tituli» que José Mourinho se encarregou de tornar uma expressão italiana conhecida mundialmente. E isso aconteceu apesar de - e continuo a citar Mourinho - o Benfica possuir «grandessísimos jogadores» - tinha realizado esta época um investimento record de 81,5 milhões - e ser «conhecido pelas suas tradições» e «cultura vencedora»... Dá-se a curiosidade que estes «Zero Tituli» ocorrerem um par de semanas depois da presença do presidente da agremiação, Luís Filipe Vieira, numa comissão parlamentar onde compareceu com o duvidoso estatuto de grande devedor do BES.
José Mourinho já não aparece neste outro vídeo, mas a ocasião também foi propícia ao aparecimento de grandes momentos, com um diálogo muito apurado entre o presidente benfiquista e os parlamentares... Há ali, por exemplo, uma história de um palheiro tomado como garantia de um empréstimo de vários milhões que é muito engraçada... Mas regressemos ao presente e constatemos que a vergonha ou o sobressalto cívico que não havia ocorrido na altura entre a nação benfiquista por causa da figura - de escroque - que vimos a ser protagonizada por Luís Filipe Vieira diante dos deputados, só agora surge portentosa, em múltiplas faixas contra Vieira que apareceram colocadas simultaneamente em vários pontos do país. Espontânea, a campanha não só envolve benfiquistas de todo o país como parece sintonizada, já que as faixas são todas iguais e dizem todas o mesmo (note-se o requinte da troca do E pelo €...). Se bem percebi a moralidade e a oportunidade da iniciativa, um escroque na presidência do Benfica ainda vai que não vai, agora um escroque sem conquistar qualquer título, isso já nos leva a preocupar com todo aquele dinheiro que ele roubou...

23 maio 2021

DENÚNCIA SOBRE A COMPLACÊNCIA COMO A COMUNICAÇÃO SOCIAL TRANSCREVE OS DISPARATES QUE SE DIZEM NAS REUNIÕES BLOQUISTAS

Comecei por não prestar atenção mas, mesmo assim, acabei por ficar cansado e depois irritado, tal era a densidade (cerradíssima!) como José Manuel Pureza repetia a expressão «extrema direita» ao longo do seu discurso do congresso do Bloco deste fim de semana. Mas, mais do que a forma, o que mais me irrita é a complacência como os jornalistas fazem ressoar acriticamente os disparates que ali se dizem. (corre por aí uma piada que, se em Portugal só os jornalistas votassem, o Bloco tinha a maioria absoluta na AR e era governo, e a Iniciativa Liberal era a oposição...) Recuperemos, por exemplo, o cabeçalho que a jornalista Catarina Maldonado Vasconcelos escolheu para a sua notícia na TSF, uma citação de uma passagem do discurso de Fernando Rosas: «A extrema-direita encosta-se às velhas direitas porque essa é a forma de chegar ao poder». Ela que experimentasse escrever o mesmo mas agora da perspectiva simétrica: «A extrema-esquerda (Bloco) encosta-se às velhas esquerdas (PS) porque essa é a forma de chegar ao poder». Não faz - também - todo o sentido? Mais, não foi um verdadeiro encosto ao poder que (o senador - sic) Francisco Louçã lá foi fazer, àquele mesmo congresso, lançando o slogan Mariana Mortágua a ministra das Finanças? Um belo slogan político que dominou uma fase dos trabalhos e que foi devidamente propagado acriticamente pela mesma Catarina Vasconcelos? Mas regressemos ainda ao discurso do (senador) Rosas e a uma outra passagem destacada, quando se realça que a luta política contra a extrema direita... «trava-se no terreno das ideias, nas representações do mundo...». Formulado assim eu concordo com Rosas mas quero deixar muito claro que não o vejo a praticar nada do que ali diz. Em primeiro lugar, uma luta política travada no «terreno das ideias» tem de permitir que o oponente exponha democraticamente as suas, por muito absurdas que sejam. Ora, no Bloco a ordem é amordaçar o Chega. É nesses detalhes que se percebe que, apesar de recoberto por uma camada de açúcar, o Bloco é uma organização comunista, totalitária. E em segundo lugar, e quanto às «representações do mundo», e para dar um exemplo bem concreto e recente, dissocio-me das afirmações de Fernando Rosas há três meses quando, a propósito da morte do tenente-coronel Marcelino da Mata, o classificou de traidor à causa da independência do seu próprio país (veja-se abaixo). Independentemente de Marcelino da Mata ser um ícone da extrema direita, nas minhas «representações do mundo» existe a liberdade de quem emigra escolher ser fiel ao país de acolhimento (Portugal) em vez do de origem (Guiné-Bissau). Uma liberdade que Fernando Rosas não quer reconhecer especificamente a Marcelino da Mata já que, a milhares de outras pessoas oriundas de África e que se naturalizaram portuguesas, não me consta que ele se atreva a classificá-las a todas de traidoras. O seu argumento é, por isso, mais do que um disparate, uma contradição lógica, e o que me parece influenciar a opinião de Fernando Rosas será o facto de Marcelino da Mata, para além de ter imigrado para Portugal e ter adquirido a nacionalidade portuguesa (como, por exemplo, aconteceu com Joacina Katar Moreira!), foi a circunstância de ter combatido por Portugal numa das guerras de África. O que acredito que irritará superlativamente Rosas, mas não desqualificará os direitos de Mata em querer ser português. Embora me pareça que a cegueira ideológica de Rosas - herança dos tempos do maoismo? - não lhe permita perceber a diferença. Aliás, na altura em que prestou aquelas disparatas declarações na televisão, conviria tê-lo rebatido, alertando-o para que, no quadro legal vigente à época dos acontecimentos, o traidor havia sido ele, Fernando Rosas... Mas para isso era preciso que os jornalistas que escutam todos estes disparates utilizassem o seu sentido crítico. Olhem, precisamente aquele aguçado sentido crítico que jornalistas como Bárbara Reis utilizam para desmascarar as aldrabices do Chega e de André Ventura... Era uma forma de eu ficar mais satisfeito com a equidistância crítica da comunicação social e me dispensaria de escrever textos indignados como este.

22 maio 2021

«A CHINAMAN IN NEW YORK*»

* O título é um trocadilho com a música de Sting «An Englishman in New York»
Descobri recentemente estes vídeos em que o protagonista, um americano de ascendência caucasiana, se faz filmar visitando sucessivos estabelecimentos comerciais da Chinatown de Nova Iorque e em que, começando por interpelar as pessoas em inglês, como elas esperariam de um novaiorquino típico, muda subitamente de idioma e, como uma fluência de utilizador corrente, passa a interpelá-las em mandarim ou mesmo num dos vários dialectos do sul da China (veja-se mapa abaixo). O engraçado das sucessivas cenas do vídeo é a reacção sempre surpreendida e posteriormente agradada dos chineses, não apenas os comerciantes mas também na assistência, como se fosse - e deve ser! - extremamente incomum que um ocidental em Nova Iorque se exprima com aquela desenvoltura num idioma estrangeiro que não seja herdado. As cenas têm a sua piada, mas assistir à reacção inesperada dos chineses não deixa de constituir uma reflexão de como é percebida a posição relativa entre as duas culturas - pelo menos nos Estados Unidos... O reverso disso é que, como se aprende lendo o livro abaixo, na própria China a questão linguística também não é desprovida de complexidades

21 maio 2021

ISABEL II - DEPOIS DE TER ENVIUVADO, «OUTRA VEZ DE LUTO», POR CAUSA DA MORTE DE UM CÃO...

Ele há a liberdade de expressão, mas há episódios para os quais se fica com vontade de que o disparate, quando demasiado violento e insensível, devia ser multado. Neste caso desta revista de mexericos, associar a morte do marido de Isabel II, com quem ela esteve casada 73 anos, à morte de um cão de cinco meses(!) é qualquer coisa que não é passível de se comentar.

O INÍCIO DA «SEMANA SANGRENTA» DE PARIS

21 de Maio de 1871. As tropas governamentais francesas entram finalmente numa Paris que se sublevara dois meses antes. A semana que se seguirá irá ser marcada pela progressão dos soldados governamentais pelas ruas de Paris à custa de sangrentos combates urbanos. Este episódio de uma intensa guerra civil em França ficará conhecido pela designação de «Semana Sangrenta». Uma apreciável percentagem das vítimas resultará, não do desenrolar dos combates, mas de execuções. Quanto ao apuramento do número de vítimas, esse permanecerá para sempre controverso. O mapa acima exibe, a progressão das posições governamentais ao longo dessa semana, os últimos redutos dos communards situados na zona oriental de Paris.

O FOTÓGRAFO ESTAVA LÁ, MAS…

Naquela noite de 21 de Maio de 1991, Rajiv Gandhi, que havia sido o primeiro-ministro da Índia entre 1984 e 1989, participava na campanha eleitoral para voltar a sê-lo, aparecendo no evento de um candidato de um círculo eleitoral situado no Sul do país. Não era suposto acontecer, mas os apoiantes mais entusiasmados furaram as barreiras de segurança e precipitaram-se para o recém-chegado para o receber. Entre eles, um fotógrafo entusiasmado que tirava fotografias encadeadas e a senhora que aparece mais próxima na fotografia acima, vestida de verde, com uma grinalda no cabelo e ainda (descobriu-se depois) um cinto propositadamente custurado com 700 gramas de RDX (um poderoso explosivo).
Por inércia, a máquina continuava a fotografar no momento em que a assassina se inclinou aos pés de Rajiv Gandhi para o saudar e a bomba foi detonada, dando-se a explosão – a fotografia desse momento (acima) é que não é particularmente expressiva. Além da suicida e do seu alvo morreram outras catorze pessoas na explosão, incluindo o entusiasmado autor das duas fotografias acima. Seguiu-se o pânico e a confusão, como se constata pela fotografia abaixo, de um outro autor. Promenor macabro: a violência da explosão fora tal que destruíra completamente o rosto do candidato – que era então um dos mais conhecidos em toda a Índia. O cadáver de Rajiv Gandhi teve que ser identificado indirectamente...

20 maio 2021

SE JOSÉ GOMES FERREIRA SÓ AGORA DESCOBRIU QUE PEDRO ÁLVARES CABRAL NÃO DESCOBRIRA O BRASIL, É PORQUE JOSÉ GOMES FERREIRA É UM DAQUELES «DESCOBRIDORES DA PÓLVORA»

Na verdade, a tese de que a armada de Pedro Álvares Cabral não terá sido a primeira expedição europeia a atingir o Brasil tem muitas décadas de antiguidade e hoje é acolhida quase consensualmente pelos historiadores. Não existem provas irrefutáveis de que outros descobridores precederam Cabral mas existem múltiplos indícios de que assim fora. Havendo um consenso de que não foi Cabral, existe uma grande controvérsia é à volta da nacionalidade dos que o precederam: franceses, espanhóis e também outros portugueses. Mais do que isso, este último cenário (o de que a descoberta do Brasil havia sido feita por outros portugueses que precederam Cabral) já era ensinado em Portugal há 50 anos. Eu aprendi assim e ainda me lembro que um indício e argumento forte em prol dessa pré-descoberta foi a insistência do rei português (João II) em empurrar para Oeste o meridiano delimitador da áreas de influência portuguesa e castelhana das 100 milhas a Oeste de Cabo Verde (proposta de 1493) para as 370 milhas que ficaram acordadas no Tratado de Tordesilhas (1494). Portanto se, como se escreve no subtítulo, isto era um «facto sobre a História de Portugal que a maioria desconhece», o »desconhecimento» só se deverá ao facto de que essa «maioria» (e essa maioria incluirá o(a) autor(a) da notícia acima...) não se deve interessar minimamente pelo assunto da verdadeira identidade do descobridor do Brasil... O que me leva a levantar a questão se essa grande dúvida histórica passará a ser interessante só porque José Gomes Ferreira foi ventilá-la para um programa de entretenimento (Casa Feliz, com João Baião) da SIC... Estou firmemente convencido que não, mas constato que José Gomes Ferreira é um homem que se revela cada vez mais polifacetado - já o vi a fazer-se passar por comandante dos bombeiros, por engenheiro civil, à economia trata-a por tu, agora deu-lhe para ser historiador...

Adenda de 27 de Maio: Porque agora se foi meter com a sua classe, houve um par de historiadores que produziu uma análise ao livro Factos Escondidos da História de Portugal. São quase quarenta minutos a zurzir, tanto na obra como no autor, como, sobretudo, na metodologia e na abordagem científica de José Gomes Ferreira. Possivelmente os dois autores da análise só o descobriram agora, mas as insuficiências do autor não eram um facto escondido do panorama mediático português.

O 80º ANIVERSÁRIO DO INÍCIO DA BATALHA DE CRETA

20 de Maio de 1941. Início da invasão aerotransportada de Creta por parte dos alemães. Em menos de duas semanas os britânicos foram expulsos da ilha. Tempos terríveis para estes últimos que, sempre que se confrontavam com os primeiros, perdiam sempre

19 maio 2021

UMA LISTA COM A «NATA» DOS MONÁRQUICOS PORTUGUESES

Lisboa, 19 de Maio de 1951. A notícia da última página é a da celebração de uma «missa em acção de graças, pedindo as melhoras para os duques de Bragança». Os duques, Duarte Nuno (43 anos) e Maria Francisca (36), haviam sido protagonistas, três dias antes, de um acidente de automóvel em Thionville, no norte de França, mesmo junto à fronteira com o Luxemburgo, quando regressavam do casamento do arquiduque Otão de Habsburgo que tivera lugar em Nancy (o arquiduque era o pretendente aos tronos da Áustria e da Hungria). O acidente que vitimara o casal de pretendentes ao trono português revestira-se de algum grau de seriedade: o duque tivera mesmo que ser operado de urgência por causa de uma fractura craniana. A missa era certamente um gesto pio, mas também não era desprovido de significado político. No ano anterior, a Assembleia Nacional portuguesa revogara a Lei do Banimento que, desde 1834, proibia a presença dos descendentes de D. Miguel em território português. O gesto não fora interpretado como o reconhecimento de que a causa monárquica (absolutista) deixara de ser uma ameaça para o regime republicano. Pelo contrário, a explicação mais aceite era que, considerada a idade provecta (80 anos!) do chefe de Estado Óscar Carmona, o chefe de Governo, Oliveira Salazar, não se quereria descartar da hipótese de uma eventual restauração monárquica. Ora, como aqui se assinalou, em 18 de Abril de 1951 morrera Óscar Carmona. Esta seria uma ocasião única para que os monárquicos portugueses promovessem a sua causa, fossem quais fossem as circunstâncias, mesmo um infortunado acidente de viação. A notícia de há 70 anos contém uma relação de participantes na missa que constituíam, à época, a «nata» residente na capital da causa da restauração monárquica para Portugal.

18 maio 2021

«VIVA MARCELO, SEU FILHO DA PUTA!»

Esta é uma significativa fotografia de uma manifestação expontaneamente mobilizada na Guiné Bissau para acolher o nosso presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que ali está a realizar uma visita oficial. A piada está no cartaz, que saúda o Marcelo Ribeiro Sousa. Por causa do frenesim e por causa de estar sempre a dizer coisas, os portugueses ficam com a impressão que Marcelo é muito mais conhecido mundo fora do que o é na realidade: há cinco anos ficou famosa uma entrevista de rua em Nova Iorque de um jornalista francês, que interrogou Marcelo por alguns minutos sem fazer a mínima ideia de com quem estava a falar. Marcelo não se desmanchou, manteve a sobriedade de um jogador de póquer com os quatro ases na mão, mas, no fim, o jornalista Martin Weill teve o «savoir faire» de admitir que dera bronca (abaixo). Não me pareceu modéstia, É o género de partidas que, reputadamente, Marcelo adora pregar.
Porém, e para regressar ao Marcelo Ribeiro Sousa da fotografia de Bissau, essas mesmas questões da deficiência da identificação do presidente português, sobretudo quando ocorrem em países que foram outrora colónias portuguesas, são naturalmente mais delicadas. Aliás, evocam-me uma história antiga, para aí com uns 50 anos e que vale a pena aqui recontar. A história é imprecisa na data - em que visita presidencial ela terá tido lugar - e em que província ultramarina ela terá ocorrido: Angola, Guiné, Moçambique. O que importa reter é que as visitas dos presidentes portugueses às suas colónias eram acontecimentos raros - um por década, se tanto - e solenes. Mas os banhos de multidão já eram os mesmos e organizados do mesmo modo. Com cartazes pré-preparados pelos serviços competentes, mas sobretudo com palavras de ordem. Ora acontece que, para benefício da nossa história, o mano velho que estava encarregue de soltar os vivas da praxe era mesmo um veterano, um veterano de anteriores visitas presidenciais e que na altura de os soltar, aos vivas, regrediu até ao nome do presidente que ele fixara da visita anterior: Carmona. E lá saiu: - Vivá Carmona! - Vivó!!! - respondiam em eco. O problema é que quem se aproximava era Américo Tomás... O administrador de posto, que era o responsável por aquela secção da espontaneidade acolhendo a veneranda figura do chefe de Estado, apercebendo-se do erro, correu para junto do animador, corrigindo-o numa dupla imprecação: - Viva Tomás, seu filho da puta! E o mano velho, dócil: - Viva Tomás, seu filho da puta! - Vivó!!! A história não dá conta do que terá acontecido depois, se os vivas já haviam sido rectificados quando da passagem do cortejo, mas está explicada a minha associação destas duas peripécias associadas ao acolhimento de um chefe de Estado português em terras africanas... Ao contrário do meu título malicioso, mais de cinquenta anos depois, não consta que tenham insultado (expressa ainda que involuntariamente) Marcelo. As palavras de ordem também mudaram muito. Segundo as reportagens, o que agora se evoca não são vivas mas visas - Visa!!! Visa!!! - para emigrar para Portugal, naturalmente.

A BOMBA NA RÁDIO PIRATA

Amsterdão, 18 de Maio de 1971. Eclodira uma guerra entre rádios-pirata que contornavam a legislação e emitiam a partir de navios que navegavam em águas internacionais. Quando um dos países europeus para onde emitiam os incomodava, os navios mudavam de localização e a perseguição tinha de recomeçar. Mas, neste caso, fora a rivalidade entre estações (e navios) que fomentara um atentado - à bomba! - de um dos donos de uma das rádios pirata contra um dos navios concorrentes. O episódio era tão fantástico que foi aproveitado para uma história de BD protagonizada por Barelli (desenhador: Bob de Moor).

- CANTE «ACHILIPU» COM A PANDILHA! -

Promoção de um sucesso musical de há cinquenta anos, cantado por uma banda juvenil espanhola. Cada geração tem os sucessos que merece...

17 maio 2021

...O QUE É IMPORTANTE É QUE NOS ESFORCEMOS!

Ele não será só apenas a gente que não sabe estar. Pelo que consta, ele há também a gente que não saberá entrevistar (uma insuficiência que José Carlos Malato classificou como: lamber parte das partes...). Mas o que é importante é que os convidados de Ricardo Araújo Pereira e ele próprio se esforcem por melhorar. Em tudo: nas estadias mas também nas entrevistas.

ENSAIOS SOBRE A NUDEZ

Helmut Newton em 1981. Do portfolio «Naked and Dressed».

16 maio 2021

«ESCOCESES CONTRA A ENTRADA NO MERCADO COMUM»

Aberdeen, 16 de Maio de 1971. Numa cena pensada para destacar o seu carácter cénico, cerca de 150 escoceses, envergando kilts, aguardavam o automóvel do primeiro-ministro Edward Heath como forma de manifestarem o seu protesto contra a intenção do governo britânico em promover a adesão do Reino Unido à CEE. Recordado 50 anos depois, o episódio torna-se ironicamente cómico, atendendo àquilo que foi a evolução da opinião dos escoceses, enquanto súbditos do Reino Unido e enquanto membros da CEE (agora União Europeia). No referendo de 1975 os escoceses mostraram-se dos mais renitentes em aderir à Europa; contudo, no referendo de 2016, mostraram-se dos mais renitentes em a abandonar (ver mapa abaixo).
O problema político da Escócia parece ter mudado radicalmente nestes 50 anos: agora a questão não se porá em termos de fazer parte do «Mercado Comum», antes em fazer parte do próprio Reino Unido, e o sucessor actual de Edward Heath, tem um problema bem mais delicado entre mãos...

15 maio 2021

CAVACO SILVA E OS SEUS PRÓPRIOS «MONSTROS DA DESPESA»

Só pode ter sido por malícia que os jornalistas da TSF colocaram esta imagem abaixo do ex-presidente e ex-primeiro-ministro Cavaco Silva com o Centro Cultural de Belém (CCB) por detrás, a criticar o «monstro da despesa pública» (que precisa de ser alimentado pelos nossos impostos e que faz com que o governo «tribute tudo o que mexe»). Ora o Centro Cultural de Belém tornou-se, mesmo trinta anos depois da sua inauguração (mais abaixo, notícia de Fevereiro de 1991), o emblema do despesismo descontrolado dos governos de Cavaco Silva. Para o recordar, vale a pena ir consultar uma notícia do arquivo da RTP, que era então a única estação de televisão e controlada (naturalmente) pelo governo. Apresentada como uma «peça retrospectiva das polémicas que rodearam a construção do Centro Cultural de Belém, nomeadamente as que se encontram relacionadas com os elevados custos das obras», a versão mais benigna sobre a derrapagem dos custos que a RTP pôde apresentar, defendendo a acção do governo (de Cavaco Silva) ás críticas do Tribunal de Contas, era que «... o primeiro orçamento falava em 14 milhões de contos (...) e que o orçamento final foi aumentado para 27 milhões de contos...». Era praticamente o dobro do original, mas as informações que circulavam, como o explica a peça televisiva, era que se gastara o quintúplo daquilo que fora inicialmente orçamentado! Perante isso, deixar derrapar as despesas para o dobro do que se orçamentara até parecia razoável... Note-se, e para que não se desconverse a propósito da utilidade e funcionalidades do CCB: eu também sou um utente regular do Centro Cultural de Belém. Agora, coisa distinta é reconhecer que o controle dos custos associados à sua edificação foram um momento particularmente infeliz do domínio do crescimento do «monstro da despesa pública», protagonizado precisamente pelo executivo de Aníbal Cavaco Silva. Nesse aspecto específico, não tem nada de que se orgulhar, antes pelo contrário. Sobre os jornalistas da TSF fica a dúvida quanto às razões porque escolheram a foto. Quanto ao fotografado, ficou-lhe a faltar só a vergonha de reconhecer que o passado não foi o encadeamento de sucessos de que se gaba.

«ORGANIZEM-SE!»

Esta madrugada, por volta da 01H00 da manhã, andava eu por muito longe destas paragens, o dispositivo do Blogger resolveu fazer aquilo que entendo por uma vistoria atenta àquilo que eu tenho vindo a publicar aqui no Herdeiro de Aécio e fez uma razia, seleccionando umas duas dúzias de textos encadeados para «eliminação» por serem muito badalhocos (explicam eles). Não vou nem fingir que acredito que haverá um racional por detrás de tal decisão. Mas a idiotice não acabou por aí: onze horas passadas, e como se pode ver pela metade inferior da imagem abaixo, aí recebi outra catrefa de mensagens anunciando que os textos «eliminados» haviam sido todos «repostos», porque afinal não eram assim tão badalhocos quanto haviam parecido durante a noite. Deve ter sido da escuridão... Para clímax, os textos agora dados como repostos não estão lá, no local onde estavam antes da «eliminação» (e da «reposição»...). Enfim, como rematava aquela anedota (essa sim, mesmo badalhoca) do consultor de organização que participava pela primeira vez no jogo do quarto escuro e que se transformara em vítima dos outros participantes... organizem-se!

14 maio 2021

A CHAPADA A TOSCANINI

Arturo Toscanini, de quem já eu tive a oportunidade de me referir aqui no Herdeiro de Aécio, foi um dos grandes maestros da primeira metade do século XX. E, como bom italiano (quase é redundante ter de o especificar...), foi dos mais temperamentais maestros também. Há muitas histórias a esse respeito e, neste trecho abaixo e só para exemplo, podemo-lo ouvir ao vivo a descompor a orquestra num ensaio, em 1943, quando ele já se mudara para a América. Mas não nos antecipemos e não invertamos os papéis aos personagens, porque na efeméride de hoje, por acaso a vítima do bullying até foi o próprio Toscanini...
14 de Maio de 1931. Arturo Toscanini tinha ido reger um concerto ao Teatro Comunale de Bolonha. A apresentação contaria com a presença na assistência de algumas figuras ministeriais do governo fascista e, por causa disso, pediram a Toscanini que fossem tocados os hinos nacional e do partido fascista, a Giovineza (abaixo). O maestro recusou-se e, como consequência, as entidades ministeriais cancelaram a sua presença. Porém, a solução não terá agradado a todos e ainda nessa noite, alguns camisas negras (militantes fascistas) mais exaltados fizeram-lhe uma espera, agredindo-o fisicamente (tinha 64 anos) e fazendo-lhe um ultimato para que abandonasse imediatamente a cidade.
Toscanini reagiu: antes de partir para Milão por volta das duas da manhã, enviou um telegrama para Mussolini denunciando o que acontecera. O Duce não respondeu ao telegrama mas pôs de imediato todo o aparelho a tentar abafar as notícias sobre o que acontecera. O incidente ficou conhecido como «a chapada (lo schiaffo) a Toscanini». E, embora continuasse a residir em Itália (até 1939), Toscanini não voltou a actuar no seu país até 1946. Por despeito, as autoridades chegaram a apreender-lhe o passaporte, mas o mais irónico de tudo é que Toscanini até fora um simpatizante fascista e dos mais precoces: até se apresentara como candidato a deputado logo nas eleições de 1919! (Não fora eleito).  

«A ARITMÉTICA DO NOSSO DESTINO»

14 de Maio de 1921. A edição de há cem anos do Diário de Lisboa publicava em destaque uma análise - que qualificava de eloquente - sobre o «estado da nossa dívida flutuante», interna e externa (leia-se em baixo o detalhe da notícia destacada). Alguns comentários para ajudar a sua leitura: a) há cem anos, a divisa internacional de referência ainda era a libra esterlina; b) a maior fonte de receitas para Portugal em divisas vindas do exterior eram as transferências da nossa comunidade emigrada no Brasil; c) a situação financeira do país era preocupante. O subtítulo escolhido fora um profético «a aritmética do nosso destino» (por sinal com uma gralha).
Um destino recorrente... Vale a pena não esquecer que noventa anos depois, ainda em Maio, mas de 2011, lá estávamos nós de volta «à aritmética do nosso destino»...

13 maio 2021

COCÓ E GOLFE

Este dispositivo, que foi baptizado pelos inventores por Potty Putter, é uma daquelas invenções que bem podia ter ficado por inventar. A melhor tradução que consegui encontrar para o designar, respeitando o espírito original, será Cocó e Golfe, o que, em qualquer dos dois idiomas, não é apelativo, por mais imaginativa que seja a promoção publicitária, como se pode observar mais acima. Por alguma razão, o acto de cagar é considerado recatado em todas as civilizações. Pressente-se qualquer coisa de artificial nestas duas fotografias promocionais abaixo, mesmo descontando o garrido das camisolas e o facto de um dos buracos ser do Benfica e o outro do Sporting. O ar de ambos é demasiado relaxado para a função primária que os fez ali sentar e, acessoriamente, o gajo da esquerda, menos compenetrado e que até sorri, é um bocado javardo: nem usa cuecas...

12 maio 2021

O CASAMENTO DE MICK JAGGER

12 de Maio de 1971. Ainda a propósito da discriminação demonstrada pelo Diário de Lisboa a respeito da notícia da morte de Bob Marley de que aqui falámos ontem, demonstre-se como a redacção daquele jornal nem sempre fora assim, tão dogmática e sisuda. Precisamente dez anos antes, o mesmo Diário de Lisboa destacava em primeira página a notícia do casamento de Mick Jagger (dos «Rolling Stones», como o título se apressava a informar, para os menos atentos ao fenómeno do Rock & Roll). Bem se sabe que a notícia de um casamento é mais alegre do que a de um funeral, mas também se pode contrapor, conhecida a regularidade como estas figuras do jet-set se casam e se divorciam, que um funeral costuma ser mais definitivo do que um casamento. O casamento realizava-se em Saint Tropez, uma estância balnear chique do sul de França. A noiva era uma nicaraguana chamada Bianca. A notícia não contém nada de substantivo (abaixo), muito menos o pormenor (considerado pitoresco naquela época) que a noiva já estava grávida de três meses. E como já naquela altura se anteciparia, também este casamento acabará em divórcio em 1978.

11 maio 2021

A MORTE DE BOB MARLEY E A MORTE DE BO «OBAMA»

11 de Maio de 1981. Aos 36 anos morre Bob Marley, o mais popular compositor e intérprete de «reggae» (estilo musical jamaicano). Ao contrário do que acontecera com tantas outras estrelas da música, a precocidade da sua morte não se devia a excessos, antes a um cancro (e ironicamente, já que Marley era mulato, a um melanoma). Mesmo não se tratando de uma das super-estrelas mundiais da música rock, a notoriedade e popularidade de Marley e do «reggae» tornam difícil explicar porque é que a notícia da sua morte aparece «enterrada» lá para a página 21 (cultura & espectáculos) da edição do jornal do dia seguinte, ao lado da programação televisiva.
Conhecendo a orientação editorial do jornal em causa (Diário de Lisboa), admite-se que Bob Marley e a sua música não fossem particularmente populares na redacção daquele diário. Nem Marx nem Lenine combinariam bem com os charros ou as tranças «rasta». Esses tempos parecem estar ultrapassados, mas não sei se ao desinteresse de outrora se substituiu um interesse agora excessivo por falecimentos que se mostram também difíceis de justificar. A morte do cão de um ex-presidente dos Estados Unidos parece-me exemplo emblemático de que teremos chegado a um excesso para o outro lado...